SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.14 número26Hiperatividade: o "não-decidido" da estrutura ou o "infantil" ainda no tempo da infânciaAbuso sexual infantil masculino: o gênero configura o sofrimento e o destino? índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. v.14 n.26 São Paulo  2009

 

DOSSIÊ

 

A debilidade mental é um estado possível do sujeito?

 

Is the mental debility a possible state of the subject?

 

La debilidad mental es un estado posible del sujeto ?

 

 

Michel Ferrazzi

Psicanalista, membro de Analyse Freudienne (França). michel.ferrazzi@wanadoo.fr

 

 


RESUMO

A debilidade mental é apresentada por certos autores como um arranjo psicótico, por outros como uma organização próxima à perversão, sem esquecer as neurociências que postulam as lesões e disfunções mínimas do cérebro. O que a psicanálise lacaniana pode trazer à compreensão da debilidade mental? Partindo dos seminários de Lacan e se referindo à Verneinung freudiana, este trabalho tenta precisar o estatuto do pensamento e suas formulações. Propõe-se uma abordagem da debilidade mental que pode parecer paradoxal, postulando a operação de um enodamento RSI, mas não do recalque, o que deixaria a função metonímica como organizadora do funcionamento psíquico e do inconsciente do falasser. Haveria algo de sujeito na flutuação que daí resulta?

Descritores: debilidade mental; Lacan; Verneinung; RSI; função metonímica


ABSTRACT

Some authors introduce mental debility as being a psychotic adaptation and others as a way of operating close to perversion, while neuro-scientists consider mental debility due to brain damages or disorders. How can psychoanalysis to understand the mental debility, in the light of Lacan teachings? On the basis of passages of its seminars and refering the freudian concept about "Verneinung", this work tries to explain the statute of the thought. It arrives thus at a propose of the mental debility which can appear paradoxical, claiming the operation of a knot RSI, but not like in repression, and would leave the metonymic function as organizer of the psychic functioning and the unconscious falasser. It would have something of 'subject' in the fluctuation that from there results?

Index terms: mental debility; Lacan; verneinung; RSI; metonymia


RESUMEN

La debilidad mental es presentada por ciertos autores como siendo una organización psicótica, por outros como estando próxima de la perversión y finalmente por las neurociencias que postulan las lesiones y disfunciones mínimas del cerebro. Que puede aportar el psicanálisis lacaniano a la compreensión de la debilidad mental? Partiendo de los seminarios de Lacan y referiendose a la verneinung freudiana, este trabajo intenta precisar el estatuto del pensamento y sus formulaciones. Propone un abordaje de la debilidad mental que puede parecer paradojal: propone la operación de un anudamiento RSI, pero no de la represión, lo que dejaria a la función metonímica como organizadora del funcionamiento psíquico y del inconsciente del hablanteser. Habria algo de sujeto en la fluctuación que de alli resulta?

Palabras clave: debilidad mental; Lacan; verneinung; RSI; función metonímica


 

 

O trabalho que se segue concerne à questão da debilidade mental, mas também à questão do sujeito e da clínica referida a uma estrutura, aquela que Lacan, seguindo Freud, forjou ao longo de todo o seu ensino. Referir-se a uma estrutura concernente ao sujeito permite uma articulação entre a prática e a teoria que cada um pode elaborar só depois, mas uma estrutura poderia também deixar pensar que tudo está já aí, que nada falta e, então, que nada deve ser modificado. Tem-se, assim, um congelamento do sujeito pensante.

Essa situação não é em si embaraçosa, mas bem pode sê-lo o uso que dela pode ser feito, e a resposta de Lacan talvez tenha sido a de organizar a estrutura em torno da falta, de tal modo que passaríamos de: "tudo está aí desde sempre" a "não-tudo está aí desde sempre", o que autorizaria certa abertura teórica, deixando de lado um possível dogmatismo.

Esse ponto é essencial para tentar compreender o que está em jogo na debilidade mental, da qual vou retomar de modo rápido - e não exaustivo -algumas aproximações teóricas que foram feitas:

- Ela foi, por vezes, apresentada como um arranjo psicótico seguido a um "fracasso". É efetivamente freqüente encontrar elementos psicóticos, sob forma de "núcleos" mais ou menos influentes, mas a parte não faz o todo. Não se pode mesmo dizer que a debilidade seria um arranjo para um sujeito possível?

- Ela foi descrita também como uma organização próxima da perversão, e é verdade que a organização pulsional do débil mental permite tal pensamento, mas seria necessário precisar que se trata, então, da perversão polimorfa da criança, descrita por Freud, que está em jogo antes da instauração do falo, mas certamente não próxima da perversão na qual a renegação tem um lugar central. Aliás, essa renegação, essa espécie de rechaço (Verleugnung), é uma operação mental muito elaborada que atribuiríamos ao débil para justificar uma teoria?

- E depois há as neurociências, que tratam o pensamento como uma parte do corpo; e constataremos mais tarde que elas seguem exatamente o sentido do sintoma.

Para sustentar minha posição, vou me apoiar em algumas passagens de seminários de Lacan concernentes à debilidade mental; passagens que ele enuncia ao longo de alguns de seus seminários e que retiveram minha atenção. Em De um Outro ao outro capítulo XI, lição de 12-01-1969:

"O que evoco sobre o tema do que, de repente, se põe a flutuar na debilidade mental, este que, eu devo dizer que, quanto a mim, me habituei o bastante nos primeiros tempos de minha experiência ... eu estava admirado com o que recebi de braçadas de flores, de flores de verdade, quando, por inadvertência, eu tinha tomado em análise o que Freud, como ele se enganou, parecia ter descartado dela, a saber um débil mental."

Em "Ou pior", lição do dia 15-03-1972, três anos mais tarde:

"Eu chamo debilidade mental, o fato de que um ser falante não esteja solidamente instalado num discurso. É o que faz o preço do débil. Não há nenhuma outra definição que se possa dar, senão aquela de estar um pouco por fora, ou seja, ele flutua entre dois discursos. Para estar solidamente instalado como sujeito, é preciso prender-se a um, ou, então, saber bem o que se faz".

O que reteve minha atenção reenviando-me a minha clínica e a minha prática, é, no que concerne à debilidade mental, a idéia de flutuação, e é verdade que isso flutua sempre, nós o vimos entre um arranjo psicótico e um arranjo do sujeito possível, mas isso flutua também entre o "ele faz de propósito!", dito de outro modo, ele goza, e a impotência total que mascara, talvez, o defeito não compensável. E isso flutua também entre a idéia de uma "metonímia que se produz no sujeito como suporte da cadeia significante" (Lacan, Le transfert, p. 202) e a ausência da metáfora, de Vorstellung repräsentanz. Quando se trabalha próximo aos débeis mentais, digamos que se termina sempre por flutuar a diferentes níveis.

 

A debilidade mental é um estado possível do sujeito?

Colocar-se essa questão é se interrogar sobre certo limite que nos concerne e próximos do qual temos tendência a flutuar. Aliás, nós dizemos raramente: "Como eu sou inteligente!"; teríamos muito mais a tendência a dizer, em certas ocasiões: "Como eu sou burro", e digo burro para ser educado, e sem razão, pois o termo não educado em questão, o "imbecil"1, é também bem referido a seu sentido primeiro e indica a necessidade de colar novamente ao Outro numa recusa da castração, enquanto ser inteligente é talvez tentar dele se diferenciar.

No entanto, mesmo se nos achamos idiotas, isto só é, em geral, de forma pontual ou temporária, pois a astúcia da babaquice, nós não cremos nela por muito tempo, porque nossa capacidade de flutuar, como sujeito, é limitada, embora sempre pronta a se manifestar.

Foi a partir dessa idéia de crer mas não muito, que me debrucei sobre um texto de Freud, de 1925, Die Verneinung - traduzido para o francês como La negation 2 -, mas foi lendo o comentário de J. Hyppolite, no fim dos Escritos de J. Lacan, que pensei encontrar um princípio de resposta lá, onde eu não a esperava, na noção de Bejahung.

Essa Bejahung, na tradução inicial do texto freudiano, nós a reencontramos como "admissão no Eu" ou "introjeção" (p. 136). É com Lacan que ela se tornará "julgamento de atribuição", retomando o que dizia Freud, que situava o julgamento como função intelectual (p. 136). Desde então, a noção de Bejahung não é simples de se conceber. Como introjeção ou admissão no Eu, ela assinalaria um movimento do fora em direção ao dentro que permitiria ao futuro sujeito fazer seu aquilo que ele percebe como qualidades do objeto, enquanto a atribuição assinalaria que alguma coisa vai partir do sujeito para ir qualificar um objeto por um movimento do dentro em direção ao fora, que determinará que, se um objeto tem certas qualidades, há o que não possui. Aqui, o futuro sujeito não faz seu o que ele percebe, mas percebe o que está prestes a fazer seu.

Freud dá um princípio de resposta quando diz que essa aceitação no Eu é o ponto de partida da inteligência, da arte de ler o que se mantém nas entrelinhas e que deve ser localizado como sendo o pensamento. Ele diz (p. 137) que, pelo pensamento, o sujeito vai "trazer de novo ao presente o que foi uma vez percebido sem que o objeto precise estar presente fora", isto é, que há a colocação em jogo de representações, de pensamentos e imagens. Eles são, talvez, a considerar como nem fora nem dentro. Esses pensamentos nos manifestam como sujeito e nós os reconhecemos como nossos, mas nos vindo de alhures.

Ao tempo da Bejahung - a criança vê e parece aceitar o que ela vê -, poderíamos então pensar que ela "toma vista do pleno real", mas, pela capacidade de representação, ela pode aceitar o que vê na medida em que o toma a uma certa distância, o que a criança atribui então ao que ela vê na medida, o que a criança atribui então, não é do real. Por um jogo imaginário, o das re-presentações, ela vai tomar posição com relação ao que nele está ou ao que nele falta, e é uma abertura possível em direção ao simbólico, do qual Freud diz (1925/1995): "A função do julgamento só é possível pela criação do símbolo de negação que permite ao pensamento um primeiro grau de independência em relação às consequências do recalque." (p. 139)

Esse grau de independência, no entanto, não está assegurado. Quando não se compreende alguma coisa, que não se pode representá-la, só raramente se diz: "Eu não consigo pensar", tem-se muito mais tendência a dizer: "Eu não vejo"3. Seria no nível da função escópica que alguma coisa então não funcionaria bem? A frase completa seria: "Eu não vejo bem o que eu poderia pensar", embora não haja forma de se pensar alguma coisa a partir do que é percebido. Reduz-se, então, o sujeito a uma percepção falha, mas trata-se de fato da impossibilidade de um vaivém entre o que é suposto e o que é constatado; há um corte, uma disjunção entre os dois, e o sujeito corre o risco de perder o seu lugar.

Se nos interrogamos sobre a posição da ciência, podemos observar que esse vaivém entre a hipótese (o suposto) e a prova visual (o percebido) não deve jamais estancar, como bem o indica a denominação pesquisador, caso contrário, é o fim da ciência. É, então, por um movimento entre o real constatado (o que se vê) e a fórmula resolutiva que o simboliza, que isto funciona; não ocupando senão um lugar transitório necessário à hipótese, o imaginário será, em seguida, apagado. Teríamos, então, nos melhores casos, um enodamento R-S-I incompleto, no qual o imaginário poderia deslizar, e para a tecnociência, que é outra coisa diferente da ciência, duas instâncias seriam suficientes: R e S.

A criança ao tempo da Bejahung é um cientista em potencial. Tem uma capacidade de julgamento e de atribuição e, normalmente, uma teoria vem em seguida. Freud insiste com freqüência em dizer que, para uma criança, a descoberta da realidade dos órgãos genitais do outro sexo vai lhe permitir alicerçar certas hipóteses sobre o que vai se passar ou sobre o que pode advir, e que essas hipóteses, ela vai validá-las fazendo delas uma teoria (a hipótese concerniria à colocação em jogo do imaginário, enquanto a teoria seria uma tentativa de enodamento), nesse momento preciso, a criança deixa seu lugar de cientista, pois sua teoria não a deixará mais, quaisquer que sejam as contra-provas visuais ou perceptivas que venham a surgir.

Graças à Bejahung, então, a criança vai poder se virar com o que ela percebe, mas sem se deixar invadir, para não desaparecer como sujeito possível face ao real. A falta de pênis na mãe, isso trabalha, e não basta vê-la para crer nela. Sua percepção vai, então, retornar sob uma forma que não recobrirá totalmente o percebido, graças à colocação em jogo de certa proteção, de um arranjo intermediário, isto é, entre o que ela vê e o que pode se autorizar a saber. O real é mantido à distância mas não ignorado, certa capacidade de representação se organiza num imaginário próprio ao sujeito, e o que não é pode, então, evocar-se por um acesso possível ao simbólico. O enodamento R-S-I está em jogo e somente então pode advir a denegação - Verneinung - para sustentar a existência do sujeito, apesar da condição desta, permitindo-lhe dizer: "não a minha mãe!".

Pensar que no tempo da Verneinung pode se organizar uma foraclusão - Verwerfung - e que se poderia localizar aí uma diferença estrutural entre as psicoses da primeira idade e de outras organizações psicóticas não é sem interesse.

Quando se trabalha próximo de pessoas débeis mentais, alguma coisa se impõe rapidamente. É que quando lhes demandamos refletir, elas olham, ainda que normalmente, para refletir ou para pensar, precisemos suspender nosso olhar. Ativando-o elas fazem como se só pudessem se apoiar sobre suas próprias percepções procurando uma resposta visual para o que deveriam pensar - elas se fazem corpos que olham.

No outro extremo, uma pessoa que não se desse conta do que percebe, ignorando-o ou interpretando-o, poderia ser considerada delirante. Teríamos, assim, a debilidade mental num extremo e a toda potência mental no outro; já a realidade do sujeito, estando entre os dois, esse intermediário possível que arranja o percebido e o sabido sem que eles se excluam ou se recubram é a função da inteligência.

Pode-se dizer, então, que o débil mental não está na toda potência. Como localizar sua posição:

- Por um lado, ele vem encarnar a falta que não lhe foi significada e toma-a, assim, em consideração, como para proteger o Outro.

- Por outro lado, ele encena, por uma incapacidade massiva para compreender e aprender, a não-toda potência do Outro.

O jogo entre as duas posições é incessante e corresponde efetivamente a uma flutuação que pode durar infinitamente entre "braçadas de flores" e "chutar cachorro morto"4. O importante é notar uma pequena diferença entre o "Outro maternal" e o "Outro apresentado", e essa pequena diferença pode tornar um trabalho possível para um psicanalista.

Essa pequena diferença permite postular, por exemplo, que uma marca fálica está presente, mas não transmitida por um significado ao futuro sujeito, mesmo quando este tenha feito certa idéia sobre o sexual. Não sei se poderíamos falar nesse caso em termos de teoria sexual, mas estou convicto de que esse sujeito tem ao menos uma hipótese, que aliás ele não exprime facilmente, mas sempre com reticência e angústia, como se uma vez passado do escópico ao pensamento, do percebido a uma primeira representação, ele não pudesse retornar do pensamento ao escópico, que lhe permitiria arranjar sua representação tendo em conta o que ele vê, o que ele pensa e o que ele sabe de um saber inconsciente sobre sua família e sobre sua história. O débil mental faz, então, uma idéia primeira, mas não a confronta para modificá-la, deixando-a no interior de si, de onde ela se organiza. Isso é que é "estar por fora do assunto" 5.

Assim, um enodamento R-S-I seria, então, possível, mas ele se bloqueia. Lacan fala de congelamento, e é verdadeiramente isso. Essa representação única não pode se articular com outras. Nada de teoria. Aliás, quando depois de anos de terapia os débeis mentais aceitam falar de seus sonhos, as imagens são diretas, cruas, e elas vêm repetir a primeira representação: a morte; o corpo cortado em dois; a cabeça cortada; a impotência face ao perigo, mas nada de palavras, de palavras ou de sons, nada de cor em seus sonhos, como se só a metonímia tivesse uma função no inconsciente.

Vou evocar três representações clínicas para sublinhar o quanto esse congelamento é tenaz a não é um fenômeno transitório ou temporário, e como uma dimensão metonímica é a única em jogo. A primeira situação concerne a uma situação terapêutica, as duas outras são de uma ordem mais geral:

- Trata-se de um adolescente que brincava o dia inteiro com os interruptores; ele acendia e apagava olhando as lâmpadas com um ar calmo. Depois de mais de três anos de encontros semanais, ele pôde perguntar à sua educadora preferida, que era negra: "se eu colocar meu quiquette no seu buraco isso acende seus seios?". Fazia tempo que falávamos da profissão de seu pai, que era um eletricista, e de tomadas, que ele sabia classificar em "tomadas machos" e "tomadas fêmeas". Ele tinha, de um lado: pai/tomada-machos/fêmeas e de outro lado: mãe/lâmpada/seios, mas entre os dois a corrente não passava; entre os dois havia o interruptor.

Essa questão do adolescente, com o que ela supõe de uma cena primitiva, estava aí desde muito tempo, mas continuava fechada enquanto não formulável. Colocando palavras na forma de uma interrogação, esse adolescente aceitava recolocar em jogo um pensamento, o que não era mais possível desde que ele sabia. Eu tinha pensado que sua "mania" de interruptores não era uma bizarria mas um sintoma, isto é, estava tomado na linguagem e desde muito tempo eu já falava da sexualidade cada vez que ele ia manipular o interruptor do consultório.

- No início de minha prática com os débeis mentais, eu estava espantado por constatar, depois de certo tempo de terapia, a emergência bastante regular de uma conduta que punha a trabalhar o escópico: bater e não entrar; esconder-se no consultório; olhar pela janela... Esta parecia tudo invadir. Eu tinha, então, na mente o que tinha podido ler ou ouvir concernente a uma proximidade da debilidade mental e da perversão, e isto me inquietava. Hoje em dia, noto esse momento como um tempo fundamental, que permite restabelecer o circuito interrompido do pensamento ao escópico.

- No que tange às pessoas de quem falo, que são, sobretudo, adolescentes débeis mentais leves, são a leitura e a escrita que revelam o mais freqüentemente que alguma coisa não vai bem. A leitura parte de alguma coisa vista para chegar ao pensamento; a escrita faz o caminho inverso: ela dá a ver, partindo do pensamento.

Para correr o risco de recolocar em jogo o laço suspenso ou congelado entre o que ele percebeu e o que ele sabe, o débil mental pergunta sobre as garantias, e é o que pode comportar uma ajuda psicanalítica, sustentando na transferência uma permanência do Outro que resistiria à sua capacidade de pensar e mesmo de extrair um gozo. Mas pensar o quê, senão na castração? Pensá-la no laço com o desejo do Outro? O que o débil percebe e o que ele pensa poderá estar ligado, então, ao desejo do Outro.

A partir daí, o Outro vem ocupar um lugar diferente, na medida em que não se trata mais de protegê-lo para que ele não desapareça, mas de organizar uma resposta possível do sujeito ao desejo do Outro ou de manter o Outro numa certa relação com seu desejo de sujeito. O Outro não mantém agora o mesmo lugar, na medida em que o sujeito vai poder se referir a um Outro pessoal, sustentando o Outro maternal. Não há mais repetição, porém transmissão; uma passagem se torna possível de um Outro ao Outro, mas também de um Outro ao outro.

O problema, é que a partir daí, do Outro, o sujeito não pode gozar senão mentalmente. A falência do débil mental é uma falência mental, certamente, mas é uma falência de gozo mental do Outro. Para isso, tem que haver recalque e fantasma. A debilidade mental, então, é um estado para um sujeito possível?

Para concluir, eu gostaria de evocar esse momento particular, em certas curas, no qual uma flutuação se manifesta do lado do psicanalista. Sem ignorar o efeito do reencontro com o real, eu me perguntei se isso não se impõe também quando a questão do sentido é preeminente do lado do próprio analista. A abertura polissêmica é, então, recolocada em questão e é, por vezes, em seu corpo, que o analista traduz esse mal estar. A metonímia guardaria seu papel ainda que a metáfora não pudesse continuar a jogar o seu.

Seriam esses os pequenos momentos de flutuação, de debilidade mental do psicanalista?

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Freud, S. (1995). La négation. Presses Universitaires de France. (Original publicado em 1925)        [ Links ]

Lacan, J. (1991). Le séminaire, livre 8: Le transfert, 1960-1961. Paris: Seuil.         [ Links ]

Lacan, J. (2006). Le séminaire, livre 16: D'un Autre à un autre, 1968-1969. Paris: Seuil.         [ Links ]

Lacan, J. Le séminaire, livre 19: ...Ou pire, 1971-1972. Inédito.         [ Links ]

Lacan, J. (1996). Ecrits. Paris: Seuil.         [ Links ]

 

 

Recebido em março/2008.
Aceito em julho/2008.

 

 

Tradução: Rinaldo Voltolini e Leandro de Lajonquière

Creative Commons License