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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.17 no.2 São Paulo dez. 2012

 

RESENHA

 

 

André Júlio Costa

Pedagogo. Mestrando em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil. ajuliocosta@hotmail.com Rua Maranhão, 1178 / 24 30150-331 - Belo Horizonte - MG - Brasil

 

 

Psicanálise, educação e diversidade

Mrech, L. M.; Rahme, M. M. F.; Pereira, M. R. (Orgs.)
Belo Horizonte, MG: Fino Traço; FAPEMIG, 2011, 142 p.

A psicanálise, ainda que enfrentando resistências, vem paulatinamente ocupando seu espaço dentro do âmbito educacional e dos processos educativos, mostrando-se um importante dispositivo de entendimento da subjetividade e da forma de como o sujeito se relaciona com o mundo. O livro Psicanálise, educação e diversidade, organizado por Leny Magalhães Mrech, Mônica Maria Farid Rahme e Marcelo Ricardo Pereira, é uma prova de que o campo dos estudos psicanalíticos está cada vez mais sedimentado dentro da Educação, na medida em que busca uma constante interrogação das formas de subjetividade, da inclusão social e das diversidades que mais se apresentam, ou seja, dos diversos estilos contemporâneos de manifestação das diferenças.

O livro se estrutura em nove capítulos, que são ensaios e relatos de pesquisas e experiências articulados entre as práticas e as teorias. As temáticas giram em torno de questões sobre "a psicanálise e a educação, a diversidade, a formação de professores, as questões da juventude, a infância com problemas, a cidadania e subjetividade em tempos de novas tecnologias, o impasse da feminilidade, a violência, a difícil possibilidade de inscrição do sujeito do desejo na ordem escolar" (p. 8), isto é, questões presentes na realidade da contemporaneidade.

O papel central da psicanálise nos textos deve-se por ser ela o referencial responsável por articular a educação e a diversidade. No entanto, como os próprios organizadores dizem: "Não se trata, porém, de apresentar uma articulação rígida e uma estrutura normativa: o que trazemos são esboços, pequenas telas que indicam estilos, traços, formas diferentes, extraídos de leituras dos próprios autores a respeito do real" (p. 8). Assim, a psicanálise se apresenta com uma forma de compreender e questionar o mal-estar inerente à condição humana - e inerente, por sua vez, às relações no campo da educação.

Um ponto que permeia todos os capítulos do livro é o posicionamento da psicanálise frente ao real - real esse que sempre vacila, apesar de estar sempre presente, e nunca é controlado. Dessa forma, as teorias psicanalíticas se apresentam como uma proposta de não recuar frente a esse real, possibilitando uma educação que leva em conta os deslizes, os acasos, as descontinuidades, as lacunas e as surpresas desse que não cessa de não se inscrever. Considerar o real na educação e na diversidade, a partir da psicanálise, é não privilegiar o universal, mas buscar incessantemente o particular, fazendo emergir a singularidade da tensão entre universal e particular. Isso vai de encontro a efeitos educacionais segregativos porque se furta a tratar os processos educativos pela via dos ideais ou do padrão universal de regulação, que faz aqueles que se julgam próximos do ideal segregarem os que não o são, ou os que assim não se acham.

Ora, reconhecer o real nada mais é do que ter noção dos limites e da impossibilidade do ofício de educar - é considerar que, neste ofício, enquanto profissão relacional que lida com os sujeitos, existe uma parcela de fracasso intrínseco (já que a satisfação plena é inexistente), tendo em vista que os resultados da transmissão não são passíveis de previsão, deixando o esperado sempre aquém ou além do proposto. Seja com for, se se admitir o sujeito do inconsciente com parte da educação, "não é possível fixar uma relação de causalidade entre os meios e os efeitos obtidos" (p. 130), independentemente dos métodos pedagógicos. A dimensão da impossibilidade na educação permite aos envolvidos nesta área reconhecer que o ensino não se sustenta na ilusão de elidir o abismo existente entre saber e verdade, e ainda os faz constatar as vicissitudes da aprendizagem como processos individuais. O impossível aqui resulta na realização de um desenvolvimento endógeno/lógico dos sujeitos baseado em sua própria construção/aprendizagem dos conhecimentos socialmente partilhados. Isso não é outra coisa senão pensar a partir do campo de desejos contraditórios, estruturado na linguagem - ou seja, pensar a partir do campo do Outro.

O livro trata, num tom de denúncia, do mal-estar que "não cessa de se inscrever na relação pedagógica" (p. 7). O discurso pedagógico hegemônico na atualidade busca exercer uma força maciça no controle sobre os sujeitos e na relação desses com a educação. Tal discurso estabelece condutas que visam a enquadrar os sujeitos numa educação ditada pelo que poderíamos chamar de tirania da normalidade. Isso vem acontecendo à medida que o discurso pedagógico apropria-se de saberes e discursos psicanalíticos, a partir de uma leitura maturacional, buscando identificar fases cronológicas. Além dessa leitura equivocada, o discurso pedagógico ainda supõe que a educação possui o poder de balizar os efeitos do processo educativo, desconsiderando qualquer manifestação do real - daquilo que geralmente aponta as particularidades do sujeito enquanto sujeito do inconsciente.

A Conversação, metodologia de pesquisa e intervenção no âmbito social consagrada pela psicanálise, perpassa alguns capítulos do livro. Esse dispositivo, que segue os princípios do psicanalista francês J.-A. Miller, consiste em uma espécie de associação livre coletivizada, e atua como forma de lidar com as diversas manifestações do mal-estar contemporâneo.

O embasamento em teorias psicanalíticas possibilita ao campo da educação e da diversidade fazer uma reflexão efetiva de suas práticas e alterar seus pressupostos fixos de formação, o que permite, por conseguinte, identificar o sujeito do desejo, singular, um a um, e não um sujeito generalizado, abstrato e longe da experiência. Isso pode levar a uma nova visão e a um novo entendimento da prática educativa.

Por fim, os textos que compõem o livro convidam o leitor a interrogar, por meio da psicanálise, as racionalidades do discurso pedagógico que hoje vem impondo saberes, verdades e atividades excessivamente programadas, instituídas, controladas com rigor quase obsessivo, ao campo da educação. A reflexão pode caminhar na direção de um olhar subversivo, que perceba de maneira diversa e menos idealizada as várias formas de manifestação do processo de constituição subjetiva, mesmo sabendo que o real sempre escapa ao alcance das mãos.

Tendo em vista os temas impreteríveis abordados com astúcia pelos autores ao longo do livro, é que, ao cabo e ao fim, não se pode não recomendar francamente a sua leitura.

 

 

Recebido em maio/2012.
Aceito em setembro/2012.