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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. v.11 n.20 São Paulo jun. 2006

 

ARTIGO

 

Constituição do sujeito X Desenvolvimento da criança: um falso dilema1

 

 

Subject constitution X Child development: a false dilemma

 

La constituición del sujeto X El desarrollo del niño: un falso dilema  

 

Darlene Denise Machado de Moura Oliveira de MagalhãesI

Universidade Estadual de Minas Gerais

Endereço para correspondência  

 

 


RESUMO

A teoria psicanalítica vem nos dizer da constituição de uma estrutura subjetiva, do tornar-se sujeito de desejo, e da importância dessas construções na infância. Entretanto, há uma tendência entre os teóricos a fazer uma separação radical entre a perspectiva estrutural e a perspectiva do desenvolvimento, criando um hiato entre essas formulações, o que dificulta o diálogo interdisciplinar. Partindo desse ponto de vista, discutirei a possibilidade de um diálogo entre mecânica motora e estrutura discursiva, perpassando diferentes cenas do funcionamento psicomotor que determinam a subjetivação da criança por meio de sua construção corporal. Assim, irei me deter nas diferenças e semelhanças entre estrutura e desenvolvimento, haja vista que uma criança se estrutura e se desenvolve.

Palavras-chave: Estrutura, Desenvolvimento, Constituição do sujeito, Infância e linguagem.


ABSTRACT

The psychoanalytic theory tells us about the constitution of a subjective structure, about becoming subject of desire and about the importance of these constructions in childhood. However, there is a tendency among theorists of making a radical separation between the structural perspective and the development perspective, producing a hiatus between these formulations, which makes the interdisciplinary dialog difficult. Departing from this point of view, I will discuss the possibility of a dialog between motive mechanics and discursive structure, passing by different psychomotive functioning scenes that determine the subjectivation of the child through the corporeal constitution. Thus, I will explore the differences and similarities between structure and development, since a child structures and develops itself.

Keywords: Structure, Development, Subject constitution, Childhood and language.


RESUMEN

La teoría psicoanalítica explica la construcción de la estructura subjetiva al tornarse sujeto del deseo y la importancia de tales construcciones en la niñez. Por otro lado, existe una tendencia entre los teóricos en hacer una separación radical entre la perspectiva estructural y la perspectiva del desarrollo, creando un hiato entre las dos formulaciones, que dificulta el dialogo interdisciplinar. A partir de este punto de vista, discutiré la posibilidad del dialogo entre la mecánica motora y la estructura discursiva; pasando pelas distintas escenas del funcionamiento psicomotor, que determina la subjetivación por medio de su construcción corporal. Así iré detenerme en las diferencias y semejanzas entre estructura y desarrollo, tenido que un niño se estructura y desarrolha.

Palabras clave: Estructura, Desarrollo, Constitución del sujeto, Infancia y lenguaje.


 

 

A Psicanálise elaborou uma teoria sobre a constituição de uma estrutura subjetiva, do processo de tornar-se sujeito de desejo e da importância dessas construções na infância. Tais construções sustentam e determinam o funcionamento de cada sujeito no decorrer da vida. Entretanto, há entre os teóricos uma tendência a fazer uma separação radical entre a perspectiva estrutural e a perspectiva do desenvolvimento, criando um hiato entre essas formulações e dificultando o diálogo interdisciplinar.

Sabe-se que a estrutura e o desenvolvimento atravessam a vida da criança, que se constitui sujeito e se constrói em um corpo que se desenvolve, amadurece e cresce. O desenvolvimento do corpo e sua construção corporal vão formando o aspecto imaginário dessa estrutura que, através da ligação do sujeito com seu funcionamento imaginário, realiza os acontecimentos singulares do desenvolvimento (Levin, 2002). Por meio dessa comunicação inter-humana, a imagem inconsciente do corpo estrutura-se e nela se inscrevem as vivências relacionais que são registradas no inconsciente durante o percurso da libido.Desse modo, pode-se pensar que a imagem inconsciente do corpo tem níveis que estão de acordo com os estágios evolutivos da libido, que passam pelas provas das castrações: castração primária, estágio do espelho, fase oral, anal, e, finalmente, a castração edipiana (Cabral, 2001).

Uma vez ressaltada a importância dessa tênue relação de diferenças e semelhanças entre estrutura e desenvolvimento – haja vista que uma criança constitui-se a partir delas – analisarei aqui o desenvolvimento da criança partindo de uma perspectiva estrutural. A partir desse ponto de vista, discutirei a possibilidade de um diálogo entre mecânica motora e estrutura discursiva, perpassando diferentes cenas do funcionamento psicomotor que determinam a subjetivação do corpo da criança. Proponho, então, um diálogo entre psicanálise e desenvolvimento da criança, tendo como questão norteadora as diferenças e semelhanças existentes entre estrutura e desenvolvimento. Se estrutura e desenvolvimento não são a mesma coisa, embora possuam algo em comum, quais aspectos poderiam discernir o que marca uma estrutura e um desenvolvimento? Qual o limiar entre eles, visto que uma criança se estrutura e se desenvolve?  

 

Desenvolvimento e estrutura

Nos últimos trinta anos, o Brasil foi palco de discussões intermináveis relativas à constituição do sujeito. Na verdade, essas discussões davam continuidade a antigos debates que ocorreram desde os anos 50, na Europa, acerca de contraposições de enfoques científicos que diferenciavam psicólogos, pedagogos e algumas linhas da psicanálise inglesa e francesa.

A bandeira defendida pelos psicanalistas franceses, liderados por Lacan, era a de oposição às teorias psicológicas do desenvolvimento de crianças que foram requintadas pela psicanálise americana, a chamada Ego Psychology.

Segundo Kupfer (2002, p. 63), a idéia de uma descrição do desenvolvimento afetivo-emocional está distante do pensamento de Freud. Talvez essa categoria, a do desenvolvimento emocional, tenha sido criada para marcar uma oposição em relação às descrições pedagógicas basicamente cognitivas ou intelectuais. Quer-se entender como uma criança pensa? Leia-se Piaget. Quer-se entender o que é que sente uma criança, ou por que é agressiva? Leia-se Freud. (...) Freud não pretendeu descrever nada parecido com o “desenvolvimento emocional de uma criança”. No entanto, é assim que sua teoria está identificada em nosso meio. (...) Freud queria, de fato, que sua teoria constituísse, entre outras coisas, um modelo da construção dos processos através dos quais um indivíduo se torna um ser sexuado. Já que uma de suas descobertas mais importantes foi a idéia de que a sexualidade se constrói, não sendo determinada pela biologia.

A perspectiva de Lacan era a de evidenciar uma outra modalidade de funcionamento não previsto pelos desenvolvimentistas: a importância da linguagem e, portanto, o necessário estudo de suas leis para a concepção da constituição psíquica.

Apesar de considerar várias nuances, de acordo com distintos autores, tentarei aqui tratar de seus dois pólos básicos, a saber: o desenvolvimento segundo Jean Piaget e o estruturalismo segundo Jacques Lacan. Cabe salientar que o que se convencionou chamar teorias do desenvolvimento talvez fosse melhor denominado um tipo de estruturalismo; afinal, não é por serem evolutivas que tais teorias não são estruturalistas.

O movimento teórico denominado estruturalismo, bastante forte nos anos 60 na França, liderado por Lévi-Strauss e Jacques Lacan, parte de uma concepção estruturalista advinda da lingüística, ciência criada por Ferdinand de Saussure. Enfim, esse estruturalismo lingüístico reformulado com a inclusão do sujeito passou a dominar e a opor-se a outras formas de conceber estrutura presentes em teorias do desenvolvimento.

1. Desenvolvimento

Inicialmente, irei tratar da teoria psicogenética de Jean Piaget (1896 - 1980), biólogo, epistemólogo e psicólogo que tinha grande interesse na emergência de estruturas novas em processos históricos ou evolutivos. Piaget estudou o que era generalizável na estrutura cognitiva humana: o homem conhecedor.

Considerando as respostas à questão do sentido das tentativas cognitivas iniciais do sujeito como “mal solucionadas”, Piaget questiona as posições do empirismo tradicional: “toda informação cognitiva emana dos objetos e vem, de fora, informar o sujeito”, e do apriorismo/inatismo: “o sujeito está desde o início munido de estruturas endógenas que ele imporia aos objetos” (Piaget, 1983, p. 6), apontando que o postulado dessas epistemologias em todas as suas variações na história das idéias é: supor que existem em todos os níveis um sujeito conhecedor de seus poderes em graus diversos (mesmo que eles se reduzam à mera percepção dos objetos), objetos existentes como tais aos olhos do sujeito (mesmo que eles se reduzam a “fenômenos”), e, sobretudo, instrumentos de modificação ou de conquista (percepções ou conceitos), determinantes do trajeto que conduz do sujeito aos objetos ou o inverso.

No postulado piagetiano, o conhecimento resulta de interações que se produzem “a meio caminho” entre sujeito e objeto, dependente, portanto, de ambos; decorrentes de uma “indiferenciação completa e não do intercâmbio entre formas distintas” (Piaget, 1983, p. 6). De acordo com Piaget (1973, apud Macedo, 1993, p. 145), o conhecimento não procede nem da experiência única dos objetos nem de uma programação inata pré-formada no sujeito, mas de uma interação entre ambos, que resulta em construções sucessivas com elaborações constantes de estruturas novas graças a um processo de equilibrações majorantes, que corrigem e completam as formas precedentes de equilíbrio.

Segundo a teoria piagetiana, em cada momento do desenvolvimento intelectual uma estrutura é responsável por uma forma particular de abordar o meio e emitir uma resposta. Assim, em cada idade temos um modo típico de nos relacionar com o meio, que é determinado por uma estrutura mental característica e que é determinante de uma forma particular de raciocínio. Para Piaget, não há cronologia fixa nos estágios, mas uma sucessão deles: Afinal, seu objeto de estudo era o processo de conhecimento, e o estudo do desenvolvimento humano foi apenas o recurso que ele usou para atingir seu objeto.

Segundo essa teoria, a psicogênese só é compreensível ao se recuar às suas raízes orgânicas, uma vez que, para Piaget (1983, p. 37), as raízes orgânicas das estruturas são explicáveis pelas “auto-regulações com seu funcionamento em circuitos e sua tendência intrínseca ao equilíbrio”. O autor considera que esses sistemas reguladores parecem relacionados aos caracteres gerais da organização vital presentes em todos os seus degraus, do genoma até o comportamento, e estabelecem solução de continuidade entre homeostasia genética, homeorese, homeostasias fisiológicas e as regulações em equilíbrio majorante em todos os comportamentos cognitivos. Assim, na medida em que as auto-regulações podem ser consideradas um funcionamento constitutivo das estruturas, Piaget (1983, p. 39) pode afirmar a solidariedade entre a psicogênese e a biogênese dos instrumentos cognitivos, ao dizer que “instrumentos operatórios nascem, graças à ação, no seio de um sistema material que determinou suas formas elementares”.

Piaget acredita que o processo cognitivo sofre influências de diversas condutas e, entre elas, faz uma consideração particular à afetividade. Para o pesquisador, a afetividade intervém nas operações de inteligência, estimulando, perturbando ou permitindo operações cognitivas originais, mas não é capaz de modificar as estruturas mesmas da inteligência (Piaget, 1983). A abordagem piagetiana das relações entre psicanálise e psicologia das funções cognitivas estabelece que tanto na composição energética dos afetos como na estrutura cognitiva o mecanismo íntimo desses processos é inconsciente.

Assim, “as ações particulares do indivíduo podem ser consideradas por Piaget o conteúdo manifesto, consciente, do resultado de um funcionamento estrutural inconsciente”2. Considera-se também a existência de casos em que a tomada de consciência sofre a ação de um mecanismo inibidor comparável ao “recalque” freudiano, o que se dá quando ocorre a reconstituição lógica de uma ação, por um indivíduo, em função de uma idéia pré-concebida que deforma ou afasta-se do modo como, na realidade, ele procedeu (Piaget, 1973). Tais lacunas e deformações ocorrem porque o procedimento foi compreendido em ação e não em representação.

Afinal, segundo Piaget, alguns esquemas sensório-motores tornam-se conscientes graças a uma tradução em conceitos; posição que lhes dá superioridade em relação a outros esquemas de ação que, por entrarem em contradição com idéias conscientes anteriores, permanecem inconscientes, e são eliminados por incompatibilidade e não integração. O esquema é repelido da consciência antes que penetre de forma conceitualizada. Assim, o recalque inconsciente cognitivo impede a tomada de consciência que será constituída pela reconstrução, no plano superior (consciência), do que já está organizado no plano inferior (inconsciente), e ocorre em função de uma desadaptação na regulação de um esquema de ação até então suficiente (Piaget, 1973). A reconstrução conceitualizada vai se completando pouco a pouco pela integração de dados em novos esquemas conceituais.

Enfim, para Piaget (1970, p. 8) estrutura é um sistema de transformação que comporta leis enquanto sistema (por oposição às propriedades dos elementos) e que se conserva e se enriquece pelo próprio jogo de suas transformações, sem que estas ultrapassem suas fronteiras ou recorram a elementos exteriores. Uma estrutura comporta três características: totalidade, transformação e auto-regulação.

A totalidade ou estabilidade, porque a relação entre os elementos nunca resulta em outro elemento estranho ao conjunto; a transformação, porque os elementos estão sempre relacionados dinamicamente entre si; a auto-regulação, porque uma estrutura nunca pode ser regulada por outra. Portanto, a constituição subjetiva é um efeito da ação, cuja função em Piaget é mediadora da relação entre o sujeito e os objetos, na construção do sujeito cognitivo.

2. Estrutura

A partir da teoria formulada por Sigmund Freud sobre os modelos da sexualidade humana, Jacques Lacan assinalou a ausência de uma cronologia evolutiva na constituição das estruturas do sujeito. Para ele, o sujeito não se desenvolve, o sujeito está antecipado em uma estrutura dada, da qual ele mesmo começa a fazer uso, e na qual desde o início de sua vida esteve imerso.

Lacan formula a base de sua concepção de estrutura a partir da lingüística. Nessa perspectiva, a linguagem é considerada uma instituição coletiva, cujas regras se impõem aos indivíduos, sendo transmitidas, de modo coercitivo, pelas gerações. Contudo, Lacan (1953, citado por Cirino, 2003) discorda dessa concepção de estrutura rígida, uma vez que o sujeito faz parte da linguagem, e é ele quem a diz. O fato de incluir o sujeito falante na estrutura da linguagem faz com que seja necessário pensar essa estrutura como tendo um traço de falha: o sujeito que a faz funcionar não é da mesma materialidade que ela. É essa diferença que possibilita todo o movimento e dinâmica da fala de um sujeito numa língua dada.

Considerar o sujeito estruturado na linguagem, segundo Lacan, é dizer que ele é quase completamente sustentado pela estrutura da linguagem, que, entretanto, comporta uma falha. Afinal, a sexualidade humana, tal como Freud buscou sistematizar, produz o inconsciente, que resguarda conteúdos que não damos conta de aceitar, assim como a estrutura da linguagem não dá conta de dizer tudo o que se passa com o homem. Por isso, Lacan diz que a estrutura tem uma lógica de borracha, que é maleável e não tão rígida como a lingüística (Dor, 1989).

Ao falar da constituição do sujeito, Lacan dedica-se a um estádio do desenvolvimento da criança: o estádio do espelho. Sua teoria do estádio do espelho diz do processo de formação do eu através da identificação do sujeito infans com a própria imagem especular. Esse processo tem início com o “desamparo original” do bebê humano após seu nascimento. Segundo Lacan, a prematuração fisiológica e a falta de controle motor, entre outros fatores, conduzem o bebê a essa identificação com a imagem da unidade corporal que lhe é atribuída pelo agente de seus cuidados (Cirino, 2003).

Para Lacan, a criança tem uma apreensão do simbolismo da linguagem muito antes de poder falar, o que faz com que a aprendizagem da linguagem não se realize do mais simples ao mais complexo, pois, segundo Jerusalinsky (1999, p. 37), “para que um sujeito se constitua, não é necessário esperar que uma criança caminhe, ou que maneje habilidosamente sua preensão, que chute uma bola ou que possa manter sua cabeça bem alinhada em relação a sua visão. Não é necessário, pois há crianças paralíticas cerebrais que nunca manejarão bem a pinça manual, nem caminharão; ou mielomelingocélicos que nunca chutarão uma bola, ou cegos que nunca alinharão a cabeça com sua visão inexistente, e nem por isso serão menos sujeitos de desejo que outras crianças que gozam de todas as habilidades corporais. (...) é certo que não é do corpo, mas da simbolização que nele se opere (a partir mesmo de suas primeiras falhas) que depende esta estruturação psíquica.”

A concepção freudiana de que o inconsciente não se ordena temporalmente teria levado Lacan a dar ênfase ao eixo sincrônico, atemporal, em sua abordagem do inconsciente estruturado como linguagem. Segundo Lacan (1953) apud Cirino (2003, p.115), “o fato de que o tempo lógico não seja objetivo não significa que ele se reduza a um simples sentimento subjetivo (...) Trata-se de um outro tempo, no qual a ação de um se ordena pela do outro: o tempo intersubjetivo que estrutura a ação humana”. Assim, Lacan se apropria da distinção entre o eixo diacrônico (histórico, temporal) e o eixo sincrônico (atemporal) da linguagem baseando-se em propriedades lógicas e não em seqüências cronológicas.

Merecem destaque algumas afirmações de psicanalistas que se dispuseram a enfrentar os problemas de articulação, e mesmo de confrontação, entre a teoria lacaniana e a teoria desenvolvimentista. Cabe ainda salientar que em um processo de desenvolvimento o que se desenvolve são funções instrumentais; entretanto, conforme Jerusalinsky (1999, p. 28) “o desenvolvimento de um bebê humano não opera por simples automatismos biológicos”, uma vez que “os estímulos externos não são o motor de seu desenvolvimento (...) seu corpo não se organiza por suas funções musculares ou fisiológicas, mas sim pelas marcas simbólicas que o afetam”.

Para Jerusalinsky (1999, p. 76), “nesse processo não é a cronologia o que caracteriza, nem uma progressão uniforme, tampouco um ritmo de saltos. O psíquico não tem ritmo, no que se diferencia do biológico que, ao contrário, o tem. (...) O que se desenvolve são as funções articuladas em torno do objeto faltante, como cadeias significantes que lhe dão seu contorno.”

Segundo a teoria lacaniana, a alterização, representada pelo agente da função materna, constitui, na criança, sistemas significantes – as formações fantasmáticas – que se ordenam, em cada exploração corporal, por meio das pulsões, procurando em vão recobrir e penetrar o lugar da falta que é constitutivo do sujeito.

Coriat (1998, p. 15,16), por sua vez, diz que se faz necessária a inscrição, na criança-bebê, de toda uma série prévia de traços mnêmicos. (...) se dizíamos que a inscrição da experiência corre por conta da criança, quais são suas possibilidades de registro? Em um primeiro momento ela só conta com o biologicamente herdado: seus órgãos de percepção. As primeiras experiências vão deixando a sua marca, seu traço mnêmico, imprimindo os signos daquilo que, percebido, impactou como prazer ou desprazer. (...) Se ante o primeiro desprazer o organismo reagiu com o pranto de forma reflexa, uma vez instalado o primeiro traço mnêmico do objeto – desconhecido até então – que proporcionou o prazer, a atividade intencional irá substituindo cada vez mais a ação reflexa e, paralelamente, irá se recortando cada vez mais a realidade do mundo.

Essa experiência inicial é o momento do encontro entre duas estruturas de natureza muito diferente: o corpo do bebê, constituído de um real biológico, e o campo do simbólico. Pode-se dizer, então, segundo Coriat (1998, p. 23,24), o saldo desta experiência é um traço mnêmico primeiro, uma letra que se escreve e, a partir daí, já o real do organismo se transforma porque essa letra ficou escrita. A experiência seguinte já não será igual porque voltará, sim, a ser o encontro entre o Outro e o organismo no real, mas este organismo já estará modificado e voltará a ser transformado pela nova letra, que será o saldo da nova experiência.

 

A constituição do sujeito

Numa perspectiva aberta pela psicanálise lacaniana, a constituição estrutural do sujeito foi elaborada a partir do modelo matemático-topológico apresentado pelo nó borromeano. Trata-se do que se pode ver a partir das considerações de um dos capítulos da tese de doutorado de Vorcaro (1997).

Considerar que as manifestações da criança não são da ordem da ação e considerá-las atos constitutivos de sua realidade psíquica, que se estruturam a partir de sua relação à alteridade, conduziu à formação da hipótese da constituição do sujeito a partir do cruzamento entre: Real, Simbólico e Imaginário.

Supor a constituição do sujeito como algo construído pelo Real, Simbólico e Imaginário implica expor o que pode haver de encoberto na concepção de desenvolvimento. Vorcaro (1997, p. 15) afirma que esta concepção explica o sujeito pela evolução de um sistema de necessidades, num corpo que tenderia à acumulação adaptativa. Afinal, a noção de desenvolvimento se pauta pela maturação ou pela complexificação de um equilíbrio cada vez maior, superador do que o precede e a que jamais retornaria.

Partindo desse pressuposto, pode-se pensar na topologia do nó borromeano, que mostra a articulação e a constrição das dimensões Real, Simbólico e Imaginário, formalizadas por Lacan. Cabe lembrar que a topologia é um ramo da matemática que estuda o espaço a partir dos movimentos de um objeto nele inserido. A finalidade da topologia, segundo Lacan, é “dar conta da constituição do sujeito”, estabelecendo, segundo Vorcaro (1997, p. 67), “a estrutura daquilo que Freud definiu como “realidade psíquica”, realidade determinada pela constrição que suspende uma condição desejante singular e indestrutível, demarcada por uma constelação de traços que estruturam a relação ao inconsciente”.

A topologia borromeana apresenta três dimensões, e cada uma desempenha a mesma função de manter juntas as outras duas, ao mesmo tempo em que as distingue: o Real, o Simbólico e o Imaginário. Tal processo pode ser entendido a partir da descrição proposta por Vorcaro (1997). Essas três dimensões enlaçam-se num nó, de modo “incessante e indestrutível”, fazendo, de cada uma delas, um círculo. Cada uma das três dimensões é efeito dessa dupla ligação que a liga e a constringe às outras duas. Enfim, o nó borromeano é efeito de linguagem que se enuncia através do uso da palavra.

Segundo Vorcaro (1997, p. 15, 16), esta superposição real do organismo à posição simbólica investida imaginariamente pela alteridade de um agente, produz uma espécie de regularidade automática de alternância. (...) Aí presença e ausência intercalam-se na automaticidade que articula a resposta materna à manifestação da necessidade. Essa matriz simbólica, que se inscreve na alternância de dois estados, inaugura a condição de subjetivação. (...) Podemos, assim, distinguir o organismo como algo de real, a alternância entre os termos (tensão e apaziguamento) como simbólica, e a consistência dos sentidos em que o agente materno interpreta o organismo como imaginária. É o que nos permite planificar R,S,I como três linhas vizinhas e maleáveis, que sofrerão deformações contínuas.

A partir da estrutura do nó borromeano, é possível articular o modo como o sujeito inscreve-se no simbólico que lhe pré-existe. Afinal, é por meio do investimento da alteridade na criança que se traça a incidência da ordem significante (Vorcaro, 1997). A intervenção do agente da função materna é a condição que viabiliza o organismo a tornar-se sujeito. O suprimento das necessidades vitais do bebê implica a estrutura desejante do sujeito que aí se apresenta fazendo função de agente que suporta a linguagem.

Para Vorcaro (1997, p. 20), situar a criança no processo de estruturação subjetiva exige a hipótese de não haver insuficiência de linguagem mas insuficiências subjetivas, que conferem as condições para a circulação significante que a criança pode ter, na trajetória lógica de sua estruturação e no aprisionamento de enlaces aí gerados.

O agente materno, no entanto, toma o bebê em uma posição de desejante e, ao cuidar dele, faz de si mesmo o instrumento da vivência de satisfação do bebê. Ao transformar o grito da necessidade em apelo, é nomeada a demanda de um sujeito. A essa demanda suposta a um sujeito, o agente responde trazendo o apaziguamento, e é por meio dessa comunicação, na qual se supõe um sujeito pelo grito, que se instaura o simbólico.

Para que um bebê sobreviva, é necessário que ele busque a linguagem para se comunicar, e passa a servir-se da linguagem em grito, em vocalizes, na intenção de convocar o outro. Desse modo, haverá uma mediação até o ponto em que a linguagem sozinha resolva a tensão. O que vem dar a esse bebê a sensação de prazer é a alternância vivida entre tensão orgânica e apaziguamento, uma vez que, antes de o bebê possuir um “Eu”, ele é submetido a esse ritmo imposto pela mãe. Esse tempo é rompido quando a articulação entre tensão e apaziguamento falha, obrigando o bebê a mobilizar-se para refazê-la. Nesse momento, ele engaja-se na linguagem, e se manifesta para apelar ao Outro o retorno do ritmo perdido; ou seja, a sua manifestação tem função simbólica. Assim, a mãe empresta para o bebê uma subjetividade que ele ainda não tem, ao introduzí-lo na linguagem.

Entretanto, é a manutenção da alternância pela mãe que permite, segundo Lacan (1956-7) apud Vorcaro (1997, p.75), a “relação com a presença sobre o fundo de ausência e com a ausência na medida em que esta constitui a presença”. Essa primeira relação constitui a função simbólica mediada pelo agente-suporte-da-linguagem.

 

O diálogo entre a Psicanálise e o desenvolvimento psicomotor: a tentativa de uma junção entre estrutura e desenvolvimento

Se o Inconsciente se dá a ouvir no que o discurso cala, o corpo se dá a ver no que no olhar do Outro falta. Alfredo Jerusalinsky (1999, p.70)

Crescimento, maturação e desenvolvimento são termos que se referem a três perspectivas teóricas diferentes, relativas aos processos evolutivos da criança. O termo desenvolvimento é, entre os três conceitos, o mais abrangente, já que remete às transformações globais que, incluindo o crescimento, a maturação e os aspectos psicológicos, conduzem a adaptações cada vez mais flexíveis.

Entretanto, Levin (2002, p.27) lembra que “o sujeito nunca se desenvolve: o sujeito se estrutura ou não há sujeito. O “ou” opera aqui como disjunção e não como conjunção. Neste sentido, uma criança se desenvolve, mas um sujeito não”. Assim, não se pode equacionar sujeito e criança, da mesma forma que não se pode equacionar estrutura e desenvolvimento. Devemos estabelecer a seguinte equação lingüística:

 

Segundo Levin (2002, p. 33), a estrutura é a linguagem; implica um corte sincrônico e uma constância; constitui-se em relação com o Outro e é constituinte; não se desenvolve. (...) O desenvolvimento é do corpo em seus aspectos motores, verbais, mentais; implica uma diacronia (corte horizontal); constrói-se em relação com a demanda do Outro; e supõe um processo de construção, de aprendizagem e de maturação.

Tal estrutura é inteiramente governada pela ordem simbólica, ao passo que o desenvolvimento é governado pela dinâmica do imaginário.

Coriat e Jerusalinsky (1999, p. 193) afirmam que “ao falar de desenvolvimento é preciso distinguir entre as articulações que constituem o sujeito e os instrumentos de que esse se vale para realizar seus intercâmbios com o meio ambiente. Falamos, então, de aspectos estruturais e instrumentais do desenvolvimento”. Quando um bebê nasce, este faz diferentes movimentos que são denominados “naturais”: os movimentos reflexos arcaicos, movimentos espásticos, movimentos espontâneos e movimentos automáticos. À medida que ocorre o desenvolvimento psicomotor da criança, os movimentos reflexos e os automáticos arcaicos vão desaparecendo, o que, para Levin (2002, p. 43), pode ser explicado assim: os movimentos arcaicos desaparecem ou silenciam e retornam diferentes, como intencionais ou voluntários, é que entre “o arcaico” e “o voluntário” se produz uma inscrição, uma marca ou traço (uma letra). Poderíamos afirmar que o corpo arcaico, instintivo, silencia para retornar pulsionalizado em outro tempo. (...) Os movimentos arcaicos são alterados pela inscrição da letra.

Desse modo, há o retorno da motricidade numa posição já subjetiva. É que antes de o sujeito passar por essa marca, essa inscrição, há o que Lacan chamou de “lalingua”, referindo-se àquele acúmulo de sensações, sons e estímulos que ainda não estão ligados, que não foram articulados em uma rede significante.

Quando falamos em estrutura psicomotora, falamos dos aspectos neurológicos e psíquicos do sujeito e de suas articulações. Para Jerusalinsky (1999, p. 193), por exemplo: estes processos se assentam e transcorrem num corpo. Por isto, quando falamos de estrutura psicomotora, nos referimos centralmente ao corpo e suas produções. (...) Essas produções abarcam um sem número de atividades: o movimento, o tônus, os gestos, as posturas, os jogos, a palavra etc., desenvolvidas em um espaço e em um tempo e basicamente em uma relação com um Outro e com o que este Outro produz manifestando nesta produção seu desejo.

No enfoque psicomotor, o corpo se apresenta não só como instrumento, mas também como corpo imaginário e simbólico. Há um lugar de diferença com o Outro que permite a circulação do desejo. Tem-se, assim, segundo Jerusalinsky (1999, p. 194), “um corpo instrumental, vinculado à realidade corporal: o esquema corporal. Por outro lado, um corpo imaginário, determinado inconscientemente em relação com o desejo: a imagem corporal.”

O corpo humano depende, portanto, para sua subsistência, de um Outro, já que a criança quando nasce é imatura, e sem o Outro não conseguirá constituir um corpo subjetivado. De acordo com Levin (2003, p. 52) é o Outro que vai criando nesse puro corpo “coisa”: buracos, bordas, protuberâncias tatuando deste modo um mapa corporal produto do desejo do Outro, que o erogeiniza, pulsionaliza, ou seja, cria-lhe uma falta no corpo, uma maneira, uma forma de que lhe falte algo. Estas faltas primordiais geram uma queda deste corpo “coisa”, “carne” puro real, que ao cair reencontra-se sujeito ao Outro. Estas marcas, estes modos de que falte algo no corpo, transformam-no num corpo erógeno e simbólico.

O pedido da criança ao passar pelo Outro, transforma-se em demanda. Esse estado de necessidade, tomado e transformado pelos significantes que vêm desse Outro, é o que dá à criança o dom da linguagem. Para Levin (2003, p. 54), “São justamente os cortes, as inscrições, os que vão ir construindo a superfície corpórea de um sujeito. É daí que se origina o conceito sustentado por J.Bergès, do corpo como receptáculo, lugar de inscrição”.

Levin acredita que para construir o seu espaço e o seu corpo, a criança deverá identificar-se com a imagem especular, mas também deverá separar-se dela. Para que isso aconteça, a criança terá que gerar um espaço e um corpo diferentes do corpo materno. Haverá, então, uma passagem de um ser uno com a mãe a um ser capaz de poder separar-se dela, surge aí a zona transicional de que tanto o bebê quanto a mãe irão beneficiar-se, uma vez que essa passagem está em “função de ausência”. Através do brincar de presença e ausência, a criança finalmente encontrará uma porta de entrada aberta para separar-se do corpo materno. Haverá uma passagem de um domínio imaginário do corpo a um domínio simbólico.

Ao falar do corpo humano, Levin (2003, p. 67) afirma que ao ser inscrito pelo desejo do Outro o corpo humano diz; diz nas suas posturas, nas suas atitudes corporais, em seus gestos e em seus movimentos, por isso não se trata de uma mera ação motora, mas de um ato, de uma práxis, de um ato de dizeres, desejante, por isto é psicomotor: porque toda a motricidade humana está tomada pela linguagem.

Essa leitura da motricidade é fundada no fato de o autor acreditar que o corpo de um sujeito é Letra, é gramática, e é lida pelo outro enquanto tal (o que implica uma reconstrução). Lê-se o sentido e por isso o corpo é da ordem do imaginário, e, como a imagem não diz, necessita de um Outro que inscreva um dizer no corpo, que o torne imagem do corpo, que o metaforize em seu “toque” significante. (Levin, 2003, p. 47)

A imagem corporal aparece nesse processo como constituinte do sujeito desejante e não é da ordem do evolutivo, visto que vai se constituindo a partir da experiência subjetiva, razão pela qual está relacionada com a inscrição, com a demarcação mnêmica. A memória, no entanto, inscreve-se no corpo que, para Levin (2003, p. 72), vai constituindo uma descontinuidade, um corte, uma alteridade, uma marca, produto da linguagem que dá a possibilidade de gerar imagens que recobrem a falta sem esgotá-la. Por isso a imagem corporal é um mistério, uma incógnita, e é inconsciente. (...) Justamente a diferença fundamental não reside no esquema corporal, mas em cada um foi marcado, tatuado, mapeado, de forma diferente.

Como Lacan pode nos demonstrar, o inconsciente é estruturado como uma linguagem, e é essa linguagem que entra em jogo na relação transferencial. Segundo Levin (2003, p. 82), “Isto é o que devemos conceber no campo psicomotor, já que o corpo se humaniza por relação à linguagem, ao significante, ao inconsciente, à proibição, à castração que se opera no corpo de um sujeito que, por ser sujeito, é parlante”. Assim, o corpo por si só é pura ação corporal – uma vez que nele não há lei simbólica, não há um sujeito.

Ao fazer referência à ordem simbólica, Lacan declara-a constituinte do ser humano e não constituída por ele. Assim, Levin (2003, p. 90) acredita que quando consideramos o diálogo tônico entre a mãe e o seu filho, não se deve acentuar única e univocamente o aspecto tônico, mas o que dele fica em jogo no campo do desejo. (...) Esta linguagem, este diálogo, metaforiza a experiência corporal e traça a condição de todo corpo humano, que é a de ser discursivo e simbólico.

Levin afirma que não se trata, então, do universo simbólico da linguagem corporal em oposição à linguagem verbal, mas de um mesmo discurso que determina e constitui o sujeito. A linguagem, enquanto estrutura constituinte, diz de um discurso corporal que a concebe como estrutura na qual opera o inconsciente do sujeito. Ferdinand de Saussure (1985) apud Levin (2003, p.93) diz que: “Não é a linguagem falada o que é natural no homem, mas a faculdade de construir uma língua, quer dizer, um sistema de signos diferentes que correspondem a diferentes idéias”.

 

Considerações finais

Segundo Coriat (1999) apud Bernardino (2004, p. 34), “não há como negligenciar um tempo cronológico, com as sucessivas transformações que se vão operando no devir (...) é na repetição das experiências que vai se construindo a estrutura do aparelho psíquico”. Diante disso, Coriat enfatiza a incongruência, para os psicanalistas, de tentar isolar, da questão do sujeito, a posição em que ele se encontra na linguagem.

Se o inconsciente tem estrutura de linguagem, como conceituou Lacan, “quando se trata da constituição de um sujeito, trata-se da construção de um lugar a partir do qual ele vai se posicionar como falante, isto é, de uma estruturação”. (Bernardino, 2004, p. 39) Dentro dessa tênue relação entre o desenvolvimento maturacional do sujeito e sua estruturação, como articular inconsciente e tempo para chegar a uma definição de estrutura?

Lacan apropria-se da noção de estrutura de um modo bastante particular. Ao conceber o inconsciente estruturado como linguagem, propõe uma articulação entre a inserção simbólica e o desejo a partir da estrutura da linguagem representada por alguém na função de Outro. E é esse Outro que, segundo Bernardino (2004, p. 51), se encarrega de “fazer do infans – o humano enquanto puro vivente – um falasser, ou seja, um sujeito nos dois sentidos do termo na língua: assujeitado à Linguagem (à fala do Outro, nele, que o divide) e aquele que enuncia as frases, em nome próprio”.

A partir de sua concepção de psicomotricidade, Levin propõe uma distinção entre a estrutura governada pelo simbólico – e ordenadora do processo – e o desenvolvimento, que concerne ao Imaginário. Em determinados momentos, que ele denomina pontos de encontro tyché2, estrutura e desenvolvimento se tocam, mostrando-se presente essa relação de interdependência entre o orgânico maturacional e a subjetivação do sujeito (Levin, 2002).

Na inscrição de um traço mnêmico, Coriat (1999) apud Bernardino (2004, p. 54) enfatiza a necessidade de dois elementos, igualmente considerados por Freud: o orgânico por um lado e o significante por outro. Não há inscrição sem estes dois elementos. Se o sujeito é afetado pelo significante, ainda é preciso que haja um sistema nervoso, uma base orgânica, para que este significante que o afeta fique registrado. E no que se refere ao orgânico, o tempo do desenvolvimento conta, pois há uma dependência de fatores neurofisiológicos, maturacionais.

No tratamento das inscrições fundamentais não há como negar a interdependência entre os fatores orgânicos e os de linguagem. Como então dar conta desse processo complexo sem ter uma postura radical em relação à teoria desenvolvimentista e à teoria estrutural? Segundo Bernardino (2004, p. 56), estamos sempre no entrecruzamento de uma maturação que é movida por uma lógica de linguagem e marca o acontecimento biológico, ao mesmo tempo em que é dependente dele. (...) os tempos lógico e cronológico se conjugam ou, como no caso das patologias, se curtocircuitam.

Da inscrição do significante até seu desenrolar numa estrutura, o tempo da maturação não pode deixar de ser considerado, pois a dimensão orgânica é a matéria-prima sobre a qual vai operar o significante. Assim, se pensarmos como Lacan que “é nos hiatos entre um tempo e outro que o sujeito emerge, é nestes intervalos que temos também a possibilidade de que o sujeito não emerja”. (Bernardino, 2004, p. 81).

 

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Endereço para correspondência
Darlene D. M. Moura Oliveira de Magalhães
R. Brasiléia 603/202 – Bairro Ouro Preto
31340-090 Belo Horizonte, MG
tels.: (31) 3498-4663 / (31)8804-7033
darlenemachado@hotmail.com

Recebido em novembro/2005
Aceito em fevereiro/2006

 

 

NOTAS

1 Artigo desenvolvido a partir de Monografia defendida no 2º semestre de 2004 para o departamento de Psicologia da PUC/MG. Orientadora: Profa. Dra. Angela Vorcaro
2 Tyché: autômaton e tique são termos que Lacan toma do vocabulário de Aristóteles para diferenciar a insistência do retorno dos signos, comandados pelo princípio do prazer (autômaton), do encontro contingente com o real (tique), que vige por trás do autômaton, e arrasta o sujeito no fisgamento da repetição.O nome foi alterado para garantir o anonimato desse caso clínico. “TO BI AS” foi escolhido porque, assim como Hamlet de Shakespeare, Tobias não se interroga sobre o que quer, ficando paralisado diante da questão “to be or not to be”.

I Psicanalista, membro da Pré-Escola Terapêutica Lugar de Vida.

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