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Estilos da Clinica

Print version ISSN 1415-7128On-line version ISSN 1981-1624

Estilos clin. vol.12 no.23 São Paulo Dec. 2007

 

DOSSIÊ TERAPÊUTICA E ESTÍLOS DA CLÍNICA

 

As emoções do profisssional psicossocial frente à situação de abuso sexual infantil

 

The emotions of the psychosocial professional vis-a-vis the child sexual abuse situation

 

Las emociones del profesional frente a la situación de abuso sexual infantil

 

 

Rebecca Ribeiro*,I; Liana Fortunato Costa**; II

I Serviço Psicossocial Forense do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
II Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esta pesquisa trata das emoções que os profissionais psicossociais experimentam frente ao abuso sexual infantil, durante a avaliação psicossocial que subsidia os juízes em suas decisões. Buscamos conhecer os processos afetivoemocionais desses profissionais, ao abordarem o abuso sexual infantil. As participantes foram cinco psicólogas e uma assistente social com idades entre 29 e 40 anos. A análise dos resultados mostrou que é a criança, vítima de abuso, que dá sentido ao processo judicial; as profissionais esperam punição para o pai agressor e desenvolvem uma identificação com as crianças que atendem.

Palavras-chave: Abuso sexual infantil, Psicologia jurídica, Subjetividade, Violência sexual, Emoção.


ABSTRACT

This research deals with the emotions that the psychosocial professionals experience vis-a-vis child sexual abuse during the psychosocial evaluation that subsidizes the judges in their decisions. We tried to know the affective-emotional processes of these professionals when dealing with child sexual abuse. The participants were five psychologists and one social assistant, with ages from 29 to 40 years old. The analysis of the results showed that it is the child, victim of abuse, who gives the judicial process a real meaning; the professionals expect punishment for the father who practiced aggression, showing identification with the children they attend to.

Keywords: Child sexual abuse, Forensic psychology, Subjectivity, Sexual violence, Emotion.


RESUMEN

Esta pesquisa trata de las emociones que los profesionales experimentan frente al abuso sexual infantil, durante la evaluación psicosocial que contribuye a los jueces en sus decisiones. Buscamos conocer los procesos afectivo-emocionales de estos profesionales, al tratar del abuso sexual infantil. Los participantes fueron cinco psicologos y un asistente social con edades entre 29 y 40 años. El análisis de los resultados mostró que es el niño o niña víctima de abuso quien da el sentido al proceso judicial. Las profesionales esperan sansión para el padre agresor y desarrollan una identificación con los niños que atienden.

Palabras clave: Abuso sexual infantil, Psicología jurídica, Subjetividad, Violencia sexual, Emoción.


 

 

Introdução

As emoções constituem na atualidade um tema de grande interesse e reconhecimento na Psicologia. A importância e a necessidade de considerar a subjetividade do profissional e sua afetividade, nas relações que constrói com seus clientes, foi uma questão esquecida e colocada em segundo plano na história da construção do conhecimento científico. Santos (1998) aponta uma crise do paradigma dominante, referindo-se ao domínio dos princípios das Ciências Matemáticas sobre as Ciências Sociais. A concepção humanística das Ciências Sociais caminha no sentido de reconhecimento de que todo conhecimento é local e total, e todo conhecimento é autoconhecimento. Assim, estamos vivendo uma época, na qual as emoções voltam a suscitar interesse de pesquisadores, não mais sendo vistas como um subproduto ou desconectadas do sujeito que se emociona.

Alguns autores têm recuperado o estudo dos fenômenos afetivos e das emoções a partir de perspectivas de construção da subjetividade, destacando aspectos ontológicos, subjetivos e sociais. González Rey (1995, 2000), em sua definição de sujeito e personalidade, contempla a afetividade e as emoções como constituintes importantes, definindo-as como motivos e necessidades e enfatizando seu caráter ontológico, tomando as emoções em si mesmas como fenômenos. Maturana (2001, 2002), em uma perspectiva construtivista, considera as emoções disposições para a ação, ou seja, as emoções definem os domínios de nossos comportamentos em um determinado contexto. Esse autor também destaca o caráter ontológico das emoções, atribuindo-lhes uma grande import ância nas relações entre as pessoas. Gergen (1983), por sua vez, destaca a característica social e relacional das emoções, enfatizando o self construído nos jogos lingüísticos das relações sociais. As emo- ções são contextualizadas, construídas a partir das narrativas, e adquirem sentido em seu contexto de uso. Essas perspectivas apontam as emoções como processos fundamentais da subjetividade humana (González Rey, 1996) e da construção do saber, sendo importante considerá-las em qualquer processo de conhecimento empreendido por um sujeito, seja ele um pesquisador, um terapeuta, um estudante ou uma pessoa em busca de autoconhecimento. Esse processo é constituído pelas emoções vivenciadas nas relações que se estabelecem, e reconhecer tais emoções possibilita iluminar pontos cegos, ajudando a esclarecer ou a ampliar a compreensão de alguns fenômenos complexos como o abuso sexual infantil.

Como Furniss (1993) aponta, a violência sexual infantil é um campo minado de complexidade e confusão pessoal e profissional para os trabalhadores que precisam lidar com as conseqüências dessa violência. Além das emoções vivenciadas na relação com a família e sua história de vida, a própria questão de ter que lidar e trabalhar com o abuso sexual infantil é vista muitas vezes como ameaça aos papéis profissionais tradicionais; nesse caso, acabam gerando um desafio às tradicionais formas de trabalho e estruturas de cooperação, e uma constante zona de perigo de fracasso para os diversos profissionais envolvidos. Com relação aos profissionais psicossociais que assessoram os Magistrados em processos judiciais envolvendo famílias abusivas, esse reconhecimento das emoções é importante, a fim de que se possa atuar de forma a interromper o ciclo abusivo, propiciando um contexto de proteção à criança ou ao adolescente. Essa importância do papel do profissional em situações de violência sexual infantil é apontada por Ravazzola (2000), que destaca que o que eles fazem, ou deixam de fazer (pensam ou deixam de pensar) tem importância para a continuidade ou para a cessação do abuso. Para essa autora, com a violência sexual instalada em uma dinâmica abusiva recorrente dentro da família, os protagonistas das situações violentas muitas vezes entram em um jogo que anestesia as emoções e consideram os maus tratos elementos naturais nas conversações e nas ações. Dessa forma, o envolvimento nesse jogo torna mais difícil a mudança de idéias, crenças, valores familiares e o abandono da prática de ações violentas,.

Pode-se ressaltar, portanto, a importância do papel dos profissionais da Justiça que entram em contato com famílias com histórias de abuso sexual infantil, visto que esses profissionais, de alguma forma, devem estar em condições de jogar um papel diferente no circuito abusivo e de influenciar em sua resolução (Ravazzola, 1997), podendo proporcionar um contexto potencializador de saúde e de mudança para as pessoas. O espaço de relações, presente no contexto da Justiça, é perpassado pelo emocionar de todas as pessoas envolvidas, e as emoções participam ativamente do cenário em que surge o saber, qualificando idéias, mundos e relações, e participando de decisões e atividades de reflexão (Neubern, 2001). Assim, faz-se necessário um autoconhecimento e um espaço de reflexão constante a respeito da afetividade e das emoções do psic ólogo e do assistente social na sua prática profissional diária, caso queiramos construir uma possibilidade de mudança e de encontro em um contexto de controle e poder.

Considerando a complexidade dos processos judiciais com histórias de abuso sexual infantil, os profissionais da Psicologia e do Serviço Social da Seção Psicossocial Forense (SEPAF) do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) perceberam a urgência em refletir e repensar suas intervenções com famílias cuja temática é o abuso sexual infantil. Os objetivos da pesquisa foram: identificar e conhecer os processos afetivo- emocionais dos psicólogos e assistentes sociais da Seção Psicossocial Forense (SEPAF) que surgem ao abordar o abuso sexual infantil; conhecer e analisar como esses processos afetivo- emocionais constituem os significados construídos pelos profissionais da SEPAF em relação à violência sexual infantil; conhecer como esses processos afetivo-emocionais orientam a prática profissional desses técnicos.

 

Fundamentação teórica: emoções e abuso sexual infantil

Sob a ótica do construcionismo social, o estudo das emoções enfatiza a construção dos significados a partir das relações interpessoais, o que constitui o núcleo central do pensamento construcionista, que atribui às emoções um caráter socialmente construído, não possuindo um status ontológico no sujeito, ou seja, um status especial de estados interiores. As emoções são então o resultado de pautas relacionais, uma parte a mais da complexa teia da comunicação entre as pessoas (Hoffman, 1998).

Gergen (1983) ressalta que a emoção não é um estado biológico do organismo e convidada-nos a considerá-la uma “performance social historicamente contingente” (p. 3). Esse autor aponta que os termos emocionais adquirem sentido no seu contexto de uso, aparecendo por meio das categorias que definem as pautas interativas expressas na linguagem dentro de cada momento social (González Rey, 2000). Sob essa perspectiva, se pensarmos a respeito das emoções expressas por psicólogos e assistentes sociais nas conversações sobre suas práticas com famílias abusivas, por exemplo, só poderemos falar das emoções surgidas naquele contexto de conversação, naquele momento histórico.

Dentro da perspectiva construtivista, o estudo das emoções traz um caráter ontológico das necessidades e motivações humanas, concebendoas como um sistema que organiza os vários níveis de informações que lhe chegam, construindo significados complexos e direcionando os comportamentos. Essas perspectivas prop õem uma integração dos aspectos cognitivos e afetivos, não concebendo as emoções isoladas dos processos cognitivos, nem estes isolados dos processos emocionais. No entanto, apesar de propor essa interdependência cognitivo-emocional, percebe-se uma preeminência do aspecto cognitivo na compreensão da vida afetiva, pela forte influência da tradição cognitivista de alguns autores construtivistas (González Rey, 2000). Em uma perspectiva menos cognitivista, Humberto Maturana (1997, 2001, 2002) traz em sua teoria uma compreens ão das múltiplas dimensões das emoções, destacando o seu caráter estrutural biológico, e oferecendo um diálogo entre o biológico, o social e o histórico. As reflexões epistemol ógicas e teóricas sobre as relações entre o biológico, a linguagem, a cognição e a emoção abriram o campo científico para o resgate e a reavaliação das teorias que consideravam a importância do ser humano como seres históricos viventes na linguagem. Maturana, representante desse momento nas ciências, em sua teoria da Biologia do Conhecer (inicialmente conhecida como teoria da autopoiesis), aponta para uma fenomenologia dos seres humanos, no processo de vir-a-ser dos sujeitos no domínio de sua existência. Nessa perspectiva, o ser humano é concebido como sistema auto-organizado, no qual, ao produzir as interações de seus componentes, ele se produz, num processo histórico e relacional. As dinâmicas da constituição do individual e do social são consideradas interdependentes no sentido de uma interconstitui ção. O indivíduo, em sua idiossincrasia, ao construir-se, segundo as conversações de sua comunidade lingüística, também a transforma (Grandesso, 2000).

Considerando que o processo de conhecimento pertence à vida cotidiana, na qual o sujeito é observador na experiência, ou seja, no suceder do viver na linguagem, é ele que, segundo Maturana (2001), é considerado o ponto central da reflexão. O sujeito existe na linguagem, no explicar das experiências humanas que têm em si um transcurso histórico na rela ção com o outro. Quando tomamos o observar e o conhecer como fenômenos biológicos, a partir do observador, descobre-se a presença e a importância das emoções (Maturana, 2001). As emoções são consideradas por Maturana (1996, 2001) estados de ânimo de disposições para as ações, ou seja, elas surgem como disposições corporais que especificam domínios de ações. Para distinguirmos e reconhecermos uma emoção, temos que identificar os campos de ação nos quais as pessoas se encontram. Ao falarmos de emoções amor, medo, vergonha, entre outras conotamos diferentes domínios de ações e atuamos no entendimento de que uma pessoa, dentro desse domínio, só pode fazer certas coisas e não outras (Maturana, 1997). A emoção define e orienta a ação. A questão do abuso sexual infantil é extremamente complexa, uma vez que é um fenômeno de express ão em diferentes níveis da vida social, entrelaçado com questões individuais, familiares, transgeracionais e culturais. São várias as definições de violência sexual contra crianças e de abuso sexual infantil, cada uma enfatizando uma faceta do fenômeno. Cabe ressaltar que violência sexual e abuso sexual não são sinônimos e, dependendo da ênfase cultural, social ou psicológica, utiliza-se um dos dois termos. A violência é considerada a categoria explicativa do abuso, referindo-se à natureza da relação abusiva (de poder e dominação) estabelecida no abuso sexual, situação de uso excessivo, de ultrapassagem de limites nas relações sociais, afetivas e culturais entre adultos e crian ças ou adolescentes, transformando- as em relações sexuais, genitalizadas, violentas e criminais, e que causam danos às vítimas (Faleiros, 2000). Apesar dessa diferença, esses dois termos parecem ser recursivos, no sentido de que o abuso sexual é um ato de violência sexual, física e psicológica contra a criança e o adolescente, e a violência sexual infantil, por sua vez, é constituída de uma dinâmica abusiva do adulto frente à criança.

Diversos autores (Azevedo & Guerra, 1997; Cirillo & Di Blasio, 1991; Furniss, 1993; Perrone & Nannini, 1997; Ravazzola, 1997) descrevem o terreno no qual o abuso sexual ocorre, constituindo um pano de fundo dos sistemas familiares afetados. No entanto, essas descrições não explicam o abuso sexual, e nem são fatores determinantes do fenômeno, mas servem de signos indicadores da possibilidade e probabilidade de que tal família possui interações transgeracionais disfuncionais e transgressivas (Perrone & Nannini, 1997). Em uma perspectiva da estrutura familiar, os abusos sexuais são mais freqüentes nas famílias monoparentais ou reconstituídas, pois muitas vezes ocorre o relaxamento dos laços filiais, e conflitos relacionais mãe/filha, com relação ao novo companheiro da mãe. Nessas famílias, o abuso sexual perpetrado pelo padrasto é bastante comum, como também o perpetrado pelo pai, durante as visitas de fim de semana da filha (Perrone & Nannini, 1997).

 

As emoções dos profissionais que lidam com o abuso sexual infantil

Alguns estudos já apontam a importância do profissional e de sua subjetividade na relação de trabalho, especialmente em contextos de ajuda. Campos (2001), em seu trabalho sobre a família nos estudos psicossociais de adoção numa Vara da Infância e Juventude, destaca o reconhecimento do aspecto subjetivo da avaliação psicossocial, do sofrimento do profissional envolvido no processo, de sua subjetividade e emoções, superando muitas vezes os aspectos legais e jurídicos da adoção. Vargas (1999) apresenta um estudo sobre o fluxo do Sistema de Justiça Criminal (queixa, inquérito, denúncia e sentença), mostrando como a subjetividade dos operadores que participam desse processo – suas crenças, valores e estere ótipos a respeito do estupro, do abuso, da sexualidade e dos relacionamentos familiares orienta suas ações e determina a chegada do processo criminal a uma resolução legal ou não. Para a autora, a existência de um relacionamento próximo ou familiar entre o agressor e a vítima determina as decisões do Sistema de Justiça Criminal nos crimes de estupro, existindo, inclusive, diferenças no tratamento dado a agressores, os conhecidos e os desconhecidos da vítima, nas várias fases do fluxo. Para Ravazzola (1997), o problema se encontraria no momento em que, diante de situações de violência e abuso, o profissional não vivenciasse tais emoções, demonstrando um possível envolvimento deste na dinâmica de segredo e anestesia estabelecida na família, e, numa perspectiva mais ampla, refletiria um processo de insensibilização e acomodação sociais frente à violência.

Como partimos do pressuposto de Maturana (1997), segundo o qual são as nossas emoções que determinam e orientam a cada instante o que fazemos ou não, é primordial identificar as emoções que especificam o domínio das ações, se queremos conhecer o que ocorre em cada interação ou conversação. Assim, é importante identificar e conhecer esses sentimentos e emoções que as histórias de abuso sexual infantil desencadeiam nos profissionais para entender suas ações e orientações frente às famílias. Ao conhecer suas emoções acerca do abuso sexual infantil, os profissionais podem mudá-las nas conversações entre eles e entre estes e as famílias, criando-se a possibilidade de mudar também as ações.

 

Método

1. Sobre o contexto: no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), o Serviço Psicossocial Forense (SEPAF) foi criado para prestar assessoria psicossocial aos serviços judiciários e administrativos do TJDFT, estando diretamente subordinado à Corregedoria da Justiça do Distrito Federal. Os Magistrados encaminham as famílias que possuem processos judiciais, para que se realize um estudo psicossocial e, posteriormente, recebem um parecer técnico que fará parte do processo judicial e que subsidiará sua decisão. A pesquisa foi autorizada pelo Senhor Desembargador Corregedor do Tribunal. O Serviço possui uma equipe que gira em torno de 13 a 15 profissionais, psicólogos e assistentes sociais.

2. Participantes da pesquisa: foram cinco psicólogas e uma assistente social na faixa etária entre 29 e 40 anos de idade e com uma média de três anos de trabalho na seção. Os critérios de escolha dos participantes foram dois: a voluntariedade e o fato de já terem sido responsáveis pela elaboração de um estudo psicossocial envolvendo situação de abuso sexual.

3. Instrumento: buscamos articular dois instrumentos de pesquisa que, combinados, pudessem facilitar a expressão mais completa dos sujeitos, privilegiando as interações e incorporando as construções do grupo participante, de uma maneira interativa e reflexiva: a entrevista de grupo focal e a entrevista reflexiva. Segundo Berg (1998), a entrevista de grupo focal é definida como um estilo de entrevista desenhada para pequenos grupos, em que a obtenção de informação decorre da interação dos membros do grupo, durante a qual emergem contradições, questionamentos, apoio e soluções dentro da vivência de cada participante. A entrevista reflexiva caracteriza- se pela reflexividade da fala de quem é entrevistado, em que este tem contato com a expressão e compreens ão do pesquisador sobre sua fala (Szymanski, 2002). Ela tem como objetivo suscitar informações qualitativas, bem como conduzir um diálogo para que o tema em questão seja aprofundado numa situação de intera ção (Yunes, 2001).

4. Procedimento: ao combinarmos as duas modalidades, realizamos uma entrevista de grupo focal reflexiva, constituída por dois momentos diferentes. No primeiro momento, ocorreu uma entrevista grupal com as seguintes questões para serem debatidas em conjunto: Como vocês reagem quando percebem que vão realizar o estudo de uma família com história de abuso sexual? Que sentimentos e emoções as histórias de abuso sexual suscitam em vocês? Quais seriam as dificuldades de atender casos de abuso sexual? O que mais angustia voc ês ao atenderem tais famílias? Qual o papel que os profissionais têm nesses casos? O que vocês fazem durante o estudo, para dar conta de realizar o trabalho? Que tipo de ajuda interna e externa vocês têm ou buscam? Essa entrevista foi gravada e interpretada pelas pesquisadoras. O segundo momento ocorreu um mês depois, com uma segunda entrevista grupal, cujas questões se basearam na interpretação da primeira entrevista. Essas interpretações foram apresentadas ao grupo e essa segunda entrevista consistiu da gravação das reações do grupo a essas interpretações.

5. Método de análise: para a análise e a interpretação das informa ções obtidas e para o processo de construção do conhecimento foi utilizada a proposta da Investigação Qualitativa de González Rey (2002). Nessa proposta, a análise é realizada a partir de indicadores na fala dos participantes de alguma dimensão de sentido presente no estudo. Os indicadores são elementos ou conjuntos de elementos que adquirem significa ção através da interpretação do pesquisador e representam um momento hipotético no processo de produção da informação, mesmo que conduzam ao surgimento de outros novos indicadores, por meio de novas idéias do pesquisador associadas aos indicadores precedentes (González Rey, 2002).

 

Análise dos Resultados

Vários foram os sentidos constru ídos a partir das informações colhidas. Neste texto, vamos dar prioridade aos sentidos relativos às relações estabelecidas entre as profissionais e as crianças e/ou famílias, deixando os sentidos construídos sobre as relações institucionais para outra oportunidade.

1. A criança é a bússola

“...claro que existe angústia do mar, sem rumo, sem bússola, a bússola pra mim vai ser inicialmente a fala da criança.”

A criança que sofre o abuso sexual tem um papel fundamental na constituição do sentido profissional das profissionais entrevistadas. Ela é vista como alguém desprotegida, indefesa, que necessita de um adulto que a proteja ou que interceda por ela, evitando ou interrompendo o ciclo de abuso sexual. As entrevistadas atribuem a si essa tarefa de prote ção e atenção à criança que está nessa situação de risco, gerando ang ústia caso não consigam suprir essa expectativa de proteção e evitação da situação abusiva. Parece que existe uma identificação maior das profissionais com as crianças vítimas de abuso, o que faz com que se mobilizem emocionalmente quando entram em contato com seus relatos e seus sofrimentos. Essas emoções constitu ídas na relação com a criança são fundamentais para que haja a possibilidade de interações recorrentes, e são elas que vão orientar e especificar o campo ou domínio em que as ações vão coordenar-se, constituindo o sentido para a ação profissional (Maturana, 1997, 2001, 2002).

No entanto, essas emoções, ao mesmo tempo em que geram dificuldades e ansiedade no encontro com as crianças, motivam o trabalho e a busca de soluções para as situações de abuso. Essa motivação decorre em grande parte da credibilidade que o profissional assegura à fala da criança. As profissionais repetiram, ao longo da entrevista, que é o que a criança diz ou faz, durante o estudo psicossocial, aquilo que dá segurança às ações técnicas, e o que ela fala é sempre considerado uma verdade. Nesse sentido, uma das entrevistadas falou sobre casos de abuso atendidos por ela: “eu parti do princípio de que a criança estava falando a verdade”. É interessante notar que, mesmo sendo percebida como indefesa e tendo que ser protegida, é a criança com suas atitudes e expressões emocionais e sua fala que orienta e dá tranqüilidade à atuação psicossocial. A criança representa uma saída para a confusão e desorientação do processo em que ela é configurada legalmente como vítima. Na fala das entrevistadas, a criança se apresenta como a única, entre os atores das situações de abuso sexual infantil (pai, mãe, entre outros) que tem um papel, uma função ativa no processo judicial, orientando as ações dos profissionais.

Essa percepção é de certa forma positiva, porque vê a criança em um papel ativo, como um sujeito de direito, e não de forma passiva em todo o processo, apresentando uma coerência com o pressuposto preconizado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ao ser vista como sujeito de direitos, a criança é considerada em seu sofrimento, suas vivências e suas necessidades, propiciando- se um espaço de diálogo com ela. Isso nem sempre ocorre em nossa sociedade, na qual a criança é muitas vezes desacreditada e desqualificada: “Eu acho que o sentimento das crianças deve ser justificativa suficiente para o juiz entender que 10 e 12 anos precisam ser respeitados no processo”.

Por meio desse papel ativo atribuído à criança pelas profissionais entrevistadas, percebeu-se que é a criança que sofre violência sexual que dá sentido ao processo judicial. O estabelecimento de relações entre a profissional e os demais atores do processo gera angústias e inseguranças, que remetem à falta de algo, a um vazio. Isso não acontece na relação entre a profissional e a criança, uma vez que é esta quem fornece credibilidade, segurança e tranqüilidade à profissional, constituindo o norte das ações psicossociais. É no contato com a criança que a profissional constitui o sentido para o seu fazer, para sua ação: “Dependendo de como ela (a criança) demonstra, lógico, a afetividade, se ela está deprimida, se ela está abatida, tudo o que acompanha a fala da criança, eu não tenho tanto receio assim de dizer (que houve abuso). Porque aí, naquele momento, é como se eu soubesse, não, é pra lá que esse barco tem que ir, então agora eu vou com segurança”.

No entanto, esse papel protagonista da criança no processo judicial traz consigo um impasse. Atualmente, os profissionais que trabalham com essa problemática vêm discutindo a necessidade de preservar a criança do constante desgaste que os processos judiciais de abuso sexual promovem. Os procedimentos policiais e jurí- dicos demandam muitas vezes que a fala da criança seja repetida e exposta diversas vezes, criando um contexto de revitimização da criança que inicialmente deveria ser protegida (Costa, Penso & Almeida, 2005; Faleiros, 2003; Santos, 2002). Assim, existem reflex ões e iniciativas no sentido de que a criança fale sobre o ocorrido apenas uma vez, na Delegacia de Proteção da Criança e do Adolescente (DPCA), e que essa fala seja gravada e seja considerada prova material em todo o processo. Sobre essa proposta há um impasse, ainda não superado, que diz respeito ao fato de Juízes e Promotores da infância não abrirem mão de oitivas com a criança. Essas reflexões ajudam a resolver a questão da revitimização da criança, mas se ela não for mais a protagonista do processo judicial, como o sentido do papel profissional dos psicólogos e assistentes sociais será constituído? Se, em termos da emoção, é a criança que constitui o sentido profissional, em termos do processo como se vai resolver a questão da revitimização?

2. Os familiares: meros coadjuvantes?

Os membros da família, na situação de abuso sexual infantil intrafamiliar, surgiram de uma forma bastante periférica e superficial, ocupando um papel coadjuvante em todo o drama familiar e judicial. As profissionais, ao se referirem ao pai (o abusador), expressaram emoções elementares e primitivas como reações de raiva, medo, indignação, entre outras. Pela identificação com a criança, o contato com o agressor suscitou essas reações emocionais, semelhantes às emoções sentidas pelas crianças: “Eu não conseguia me dirigir à pessoa (ao pai abusador), a ele enquanto pessoa”. “E, assim, o sentimento, o que eu senti assim, foi assim, inconformação com a situação e raiva até de estarem fazendo isso com pessoas indefesas né... é como se essa pessoa estivesse com um punhal, ameaçando a vida”.

As entrevistadas percebem esse pai, no que ele tem de potencial ofensivo, nas suas faltas como adulto que deveria proteger a criança, como um adulto irresponsável, desrespeitoso e cruel. Em face dessa percepção, a não responsabilização ou punição do abusador gera uma sensação de insegurança, fracasso e impotência se encontra. As ações necessárias para que haja uma maior tranqüilidade para as profissionais, e menor sensação de frustração diante do trabalho com famílias com dinâmica abusiva, são a responsabiliza ção e punição do pai agressor, remetendo- as a uma função da Justiça de sanção/punição e reparação por parte daqueles que agrediram a criança.

Apesar do conhecimento de que os homens que cometem abuso sexual em sua maioria são homens da comunidade, socialmente adaptados e reconhecidos, a violência sexual contra crianças e adolescentes suscita o imaginário do “monstro ”, muitas vezes desviando a atenção dos profissionais de que esses agentes da violência também são pessoas em sofrimento e sujeitos de direito. A resolubilidade das situações de abuso sexual infantil não se esgota com a prisão e punição dos acusados (Faleiros, 2003), mas tamb ém na defesa dos direitos e no atendimento às pessoas envolvidas nas situações de violência sexual e de seus sofrimentos, inclusive do genitor agente da violência. Sem uma noção de resolubilidade mais ampla, que inclua também o atendimento psicossocial e/ou terapêutico ao pai agressor, existe a possibilidade de a violência se perpetuar, na relação entre o acusado e a instituição policial e presidiária, ou voltar a ocorrer, na medida em que ele cumpra sua pena e retorne ao convívio social e familiar.

A mãe, outra coadjuvante, tamb ém é percebida no papel de algu ém que não protegeu, que permitiu de alguma forma que o abuso se perpetuasse. Ela é vista numa situação semelhante à do pai, é cobrada por sua falta, o que gera ang ústia no profissional: “...vou ficando angustiada por causa da mãe, de não saber, de pensar que não conseguiu fazer nada, em impedir”.

É interessante notar que, apesar de todas as entrevistadas serem mulheres, elas não expressaram uma identificação com a mãe/mulher e também não a percebem como vítima da situação. Essa não identificação com a mãe talvez decorra do contexto da prática psicossocial dessas mulheres no judiciário, no sentido de que refletem o emocionar que perpassa as relações de poder, caracter ísticas da Justiça. No Tribunal de Justiça, as emoções que constituem os espaços de ações e que se entrelaçam com a linguagem, estabelecem uma cultura institucional que reflete a cultura ocidental, pautada por emoções de apropriação, desconfiança, cobrança, controle, suspeição e puni ção. Para Maturana (1997), esse modo de emocionar é característico da cultura patriarcal, diferente de uma possível cultura matrística, na qual o modo de emocionar estaria relacionado à cooperação, participação, confiança e respeito mútuo. De alguma forma, essas percepções das profissionais refletem essa cultura institucional em que as emoções que perpassam as relações com os pais e mães de famílias com situação de abuso sexual refletem o controle, a hierarquia e o poder.

3. A criança desperta as vivências de violência e abuso dos adultos “eu acho que a criança desperta na gente a nossa criança interna. Porque todas as vezes que eu vejo uma criança numa situação em que ela está indefesa, é como se eu me identificasse com ela, ficasse indefesa realmente, não ter ninguém com quem contar... saber que de repente tem um adulto que poderia estar contando com ele, mas aquele adulto pode se esquivar de fazer alguma coisa. E eu me sinto assim... como se eu estivesse ali naquele lugar”.

Também houve uma ampliação da compreensão sobre a função da criança na relação com elas, e de como essa função de orientar e guiar as decisões práticas no estudo psicossocial está vinculada a uma forte identifica ção dessas profissionais com as crianças que elas atendem. Parece que, ao se identificar com a criança vítima de abuso sexual, a profissional vivencia emoções semelhantes às vivenciadas pela criança na relação abusiva. Segundo Thouvenin (1997) e Perrone e Nannini (1997), a criança ou o adolescente que sofre abuso sexual experiencia confusão, sentimentos de culpa, de impotência, perplexidade, ambivalência de sentimentos e um grande sofrimento psíquico. Há uma ressonância na profissional a partir de sua identificação e, dessa forma, ela sente ang ústia, ansiedade e confusão diante da relação com a criança e com a família. No contato com a criança, a vivência e o passado da profissional se atualizam, fazendo ressurgir muitas vezes seus próprios medos infantis ou vivências próprias de abuso emocional ou físico.

Acreditamos que o fato de o grupo entrevistado ser composto somente por mulheres tenha uma participação importante na presença da emoção nessas relações, e na constitui ção do sentido profissional a partir da relação com a criança. As formas de organização social, os sistemas de crenças e os valores que prevalecem em nossa sociedade ocidental são permeados por um sistema de gênero, como afirma Ravazzola (1997). Esse sistema de gênero pressup õe construções hierárquicas imut áveis; construções que assinalam âmbitos diferentes de poder entre o masculino e o feminino, e que se convertem em princípio organizativo naturalizado, formando parte da identidade dos sujeitos da cultura. Nesse sistema, as crenças e estereótipos culturais atribuem mais valor ao masculino que ao feminino, conferindo distintos níveis hierárquicos a homens e mulheres dentro das organiza ções sociais.

Como o abuso é caracterizado por uma forma de interação em um contexto de desequilíbrio de poder – contexto no qual aquele que está em uma posição hierarquicamente superior ocasiona danos ou prejuízos físicos e/ou psicológicos, por ação ou omissão, ao outro na relação (Corsi, 1994), fica evidente que as formas de emocionar e de relacionar em nosso contexto sócio-cultural propiciam relações abusivas e de violência em várias dimensões. É muito difícil uma pessoa de nossa cultura não ter vivenciado algum episódio ou situação de violência ou abuso (seja físico, emocional ou sexual) durante sua vida. A probabilidade de acontecer uma dessas situações aumenta consideravelmente no caso das mulheres e crianças/adolescentes, em virtude de todo esse contexto. É difícil uma mulher em nossa sociedade não ter vivenciado algum tipo de abuso ou violência durante sua infância ou vida adulta.

Assim, como Nogueira e Sá (2004) destacam, é necessário que esses sentimentos sejam “reconhecidos e colocados a serviço do nosso trabalho, em vez de serem tratados como elementos ou forças que nos paralisam ou que impedem que ele ocorra” (p. 97). Ao identificar e reconhecer essas emoções, a profissional dá voz ao seu próprio sofrimento e dessa forma pode dar voz e escutar o sofrimento do outro. Se nós profissionais não nos escutamos ou negamos nossas vivências, corremos o risco de calar a criança, não permitindo e desqualificando sua fala na Justiça. É preciso um processo de autoconhecimento para poder dar conta do abuso vivido pelo outro, dar voz à criança e servir de mediador de sua palavra na Justiça: “Então é um aprendizado assim muito louco mesmo de tentar trabalhar com esses limites, tentar assim, eu não posso me envolver completamente porque senão eu não dou conta de fazer o trabalho, eu vou sofrer muito, mas também se eu sair e olhar que nem um médico de fora né, que eu já estou ficando acostumada com aquela coisa, também não vou me vincular e não vou conseguir fazer o trabalho né.”

Essa identificação com a criança também nos remete ao resgate da função psicossocial, em que a profissional constitui, na relação com a criança, o sentido de sua prática. A criança na relação suscita a função de compreensão, acolhimento, ajuda e proteção, características da função psicossocial. No entanto, a profissional não pode permanecer na identificação, pois precisa retomar seu papel na Justiça e atuar de forma a interromper o circuito abusivo e proteger a criança. Dessa forma, se a profissional faz um movimento de identificação com a criança, que permite ampliar a compreensão da situação e acolher o sofrimento desta, ela também precisa sair dessa identifica ção e retomar o papel de psicólogo e assistente social da Justiça. Não pode permanecer apenas na compreensão e no acolhimento, tem que também intervir e promover a proteção da criança e a garantia dos direitos dos atores envolvidos. Como Mahoney (1997) aponta, é necessária uma presença emocional e responsiva do terapeuta para se construir uma relação de ajuda e acolhimento a algu ém, e dessa forma a presença emocional do psicólogo e do assistente social na relação com a criança e a família é indispensável para o momento psicossocial de escuta e compreensão. Mas é necessário, também, um distanciamento, para poder agir na dimensão protetiva e legal. Manter essa presença e fazer esse contínuo movimento de aproximação e distanciamento é freqüentemente um desafio emocionalmente exaustivo para o profissional (Mahoney, 1997).

 

Considerações finais

As emoções, em todo este percurso, como o fio condutor destas reflexões, destacam-se como fenômenos essenciais à compreensão da ação do profissional na Justiça. Reconhecer nossas emoções constituídas nas relações com famílias com histórias de abuso sexual infantil e aceitar que elas existem em nossa subjetividade possibilita que nossos sentimentos de vulnerabilidade, insegurança e desconforto diante da situação possam ser expressos e compartilhados. Isso facilita o contato mais atento com a realidade e permite que se ofereça à criança um espaço verdadeiro de comunicação para suas experiências (Nogueira & Sá, 2004).

O contato da profissional com a criança vítima de abuso sexual constitui o sentido e constrói os significados a respeito de sua atuação no judici ário. Isso decorre em parte pela reatualização das vivências de violência da própria profissional, remetendo- a a sua história e a suas experiências. Como Elkaïm (1996) destaca, o que sentimos se relaciona conosco e com a nossa história de vida, de outra forma não se amplificaria a partir da relação estabelecida. Com uma posição bem semelhante, Maturana (1997) aponta que nós só nos emocionamos ou nos mobilizamos se aquilo faz parte de nossa experiência, ou seja, você só se preocupa com o outro se esse outro faz parte de seu domínio de experiência. Nesse sentido, como vivemos em uma sociedade constitu ída predominantemente por emoções de apropriação, poder, anulação e intolerância, que propiciam relações de abuso e de violência, o abuso sexual infantil incomoda e mobiliza as pessoas em virtude de suas experiências nessa sociedade, tanto no sentido de negar e manter o silêncio e a invisibilidade social do abuso, como no sentido de interromper o ciclo abusivo, promovendo a proteção da criança e a garantia dos direitos de todos os envolvidos.

Ao mesmo tempo, essas emoções suscitadas não se vinculam somente à profissional, não podem ser limitados a ela e ao seu passado, mas também se referem ao sistema de que ela participa. Elkaïm (1996) afirma que esses sentimentos têm uma utilidade e uma função para o sistema, e o autor denomina ressonância esses sentimentos suscitados na relação em que vários sistemas entrelaçados possuem um tema em comum, que amplifica no profissional sua experiência, mas também se vincula ao presente e à função que esses sentimentos possam ter para os diversos membros do sistema terapêutico. É necess ário lembrarmos que as emoções suscitadas pela criança, pelo agressor e pela família são constituídas na rela ção singular com cada uma das fam ílias atendidas e referem-se a essa relação, a esse sistema, naquele contexto. As emoções apresentam “um sentido e uma função ligados ao próprio sistema em que emergem” (Elkaïm, 1998, p. 322).

A importância do reconhecimento das emoções possui uma dimens ão ética, porque ao assumir a subjetividade e o fato de que as explica ções e ações das profissionais são constituídas e constituem as emoções, legitima-se o outro na relação atrav és do respeito. O respeito implica fazer-se responsável pelas emoções frente ao outro, sem negá-lo, e, para me fazer responsável pelas minhas emoções, preciso reconhecê-las e assumi- las (Maturana, 2001). Se pensarmos dessa forma, o espaço relacional na Justiça precisa ser preservado e incentivado para que a intervenção seja ética e tenha um sentido para o profissional. O estudo psicossocial é um processo aberto de produção de conhecimento sobre a singularidade de uma família e não pode ser fechado, padronizado, apriorístico e acontextual, sendo um processo relacional constituído por meio da comunica ção. Se é na relação com o outro, especialmente com a criança, que se constituem as emoções que perpassam a construção dos sentidos e significados da atuação psicossocial na Justiça, essa dimensão interacional e subjetiva precisa ser considerada e reafirmada pelo judiciário, nos estudos psicossociais de abuso sexual infantil.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: rebeccaribeiro@terra.com.br
E-mail: lianaf@terra.com.br

Recebido em maio/2007
Aceito em agosto/2007

 

 

* Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade de Brasília. Psicóloga do Serviço Psicossocial Forense do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
** Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo. Docente Permanente do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília.

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