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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. v.13 n.25 São Paulo dez. 2008

 

DOSSIÊ: ESCRITAS II

 

Efeitos da escrita na clínica de linguagem

 

Writing as a clinical device in speech clinic

 

Efectos de la escritura en la clínica de lenguaje

 

 

Lúcia Maria Guimarães ArantesI; Suzana Carielo da FonsecaII

IFonoaudióloga da Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação (DERDIC/PUCSP), docente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (LAEL/PUCSP)
IIFonoaudióloga da Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação (DERDIC/PUCSP), docente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PEPG /PUCSP)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo discute os efeitos clínicos da inclusão de uma atividade sistemática com a escrita no tratamento de crianças e de adultos cujas falas/escutas são sintomáticas. Questões relativas à natureza específica de atos que fundamentam a clínica de linguagem e seus desdobramentos teóricos estão no foco da reflexão encaminhada à luz de segmentos de sessões clínicas.

Descritores: escrita; afasia; clínica de linguagem com crianças; distúrbio de leitura e escrita; retardo de linguagem.


ABSTRACT

This paper aims at discussing some effects of writing as a therapeutic procedure in the so called Language Clinic. It is argued that its inclusion in the clinical scenario promotes changes not only in writing itself, but also in speech because it affects the listeners' listening to language. The specific nature of such an intervention is focused and the discussion carried on in this paper should provide specific and original theoretical support for clinicians and researchers in the field of speech therapy. Segments of clinical sessions will be presented and dealt with.

Index terms: writing; aphasia; language clinic; speech therapy; speech pathology.


RESUMEN

Este artículo se propone discutir los efectos de un trabajo sistemático con la escritura en el atendimiento clínico de niños e adultos que presentan síntomas en el lenguaje. Cuestiones relativas a la naturaleza específica de las acciones que fundamentan la clínica del lenguaje &– y sus desdoblamientos &– están en el foco de la reflexión encaminada. Análisis de segmentos de los atendimientos clínicos movimientam el debate.

Palabras clave: escritura; afasia; clínica de lenguaje; logopedia; patología de lenguaje.


 

 

Introdução

O objetivo deste trabalho é encaminhar uma discussão relativa aos efeitos da introdução da escrita como dispositivo clínico no atendimento de crianças e adultos cujas falas/escutas1 são sintomáticas. De início é preciso que se diga que o uso da expressão "clínica de linguagem" tem, no interior do Grupo de Pesquisa "Aquisição, Patologias e Clínica da Linguagem" (CNPq)2, força conceitual. Isso significa que sua função não é apenas nomear, discernindo, uma das clínicas que se abrigam sob o rótulo "Fonoaudiologia"3.

Ela estenografa uma reflexão em cuja base está a problematização da noção de sintoma quando o que está em causa é a linguagem e, conseqüentemente, o espaço clínico no qual se acolhe um ser que sofre por efeito dessa condição sintomática. Nessa medida, tal nomeação introduz "novidade" relativamente a abordagens fonoaudiológicas tradicionais em que, via de regra, a linguagem (e a natureza específica de sua manifestação patológica) e/ou o sujeito falante não são feitos proposições problemáticas (Lier-DeVitto, 1994/1997, 1995, 2006; Lier-DeVitto & Fonseca, 2001; Lier-DeVitto & Arantes, 1998; Arantes, 2001, 2006; Andrade, 2003, 2006; Araújo, 2006; Faria, 2003; Fonseca, 1995, 2002, 2006, entre outros). Mas não apenas isso. Se a reflexão encaminhada no referido Grupo de Pesquisa tem como solo o diálogo teórico entre a Fonoaudiologia, a Lingüística4 e a Psicanálise, as proposições que se desdobram desse empreendimento as discriminam desses campos de filiação. Esperamos que o debate que ora realizamos contribua para tais discernimentos, deixando ver a configuração teórico-clínica "específica" implicada na expressão "clínica de linguagem".

 

1. Sobre a oposição normal x patológico: fundamento do conceito de "clínica"

Refletir sobre o sintoma na fala/escuta e sobre o método que dá sustentação a uma clínica de linguagem é tarefa que nos obriga a ter em mente, como assinalou Lier-DeVitto (2004), a necessária distinção entre a posição do clínico e a posição do cientista. Isso porque compromissos éticos diversos estão em jogo: "homogeneidade como requisito da ciência e condição para a meta de previsibilidade; [e] singularidade como pré-requisito básico e fundante da relação clínica" (2004, p. 54); razões pelas quais o primeiro ponto a ser considerado aqui envolve uma tomada de posição relativamente à polaridade normal x patológico (ou, em outras palavras, saúde x doença), base sobre a qual se edificou o conceito de clínica forjado no interior da Medicina. Indagações feitas por Canguilhem, em 1966, são ainda atuais e pertinentes a essa discussão. Entre elas, merecem destaque as seguintes: "o conceito de doença será o conceito de uma realidade objetiva acessível ao conhecimento científico quantitativo? A diferença de valor que o ser vivo estabelece entre sua vida normal e sua vida patológica seria uma aparência ilusória que o cientista deveria negar? (1966/2000, p. 53).

Note-se que o autor entende que é preciso introduzir uma "porção de subjetividade" na discussão sobre a natureza do estado patológico. Essa introdução tem um viés subversivo, na medida em que, sustentado por ideais positivistas, no discurso organicista "o patológico é designado a partir do normal, não tanto como a ou dis, mas como hiper ou hipo" (p. 22). Os conceitos de saúde e doença erigem-se como opostos quantitativos e, conseqüentemente, trazem à luz uma hipótese assentada na identidade dos estados normal e patológico. Um dos maiores representantes dessa tese é Claude Bernard, segundo quem, "toda doença tem uma função normal correspondente da qual ela é apenas a expressão perturbada, exagerada, diminuída ou anulada" (1877, citado por Canguilhem, 1966, p. 45).

Canguilhem, ao se opor à perspectiva de Bernard, assinala que "ser doente é, realmente, para o homem, viver uma vida diferente, mesmo no sentido biológico da palavra" (p. 64). Essa diferença, diz ele, não se reduz à variação quantitativa, que até pode estar em jogo na oposição antes referida. O autor nos lembra que, por princípio, a abordagem quantitativa do sintoma "desumaniza a doença" e faz perder de vista o fato de que ela é um estado qualitativamente diferente do estado normal. Isso significaria que, para apreendê-lo, seria preciso levar em conta o ponto de vista do doente – aquele com o qual o médico é confrontado no espaço clínico. Não é sem razão, portanto, que o médico-filósofo afirma: "contestamos...que os termos mais e menos, quando entram na definição do patológico como variação quantitativa do normal, tenham uma significação puramente quantitativa" (p. 84).

Ora, o que está em jogo aqui é uma recusa do conceito normativo de saúde (e, conseqüentemente, de doença) que, necessariamente, se baseia em tipos ideais e generalizantes. Para o autor, "a pessoa é doente não apenas em relação aos outros, mas em relação a si mesma" (p. 108). Entendemos, então, que essa recusa tem a ver com as posições do clínico e do cientista: a segunda deveria, na ótica de Canguilhem, desdobrar-se a partir dos efeitos do encontro do clínico com a singularidade de manifestação da doença em cada paciente. Isso porque "o homem, mesmo sob o aspecto físico, não se limita a seu organismo.... É, portanto, além do corpo que é preciso olhar para julgar o que é normal ou patológico para esse mesmo corpo" (p. 162).

Sua proposição, entretanto, é questionada por Clavreul (1978) que, embora ratifique a idéia de que a Medicina produz um corte entre Ser e Doença – "os estudos sobre o homem permanecem marginais em relação à Medicina. Esta não é uma antropologia" (Clavreul, 1978, p. 135) –, entende que a solução/hipótese de Canguilhem abala o compromisso ético da Medicina com seu objeto: a doença. Além disso, afirma o autor, a doença como fato qualitativo reclama que se leve em conta que o pedido de cura supõe a existência de um "saber médico" não coincidente com o "saber do doente". Dito de outro modo: a doença implica um "não saber mais fazer" do organismo. Isso exige, insiste Clavreul, a ultrapassagem da apreciação subjetiva, pelo interessado, de seu estado de saúde. O psicanalista coloca-nos, então, diante de uma questão teórico-clínica fundamental: a(s) ação(ões) que visa(m) mudança numa condição sintomática depende(m) de um ir "mais além" do que se experimenta subjetivamente nos estados de saúde e doença. Para sustentar a diferença de valor entre tais condições não basta a inclusão do testemunho do doente para construir um "saber sobre a doença" e sobre como fazê-la "passar a outra coisa"5 (Lier-DeVitto & Arantes, 1998).

Vale dizer, ainda, que Clavreul (1978) faz também uma importante crítica à Foucault (1980/1994) que – ao reconhecer que no campo das "doenças mentais" o doente não é apenas o lugar de manifestação das doenças, mas sujeito de sua doença – teria afirmado que "a medicina não é constituída da totalidade do que se pode dizer de verdadeiro sobre a doença" (p. 157). Uma afirmação que, na ótica do autor, soa como uma reivindicação ilícita, já que "não há um outro discurso a ser mantido sobre a doença a não ser o discurso médico" (p. 157). Isso porque, para ele, fora do campo clínico da Medicina seria mais adequado falar em sofrimento: um termo que remete ao sujeito que o experimenta. Assim, poder-se-ia sustentar que "a medicina não é constituída da totalidade do que se pode dizer sobre o sofrimento...existe apenas um discurso que se mantém sobre o sofrimento, e é o da pessoa que o experimenta" (p. 157).

Em Psicanálise, como afirma Nasio (1993), o sintoma é, acima de tudo, um mal-estar que se nos impõe, que nos ultrapassa e nos interpela. Ele é, antes de tudo, um ato involuntário, produzido além de qualquer intencionalidade e de qualquer saber consciente: é um ato que remete menos ao estado doentio do que a um processo denominado "inconsciente". Na clínica psicanalítica, são as manifestações decididamente subjetivas que contam: é a partir do "sintomal" (Quinet, 1991/1995) e da fala encadeada que trabalhará o analista. Compreende-se, assim, a afirmação de que a Psicanálise acolhe a subjetividade – ela acolhe os dizeres do sujeito, entendendo que há neles um saber, uma verdade cifrada sobre esse mesmo sujeito.

 

2. Sobre "sintoma" na linguagem: "estar (mal-estar) na fala"6

Ecos da discussão de Canguilhem e Clavreul se fazem sentir na reflexão que vem sendo encaminhada no âmbito do Grupo de Pesquisa, antes referido, que coloca irremediavelmente em cena "o vínculo fantástico do saber com o sofrimento" (Foucault, 1980/1994, p. IX). Nessa perspectiva, Lier-DeVitto insiste em dizer que: "uma [teorização sobre a] clínica de linguagem só poderá nascer da própria clínica, movimentada por inquietações e impasses dessa vivência do singular e da fala in vivo. Ela não poderá brotar de prática alienada a um método científico." (2004, p. 56)7.

Tomando como base o "diálogo clínico", ou o encontro com a "fala viva", é que hipóteses sobre a face sintomática da linguagem – e sobre as ações clínicas requeridas para enfrentá-la – têm sido arregimentadas nesse espaço de reflexão. Nessa perspectiva, afirma Tesser: "um clínico, diferentemente de um investigador, não escapa às ressonâncias e efeitos do diálogo vivo: ele não está frente a um corpus mesmo quando lê o material transcrito de uma sessão clínica em que ocupou posição de terapeuta." (2007, p. 72).

De fato, se os efeitos do diálogo com o paciente marcam o corpo do terapeuta, essa marca não se dissipa quando ele, na posição de cientista, explora a fala sintomática. A reflexão sobre a clínica de linguagem deve, então, implicar não só a dimensão de um sofrimento subjetivo (Lier-DeVitto, 2001, 2002), como também seus efeitos no outro (o terapeuta). Note-se, entretanto, que no âmbito dessa clínica, sofrimento é efeito da instauração de uma fala sintomática. Sem essa dupla afetação, de que serviria, de fato, investigar as patologias da linguagem? Implicar a dimensão do sofrimento obriga, como disse Fingerman8, a produzir "um saber que preste", ou seja, que fale sobre o homem e que reverta diretamente a ele. Foi isso que fez Freud, ao criar um outro discurso sobre o homem e uma clínica que o acolhe. Entendemos que é isso, também, que deve almejar uma clínica de linguagem. Nas discussões encaminhadas no âmbito do Grupo de Pesquisa, a originalidade reside exatamente nisso: o contorno teórico que se procura dar às patologias da linguagem imbrica acontecimento e clínica – espaço de acolhimento daquele que sofre por efeito de uma fala sintomática.

Contudo, falar em sintoma na linguagem exige que se implique a língua, como funcionamento (Saussure, 1916/1971), no modo singular de articulação fala-falante9. Empreendimento, diga-se de passagem, inviabilizado por meio de uma abordagem quantitativa: "o que acaba definindo um quadro patológico de linguagem é menos um 'déficit' na linguagem e mais a insistência/persistência de algo" (Lier-DeVitto, 2001, p. 249). Esse "algo" também não pode ser apreendido através de uma análise lingüística stricto sensu, já que o sintoma "é um terceiro em relação à polaridade correto-incorreto da Lingüística, ele não é exceção à regra nem fruto de falsas analogias" (Lier-DeVitto, 2006, p. 186). Sua qualidade específica está vinculada ao fato de que há "um falante que repete um mesmo (na diferença manifesta de suas falas)" (p. 186). E esse "mesmo" coloca em cena uma "não-coincidência da fala patológica, seja à fala da comunidade, seja à fala não-sintomática de criança" (p. 191).

Lier-DeVitto chama atenção para o fato de que "os sintomas na linguagem são produções enigmáticas, não redutíveis a movimentos desajeitados do aparelho fonador, nem a realizações audíveis de uma ação interna/ mental" (2003, p. 238). Eles referemse a um "ato" no qual está em causa uma fala em deriva que, por sua vez, remete a um falante que cede ao jogo cego de referências internas da língua. Dito de outro modo: os sintomas para a clínica de linguagem remetem a um "furo no corpo da fala que diz de um corpo falante" (Lier-DeVitto, 2003). O que está em causa, portanto, é, de um lado, um falante que, ao falar, "dramatiza um insucesso" (p. 238) e, de outro, um ouvinte que não deixa passar uma qualidade que se inscreve nessa fala e que isola falante/fala da língua constituída (Landi, 2006). Nessa perspectiva, o sintoma na fala faz sofrer porque afeta, também, aquele que fala e, em expressão de Lier-DeVitto, "fratura a ilusão de semelhante" (2001).

Se o sintoma faz sofrer ele produz como efeito uma demanda de mudança em que está em questão um "desconhecimento sobre o porquê ela [a fala] acontece assim e da impossibilidade de fazê-la ser outra" (p. 187). Uma clínica nasce daí: de um apelo ao terapeuta de linguagem para que a condição de falante se transforme. A ele é suposto um "saber fazer" a fala/ escuta mudar.

 

3. Sobre "escuta" na "clínica de linguagem"

Tendo em vista o que foi discutido até o momento, deve-se concluir que uma clínica de linguagem é instituída, ao mesmo tempo, por uma teoria e por uma escuta particular para a fala, ambas determinantes da interpretação (Spina-de-Carvalho, 2003). A "escuta clínica" só é operativa (promotora de mudanças) porque o corpo do clínico – diferentemente do corpo do falante nativo – é duplamente marcado: de um lado, por uma teoria de linguagem e, de outro, pelo encontro (nas sessões de atendimento) com a "fala em sofrimento" (Fonseca, 1995). Falar em interpretação envolve considerar, então, a imbricação entre essas duas escutas: a escuta "em cena" e a "leitura" teoricamente orientada do material clínico (Lier-DeVitto & Arantes, 1998). O que está em jogo no "ato clínico" é fundamentalmente: "uma escuta para a fala e para o diálogo [que] deixa-se afetar pela densidade significante de falas faltosas, truncadas, inconclusas. O ato clínico não se sustenta no significado (comumente abalado ou mesmo diluído no movimento das falas sintomáticas); não ignora, contudo, a demanda do paciente de poder falar e falar com o outro – dito de outro modo, não diminui a importância da montagem de uma textualidade e da ilusão de comunicação." (Tesser, 2007, p. 75).

Entende-se que, tanto no diagnóstico (nas sessões de entrevistas e no processo de avaliação de linguagem10), quanto na terapêutica propriamente dita seja "preciso incluir o sujeito e a relação que ele entretém com a sua fala [e a do outro]" (Fonseca & Vorcaro, 2006, p. 423). É certo que o modo como o "falar/escutar" do paciente se instanciam é que determina a interpretação do terapeuta. Interpretação que, portanto, não se realiza à revelia do dizer do paciente, mas que incide sobre essa trama significante. De acordo com Fonseca, "para que mudanças ocorram na fala (e na posição sujeito-falante) uma... causalidade... tem papel decisivo. Refiro-me aqui à "causalidade clínica" instanciada no jogo da interpretação lingüística" (2002, p. 249). Esse jogo da linguagem sobre a linguagem institui e constitui o que se denomina "diálogo clínico".

Uma assimetria radical entre falas11 marca o diálogo enquanto acontecimento clínico. Acontecimento que envolve: "(1) a relação entre crianças que falam/escrevem (e não são reconhecidas como falantes/escreventes pelos outros) ou que não falam/escrevem (Leite, 2000; Arantes, 2001)12; (2) a relação entre adulto que hesita na fala – hesita como falante (Pisaneschi, 2001); e (3) a relação entre o adulto 'um dia falante que não fala' (Fonseca, 1995) ou cuja fala está destroçada ou, ainda, que fala mas não tem escuta para a do outro." (Fonseca, 2002, p. 206).

Também uma assimetria entre posições (essa de natureza constitutiva), coloca-se para a clínica de linguagem, qual seja: a do clínico e a do paciente. Outra questão relevante: diálogos são sempre imprevisíveis e o "diálogo clínico" não foge a essa regra: terapeuta e paciente não escapam da dimensão de equívoco, marca constitutiva da linguagem. Mas esse diálogo é certamente afetado pelo "ler depois do clinicar": marca distintiva da noção de diálogo na Clínica de Linguagem.

 

4. Sobre a escrita como dispositivo clínico

A clínica de linguagem sustenta-se, então, na aposta de que o "diálogo clínico" é o motor das mudanças que, espera-se, ocorram na condição de falante/intérprete. Nesse "diálogo", o que está em jogo são entrecruzamentos entre modalidades de linguagem, ou seja, afetações recíprocas entre falas; falas e gestos; escritas e falas; leituras e escrita; leituras e falas, etc. Mas, se a língua responde por essa afetação mútua, não se pode esquecer "que a relação de um sujeito com uma ou outra modalidade de linguagem tem certa autonomia" (Leite, 2000, p. 65). Dito de outro modo: se escritas/falas – sintomáticas (ou não) – são produtos da língua, elas também nos colocam frente a um modo singular de configuração da relação sujeito-linguagem (oral e/ou escrita) (Marcolino, 2004, Catrini, 2006). Afinal, ambas constituem "espaço de realização subjetiva". É por isso que mudanças na condição lingüística produzem efeitos subjetivos (Fonseca, 1995, 2002).

A seguir, trazemos discussões suscitadas por atendimentos clínicos, nos quais a introdução do trabalho sistemático com a leitura e a escrita responderam pelas transformações operadas na fala e/ou na escrita e/ou na leitura dos referidos pacientes. De início, um debate que coloca em cena o atendimento de dois pacientes afásicos, realizado pela fonoaudióloga Suzana Carielo da Fonseca. Em seguida, a discussão do atendimento de uma criança, supervisonado pela fonoaudióloga Lúcia Arantes.

Para encaminhar o que nos propomos, é importante esclarecer que a afasia13 é, do ponto de vista lingüístico, "fala em sofrimento que produz conflito subjetivo" (Fonseca, 2002). Isso porque o afásico fala e é afetado por sua fala: ele sofre com e pelo quê fala. Por isso, ele fica sempre "ao lado do quer dizer", em expressão de Lacan (1985). Ele se vê, portanto, despojado da ilusão de "si-mesmo" e da naturalidade com que se embrenhava na comunicação.

4.1 O atendimento do Sr. Mário14

Sr. Mário, um paciente afásico, foi atendido no CAAf (Centro de Atendimento a Afásicos da DERDIC/PUCSP)15 por uma aluna de Fonseca e, posteriormente, por ela mesma. Quando Fonseca assumiu o caso, o paciente apresentava uma fala até bastante "comunicativa", mas que o frustrava muito. Em função disso, ele continuava insistindo: "é, melhorô, mas ainda tá longe... ainda tá longe prá eu falá...". Esse paciente, como se vê, se "frustra" com sua fala porque ele "guarda nostalgia" de um passado (a condição de falante que sustentava antes do AVC) e fica como outro frente à própria fala, numa nãocoincidência insuperável entre fala e escuta (Lier-De Vitto, 2006). Ele escuta mas nada pode fazer para mudar essa fala. Ele espera mesmo, como assinalou Clavreul (1978), que o terapeuta possa fazer o que ele não pode. É tal suposição que sustenta seu investimento clínico.

No que diz respeito à escrita e à leitura, elas estavam gravemente perturbadas. A escrita do Sr. Mário estava reduzida à sua assinatura. Nada mais ele registrava no papel: nem letras, nem pedaços de palavras... embora estivesse preservado o movimento de preensão do lápis e o gesto da escrita. A realização da cópia era também, para ele, tarefa extremamente difícil. Quanto à leitura, ela não podia se realizar oralmente mas, quando silenciosa, manifestava-se através de fragmentos de fala que do texto retornavam. Uma possibilidade que imbricava fala e escrita e que, portanto, deveria ser clinicamente explorada.

A fonoaudióloga decidiu, então, introduzir sistematicamente nas sessões de terapia textos para ler e escrever. Não sem resistência inicial por parte do paciente, já que o que ele queria mesmo era falar. Mas a terapeuta insistiu que a escrita poderia ajudá-lo a melhorar a fala, até que ele, finalmente, resolveu apostar nisso. Vejamos o relato do desdobramento dessa aposta:

Com o texto à nossa frente, eu lia passando o dedo sob as linhas e pedia a ele para me acompanhar. Surpreendentemente, algumas vezes, ele me interrompia, pronunciando a palavra seguinte (ainda não lida): índice de que o Sr. Mario lia. Eu repetia a palavra e continuava a leitura. Propus a ele que eu leria uma palavra e ele a outra de uma crônica a respeito da viagem de um casal para a casa da praia. No meio do caminho, eles se deram conta de que haviam esquecido a chave da casa e retornaram a São Paulo. Quando entraram no apartamento, a empregada dava uma festa: "acontece toda a hora", disse o Sr. Mário. Continuamos a leitura em que aparece, na seqüência, uma fala da empregada: "take it easy... junte-se a nós". Nesse ponto, o Sr. Mario ri. Continuamos: o casal participa da festa – o paciente reage: "que é isso?!". Prosseguimos com a crônica, que termina com a decisão do casal de, no dia seguinte, dispensar a empregada. Encerrada essa leitura a dois, ele volta-se para mim e diz: "tá certo, é isso mesmo!".

Vê-se que o Sr. Mario lia e "entendia", e que nessa imbricação entre fala/leitura "dialógica", seus comentários e expressões nem sempre eram afásicos. Com o objetivo de deixá-lo com o texto, pedi a ele que procurasse copiar, em casa, aqueles que lhe interessassem. O que eu esperava é que a "imersão em textos" (Mota, 1995) impulsionasse a sua escrita paralisada. Nas sessões, líamos o que ele trazia e, aos poucos, ele lia e podia falar a partir deles. Outros textos que eu dava, ele lia mas dizia: "não entendi". Mudanças ocorreram em função desse jogo entre ler/falar/escrever: restabelecimento de uma relação ao texto escrito que afetou a leitura e a escrita.

No primeiro caso, estabilizou-se uma leitura oral e não uma vocalização intermitente. Ele passou a sustentar a leitura e isso produziu sobre ele um efeito: "puxa, tá bem melhor, né?". Bem melhor, embora ele não tivesse, ainda, escuta para o que lia. De todo modo, "melhor", porque ele ouvia fala articulada e fluente na sua própria voz. Escutar-se nessa possibilidade produzia efeitos subjetivos que o sustentavam na aposta terapêutica referida. Quanto à leitura silenciosa, pedaços do texto lido apareciam em seu dizer: a escrita, ao penetrar a fala promovia um rearranjo/reorganização desta. No segundo caso, uma escrita que não só a do próprio nome, mas também de palavras faladas ou lidas: a fala penetrava a escrita. E isso não se circunscrevia mais às sessões de atendimento: quando conversávamos sobre uma visita que fez a um dos filhos, eu perguntei: qual deles? Ele hesitou, não conseguiu responder, olhou prá mim e disse: "eu devia escrever... prá não esquecer".

A pergunta é, então: sua fala melhorou? Sim, ela se tornou mais fluente, menos marcada por hesitações prolongadas e efetivamente os comentários do tipo "num sai", "num consigo" raramente ocorriam. Em seu lugar, ele passou a dizer "hoje tá pior, né?". Pude notar, além de uma posição diferente em relação à própria fala, uma posição diferente em relação à fala do outro: o Sr. Mário não evitava mais o encontro com o outro. Se essa fala permaneceu "afásica", há que se dizer que ela passou a mais fluente e o falante a menos frustrado.

4.2 O atendimento de Wagner

Wagner, um jovem paciente afásico, também foi atendido por Fonseca no CAAf/DERDIC/PUCSP. Diferentemente do Sr. Mário, sua condição sintomática era bastante severa: para além de uma apraxia de fala, e talvez em função dela, Wagner não era capaz de produzir espontaneamente linguagem oral articulada, não podia escrever (nem mesmo seu nome ou letras, isoladas ou combinadas) e não podia ler. Entretanto, ele podia contar com uma escuta "intermitente" para a fala que lhe era dirigida, respondendo às demandas enunciativas com gestos, olhares, enfim, com uma mímica específica que se articulava ao dizer do outro. Eu disse "intermitente" porque, em momento imediatamente posterior, Wagner não podia mais sustentá-la.

Através dessa escuta lacunar para minha fala propus-lhe que "repetisse" segmentos/palavras de textos que eu lia para ele. Sua produção oral, inicialmente, reduzia-se a sons cuja manifestação acústico-articulatória não guardava qualquer semelhança com os que eu produzia. Sugeri, como no caso do Sr. Mário, que ele copiasse o que eu escrevia para ser lido. Para minha surpresa, em meio ao movimento da escritura, associou-se uma produção oral muito próxima daquela que eu havia produzido. Ao movimento de desenhar letras, palavras associaram-se movimentos fonoarticulatórios: o obstáculo da apraxia de fala parecia encontrar ali uma possibilidade de superação. Essa mudança, que envolvia certa recuperação de "voz na linguagem", teve efeitos subjetivos: ao escutar fala na sua própria voz, Wagner pôde escutar-se numa possibilidade encoberta pela apraxia.

Nos textos que ele copiava em casa começaram a aparecer rasuras: acontecimento que diz da relação sujeito-texto e nos mostra que a "escrita não é um gesto mecânico e nem mesmo quando é cópia" (Guadagnoli, 2007, p. 76). Passamos alguns meses realizando essa atividade – eu lia para ele o texto copiado e requeria que ele repetisse em voz alta – até testemunhar uma mudança importante na sua posição de intérprete: as intermitências não eram mais tão pronunciadas e, ao mesmo tempo, Wagner passava a responder mais espontânea e efetivamente à minha fala: agora, mesclando gestos e mímicas com as primeiras emissões de fala espontânea. É o que se vê na transcrição dos dois segmentos de sessões abaixo:

Segmento 1:

 

 

Segmento 1:

 

 

Nesses segmentos, como se vê, a intermitência é outra: é entre fala, escrita e gesto. De todo modo, o que está em causa não é um "ceder a voz" ao outro. Ao contrário, Wagner toma posição no diálogo, reclama uma escuta, numa insistência em fazer valer seu dizer. Indícios concretos de que a apraxia estava sendo efetivamente enfrentada e posições se abrindo para ele na linguagem: além de voz, Wagner começava, por efeitos da introdução da escrita como dispositivo clínico, a recuperar vez na linguagem. Conquistas que significaram uma grande transformação para ele (e para mim) e responderam por seu (e pelo meu) investimento no atendimento clínico.

Passemos, agora, à discussão que se refere ao atendimento de uma criança, que foi encaminhada para avaliação de linguagem e cujo diagnóstico estava em questão.

4.3 O atendimento de Daniel16

O motivo do encaminhamento de Daniel, um menino de 4 anos e 6 meses, para avaliação de linguagem estava relacionado ao fato de ele ter sido um bebê de risco, que passou por um longo período de internação devido a problemas cardíacos e, até aquele momento, ainda não falava. A queixa da mãe era: "ele não é de falar, ele fala "mamãe", "papai", ele pede "água". A causa do "atraso de linguagem", segundo ela, seria um atraso global no desenvolvimento: Só que ele não fala muito, ele tem falha no desenvolvimento, porque ele ficou muito tempo assim... a internado...". Vale dizer que relatório médico, recebido durante o processo diagnóstico, apontava para a hipótese de um quadro de dispraxia oral.

D. Maria relatou que seu filho ficou entubado por um longo período e que isso respondia pelo fato de que ele tenha "perdido a voz": "ele usou, como é que fala? / Ele fico com aquele oxigênio / aquele / é / um, como é que fala? é um cano né? que ele ficou/ ele ficou quatro, quatro meses com aquele cano na garganta/ ...quando ele saiu assim / que ele foi pra casa, ele (SI), ele num tinha voz, num saía som/ ele chorava, ce, ce num via nada porque ele num tinha voz mesmo ...".

Durante a primeira sessão, observou-se que Daniel era uma criança extremamente agitada: ele espalhava os brinquedos no chão e manipulava-os rapidamente. Suas brincadeiras eram repetitivas como: empilhar os objetos de um lado e em seguida passá-los para o outro e empilhá-los, ou jogar os objetos dentro do armário, depois tirá-los e jogá-los novamente. Ainda assim, é importante assinalar que Daniel, durante grande parte do tempo, sustentava o olhar, estabelecia laço social com o outro, o que se dava a ver nos momentos em que ele procurava a terapeuta durante as brincadeiras, ou a solicitava por meio de gestos, olhares ou vocalizações, como no segmento abaixo:

Brincando com o carrinho: terapeuta bate com o carrinho no chão como se fosse andar dizendo vrum

 

 

Observou-se, também, que as expressões faciais e os gestos que apareciam amalgamados à fala da terapeuta, tais como, dizer "ai ai" (gesto indicativo de susto) diante de uma tomada de luz, ou "franzir o nariz", ao dizer que "a comida estava ruim", foram rapidamente incorporados por Daniel. Esses gestos retornavam em sessões posteriores, quando na presença de significantes das cenas de onde emergiram. Eles eram voltados para a terapeuta e acompanhados por um sorriso que produzia um efeito de enlaçamento ao outro. Daniel parecia ter uma ligação maior com os gestos do que com a fala do outro, pois ele os repetia diversas vezes durante a sessão.

O gesto parecia ser, então, o que o capturava, e que o enlaçava ao outro. Esse fato fez pensar (1) na relação que a mãe entretinha com a produção vocal do filho logo após a alta do hospital; (2) sobre uma possível restrição orgânica, isto é, uma questão práxica, como determinante do silêncio referido pela mãe; (3) em uma conjunção de elementos que ao se articularem responderiam pela configuração desse quadro. Cabe assinalar que o fato de a criança, quando bebê, "não ter voz", marcou muito a mãe, embora a eventual dispraxia não justificasse a gravidade da condição sintomática de Daniel: nos atendimentos iniciais, marcados por uma enorme dispersão, ele produzia um conjunto de fragmentos sonoros com pouca variação, sons que não podiam ser identificados às unidades da língua constituída (nem mesmo do ponto de vista suprassegmental), eram acompanhados por gestos expressivos e voltados para o outro.

Ao longo do processo terapêutico, ocorreram "na fala" de Daniel mudanças que se caracterizaram, inicialmente, por um aumento na variabilidade de sons que se presentificavam em sua fala, como também por uma diferenciação na curva melódica que permitia ler suas produções sonoras com fragmentos da língua constituída. É o que se vê no segmento abaixo:

(brincando com o carrinho)

 

 

Os progressos eram lentos, mas notáveis. A brincadeira aos poucos foi ganhando estrutura de uma narrativa mais pautada no gesto do que na fala. Uma narrativa dialogicamente estruturada que se abria cada vez mais à entrada de novos significantes. Terapeuta e paciente "preparavam alimentos", "levavam as crianças ao médico, à escola".

É importante destacar que, após nove meses de terapia, ocasião em que Daniel passou a demonstrar interesse pelo lápis e pelo papel (que estavam sempre entre os brinquedos levados à sessão), houve uma mudança substancial na cena clínica e em sua condição. O paciente sentava-se em uma cadeirinha e começava a fazer rabiscos: parecia "fingir escrever". A terapeuta lhe perguntava: "você vai escrever Clarissa"? Daniel continuava rabiscando o papel, a terapeuta "lia": Cla-ris-sa. Depois de algum tempo, Daniel registrava no papel traços contínuos e, simultaneamente, falava (também de modo silabado) o nome da amiga: [a-ii-sa].

A seguir, Daniel passou a fazer bolinhas "para escrever". Por exemplo: para escrever "tia Cris", ele desenhava uma bolinha para "tia" e outra para "Cris". Para escrever "Daniel", ele desenhava três bolinhas e, então, dizia Da-ni-el. Ao final, o paciente mostrava "seu texto" à terapeuta.

Assim o trabalho caminhava e, pela via do cruzamento entre desenhar e falar, Daniel ganhava "voz na linguagem". A terapeuta, por sua vez, passou a escrever e/ou desenhar no papel enquanto eles brincavam. Por exemplo: numa das sessões ela desenhou um bolo, escreveu as palavras chocolates, macarrão e miojo. A partir disso, eles começaram a fingir que estavam comendo. Enquanto a terapeuta pedia um dos alimentos que foram escritos ou desenhados na folha, Daniel fingia que os pegava e dava a ela para comer: a terapeuta lhe pedia "o miojo", o paciente fazia um gesto em direção à escrita das palavras para "pegar" o solicitado e, então, também gestualmente, fingia que lhe entregava. Muitas vezes, além do gesto, ele segmentava as palavras para que a terapeuta as escrevesse novamente.

Nessa ocasião, foi possível observar que mudanças importantes foram operadas na fala de Daniel, que até então produzia fragmentos isolados, que retornavam da fala da terapeuta, como: "Etche", "Kaku". As transformações em sua fala foram notáveis, e ocorreram paralelamente à entrada da escrita no universo clínico, como se pode ver no segmento abaixo.

(brincando com a boneca)

 

 

Em uma das sessões, a terapeuta levou apenas papel, caneta e um gibi, sentou-se e "fingiu" ler uma história para Daniel. Enquanto isso, ele rabiscava um papel, mas interessado na história que estava sendo contada. Subitamente, ele levantou-se, apagou a luz da sala, colocou a cadeira na mesma posição que a da terapeuta, segurou o gibi da mesma forma que ela e "começou a lhe contar uma história". Como se vê abaixo:

 

 

As situações que envolviam atividades como "contar histórias" foram tomando grande parte da sessão. As narrativas nasciam sempre dos textos escritos por eles. Finalmente, Daniel passou a "assinar" seus textos: ele fazia um rabisco, ou suas bolinhas, que se aproximavam cada vez mais das letras de seu nome, não sem dizer à terapeuta: "Vô iquevê mi mome".

A escrita, como se vê, penetrou as ações clínicas, determinando mudanças na fala e na posição de Daniel frente à fala do outro. Ela penetrou a fala e vice-versa, abrindo novas possibilidades de dizer, de se dizer: um outro modo de produção do sujeito na cadeia significante.17

 

5. Considerações finais

Entendemos que os fragmentos dos casos aqui apresentados poderiam ser explorados sob ângulos diversos. Nosso objetivo neste trabalho era, entretanto, introduzir uma reflexão suscitada pelo reconhecimento de que, na clínica de linguagem – com crianças e adultos –, o trabalho sistemático com a escrita pode jogar (joga) um importante papel nas mudanças que se almejam alcançar. Nessa perspectiva, reconhece-se que a escrita pode ser (é) entendida como um dispositivo que estrutura o "fazer clínico". Vale lembrar que na Fonoaudiologia, em regra, o foco está voltado: (1) para os denominados "distúrbios de leitura e escrita" e, conseqüentemente, para terapêuticas que visam sua superação e (2) para a linguagem oral enquanto suporte para as referidas terapêuticas18. O que se tem perdido de vista é a hipótese de que, embora haja especificidade, há mutualidade entre as modalidades de linguagem: mudanças na escrita podem afetar (afetam) a fala e a escuta, e vice-versa, como procuramos problematizar aqui.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: larantes@pucsp.br
E-mail: suzfonseca@estadao.com.br

Recebido em agosto/2008
Aceito em setembro/2008

 

 

NOTAS

1 Esclarecemos que o termo "fala" é uma referência tanto à modalidade oral, quanto escrita e gestual de manifestação da linguagem.
2 Coordenado pela profa. Dra. Maria Francisca Lier-De Vitto, no LAEL-PUC/ SP, e no qual somos pesquisadoras.
3 Entre as quais se destacam as clínicas de voz, linguagem, audição, motricidade oral.
4 Mais especificamente, o estruturalismo europeu e a proposta Interacionista Brasileira conforme proposta por Claudia Lemos.
5 Expressão de Allouch (2000) utilizada por (Lier-DeVitto &Arantes, 2008)
6 Título do trabalho apresentado por Lier-DeVitto & Arantes (2004), no Forum Clínico Derdic/PUCSP.
7 Remeto o autor para a crítica excelente realizada por Tumiate à reflexão sobre afasia, encaminhada por Grodzinsky no âmbito da Lingüística: um exemplar do modo como falas afásicas se tornam lugar de "validação de postulados teoricamente construídos" (2007, p. 49).
8 Reflexão encaminhada por Dominique Fingerman no Colóquio nomeado "Por causa do pior", realizado em 2002.
9 Oralidade, escrita e gestualidade não são entidades autônomas. Há um funcionamento que os sustenta e os articula e que Saussure (1916/1991) nomeou "la langue" e que Lacan nomeou de "Outro" (tesouro dos significantes), articulando nessa expressão, "la langue" e "uma língua" – aquela que fala um sujeito e aquela a que ele se dirige para falar/escrever.
10 Em que segmentos de diálogo clínico são transcritos e interpretados.
11 Ver também Andrade (2006).
12 E toda a heterogeneidade contida nesse "falar/não falar" (Arantes, 2000, 2001).
13 A afasia foi primeiramente objeto de investigação teórico-clínica no campo da Medicina. Ali ela é definida como "perda ou perturbação da linguagem causada por lesão cerebral" (Benson & Ardila, 1996).
14 Todos os pacientes serão aqui referidos por nomes fictícios.
15 Esse "centro" foi idealizado por Suzana Carielo da Fonseca e conta com três programas de atendimento: (1) Atendimento Clínico: fonoaudiológico, médico e psicológico; (2) "Ponto de Encontro": oficinas de convivência e geração de renda; (3) Programa de Atenção à Família. Das atividades participam os Serviços de Patologia da Linguagem, Serviço Médico, Serviço de Psicologia, Serviço Social e professores do IESP/DERDIC-PUCSP, além de professores (oficineiros) voluntários.
16 O caso de Daniel foi por mim supervisionado. Expresso minha gratidão a Cristina Canhetti, a terapeuta, não apenas pela leitura precisa dos acontecimentos clínicos, mas especialmente pelas questões formuladas ao longo do atendimento.
17 Sobre isso ver Frageli (2002).
18 O trabalho de Vasconcellos (2006) é exceção a essa tendência.

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