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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.17 no.1 São Paulo jun. 2012

 

DOSSIÊ
FUNDAMENTOS

 

A noção de estrutura em psicanálise

 

The notion of structure in psychoanalysis

 

La noción de estructura en psicoanálisis

 

 

Sônia AltoéI; Maria Helena MartinhoII

IProfessora adjunta do Departamento de Psicologia Social e Institucional e do Programa de Pós Graduação em Psicanálise, Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ,sonia.altoe@terra.com.br
IIDoutora pelo Programa de Pós-Graduação em Psicanálise da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Psicanalista membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano - Brasil, mhmartinho@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

Desde Freud, damos importância ao diagnóstico diferencial, porque sabemos que ele serve de orientação para a condução da análise. Com Lacan, essa importância, explicitada por Freud, é ratificada. A partir de Lacan, fala-se muito em "diagnóstico diferencial estrutural". Esse texto vem interrogar: o que o termo "estrutural" estaria acrescentando aos ensinamentos de Freud sobre o diagnóstico e até que ponto a noção de estrutura em Lacan estaria correlacionada ao movimento estruturalista?

Descritores: estrutura; estruturalismo; sujeito.


ABSTRACT

Since Freud we give importance to the distinguishing diagnosis because we know that it serves as a direction for the conduction of the analysis. With Lacan this importance, made explicit by Freud, is ratified. From Lacan everybody speaks in "structuraldistinguishing diagnosis". This text intends to interrogate: what the term "structural" would be adding to the teachings of Freud on the diagnosis and to a certain extent the notion of structure in Lacan would be correlated to the structuralist movement?

Index terms: structure; structuralism; subject.


RESUMEN

Desde Freud damos importancia a la diagnosis diferencial porque sabemos que sirve como una orientación para la conducción del análisis. Con Lacan se ratifica esta importancia, explicitada por Freud. Desde Lacan se dice muy en "diagnosis diferencial estructural". Este texto viene interrogar: iqué el término "estructural" estaria agregando a las enseñanas de Freud acerca del diagnosis y hastapunto la noción de la estructura en Lacan seria correlacionada al movimiento estruturalista?

Palabras clave: estructura; estruturalismo; sujeto.


 

 

Há mais de meio século que o termo estrutura e a expressão estruturas clínicas são de uso comum entre os psicanalistas. Embora esse termo e expressão não sejam utilizados com frequência na obra de Freud, eles estão claramente implícitos nela. O termo estrutura e a expressão estruturas clínicas surgiram em psicanálise a posteriori, mais precisamente, datam do início do ensino de Lacan. Desde Freud, damos importância ao diagnóstico diferencial, porque sabemos que ele serve de orientação para a condução da análise, sendo fundamental à direção do tratamento. Com Lacan, essa importância, explicitada por Freud, é ratificada. A partir de Lacan fala-se muito em diagnóstico diferencial estrutural. O que o termo estrutural estaria acrescentando aos ensinamentos de Freud sobre o diagnóstico e até que ponto a noção de estrutura em Lacan estaria correlacionada ao movimento estruturalista? Esse texto pretende tecer algumas considerações sobre tais questões.

 

Quando nascem os termos estrutura e estruturalismo?

O termo estrutura advém do latim structura, definido no dicionário etimológico como: "composição, construção, organização e disposição arquitetônica de um edifício; disposição especial das partes de um todo (ser vivo, obra literária etc.) consideradas nas suas relações recíprocas; composição; contextura; sistema; conjunto de relações entre os elementos de um sistema" (http://www.britannica.com/).

Segundo Roger Bastide (citado por Prado Coelho, 1967), nos séculos XVII - XVIII, o termo latino começou por designar o modo como um edifício é construído. Esse sentido se modifica e amplia-se por analogia aos seres vivos. Surge a ideia do corpo como construção em Fontenelle e a ideia da língua como construção em Balzac. No final do século XIX, o termo estrutura é consagrado por Durkheim em uma publicação de 1895, intitulada Les règles de la méthode sociologique, mas uma postura estrutural só se apossou verdadeiramente do campo das ciências humanas num segundo tempo, a partir do século XIX, com Spencer, Morgan e Marx. No início do século XX, no Curso de lingüística geral, publicado em 1916, Ferdinand Saussure funda uma nova disciplina, autônoma em relação às outras ciências humanas: a linguística. Jakobson destaca a referência a Saussure para descrever a língua como um sistema no I Congresso Internacional de Linguística, realizado em Haia em 1928. Foi nessa ocasião que Jacobson emprega pela primeira vez o termo estruturalismo. Assim, no começo do século XX nasce o estruturalismo. Saussure emprega apenas em três ocasiões o termo estrutura no Curso de lingüística geral, mas é a Escola de Praga, com Trubtzkoy e Jakobson, que difunde o uso dos termos estrutura e estruturalismo. A partir desse núcleo linguístico, o termo provoca uma verdadeira revolução de todas as ciências humanas em pleno século XX.

Em "Introdução a um pensamento cruel: estruturas, estruturalidade e estruturalismos", Prado Coelho (1967) analisa a noção central de estrutura, baseando-se nas formulações de diversos estruturalistas e, a partir das definições encontradas, ele conclui que uma estrutura é

Um conjunto de elementos com leis próprias independentes das leis que regem cada um desses elementos; a existência de tais leis relativas ao conjunto implica que a alteração de um dos elementos provoque a alteração de todos os outros; dado que o valor de cada elemento não depende apenas do que ele é por si mesmo, mas depende também, e sobretudo, da posição que ele ocupa em relação a todos os outros do conjunto. (Prado Coelho, 1967, p. XXI)

Pode-se definir o estruturalismo como sendo um movimento de pensamento uma nova forma de relação com o mundo, muito mais ampla do que um simples método específico para um determinado campo de pesquisa. O posicionamento estruturalista surtirá resultados diferentes, conforme os campos de aplicação: na linguística, antropologia, sociologia, filosofia, história geral, história da arte, psicanálise, crítica literária etc. Que laços atam o estruturalismo e a psicanálise?

 

A influência do estruturalismo no ensino de Lacan nos anos de 1950-1960

Segundo Dosse (1992), Lacan (1901/1981) manteve fortes relações, desde o período entreguerras, com Jakobson (1896/1982), Claude Lévi-Strauss (1908) e Maurice Merleau- Ponty (1908/1961). No início dos anos 1950, Jakobson, Lévi-Strauss e Lacan se viam assiduamente. Graças a Lévi-Strauss e a Merleau-Ponty que Lacan descobriu Saussure no pós-guerra.

O êxito do estruturalismo na França é, entre outros fatores, o resultado de um encontro particularmente fecundo em 1942, em Nova York, entre Jakobson e Lévi-Strauss. Jakobson assiste aos cursos de Lévi-Strauss sobre o parentesco, e este acompanha os cursos de Jakobson sobre o som e o sentido. É da simbiose de duas investigações respectivas que nasce a antropologia estrutural. Por um lado, Lévi-Strauss adota o modelo fonoaudiológico no qual Jakobson o iniciou; por outro, Jakobson abre a linguística para a antropologia. É a conselho de Jakobson que Lévi-Strauss redige, em 1943, sua tese que se converte em obra essencial: As estruturas elementares de parentesco, publicada em 1949. Nela ele rompe com o naturalismo que cercava a noção de proibição do incesto ao fazer desta a pedra de toque da passagem da natureza para a cultura.

Quanto a Jakobson, ele está na origem da renovação decisiva da linguística. Do Círculo de Praga, fundado em 1929, é de onde sai os trabalhos que definem um programa explicitamente estruturalista. Jakobson permite a ampliação do campo de difusão do modelo fonoaudiológico à psicanálise, graças aos estudos sobre a afasia. Temos assim a tríade estruturalista - Saussure, Jakobson e Lévi-Strauss - na qual Lacan se apoiou. No início de seu ensino verificam-se com clareza as referências e homenagens prestadas aos estruturalistas. Em "Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise", Relatório do Congresso de Roma, realizado no Instituto di Psicologia della Universitá di Roma, em 1953, encontramos o efeito de arrebatamento que Lévi-Strauss produziu em Lacan. É fundamentado no trabalho de Lévi-Strauss que Lacan se propõe a retomar a noção de estrutura no âmbito da psicanálise, extraindo dela, em particular, argumentos para atribuir ao inconsciente o seu estatuto.

Hoje em dia, vindo às ciências conjecturais resgatar a noção da ciência de sempre, elas nos obrigam a rever a classificação das ciências que herdamos do século XIX, num sentido que os espíritos mais lúcidos denotam claramente. Basta acompanharmos a evolução concreta das disciplinas para nos apercebermos disso. A lingüística pode servir-nos de guia neste ponto, já que é esse o papel que ela desempenha na vanguarda da antropologia contemporânea, e não poderíamos ficarlhe indiferentes. (Lacan, 1953/1998a, p. 286)

Além de basear-se numa perspectiva lévi-straussiana, o texto também se inscreve na filiação saussuriana, ao fazer prevalecer à dimensão sincrônica:

A referência à lingüística nos introduzirá ao método que, ao distinguir as estruturações sincrônicas das estruturações diacrônicas na linguagem, pode permitir-nos compreender melhor o valor diferente que a nossa lingua-gem adquire na interpretação das resistências e da transferência, ou então diferenciar aos efeitos típicos do recalque e a estrutura do mito individual na neurose obsessiva. (Lacan, 1953/1998a, p. 289)

Em 1953, sobretudo, indiretamente pela obra de Lévi-Strauss, La-can toma conhecimento de Saussure. Depois de 1953 ele aprofunda a questão trabalhando, desta vez, diretamente, com o Curso de lingüística geral. Essa leitura fornece a Lacan todo um vocabulário novo, oriundo de Saussure, de que ele se apropria e usa brilhantemente em 1957 ao pronunciar no anfiteatro na Sorbonne, a pedido do Grupo de Filosofia da Federação dos Estudantes de Letras o texto publicado em 1966 nos Escritos intitulado, "A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud". Nesse importante texto, Lacan apóia-se totalmente na linguística estrutural e cita tanto Saussure quanto o seu amigo Jakobson. Lacan (1957/1998b, p.498) situa-se dentro da influência de Saussure, cuja conceitualização retoma, ainda que adaptada aos seus propósitos, pois "é toda a estrutura da linguagem que a experiência analítica descobre no inconsciente". Lacan apóia-se do algoritmo de Saussure que, para ele, fundamenta a cientificidade da lingüística, embora submeta o algoritmo saussuriano a um certo número de modificações muito significativas. Retoma também as duas grandes figuras de retórica já utilizadas por Jakobson, a metáfora e a metonímia, para explicar o desenvolvimento do discurso, e assinala esses dois processos ao mecanismo de funcionamento do inconsciente.

Em 1958, Lacan define o "termo estrutura" como a "palavra-chave" do Relatório do Colóquio de Rayaumont, intitulado, "Observações sobre o relatório de Daniel Lagache: psicanálise e estrutura da personalidade", cuja redação definitiva foi em 1960. Considera que a estrutura é uma máquina que põe o sujeito em cena: "Pois, é ou não o estruturalismo aquilo que nos permite situar nossa experiência como o campo em que isso fala? Em caso afirmativo, 'a distância da experiência' da estrutura desaparece, já que opera nela não como modelo teórico, mas como a máquina original que nela põe em cena o sujeito" (Lacan, 1960/1998c, p. 655).

Em "Pequeno discurso no ORTF" (Offic e de Radiodiffusion Télévision Française), levado ao ar em 1966, vemos como para Lacan estrutura quer dizer linguagem: "o inconsciente é o discurso do Outro. Ele é estruturado como uma linguagem - o que é um pleonasmo exigido para eu me fazer entender, já que a linguagem é a estrutura" (Lacan, 1966/2003, p. 228). Nesse discurso de 1966, publicado em Outros escritos, Lacan concebe o sujeito como estrutura: "Se mantenho o termo sujeito em relação ao que essa estrutura constrói, é para que não persista nenhuma ambiguidade quanto ao que se trata de abolir, e para que isso seja abolido, a ponto seu nome ser redestinado àquilo que o substitui" (Lacan, 1966/2003, p. 231). Treze anos mais tarde, Lacan reafirma em Televisão (1973/1993, p. 21) que "a estrutura é a linguagem". Embora Lacan tenha se apropriado de alguns conceitos estruturalistas ele não os importou para a psicanálise. Ao contrário, trabalhou durante décadas na reconstrução destes conceitos.

 

Uma ruptura radical

Duas divergências marcam o afastamento incondicional de Lacan do movimento estruturalista. A primeira delas se refere à questão do sujeito. Para Saussure, a linguística só tem acesso ao estatuto de ciência na condição de delimitar muito bem o seu objeto específico - a língua -, a consequência disso é o aborto da fala e do sujeito. Para Lacan, e isso não poderia ser diferente, o sujeito é afetado pela estrutura que obedece a uma lógica: os significantes que o determinam e o gozo do sexo que o divide, fazendo-o advir como desejo. Para Lacan sujeito e estrutura são categorias coextensivas:

O corte da cadeia significante é único para verificar a estrutura do sujeito como descontinuidade no real. Se a lingüística nos promove o significante, ao ver nele o determinante do significado, a análise revela a verdade dessa relação, ao fazer dos furos do sentido os deteminantes de seu discurso. (Lacan, 1960/ 1998d, p. 815)

A segunda divergência refere-se à prioridade que Lacan dá ao "registro do real". Pois, ao real cabe aquilo que resiste a simbolização, nem tudo será simbolizável, explicável, articulável, dizível, "o real é o impossível", "não cessa de não se escrever".

Vamos tentar indicar aqui como Lacan deduziu a incidência do sujeito na estrutura. O seu pensamento a esse respeito se encontra muito claramente expresso em "Subversão do sujeito e a dialética do desejo no inconsciente freudiano" (1960/1998d,p. 814): "uma vez reconhecida a estrutura da linguagem no inconsciente, que tipo de sujeito podemos conceber-lhe?".

Para responder a essa pergunta é importante inicialmente lembrar que há uma distinção fundamental, introduzida pelos linguístas, entre a fala e a linguagem. Saussure abole de seu campo de estudo o sujeito da fala; o que ele privilegia é a língua. Enquanto para Lacan a fala implica o sujeito dirigir-se ao Outro, implica o reconhecimento do Outro e a articulação, em palavras da demanda e do desejo em relação ao Outro.

Mostraremos que não há fala sem resposta, mesmo que depare apenas com o silêncio, desde que ela tenha um ouvinte, e que é esse o cerne de sua função na análise. Mas, se o psicanalista ignorar que é isso que se dá na função da fala, só fará experimentar mais fortemente seu apelo, e, se é o vazio que nela se faz ouvir inicialmente, é em si mesmo que ele o experimentará, e é para-além da fala que irá buscar uma realidade que preencha esse vazio. (Lacan, 1953/1998a, p. 249)

Quando Lacan se refere à lingua-gem, trata-se da articulação dos significantes entre si com suas leis: a metáfora e a metonímia. É isso que ele quer dizer com o seu aforisma: "o inconsciente é estruturado como uma linguagem". Essa diferença entre linguagem e fala ou palavra é essencial para manter a distinção entre as leis que regem a fala e as que regem a linguagem. As leis da fala implicam a mensagem do sujeito e seu reconhecimento pelo Outro.

A fala, com efeito, é um dom de linguagem, e a linguagem não é imaterial. É um corpo sutil, mas é corpo. As palavras são tiradas de todas as imagens corporais que cativam o sujeito; podem engravidar a histérica, identificar-se com o objeto de Penis-neid, representar a torrente de urina da ambição uretral, ou o excremento retido do gozo do avarento. (Lacan, 1953/1998a, p. 302)

Em "Função e campo da fala e da linguagem", Lacan, ao contrário de Saussure, enfatiza a importância da fala para a psicanálise: "é justamente a assunção de sua história pelo sujeito, no que ela é constituída pela fala endereçada ao Outro, que serve de fundamento ao novo método a que Freud deu o nome de psicanálise em 1895, seus meios são os da fala ... seu campo é o do discurso concreto; suas operações são as da história" (Lacan, 1953/1998a, p. 258). Contrariamente a Saussure, Lacan não estrutura a palavra com uma relação simétrica entre um e outro. E é a partir daqui, da estrutura da palavra, que o Outro se impõe.

No Grafo do desejo o conjunto dos significantes (a estrutura da linguagem) deve ser situado no lugar do Outro, na estrutura da palavra; "a dissimetria não só implica que este Outro decide o sentido do que digo mas, porque é o destinatário da mensagem, deve ser também o lugar do código que permite decifrálo" (Lacan, 1960/1998d, p. 830). Isso implica também que o grafo concerne ao sujeito. O sujeito está situado na estrutura da palavra. O que produz esse sujeito que não encontra sua identidade a não ser pela via da palavra dirigida ao Outro? No começo, não é nada. Posto que não se funda na palavra senão pela via do Outro, não é mais do que um significante do Outro, nesse sentido, é um processo de identificação. Ao final leva um significante do Outro: esposa, marido, discípulo. A escritura mais simples que se pode dar a esse sujeito no começo desse circuito de palavras é $, esse é um termo estrutural fundamental. Isso obriga a algo que excede a perspectica estruturalista, a qual requer que o conjunto dos significantes seja completo, que represente a todos e de certo modo, que possa nomear tudo. Na perspectiva estruturalista, não existe, em uma língua a palavra que falta para designar algo. Ora, a introdução da mescla da estrutura da palavra na estrutura da linguagem, feita por Lacan, obriga a descompletar este conjunto de significantes.

Que resposta para a pergunta colocada anteriormente: "Uma vez reconhecida a estrutura da linguagem no inconsciente, que tipo de sujeito podemos conceber-lhe?" Não podemos conceber-lhe um sujeito mais do que respondendo a essa inscrição na falta. Na cadeia significante, pode-se reconhecê-lo, por exemplo, no intervalo entre os significantes, pode-se identificá-lo à descontinuidade da cadeia significante.

Nossa definição de significante é: um significante é aquilo que representa o sujeito para outro significante. Esse significante, portanto, será aquele para o qual todos os outros significantes representam o sujeito: ou seja, na falta desse significante, todos os demais não representariam nada. Já que representado senão para algo. Ora, estando a bateria dos significantes, tal como é, por isso mesmo completa, esse significante só pode ser um traço que se traça por seu círculo, sem poder ser incluído nele. Simbolizável pela inerência de um (-1) no conjunto dos significantes. (Lacan, 1960/1998d, p. 833)

Evidentemente que temos aqui um sujeito que não tem muito em comum com a consciência. É o sujeito no sentido de o que é suposto pela cadeia mesma, desde que esta cadeia é capturada na palavra; um sujeito que, como o intervalo significante, é transportado de significante em significante e do que se pode admitir que seja identificado pelos significantes.

Nesse sentido, contrariamente ao que deixa supor Lévi-Strauss, esse sujeito não tem nada em comum com a consciência ou com o que seria ali completado, a tal ponto que Lacan, constrói o desejo como esse sujeito mesmo que transporta a cadeia significante. Esse sujeito não é causa, é efeito dessa cadeia, efeito da emergência do significante, é por isso que Lacan, em seu grafo do desejo, lhe dá o mesmo lugar que ao significado.

Então o que diferencia decididamente a estrutura de Lacan da estrutura dos estruturalistas, é que para Lacan, ela não é uma construção - a estrutura da linguagem preexiste a cada sujeito, a cada nascimento daqueles que vão falar; ela preexiste, e enquanto tal, é causa, quer dizer, tem efeitos.

Um primeiro ponto de divergência radical entre o estruturalismo e a psicanálise é a exclusão do sujeito e, um segundo ponto, não menos radical, é o real como impossível, que não faz parte do conceito linguístico de estrutura. Para os estruturalistas o conceito de estrutura está ligado à ideia de totalidade. Para a psicanálise, o real tem como estatuto o impossível e se inscreve na estrutura sob a forma de um buraco, que comparece como furo real no imaginário (ausência de um saber, ou seja, de instinto) e como falta de Um significante no simbólico (campo do Outro).

A estrutura dos estruturalistas é coerente e completa, ao passo que a estrutura lacaniana é antinômica e incompleta, inclui em seu campo uma impossibilidade, nem tudo será explicável. Diferentemente da estrutura saussuriana, que se define pela complementação entre significante e significado, o sujeito do inconsciente da estrutura lacaniana, se mantém fundamentalmente inacessível e se apresenta sempre em outro lugar. Uma estrutura clínica se define, portanto, na relação entre o $ - efeito de linguagem - e o Outro.

 

REFERÊNCIAS

Dosse, F. (1992). História do estruturalismo. São Paulo: Edusc.         [ Links ]

Lacan, J. (1993). Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1973)        [ Links ]

Lacan, J. (1998a). Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. In J. Lacan, Escritos (pp. 238-324). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1953)        [ Links ]

Lacan, J. (1998b). A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud. In J. Lacan, Escritos (pp. 496-533). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1957)        [ Links ]

Lacan, J. (1998c). Observação sobre o relatório de Daniel Lagache: psicanálise e estrutura da personalidade. In J Lacan, Escritos (pp. 653-691). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1960)        [ Links ]

Lacan, J. (1998d). Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano. In J. Lacan, Escritos (pp. 807-842). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1960)        [ Links ]

Lacan, J. (2003). Pequeno discurso no ORTF. In J. Lacan, Outros escritos (pp. 226-231). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1966)        [ Links ]

Prado Coelho, E. (1967). Introdução a um pensamento cruel: estruturas, estruturalidade e estruturalismos. In E. Prado Coelho (Org.), Estruturalismo antologia de textos teóricos (pp. I - LXXV). Portugália: Martins Fontes.         [ Links ]

Strauss, L. (1949). Les structures élémentaires de la parenté. Paris-Haia: Mouton & Co.         [ Links ]

 

 

Recebido em fevereiro/2011
Aceito em março/2011