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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. v.11 n.21 São Paulo dez. 2006

 

DOSSIÊ

 

Psicanálise, infância e legalidade1

 

Psychoanalysis, infancy and legality

 

Psicoanálisis, infancia y legalidad

 

 

Mercedes Minnicelli; Daniela Teperman (Trad.)

Universidade Nacional de Mar del Plata, Argentina

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo apresentaremos uma introdução à análise teórica-clínica-institucional que une os termos infância e legalidade a partir da perspectiva psicanalítica. Analisaremos como se estabelecem as bases para a sustentação intergeracional da instituição da infância – como metáfora do sujeito – por meio de quatro eixos de análise da questão, que nos permitem chegar à hipótese Infância em Estado de Exceção.

Palavras-chave: Psicanálise, Infância, Legalidade, Direitos da criança e do adolescente, Estado de exceção.


ABSTRACT

In this paper we present an introduction to the theoretical analysis-clinical-institutional that ties the terms childhood and legality from the perspective of the psychoanalysis. This essay aims at analyzing how the bases are tunneled for the intergenerational support of childhood institution – as long as metaphor of the subject – through the four axes of analysis of the question that allow us to arrive to the hypothesis Childhood in State of Exception.

Keywords: Psychoanalysis, Infancy, Legality, Children’s law, State of exception.


RESUMEN

En este escrito presentaremos una introducción al análisis teórico – clínico – institucional que liga a los términos infancia y legalidad desde la perspectiva del psicoanálisis. Se tratará de analizar cómo se socavan las bases para el sostén intergeneracional de institución de infancia - en tanto metáfora del sujeto - a través de cuatro ejes de análisis de la cuestión, que nos permiten arribar a la hipótesis Infancia en Estado de Excepción.

Palabras clave: Psicoanálisis, Infancia, Legalidad, Derechos del niño, Niña y adolescentes, Estado de excepción.


 

 

Infância, significante em falta de significação

Infância é um termo polissêmico, de ampla circulação em nossos tempos, ao qual conferiremos estatuto de significante. Nesse sentido, será considerado categoria formal, não ontológica. (Mannoni, 1997).

Como significante, opera no falante e se faz presente em ditos e dizeres dando o que falar, e também o que calar. (Nasio, 1994).

Nesse sentido não podemos deixar de nos perguntar: De que “infância” se fala? Sua polissemia convoca-nos a abrir o leque de significações tanto nas diferentes disciplinas que o tomam como objeto de estudo, como nos diferentes sentidos que adota. (Mannoni, 1997).

(a) se o adjetivamos: Infância abandonada, infância perdida; infância pobre, infância rica; infância instituída, infância destituída; infância pública; infância burguesa, infância proletária; infância moderna; infâncias...;

(b) se lhe acrescentamos um predicado, como sujeito da oração.

Como objeto de estudo, despertou amplo interesse acadêmico e político na última década, o que constatamos ao recorrermos aos temas de trabalhos apresentados em Jornadas e Congressos especializados e interdisciplinares. No entanto, a diversidade de pontos de vista de cada disciplina permite-nos afirmar que dizer infância não tem a mesma significação para todos, gerando uma diversidade de abordagens possíveis.

A referida polissemia não só abre o campo às controvérsias, mas acompanha o termo desde os tempos em que temos registro do pensamento ocidental. Apesar disso, bem sabemos que ainda não se resolveram os problemas que afetam “isso” que geralmente se chama infância, quando se homologa o termo a menino/a.

Nesse sentido, entendemos que não é possível descrever e inscrever os meninos e meninas fora do universo simbólico veiculado pela linguagem, através de discursos e práticas de época que definem e posicionam as novas gerações em relação a... Outro e a outros; até mesmo em nossos tempos.

Quaisquer que sejam as “histórias de infância” só será possível analisá-las imersas em suas próprias constelações significantes; conferidas pela biografia no singular e pelas projeções sociais que em cada época sustentaram ideais, costumes, mitos, rituais, jogos, saberes e regularizações (filosóficas, políticas, jurídicas, culturais, míticas, religiosas, econômicas, científicas, tecnológicas), investindo de significação as novas gerações humanas.

Denominaremos em termos genéricos ficções ou imaginários as referidas projeções sociais, diferenciando-as do registro topológico do imaginário no sentido que Lacan lhe confere no seminário A lógica do fantasma (1966-67).

A infância não se deixa capturar em nenhum conceito unívoco. Infância, como significante, funciona como chave que faz entrar em jogo a polissemia. Em sua autonomia, o próprio termo, ao ser escutado, ressoa na singularidade biográfica; cada um significa-o de modo diferente ao disparar o jogo da lógica do significante; ou seja, infância ativa o movimento da cadeia ao remeter ao reprimido da própria infância.

No discurso social – acadêmico ou não – torna-se difícil apreender uma definição unificada disso que se chama infância, possibilitando diferentes derivações discursivas e epistemes.

Por sua vez, infância geralmente é homologada a criança2. Contudo, não têm ambos os conceitos, em sentido estrito, a mesma conotação. Infância e criança só são homologáveis em sentido geral se consideramos a infância como um ciclo da vida em termos cronológicos.

Os meninos e as meninas estão sujeitos às variantes históricas de significação dos imaginários de época, que promovem ao longo dos tempos ditos e dizeres3 da infância e sobre a infância; ditos e dizeres presentes em discursos e práticas que enunciam descontinuidades e continuidades nos modos de situar a infância4 em diferentes tempos históricos e em diversos discursos disciplinares.

Para além das variações possíveis nos imaginários de época como marcas que definem momentos, signos que podemos identificar como corte sincrônico na continuidade diacrônica; como acontecimentos que também estiveram sujeitos ao jogo significante de infância – expresso em discursos e práticas falantes e silenciosas sobre a infância, sobre os meninos e as meninas – em sua repetição; aquilo que se repete é único, é um e abre-se com ele um conjunto de repetições por vir, que darão conta do jogo do um e do múltiplo.

Ditos e dizeres postos na relação significante expressam a tensão entre o velho e o novo; entre tradição e inovação; entre continuidades e descontinuidades históricas que estiveram e continuam estando presentes.

De um modo ou de outro, no momento em que estas páginas são escritas, não podemos menosprezar o valor que representa o fato de que hoje se fale da infância; e de que essa explosão talvez se pareça mais ainda a um monólogo paralelo do que à busca de significações a partir das quais possamos, além de falar, fazer algo que redunde na diminuição do sacrifício5 desnecessário ao qual se oferecem e são oferecidas as novas gerações humanas.

Nesse sentido, renovamos uma questão fundamental em nossos tempos: O que é a infância desde que existe no discurso a psicanálise?

 

Infância e Linguagem

Giorgio Agamben (2003) confere à noção de infância outro estatuto que afasta discursivamente a perspectiva da infância como invenção moderna.

Dirige-se, então, à leitura freudiana sobre os sonhos; identifica assim a infância do homem com o inconsciente de Freud (como instância psíquica) e o inconsciente (como o reprimido primordial), situando-se – tal como o fizera Lacan – na leitura do texto freudiano a partir da lingüística de Benveniste.

Agamben observa que Infância e Linguagem parecem remeter-se mutuamente em um círculo no qual “a infância é a origem da linguagem e a linguagem, a origem da infância” (2003, p. 66). Talvez seja justamente nesse círculo que devamos buscar o lugar da experiência como infância do homem.

Para o filósofo italiano contemporâneo, a infância instaura na linguagem a divisão entre língua e discurso, que caracteriza de maneira exclusiva e fundamental a linguagem do ser humano. Divisão que, de acordo com Benveniste, coloca-se entre o semiótico e o semântico; entre sistema de signos e discurso. A infância, a experiência transcendental da diferença entre língua e fala, abre pela primeira vez seu espaço à história. “Por isso Babel, ou seja, a saída da pura língua edênica e a entrada no balbucio da infância (quando a criança, conforme dizem os lingüistas, forma os fonemas de todas as línguas do mundo), é a origem transcendental da história...” (Agamben, 2003, p.74).

Operação subjetiva que se renova e, cada nova criança deverá atravessar, experimentar, uma vez que ali se abre um intervalo no qual a fantasia e a imaginação, o fantasiar e o imaginar, terão um papel preponderante como produções humanas de experiência6.

Nesse sentido não se pode considerar a história como um progresso contínuo da humanidade falante ao longo do tempo linear. A história é, nessa perspectiva, essencialmente intervalo, descontinuidade, epokhé. O que tem sua pátria originária na infância deve seguir viajando até a infância e através da infância.

A formulação de Giorgio Agamben sobre a relação entre os termos infância e linguagem e a perspectiva da psicanálise sobre a relação entre desejo e lei permitem-nos promover as seguintes hipóteses de trabalho:

A infância – como significante – é para a linguagem o que o desejo é para a lei.

A infância é e será um significante sempre em falta de significação. A instituição da infância pela linguagem deixa como saldo um vazio inaugural, abrindo um intervalo para a constituição do fantasma como modo de resposta subjetiva na relação do sujeito ao Outro7.

A posição tomada implica a renúncia à lógica de progresso – que caracterizou nos últimos séculos o pensamento hegemônico contemporâneo – para dar lugar a uma outra lógica, aquela que responde à legalidade do inconsciente e, às operações de inscrição social – cerimonial – da lei como ordenadora da subjetividade.

Consideramos, a partir de Lacan (1987), o inconsciente estruturado como uma linguagem, regido pelas leis da metáfora e da metonímia. Inconsciente que institui a linguagem ao instituir a infância, marcando a diferença entre o semiótico e o semântico, entre língua e fala. Assim como a lei produz o desejo, criando- o; a linguagem produz a infância, que cria ao instituí-la na diferença.

O suporte dessa passagem é conferido pela operação subjetiva da castração no Outro, a qual se sujeita às vicissitudes e acidentes singulares, implicando para cada novo filhote humano, como objeto a no fantasma do Outro, ir constituindo seu fantasma; fantasma que não é mais que a resposta singular que o sujeito se dá à pergunta pelo desejo do Outro: o que quer o Outro de mim? (Lacan, 1993).

Essa pergunta, singular e subjetiva, requer balizas sociais que se concretizam em cerimônias que funcionam como Outro social, Terceiro Social da Palavra, no dizer de Legendre (1994).

Em nossos tempos, o que chamamos de formas cerimoniais ou simplesmente cerimônias configuram- se a partir do aparelho burocrático institucional construído em tempos modernos, instaladas nos circuitos legitimadores administrativo-burocráticos que ordenam o funcionamento do sistema. Isso nos leva a defini-las como instância discursiva chave, na qual se encontra o texto que nos permite fazer dele um discurso.

 

Infância e legalidade

Então, se a infância é para a linguagem, o que o desejo é para a lei, podemos formular a condição de possibilidade da relação entre infância e lei através das operações coletivas de instituição da infância e dos modos de conferir referências de legalidade.

Devemos distinguir a inscrição da legalidade subjetiva da letra do texto jurídico para poder situar a tensão possível entre uma e outra.

Trata-se da questão da relação do sujeito ao Outro, portador do tesouro de significantes, portador da legalidade da cultura; quer dizer Outro – Terceiro social da palavra (Legendre, 1994) – como veículo do universo simbólico no qual a questão da infância opera.

Isso que chamamos de sociedade, dirá Legendre, sustenta-se nas montagens institucionais que normalizam ficções e oferecem o enquadre social simbólico de produção de subjetividade.

Nesse sentido, as questões vinculadas às legislações e instituições modernas sobre os menores de idade mimetizaram-se com as marcas da lei encarnada em uma paternidade fracassada; tal é o caso do patter, instituição jurídica do Direito romano que condensa na figura do pai os dois princípios fundantes da lei jurídica do ocidente: propriedade e paternidade.

Ambos os princípios não só não são homologáveis, mas sua consolidação produziu severas conseqüências subjetivas e coletivas tais que, deslocando a função da lei na estrutura como vazio instituinte, pretenderam, em vez disso, completar esse lugar e ser a lei, ou seja, encarná-la e não a representar.

A disjunção entre a letra da lei e a sua aplicação por parte dos representantes judiciais apresenta uma distância que possibilita uma margem de discriminação e arbitrariedade que merecem ser examinadas, uma vez que as decisões oficiarão de fato como lei para além da letra do direito.

Quaisquer que sejam as formas de totalitarismo serão mantidos esses princípios, aos quais, apesar das profundas transformações que ocorreram desde aqueles tempos, nossa contemporaneidade não é alheia, ainda que suas formas de apresentação se manifestem de maneira longínqua; formas de sujeição na relação a um Outro não barrado, não atravessado pela lei do não-tudo-épossível.

Quais são as montagens da filiação em nossos tempos? Qual é o pilar simbólico no qual se sustenta isso que chamamos filiação? É um eixo que abordaremos uma vez que, a partir do referencial da psicanálise, não se pode falar de filiação sem entrar no complexo campo do amor e da identificação em sua relação à legalidade da linguagem e à metáfora do sujeito.

Se a infância é produto da instituição da linguagem que sustenta as montagens da filiação, uma pergunta inevitável será a que oriente aos efeitos paradoxais da inscrição na ordem jurídica do conceito de menino/a como sujeito de direito. É possível desmontar a filiação simbólica sujeitando as novas gerações, filiando-as imaginariamente ao direito8?

Trata-se de paradoxos que possibilitam admitir a des-filiação a uma genealogia que ordene as montagens da filiação; que a desloque rumo a uma anomia9 jurídica que põe em evidência a tirania do Outro social através da diversidade de ficções teóricas que desviam a possibilidade de sequer conferir certa eficácia simbólica ao limite jurídico imposto pela própria letra da Convenção Internacional pelos Direitos da Criança.

A ênfase nas transformações subjetivas, quando se trata de sujeitos infantis; a ênfase nas transformações tecnológicas atuais; tudo isso leva ao extremo de possibilitar conotar Criança como conceito desconexo de qualquer filiação e, portanto, inscrito no texto jurídico como des-sujeitado da filiação e, desse modo, da lei da cultura – da proibição do incesto e das formas de intercâmbio que ela regula.

Esse paradoxo produz-se no mesmo enquadre jurídico que enuncia o direito do menino e da menina a um nome e a uma nacionalidade, ainda que nada diga a respeito a quem deve nomear, na ausência de pais que inscrevam aqueles que se encontram em estado de des-filiação inicial, podendo ser um NN jurídico por tempos prolongados.

Entendemos que estamos diante do desvanecimento do suporte intergeracional; suporte deslocado para a sujeição ao direito – ainda que de fato sustentado e justificado por hipóteses disciplinares que apontam para a destituição das operações que possam inscrever uma ordem genealógica, filiatória – à linhagem própria ao humano, constituído e instituído pela linguagem.

Resta assim um espaço anômico no qual não há quem responda pelos atos do menino e da menina desde a mais precoce idade e, por sua vez, não há a quem prestar contas, não há a quem responder pelos próprios atos como Outro significativo. Como produto disso – do lado do menino e da menina – as perguntas que supomos constitutivas da relação com o Outro se transformam. Já não será a pergunta O que quer o Outro de mim? Mas, a quem importa o que faço? E/ou, o que mais devo fazer para ser levado em conta?

A partir dessa posição, quais são as condições de possibilidade da operação de inscrição, de sujeição do infantil sujeito à lei, à cultura, diante do suposto enfraquecimento do Outro, diante do suposto enfraquecimento da eficácia simbólica da lei e seus efeitos concomitantes como a produção de desamparo subjetivo? Nesse sentido, os enunciados legislativos refletem o lado ilusório da lei.

A pergunta que se impõe é se é possível para a continuidade humana na cultura estar des-filiada intergeracionalmente, ou seja, não ser a infância, instituição da linguagem. E como conseqüência disso, estar des-filiada das operações subjetivas entre a experiência do infantil sujeito e sua possibilidade de constituir-se como sujeito em laço social, na cultura.

Qual é a relação – se é que existe – entre os problemas que continuam afetando as crianças e o projeto do cientificismo moderno? Projeto de cuja eficácia, em nossos dias, não podemos ter dúvidas. Constatamos suas verdadeiras conseqüências quando se pretende que seja admitida a “destituição” da experiência e, portanto, destituída a experiência, destituída a infância, e o real emerge sem véu algum.

 

Sinais de alerta das novas gerações em tempos dos direitos de meninos, meninas e adolescentes

Não nos deteremos nas cifras de desnutrição infantil nem nos índices de mortalidade que são demasiado eloqüentes da manifesta tolerância dos Estados – em tempos de paz – ao infanticídio. Em tempos de guerra é óbvia a questão. Em si mesma, a Convenção Internacional pelos Direitos da Criança representa admitir e tentar mitigar a possibilidade de matança generalizada de crianças como aconteceu nas guerras mundiais. Exemplos sobram. As guerras também correspondem aos avanços tecnológicos e asseguram-nos. Não se trata de polaridades, mas de um circuito em que as guerras fazem parte do próprio sistema econômico-político.

Aludiremos a formas contemporâneas mais sutis, ainda que não menos eficazes, que nos indicam os efeitos da deriva subjetiva, da dessujeição na qual sucumbem as novas gerações.

Os meninos, meninas e adolescentes dão-nos provas eloqüentes disso:

· Nas dificuldades que expõem quando se apresentam e são apresentados como desatados, des-acatados, quando não loucos, sem limites, violentos e, fundamentalmente, sem palavras. Ao modo de corpos pulsionais, habitam os diversos cenários nos quais se supõe a ausência de resposta ao olhar, à voz, à palavra. São descritos como violentos, aproximando-se entre si em um corpo a corpo que carece de registro de dor, de limite, de risco. Os atos em que as crianças podem precipitar-se deixam-nas sem palavras.

· No sem limite ao qual chegam a sucumbir quando se trata de tóxicos. “Tomar até morrer” é uma expressão comum entre adolescentes que merece ser interrogada; não percebem que são tomados pelos diferentes tóxicos.

· Na disposição dos adolescentes à participação em festas – sob a forma de rituais – nas quais o descontrole, como dizem, de alguma maneira esteja garantido, ainda expondo-se à morte.

· Na ocorrência de crimes protagonizados por crianças de pouca idade.

· No sem limite, mostra-se e oculta- se de maneira simultânea um ideal contemporâneo: matar a morte.

Também não pode passar despercebida a atração que exercem em crianças e adolescentes os jogos virtuais multiplayer em rede, que jogam sem limite; nem a oferta de crianças nos programas televisivos aos quais são levadas pelos seus pais e expostas a atuar como outrora o fizeram os bufões do rei.

Em geral, interpretamos que a forma de enunciar o problema se faz a partir de uma posição de Outro espectador, que retira a criança: a) tanto da delimitação do permitido e do proibido (já que o sem limite se apresenta de modo equivalente ao vale tudo); b) como da tensão intergeracional que sustenta as operações próprias à subjetivação, constituindo-se como referência e suporte da mesma.

Não pode então espantar-nos a forma de atuar das crianças. Podem, sim, convocar-nos a avançar na reflexão, na busca de uma narrativa que nos permita tornar visível a solidariedade íntima entre as montagens institucionais e as formas cerimoniais contemporâneas de sustentação da inscrição das novas gerações na cultura com a lógica do mercado; vínculo íntimo que sujeita as novas gerações à legalidade imaginário-ilusória do consumo mercantil.

Uma conclusão inicial poderia dizer que a supremacia da legalidade social de regularização dos intercâmbios, na chamada era do mercado, pretendendo o vale tudo como modo hegemônico de direcionar a vida contemporânea, estabelece as condições de possibilidade de subjetivação; possibilidades que requerem o estabelecimento de diferenças, de delimitação do permitido e do proibido, gerando uma espécie de des-sujeição subjetiva favorecedora de acidentes nos movimentos propiciatórios da constituição do fantasma.

Contudo, avaliamos que essa afirmação não é suficiente, uma vez que entendemos que se trata de um fenômeno mais complexo, não definível senão por sobredeterminação da alienação no Outro; excesso de presença que não deixa espaço para o interjogo entre alienação – separação. Isso está alterado.

A sobredeterminação é produto do deslocamento da sustentação da função da legalidade do simbólico em direção ao ilusório- imaginário, desamarrando sua eficácia simbólica pela presença de ficções que permitiram e favoreceram o desvanecimento do suporte da legalidade social intergeracional, necessário para soltar as rédeas da lógica do mercado. O real fica assim à deriva, na pretensão de ser capturado pela regra10. (Lacan, 1983).

Lacan (1983) problematiza como o novo integrante da espécie humana será precipitado na tensão entre o real e o simbólico. Entrada possível mediante a possibilidade de ser incorporado como objeto do desejo materno ou de alguém. Para ser incorporado em algum lugar, requer-se uma lacuna, uma falta, um vazio. Não há possibilidade de subjetivação se o vivente não ingressa em um primeiro momento neste mundo como objeto a em relação ao desejo de Outro. Ser investido como objeto de desejo é o modo de entrada no universo simbólico portado pelo Outro, tesouro de significantes, sujeito à legalidade da cultura. A partir desse lugar inicia-se o processo de alienação – separação, possibilitando pela alternância entre presença e ausência (já desde a mítica vivência de satisfação freudiana), o interjogo entre demanda e desejo.

Mas apresentará seus acidentes – qualquer que seja a forma em que eles se manifestem – se a criança permanece em sua relação ao Outro como objeto a, alienado ao desejo do Outro.

Nesse sentido, para além dos acidentes próprios ao encontro originário – desde a mítica vivência de satisfação freudiana o objeto está perdido e, em sua busca, o sujeito encontra-se com o diferente –, devemos considerar o que Assoun (2001, p. 23) designa como “mal encontro originário ou encontro desafortunado”, ou encontro desventurado; nesse caso, a instalação do trauma produz esse efeito de sensação de destino, que retira o sujeito de sua possibilidade de tecer a rede significante que o relance em uma metaforização da ferida que lhe causara o dano inicial, e coloque limites ao gozoso da compulsão à repetição.

O dizer do sujeito seria neste caso: se já sei como tudo vai acontecer porque estou marcado pelo destino, então, vale tudo se, de qualquer jeito, o pior já aconteceu.

O destino apresenta-se como origem sagrada que se projeta a um sempre foi e sempre será assim, posto à prova em cada nova ilusão, que desde já o aproxima de maneira inefável ao desencanto renovado uma e outra vez.

Nesse sentido, podemos ler no comportamento infantil a resposta como reflexo a uma ordem que lhe chega de um lugar Outro, manifestando-se em atos, seu lugar derivado e na deriva pulsional diante de Outro que se apresenta preso ao enaltecimento de saberes que recusam a experiência.

Tal como apresenta Agamben (2003), a expropriação da experiência estava implícita no projeto fundamental da ciência moderna.

Devemos indagar, no que é enunciado em diversos e numerosos estudos e análises dentro da psicanálise e fora dela, como declínio da função paterna, o declinar do Outro; o desvanecimento do Outro confundindo em diversos casos a lei e o Outro com o pai de carne e osso no enquadre da família moderna e a função paterna ou bem com o patter, ou bem com a norma ou com quem a encarna; quando não, com a ausência física do pai ou com a ausência do pai de carne e osso, quando se trata de mulheres responsáveis por seus filhos.

Atrevemo-nos a enunciar que essa marca que situa a ênfase no fracasso do Outro que desaloja a criança e des-filia as novas gerações não é casual, mas efeito e produto da confluência – como o leito de um rio que recebe águas de diversos afluentes, sem poder distinguir, a não ser em seu cruzamento, de onde provêem umas e outras – da eficácia simbólica de discursos e práticas que alimentaram e alimentam a expropriação da experiência. O suposto fim da infância está dado em, e por, sua solidariedade com a lógica da racionalidade científico-econômica moderna.

O que encontramos como ponto coincidente entre os autores citados e nossa perspectiva refere-se a uma percepção generalizada na diminuição da sustentação dos limites dos adultos em relação às crianças.

Apesar disso, e paradoxalmente, trata-se dos limites fracassados que a matriz simbólico-jurídica e suas montagens institucionais não conferem aos adultos a respeito do uso discricional dos corpos infantis.

 

Meninos – Meninas e adolescentes sujeitos de direito

A categoria jurídica menino – menina – adolescente sujeito de direito, des-filiada da genealogia é efeito claro dessa posição das novas gerações na matriz simbólica – jurídica do discurso de época.

Como sujeitos de direito, resta uma lacuna para definir que meninos, meninas e adolescentes encontram-se em condições de responder juridicamente e de maneira precoce por seus atos e, portanto, não há responsabilidade de ninguém pelo que eles fazem ou deixam de fazer.

As faces do Outro voraz que os requer para o circuito econômico alentador da pedofilia e da prostituição infantil; a imputabilidade penal, civil e comercial dos menores está fracassadamente autorizada.

Paradoxalmente, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, e proveniente desta, a nova lei sobre proteção dos direitos de meninos, meninas e adolescentes, pareceu gerar uma nova categoria jurídica; um terreno propício à arbitrariedade na legalidade social no que diz respeito às novas gerações, que chega a recusar, até mesmo, a proibição do incesto.

As guerras do século XX foram o campo propício de desenvolvimento tecnológico e científico a partir da escusa bélica em um quadro de suposta legitimidade de totalitarismos – inclusive democráticos – cujas marcas subjetivas merecem ser levadas em conta. Devemos então considerar que o enfraquecimento do Outro, a ineficácia simbólica da lei, também devem responder a modos de produção histórico-sociais que requerem esclarecimento.

Que esse fenômeno de desvanecimento da sustentação das novas gerações se encontre amplamente generalizado não é sem conseqüências sociais, educativas, econômicas, jurídicas; e não podemos atribuir exclusivamente a causalidade às transformações tecnológicas do século XX, já que, também elas, são produto de uma transferência do lugar da moralidade social a Outro que, sob a forma do estado de direito, não fez mais que dar lugar de fato à suspensão da lei, na tentativa de encarná-la.

Examinaremos a tentativa de esclarecimento dos modos de produção subjetiva a partir da consistência atribuída a esse Outro, promovida pela crença de viver em Estado de Direito quando, de fato, é a suspensão do direito que rege as decisões que o Outro social e as montagens institucionais encarnam.

Necessariamente ingressamos no campo da lógica das crenças e do fenômeno imaginário do fascinum, da mistificação e da operação subjetiva inerente à desmistificação como passagem entre um e outro tempo.

Resultado da referida operação será a queda do Outro de seu lugar enaltecido, deixando um resto e um vazio instituintes da diferença entre os uns e outros, como reconhecimento da incompletude, da falta no Outro, tornando possível a renúncia narcísica que possibilita o laço social.

Então o paradoxo do texto da lei tentará ser fundamentado e esclarecido no trânsito que se formule da teoria à praxis; da aplicação da norma ao caso.

O suposto fim da infância encontra solidariedade discursiva com os preceitos promovidos pela lógica da racionalidade científica – econômica moderna. Caldo de cultivo para a des-sujeição da sustentação simbólica das novas gerações, que nos interessa especialmente determinar, uma vez que se declara de maneira simultânea a proteção integral de direitos do menino, menina e adolescente com esse desvanecimento do suporte intergeracional.

Contudo, não parece ser um a causa do outro. Quer dizer que não podemos estabelecer uma relação de causalidade entre a declaração dos direitos do menino/a e o desvanecimento do Outro. Então alguma resposta possível ao problema deverá encontrar-se em outro lugar.

Torna-se prioritário poder detectar o ponto no qual obteve eficácia a confusão entre lei e moralidade; entre expressão de desejos e gozo; entre o limite que a linguagem impõe como sujeitos falantes e a violência arbitrária à qual – como geração – esses Outros que enfraquecem estiveram submetidos, e não se dão conta de que não é a lei o que submete, mas, justamente, sua ausência e, de um modo diferente, sua arbitrariedade.

O desfalecimento do Outro, a ineficácia simbólica da lei, essa espécie de desvario subjetivo, não produz mais que alento à magia da crença em que é possível que as novas gerações se produzam subjetivamente sem a sustentação daquelas que as precedem.

Se essa espécie de desvario subjetivo apresenta-se amplamente generalizado no que diz respeito a uma geração de adultos que pode aceitar a renúncia à sustentação da subjetivação de sua prole, devemos nos dirigir a outra ordem da questão; uma ordem que nos permita compreender a atualidade e determinar as margens de possibilidade de operar nela, de interferir nos referidos processos, de fato e de direito desencadeados.

 

Infância em Estado de exceção

Agamben (2004) entende que, para compreender a atualidade, deve-se analisar o velho conceito de Estado de exceção, a partir do qual constrói o paradigma que dá nome à suspensão do direito por parte dos governantes.

Analisar a noção jurídica de estado de exceção e do iustitium que debateram no início do século XX Walter Benjamin e Carl Schmitt é fundamental para detectar os efeitos de uma filosofia política que não foi sem conseqüências para a humanidade, como ter outorgado condição de possibilidade e racionalidade jurídica ao nazismo.

O estado de exceção situa-se entre a anomia e o direito. E a disputa entre W. Benjamin e C. Schmitt – analisa o filósofo italiano – dá-se em uma mesma zona de anomia que, por um lado, pretende-se que seja mantida a qualquer preço em relação com o direito e, por outro, deve ser igualmente dissolvida e liberada dessa relação.

Agamben considerará essa disputa uma gigantomaquia ao redor de um vazio.

O problema se apresenta quando o estado de exceção converte-se em regra, o que parece ter feito a cultura de Ocidente perder absolutamente o rumo. “O estado de exceção é um espaço anômico no qual se coloca em jogo uma força-de-lei-sem-lei (que se deveria escrever: força de lei): Uma força-de-lei semelhante, na qual a potência e o ato são separados radicalmente, é certamente assim como um elemento místico ou, sobretudo, uma fictio através da qual o direito busca anexar a própria anomia. Mas como é possível pensar tal elemento místico e de que modo atua no estado de exceção é exatamente o problema que é preciso tentar esclarecer”. (Agamben, 2004, p. 81).

Entendemos que o que se apresenta na singularidade do caso como desfalecimento do Outro, como ineficácia simbólica da lei social no enodamento subjetivo e, inclusive, o paradoxo que representa a noção de criança sujeito de direito, condensa-se na metáfora aqui proposta como tese: Infância em estado de exceção definindo ao mesmo tempo os efeitos histórico-sociais na operação subjetiva.

Essa metáfora remete-nos a Freud e renova o questionamento freudiano a respeito do singular e do coletivo, fazendo fluir e escrevendo a marca da ordem social na singularidade, em um movimento de ida e volta que permite encontrar a sustentação singular projetada no coletivo.

As formas de resolução de cada infância produzida em estado de exceção ficam sujeitas à singularidade do caso.

A infância em estado de exceção é solidária à operação de expropriação da experiência. A expropriação da experiência é possível pela eficácia da objetivação de discursos e práticas em circuitos de intercâmbio legitimadores (Bourdieu, 1999) que – conferindo-lhe caráter de natural e necessário – mistificam ficções.

Essas ficções sustentadas por sua vez pelo discurso da Academia – seja sob a forma de ilusões (psico) pedagógicas (Lajonquière, 2000); seja sob a forma de direitos (da criança?); seja sob a forma da invenção de novas infâncias e adolescências; seja sob a fórmula do mercado; seja sob a forma da cultura da imagem – operam eficazmente. Uma vez que não possibilitam a intromissão da cultura, favorecem o desligamento das novas gerações e deixaas no mais absoluto desamparo subjetivo; para obterem eficácia, desligam o sujeito da enunciação das filiações e genealogias que dão fundamento a essas teorias que são apresentadas como máximas, das quais se deduzem novos imperativos que chegam recusar a lei de proibição do incesto.

É quase patético (pathos) reconhecer, em nossos tempos, como o infantil sujeito em busca de desejo, e em seu afã por encontrar Outro que lhe outorgue o auxílio que requer em seu desamparo, fica capturado na arbitrariedade, como partenaire perfeito daquele que o requer para satisfazer sua liberdade de gozo.

Infância em estado de exceção é definida então como uma posição possível de relação do sujeito à lei na qual não termina de se produzir a operação de instituição da infância como produto da desmistificação do Outro. A essa posição as novas gerações respondem em bando11.

 

Referências

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Endereço para correspondência
e-mail:mercedes_minnicelli@hotmail.com

Recebido em setembro/2006
Aceito em novembro/2006

 

 

NOTAS

1 Este artigo fundamenta-se nas investigações em curso da tese de doutorado “Infância, Direitos da Criança e Psicanálise” (Faculdade de Psicologia da Universidade Nacional de Rosário, Argentina) e foi apresentado no VI Colóquio do LEPSI em 16 de novembro de 2006, São Paulo
2 O conceito de criança apresenta-se no interior do campo epistêmico da psicanálise freudiana. Para ampliar o tema, ver Hartmann (1993)
3
Seguimos, nesse sentido, a definição que lhe confere Nasio (1994). Dizeres também pode ser traduzido por “significantes”; “significantes reprimidos” “cadeia de significantes reprimidos”. O dito é algo que tem valor de ato
4 No original “niñez”, cuja definição é: período da vida humana que vai desde a infância até a puberdade (N.T.)
5 Gerez-Ambertín (1993 e 2004) distingue duas ações sacrificiais: (a) aquela que deixa como saldo uma economia do sacrifício e da angústia dada pela efetividade do oferecimento do dom ao Outro desejante, pela possibilidade de implicar-se subjetivamente nesse ato; (b) e quando se produz economia do sacrifício e o sujeito fica hipotecado ao destino cruel, oferecendo-se como uma “libra de carne” ao Outro do gozo
6 Agamben afirma: “....experimentar significa necessariamente voltar a ter acesso à infância como pátria transcendental da história. O mistério que a infância instituiu para o homem só pode ser efetivamente resolvido na história, do mesmo modo que a experiência, como infância e pátria do homem, é algo de onde sempre se está caindo na linguagem e na fala.” (2003, p. 74)
7 Dirá Balmès (1999) que a invenção do Outro (A) em Lacan “constituirá o vínculo comum daquilo que em Freud se apresenta como metapsicologia e o conjunto formado pelos enunciados o pai (…) Este Outro surge em Lacan a partir do axioma fundador do inconsciente estruturado como uma linguagem e de uma interrogação sobre a estrutura que está em jogo na palavra (que deu lugar ao estabelecimento do esquema L.) Pressupõe a distinção entre o Real, o Simbólico e o Imaginário, pontos todos alheios a Freud.” (1999, p. 31)
8
Um amplo desenvolvimento do tema da posição dos termos criança e menor no texto jurídico foi realizado por Degano (2005). As hipóteses aqui traduzidas foram produto do rico intercâmbio com o autor, gerando a possibilidade de novas questões que surgem, também, a partir da leitura de seu texto
9 O conceito de anomia foi introduzido por Durkheim no campo de sociologia ainda que seus antecedentes remontem a Heródoto de Alicarnaso (484-406 a.C.), que o utilizou quando se referiu à guerra entre gregos e persas. Hilda Eva Chamorro Greca de Prado, em seu trabalho “O conceito de anomia, uma visão em nosso país”, afirma que o conceito teve um uso religioso, já que também na Antigüidade o conceito de anomia é incluído, sobretudo, no Antigo Testamento. Nas traduções foi substituído por “hamartia”, em ambos os casos para significar “pecados”. Na Grécia, significou o mal, o perverso, a falta de ordem social, o desespero, toda forma de vícios. Em 1688, Vico em sua Cátedra de Ética dizia “A idade dos homens inicia sua decadência quando os seres humanos deixam de respeitar a lei, quando a licença descompõe a igualdade e quando a filosofia sucede a religião”. Dirá que depois de dois séculos de silêncio, a anomia aparece no século XIX com os filósofos franceses, sem conotações religiosas, como uma expressão correspondente à ética. Situará no debate entre o “realismo” de Durkheim e o “nominalismo” de Jean Marie Guyau y de Tarde, o novo uso do termo, ressignificado, na monografia de Durkheim sobre O suicídio (1897). (3 de maio de 2005, conferência. Academia Nacional de Direito e Ciências Sociais de Córdoba. Argentina. Em www.acader.unc.edu.ar. Ainda que sejamos herdeiros do referido conceito, a correlação que Durkheim estabelece entre a diminuição da ação reguladora da sociedade e o aumento de taxas de suicídio equivaleria, no dizer de Agamben (2003) em Estado de Exceção, a ter que admitir uma necessidade dos seres humanos; a de serem regulados em suas atividades e em suas paixões. “Deste modo, não só se dá por descontada a equação entre anomia e angústia (enquanto, como veremos, os materiais etnológicos e folclóricos parecem mostrar o contrário), mas, além disso, a possibilidade de que a anomia tenha uma relação mais íntima e complexa com o direito e com a ordem social é neutralizada de entrada”. O problema de fundo é o dos efeitos na subjetividade da ordem social e vice-versa, que não devemos confundir com a lei na estrutura.
10 Psicoanálisis y cibernética, aula de 22 de junho de 1955. (Lacan, 1983)
11 Em bando, em nosso caso, é entendido no sentido que Agamben retoma na secreta solidariedade entre a anomia e o direito que sai à luz como reverso do iustitium imperial. O filósofo utiliza o termo bandito, que foi traduzido na versão espanhola como bandido. Bandito refere-se a banido e a bando, que o filósofo italiano utilizou em Homo Sacer, onde expressa: “Servindo-nos de uma indicação de J.-L-Nancy, chamamos bando (do antigo termo germânico que designa tanto a exclusão da comunidade como o mandato e a insígnia do soberano) a essa potência (no sentido próprio da dynamis aristotélica), que é também sempre potência de não passar ao ato) da lei de manter-se na própria privação, de ser aplicada desaplicando-se. A relação de exceção é uma relação de bando. O que foi posto em bando não fica facilmente fora da lei nem é indiferente a esta, mas é abandonado por ela, quer dizer que fica exposto e em perigo no limiar em que vida e direito, interior e exterior se confundem. Dele não se pode dizer literalmente se está dentro ou fora da ordem jurídica, por isto originariamente as locuções italianas “in bando”, “a bandono” significam tanto à mercê de... como à vontade, livremente... e banido (“bandito”) tem ao mesmo tempo o valor de excluído, posto em bando e o de aberto a todos, livre”. (Agamben, 2004, p. 133)

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