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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.15 no.2 São Paulo dez. 2010

 

EDITORIAL

 

 

Uma questão que sempre é colocada para a psicanálise, por educadores ainda não contaminados pela "peste", é se esta pode, de alguma forma, ser aplicável ou útil à educação. Freud foi o primeiro a ser confrontado com ela. O esclarecimento dessa demanda e suposição de saber foi configurando, no tempo, o campo de articulações entre psicanálise e educação. As diferentes não-respostas ensaiadas tentam à sua maneira explicitar as devidas diferenças entre os saberes de que se trata em psicanálise, em educação e na pedagogia e, de alguma maneira, dão testemunho daquilo que é o traço primordial da psicanálise: seu caráter de experiência. Experiência, tanto no sentido daquilo que se faz objetivando um saber sobre alguma coisa, quanto no sentido a ela associado antes da ciência moderna como algo separado do conhecimento enquanto obtido através do intelecto e que comporia com este um saber humano como "um aprender unicamente através e depois de um padecer, que exclui toda possibilidade de prever; ou seja, de conhecer algo com certeza".1

Esse caráter de experiência, de incerteza e inconclusividade é um traço distintivo e singularizante do que pode configurar o campo educativo enquanto marcado pela psicanálise quando esta estabelece com aquele uma relação de implicação que o recria. E o recria a cada experiência que é única e inconclusa – assim como uma análise é uma recriação, uma atualização, daquela fundante empreendida por Freud que o leva a afirmar a psicanálise enquanto prática, teoria e tratamento. Experiência ética, diria Lacan.

Sendo assim, transmitir é preciso e as reflexões e as práticas acerca de práticas em psicanálise e educação, ao serem compartilhadas, por passarem para o domínio do público, do debate, aumentam as chances do aparecimento do novo no campo do mesmo, ou seja, assumem um caráter político.

Nessa linha, a Estilos da Clínica, uma vez mais, ao levar a público reflexões empreendidas no campo, contribui para que sua circulação e aggiornamento façam o mesmo campo avançar. Movimento causado pelo desejo daqueles que se implicam em sua prática e no imperativo da transmissão das "inutilidades" aí produzidas – as teorizações acerca dos impasses subjetivos que o infans enfrenta em seu caminho de constituição enquanto sujeito/assujeitado ao campo da palavra e da linguagem e, por que não?, também dos impasses subjetivos dos que estão na posição de formadores/educadores.

Nesse sentido, nada mais oportuno em um dossiê acerca das "Abordagens psicanalíticas na educação: pesquisa e prática" que contar com um artigo que se propõe como perguntas o que "caracteriza o campo das articulações da psicanálise com a educação?" e "De que modo os pesquisadores do campo têm apresentado essa conexão?". As respostas a tais questões configuram o texto de Maria Cristina Machado Kupfer et al. como um "panorama" do que foi produzido no Brasil, a partir da década de 1980 e, notadamente, das marcas dessa produção nos "rumos, interesses e principais linhas de força".

Ruth Helena Pinto Cohen e Amanda Gonçalves da Silva Melo, desafiadas em sua prática a criar dispositivos viabilizadores de um "intercâmbio" entre a ciência médica, a educação e a psicanálise falam de sua experiência em "Entre o hospital e a escola: o câncer em crianças".

O artigo de Cintia Copit Freller apresenta um trabalho realizado por uma equipe da Associação Lugar de Vida e suas reflexões acerca dessa prática, nas quais faz uma relação entre a psicanálise e a teoria crítica.

No campo da teorização própria à clínica didática André Terrisse e Pablo Buznic-Bourgeacq apresentam os trabalhos realizados pela Equipe de Recherche en Didactique Clinique de l’Education Pshysique et Sportive (EDiC/EPS)2 e demonstram sua preocupação e procedimentos para efetuar uma passagem do particular de cada caso para o universal; do que vale para um, valer para todos.

O leitor está convidado a fazer sua leitura dos textos aqui apresentados, considerando o que neles dá testemunho da fertilidade do campo constituído pelas articulações entre psicanálise e educação.

 

Márcia Regina Fogaça
Doutoranda da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP) e
integrante do Laboratório de Estudos e Pesquisas Psicanalíticas e Educacionais
sobre a Infância (LEPSI/USP).

 

NOTA

1 Agamben, G. (2007). Infância e historia. Buenos Aires: Adriana Hidalgo Editora, p. 17; tradução nossa.

2 Equipe de pesquisa em didática clínica da Educação Física e Esportiva.

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