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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. v.13 n.25 São Paulo dez. 2008

 

RESENHA

 

 

Antonio Ricardo Rodrigues da SilvaI; Paulina Scmidtbauer RochaII

IPsicanalista, membro do Centro de Pesquisa em Psicanálise e Linguagem (CPPL/Recife)
IIPsicanalista, membro do Centro de Pesquisa em Psicanálise e Linguagem (CPPL/Recife)

Endereço para correspondência

 

 

PIRES, Luciana. Do silêncio ao eco: autismo e clínica psicanalítica. São Paulo: Edusp-FAPESP, 2007, 128p.

A partir da década de 90, houve no Brasil uma produção significativa sobre as questões do autismo. Se antes apenas consumíamos uma literatura advinda principalmente da França e da Inglaterra, passamos, a partir da teorização da clínica com as crianças ditas autistas, a produzir nossas próprias concepções sobre esse fenômeno humano. Os programas de pós-graduação foram o locus de grande parte dessa produção, na medida em que acolheram em seus cursos psicoterapeutas e psicanalistas que pretendiam teorizar e sistematizar uma prática clínica, notadamente institucional, já existente no Brasil. O trabalho de Luciana Pires certamente se inscreve nessa rica tradição que tem oferecido ao público brasileiro trabalhos importantes, originais e pensados a partir de uma clínica muito singular desenvolvida no país.

Nessa produção, o livro se destaca, na medida em que sua experiência clínica, vivida em contextos culturais e tradições psicanalíticas distintas (São Paulo, Recife e Londres), é pensada a partir de autores que somam com sua argumentação. Nesse movimento aparecem autores de tradições muito distintas dos quais, de forma coerente e refinada, Luciana vai retirando o que lhe interessa para avançar no argumento de que essa clínica é possível e focaliza dois fenômenos da clínica do autismo – a inacessibilidade e a ecolalia, comumente vistos como operadores negativos, porque revelam a impossibilidade de comunicação e contato afetivo dessas crianças, a que as levaria para uma fronteira onde facilmente podem não ser reconhecidas como humanas. Uma certa tradição hegemônica, a saber – no autismo não há subjetividade –, é interrogada no percurso que a autora realiza. A ecolalia, fenômeno geralmente tomado como expressão do não sentido, da pura repetição do outro ou sem implicação alguma, é a porta de entrada da argumentação da autora para demonstrar que, a partir da intervenção do analista sobre esse fenômeno, tomado como positividade, isto é, como aposta de que ali existe, mesmo que de forma rudimentar, expressão de uma pessoa humana ou de um sujeito, mudanças importantes podem se realizar com essas crianças.

Sem propor fórmulas ou modelos a serem seguidos de forma standard, considerando inclusive as impossibilidades, dependendo do contexto de cada criança e sua família, Luciana fala de uma aposta fundamental; de uma disponibilidade para esse outro que, desde a invenção do autismo por Léo Kanner, na década de 40 do século passado, substituiu a concepção desse fenômeno como uma diferença radical que terminou por jogá-las no campo da pura impossibilidade, produzindo paradoxalmente um certo fascínio por uma "criatura" que parecia prescindir do outro e inalcançável ao outro. Fascínio que talvez revele, se não um desejo, ao menos um anseio importante nesses tempos auto-suficientes e performáticos.

A clínica de pacientes ditos autistas pode nos dizer que a disponibilidade para acolher, respeitar e reconhecer o outro, mesmo na sua radical singularidade, continua a ser uma larga avenida para as profundas transformações que o impacto de um humano sobre o outro pode produzir.

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: cppl@cppl.com.br
E-mail: paulinarocha@uol.com.br

Recebido em setembro/2008.
Aceito em outubro/2008.

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