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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.18 no.1 São Paulo abr. 2013

 

DOSSIÊ
PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO (IM)POSSÍVEL

 

Ideais e alteridade em uma pesquisa sobre a relação dos jovens com o saber1

 

Ideals and alterity in a research about the relationship between young people and knowledge

 

Ideales y alteridad en una investigación sobre la relación de los jóvenes con el saber

 

 

Paulo Padilla-PetryI; Fernando Hernández-HernándezII

IProfessor associado do Departament de Mètodes d'Investigació i Diagnòstic en Educació, Facultat de Pedagogia, Universidade de Barcelona, Barcelona, Espanha. Carrer d'Osca, 32 08195 – Sant Cugat del Vallès – Barcelona – Espanha. ppadillapetry@ub.edu
IIProfessor catedrático, Secció de Pedagogies Culturals, Departament de Dibuix Facultat de Belles Arts, Universidade de Barcelona, Barcelona, Espanha. Pau Gargallo, 4 08028 – Barcelona – Espanha. fdohernandez@ub.edu

 

 


RESUMO

Em uma investigação sobre o abandono escolar no ensino secundário espanhol a partir da relação dos jovens com o saber, entrevistamos de forma semiaberta tanto jovens considerados de êxito quanto de fracasso pela escola. Nos relatos construídos conjuntamente com eles, são explicitadas os vínculos estabelecidos entre jovens e pesquisadores como também as dos pesquisadores entre si. Este artigo discute o lugar do Outro ocupado pelo grupo de pesquisadores e pelos jovens para cada pesquisador. Também debatemos o papel dos ideais dos pesquisadores nessas relações.

Descritores: abandono escolar; relação com o saber; alteridade; jovens; ensino secundário.


ABSTRACT

In a research about Spanish secondary school's dropout considering the relationship between young people and knowledge, we interviewed both young people considered as successful or as a failure by the school in a semi-open manner. In the narrations written along with the young people, the relationships between them and the researchers were made explicit as well as the ones between the researchers themselves. This paper discusses the place of the Other for each researcher occupied by the researchers' group and by the young people. We also debate the role of the researchers' ideals in these relationships.

Index terms: school dropout; relationship with knowledge; alterity; young people; secondary school.


RESUMEN

En una investigación sobre el abandono escolar en la Educación Secundaria Obligatoria española a partir de la relación de los jóvenes con el saber, entrevistamos de forma semiabierta tanto a jóvenes considerados de éxito como de fracaso por la escuela. En los relatos construidos conjuntamente con ellos se explicitan las relaciones establecidas entre jóvenes e investigadores así como la de los investigadores entre sí. Este artículo discute el lugar del Otro ocupado por el grupo de investigadores y por los jóvenes para cada investigador. También debatimos el papel de los ideales de los investigadores en esas relaciones.

Palabras clave: abandono escolar; relación con el saber; alteridad; jóvenes; educación secundaria.


 

 

1. Introdução

Nos últimos cem anos, cientistas sociais de diferentes áreas têm tentado explicar a fascinação da sociedade com a juventude como uma época da vida, o que os levou a produzir relatos detalhados nos quais descrevem as diversas faces da vida dos jovens e, a partir delas, propor marcos teóricos para compreender suas experiências (Heath, Brooks, Cleaver & Ireland, 2009; Hernández, 2011a). A renovação do debate teórico nos estudos dos jovens (youth studies) se deveu a temas tão diversos como: a) a relevância da teoria das subculturas; b) a validez da tese da individualização na compreensão da vida dos jovens na modernidade tardia; c) o fato de que certas condutas de risco tenham se normalizado entre os jovens; e d) as mudanças dos limites que diferenciam ou aproximam a juventude da idade adulta (Heath et al., 2009). Por outro lado, foram desenvolvidos programas e estratégias para enfrentar a exclusão dos jovens num mundo laboral marcado pelas regras do capitalismo pósfordista (Boltanski & Chiapello, 2002). Igualmente, foram favorecidas leis para reduzir a gravidez juvenil ou as formas de conduta antissocial assim como as correspondentes avaliações (oficiais ou não) dessas políticas.

Com uma maior atenção ao que acontece nos períodos de transição dos jovens, a preocupação com o abandono escolar também aumentou consideravelmente nos últimos 40 anos (Ferguson, Tilleczek, Boydell & Rummens, 2005; Clandinin et al., 2010). Em uma definição geral, o abandono escolar de jovens compreenderia aqueles que deixam a escola antes da idade legal e/ou com qualificações formais limitadas ou inexistentes (GHK, 2005). A relevância da evasão escolar na Espanha está bastante clara num relatório publicado pela OECD (2008) que aponta uma alta porcentagem (cerca de 30%) de abandono do Ensino Secundário Obrigatório (ESO2). Apesar da abundância da bibliografia que enfoca o problema do abandono escolar (Hernández & Tort, 2009), não há muitas pesquisas que enfatizem a voz do alunado (Ferguson et al., 2005).

Mesmo correndo o risco de nos somarmos à lista infindável de pesquisadores mais ou menos fascinados e preocupados ou encantados e horrorizados pelos jovens e pelo que tantos consideram como problemas de transição para a vida adulta, decidimos tentar escutá-los numa perspectiva de pesquisa que levasse em consideração a subjetividade dos participantes e dos pesquisadores e privilegiasse a possibilidade de reflexão escrita (Cifali, 2005; Cifali & André, 2007; Macbeth, 2001) sobre a posicionalidade e a relação construída entre pesquisadores e jovens (Hernández & Padilla-Petry, 2011).

O presente artigo trata da relação que nós pesquisadores construímos com nosso próprio grupo de pesquisa e com os jovens participantes. As relações com esses dois grupos, com essas duas alteridades, permitiram trocas e reflexões que podem contribuir para uma reflexão sobre a viabilidade e as condições de pesquisas como a nossa.

 

2. O abandono escolar entre a deficiência sociocultural e a relação com o saber

Em 2005, dando continuidade ao nosso trabalho anterior sobre a construção da subjetividade na escola primária (Hernández, 2010), decidimos abordar como os jovens que não cumprem com as expectativas da escola se relacionam com o saber.3 Isso significava pesquisar o abandono e o fracasso escolar desde uma perspectiva diferente da habitual. Em vez de conceitualizar o abandono escolar como uma deficiência resultante da circunscrição a uma classe social carente de capital cultural e econômico (o deficit individual), decidimos partir de uma posição que ia mais além da dicotomia inclusão/exclusão. Assim, começamos com um questionamento da noção de fracasso escolar (Hernández & Tort, 2009), recolhendo as vozes de um grupo de jovens para compreender os percalços que lhes haviam levado a não concluir o Ensino Secundário Obrigatório. Naquela pesquisa, como na de que trata este artigo, um conceito importante foi o de relação com o saber.

Para Charlot (1997), a relação com o saber é uma relação de sentido entre um indivíduo ou um grupo e os processos e produtos do saber. Isso faz com que a relação com o saber seja a relação do sujeito com o mundo, consigo mesmo e com os outros, uma relação com um conjunto de significados que se inscrevem no tempo. Explorar a relação com o saber no caso que nos ocupa supõe estudar o sujeito (o jovem estudante de ensino secundário) frente à sua obrigação de aprender num mundo que compartilha com outros. Levar a cabo uma investigação sobre essa relação supõe analisar a relação simbólica, ativa e temporal desse sujeito singular que se encontra inscrito numa relação social.

A teoria da deficiência sociocultural de Bourdieu (Bourdieu & Passeron, 1970) propõe uma leitura em termos de deficit da realidade social relacionada aos problemas educativos, já que a interpreta em termos de faltas e carências individuais. A partir dessa perspectiva, as explicações giram sempre em torno do que falta no contexto socioeconômico e cultural dos jovens, assim como outras teorias mais ou menos psicológicas (ou psicologizantes) poderiam tentar explicar o abandono escolar a partir de faltas individuais, como falta de motivação ou baixos resultados acadêmicos (Clandinin et al., 2010).

Uma análise baseada na relação com o saber (Charlot, 1997, 2001) implica, por outro lado, uma leitura positiva dessa realidade, relacionando a experiência dos alunos, sua interpretação do mundo e sua atividade. Essa leitura positiva é uma posição epistemológica e metodológica que não significa perceber os conhecimentos adquiridos a partir das carências. Mais que um processo cognitivo, aprender é, sobretudo, um processo relacional, uma vez que aprendemos de nós mesmos, dos outros e dos conhecimentos. Essa ampliação do sentido de aprender coloca em xeque a ideia da escola que centra a aprendizagem na memorização e na reprodução de informação, que separa o que se aprende do processo de aprender e que considera a mente (e o seu adestramento) como o foco de atenção do trabalho escolar, deixando o corpo à margem.

 

3. A construção de um método

Em 2008, a partir do que havíamos aprendido no estudo anterior, iniciamos uma pesquisa sobre a relação com o saber tanto de jovens que foram considerados como de êxito pela escola secundária quanto daqueles que eram exemplos de fracasso4 para a instituição. Decidimos construir o método coletivamente e começamos com um texto sobre a nossa relação pessoal com o saber. Ou seja, antes de qualquer contato com os jovens desta pesquisa, todos nós escrevemos sobre a nossa relação pessoal com o saber, e nesses textos houve, inevitavelmente, um retorno à nossa época de escola e uma reflexão sobre a posição de cada um frente ao saber e à educação escolar. Essa decisão decorre de nosso apego à perspectiva narrativa de pesquisa (Clandinin & Connelly, 2000), na qual os pesquisadores, suas viagens, relacionamentos e a construção do seu olhar são parte da investigação.

Posteriormente, para construir o método de interação que adotaríamos com os jovens, um de nós conversou com uma jovem estudante de Belas Artes cuja trajetória escolar poderia ser considerada como de êxito. Através de sucessivas conversas sobre a sua experiência no ensino secundário, foi se configurando o método que todos nós usaríamos posteriormente com os jovens que participariam da pesquisa. O papel dessa primeira participante foi decisivo porque marcou o tipo de relação de pesquisa que queríamos, evitando um modelo de pesquisa sobre jovens e tentando uma pesquisa com jovens (Hernández & Padilla-Petry, 2011).

O método a que chegamos tinha como principal objetivo a construção de narrativas biográficas conjuntas sobre a relação dos jovens com o saber a partir do ensino secundário. Os encontros com os jovens eram pautados pelos materiais (fotos, agendas, provas etc.) escolhidos, trazidos e comentados por eles. A partir de cada encontro, cada pesquisador foi construindo uma narrativa e enviando-a ao jovem participante, que comentava, corrigia e adicionava elementos à história.

Em investigação social, a metodologia geralmente é imposta ao sujeito, que não pode fazer nada diante do que propõe o investigador. Em nosso caso, tentávamos elaborar o processo de investigação, mais especificamente a construção de narrativas biográficas com base na relação com os sujeitos. Isso implicava que os textos fossem escritos a partir da conversa com os jovens e de sua revisão conjunta. Com isso, os jovens entravam em um processo de relação que lhes possibilitava desvelar seus saberes. Daí em diante, os caminhos se bifurcavam: os jovens levavam a experiência relacional e de autoconhecimento que é parte do não saber em que são colocados os investigadores, e os investigadores passavam a refletir sobre as narrações biográficas para gerar outros modos de conhecimento: sobre si mesmos como pesquisadores, sobre a relação com os jovens e sobre o saber que deriva da própria experiência de pesquisa.

Apesar de a nossa pesquisa não ter uma fundamentação psicanalítica explícita, a posição que decidimos assumir frente aos jovens deveria ser suficientemente aberta para permitir que se instaurasse uma relação na qual:

1. os pesquisadores estivessem abertos à escuta, sem uma lista de perguntas ou categorias de análise que permitissem antecipar as experiências que nos seriam contadas, mas sim com a finalidade de indagar sobre a relação dos jovens com o saber a partir do ensino secundário;

2. os jovens pudessem ter um encontro com o seu saber e não com um saber imposto pelo pesquisador;

3. os pesquisadores pudessem refletir posteriormente (Macbeth, 2001) sobre a posição única ocupada por eles na relação com aquele jovem em particular;

4. os jovens pudessem trazer elementos relacionados à sua experiência de vida dentro e fora da escola e realizar associações livres, ainda que obviamente limitadas pelo marco investigativo e pela demanda dos pesquisadores;

5. os pesquisadores não tivessem a autoria única da narrativa a ser construída.

Todos os jovens que participaram da pesquisa foram indicados por algum membro do grupo mediante contatos pessoais prévios com amigos, conhecidos e colegas. A seguir, foram contatados por telefone por outro membro do grupo que seria responsável pela pesquisa com aquele jovem. No primeiro encontro, apresentávamos um documento informativo sobre a pesquisa (algo como um termo de consentimento). Depois de lido e de esclarecidas as eventuais dúvidas, nossa pergunta inicial costumava ser bastante genérica, algo como: "o que você lembra da sua época de secundário?" Está claro, porém, que por mais aberta que fosse essa pergunta, o documento informativo que a precedia já nos apresentava como pesquisadores universitários preocupados com o papel do ensino secundário na vida dos jovens.

 

4. A alteridade nas nossas relações de pesquisa

Nas relações de pesquisa que construímos com os dezenove jovens participantes, começávamos com um telefonema ou com um correio eletrônico e terminávamos com a aprovação conjunta de um texto que, apesar dos nossos propósitos (e ideais), acabou sendo construído mais por nós do que por eles. Durante toda essa trajetória, o grupo de pesquisadores era uma presença constante que atravessava nossas relações com os jovens: desde o primeiro encontro, que começava com a leitura do documento informativo elaborado pelo grupo, passando pelo envio regular ao grupo dos textos que íamos produzindo, até o permanente acompanhamento da evolução de cada relação de pesquisa. Além do mais, um bom tempo de nossas reuniões era dedicado a discussões sobre o andamento dos encontros com os jovens. Falávamos de situações concretas (as entrevistas), mas também passávamos um tempo considerável falando dos jovens de uma maneira geral: quem são, como são, o que querem etc. Esse jovem genérico e razoavelmente enigmático se misturava com os que participavam da pesquisa de tal maneira que, muitas vezes, não sabíamos se estávamos falando da relação com um jovem em particular ou se nos referíamos a um jovem mais ou menos abstrato, difícil de definir, difícil de entender e com uma demanda inexistente (esperavam algo da nossa pesquisa?) ou incompreensível para nós.

Igualmente, para cada um de nós, os colegas de grupo de pesquisa também formavam um todo mais ou menos abstrato, que acompanhava as nossas produções escritas e discutia as relações que íamos construindo com os jovens participantes. Esse todo um tanto genérico (o grupo) também se mesclava com os componentes do grupo que se manifestavam mais abertamente por correio eletrônico ou nas reuniões sobre o que cada um havia escrito ou relatado. Assim, ao escrever, nós também nos dirigíamos a um grupo de colegas que lia (ou não) e escutava (ou não) nossas produções, sabendo que no final nosso texto deveria ser aprovado pelo jovem participante, mas também reconhecido pelos colegas de pesquisa como um texto representativo da investigação que realizávamos. Aqui, sem dúvida, não faltavam em cada um de nós perguntas sobre a demanda do grupo. Como deveria ser o texto final? Como deveríamos conduzir nossa relação com os jovens?

Tanto os colegas pesquisadores quanto os jovens colaboradores não pareciam limitar-se ao lugar de outros imaginários, ou seja, não eram apenas pessoas com quem poderíamos nos identificar, comparar ou rivalizar a partir da sua imagem. Ambos os grupos, de pesquisadores e de jovens, com a inevitável indiferenciação parcial dos seus membros, passaram também a ocupar um lugar similar ao do Outro lacaniano. O Outro, como um lugar simbólico, não é nosso semelhante (como os outros) e não permite, assim, qualquer comparação em espelho. Para Lacan, ele determina a constituição do sujeito para mais além das representações imaginárias ou especulares do eu e nos demanda algo desconhecido por nós e cuja indeterminação causa angústia. A existência do Outro se deve à linguagem mesma, a tal ponto que o Outro se confundiria com a ordem da linguagem (Chemama & Vandermersch, 1998; Roudinesco & Plon, 2000). O lugar do Outro na nossa pesquisa é muito importante porque: a) implica um terceiro, que ultrapassa a dualidade pura típica de algumas abordagens psicológicas; b) pode explicar a demanda difusa que nos chegava como exterior a nós; e c) permite pensar sobre o quanto esse lugar constituía o nosso olhar sobre os outros, em especial, sobre os jovens.

 

4.1. A relação dos pesquisadores com os jovens

Estava claro, desde o princípio, que o foco da nossa pesquisa não poderia ser abordado de forma direta: perguntar a qualquer um sobre a sua relação com o saber complicaria mais do que ajudaria. Nossa decisão de realizar entrevistas bastante abertas a partir de materiais trazidos pelos jovens contribuiu para que nos deparássemos com o inesperado. A primeira pergunta sobre o que recordavam do tempo da escola secundária já evidenciava que não faltariam referências a eventos extraescolares.

Eu lhe perguntei se ele se lembrava de elementos que podia resgatar daquela época: imagens, textos, fragmentos que pudessem servir para iniciar a reconstrução da sua passagem pela secundária. Ele me disse que tinha que pensar, que procuraria. Então, eu fiz uso da pergunta que Fernando [outro pesquisador] tinha deixado cair no seu encontro com Maria: "o que você lembra, o que você associa ao período da secundária?" "O meu pai morreu". (Hernández, 2011b, p. 34; Alfred/Èric)5

A morte do pai de Èric não foi uma exceção – muitos jovens associaram a experiência do secundário a eventos infelizes que aconteceram fora da escola: mortes, doenças, situações de violência etc. A nossa disposição de escutar sobre o que tivesse ocorrido durante aquele período trouxe-nos mais de uma surpresa, não só em relação aos eventos lembrados, mas também em relação à maneira de se referirem a si mesmos e às suas experiências.

O principal nasce da consideração de que não vejo no relato de Xavier indícios de uma visão crítica do modelo de aprendizagem mais comum na escola, ou seja, o transmissor-reprodutor, deu-me a sensação de que é difícil problematizá-lo. (p. 98; Enrico/Xavier)

Eu fiquei perplexa! Tantos anos no mesmo centro, tantas aprendizagens, descobertas, ansiedades e desejos, despertares... e NADA. (p. 83; Mercè/Guille)

A segunda questão que me orienta na construção desta narração tem a ver com a maneira como Albert se apresentou diante de nós: como um preguiçoso. Por mais que Juana (outra pesquisadora) e eu não acreditássemos na sua própria descrição negativa de si mesmo, Albert insistia: "sou um preguiçoso". (p. 182; Paulo/Albert)

Nos três exemplos acima, estão claras as diferenças entre as expectativas dos pesquisadores e o que surgia nas entrevistas: Enrico queixa-se sutilmente da falta de crítica de Xavier em relação ao modelo de ensino-aprendizagem dominante na escola, Mercè se surpreende com o fato de Guille dizer que não aprendeu nada e Paulo se recusa a acreditar na preguiça de Albert. Todas essas discrepâncias estão explícitas nos relatos escritos pelos pesquisadores e submetidos aos jovens. Apesar delas, depois de revisar nossos textos, os jovens geralmente não contestavam ou ofereciam alguma outra perspectiva às nossas reticências e dúvidas. Nossas reservas e surpresas pareciam não afetar muito o seu discurso; a pesquisa aparentemente provocava mais mudanças no nosso próprio discurso que no dos jovens, o que também nos dava algumas pistas sobre as suas possíveis demandas.

Essas mudanças implicavam uma revisão das nossas expectativas e ideais em relação a esse jovem, que podia parecer ao mesmo tempo vítima e sobrevivente do ensino secundário espanhol ou informante crítico e conformado com o sistema de ensino-aprendizagem dominante, para citar alguns exemplos. Embora as narrativas tenham sido realizadas em conjunto, a pesquisa ocorria por iniciativa nossa, o que se reflete nos relatos de formas distintas.

O receio de alguns pesquisadores de "abusar" do tempo ou de invadir excessivamente o espaço dos jovens também mostra que o lugar que ocupávamos não estava tão clara ou definida de saída. Igualmente, a fragilidade da nossa posição de pesquisadores se revelava no medo implícito e comentado humoristicamente de perder um participante. Os dois jovens que abandonaram a pesquisa após um primeiro contato deixaram suas marcas. Os textos que ambos os pesquisadores escreveram para dar conta dessas saídas inesperadas revelaram-se ótimas oportunidades de reflexão para todo o grupo.

À medida que as conversas avançavam, a posição de cada um ia se definindo melhor, assim como as diferenças em relação às demandas de cada um. A maneira de cada pesquisador lidar com essas diferenças variou e não faltaram tentativas de reduzi-la.

Xavier me dizia que nunca tinha participado de uma pesquisa desse tipo. Talvez por isso tento ser o mais informal e amigável possível para que se sinta à vontade. Muitas vezes, me coloco no relato, fazendo referência à minha etapa como estudante de secundária. (p. 91; Enrico/Xavier)

Procurei pontos de coincidência com Maria para iniciar a conversa. Tenho um sobrinho que estuda o mesmo curso que ela e está no mesmo semestre, embora não se conheçam. Isso permitiu que Maria soubesse que eu sabia da exigência que implica para ela o trajeto de formação que está percorrendo agora. Além de me dar um ponto de partida, para que ela soubesse que havia pontos de contato. (p. 128; Fernando/Maria)

Quase todos nós buscávamos de alguma maneira reduzir ou eliminar a distância que, inevitavelmente, existiria entre um pesquisador adulto e um jovem de no máximo 24 anos. Enrico tentou uma aproximação por identificação (o seu tempo de secundária) e Fernando preferiu buscar um elemento comum. O encontro com os jovens parecia exigir um esforço, um movimento especial para facilitar a conversa e reduzir a tensão causada nos pesquisadores pela alteridade representada pelos jovens. Que esse movimento fosse de alguma maneira identificatório não chega exatamente a surpreender se considerarmos a possibilidade referida por vários psicanalistas, como Dolto (Ledoux, 2006), de um adulto deparar-se com a sua própria juventude no encontro com o jovem.

A redução da distância ou dessa alteridade também se fazia notar nas tentativas de ser entendido ou de entender o que nos diziam.

Dou-me conta de que poderia ter esclarecido melhor, sobretudo na hora de abarcar conceitos que, talvez, lhe tenham parecido um tanto abstratos. (Hernández, 2011b, p. 98; Enrico/Xavier)
A autoridade e a força técnica do diagnóstico de dislexia para Carmen podem transformar qualquer relativização ou questionamento de um investigador em intervenções pouco prudentes. A não escuta de minha parte desse aspecto pode haver sido decisiva no fracasso da minha relação com Carmen. (p. 213; Paulo/Carmen)

Tanto Paulo quanto Enrico se depararam com as inevitáveis dificuldades com a linguagem própria de sujeitos barrados e as distâncias que nos separam a todos. No exemplo de Enrico, a dúvida sobre se ambos estavam falando da mesma coisa; no caso de Paulo, a falta de escuta de algo que era importante na história de Carmen: o diagnóstico de dislexia que havia recebido quando era criança e que para ela explicava boa parte da sua história escolar. Como se poderia esperar duma pesquisa na qual havia uma razoável disposição à escuta, cada relação de pesquisa entre jovem e pesquisador foi única e refletiu as suposições e demandas de cada um. No entanto, ao contrário do que ocorre na clínica psicanalítica, nós buscávamos compreender o que nos diziam os jovens para poder escrever um relato que refletisse a visão de cada jovem em interação com a posição ocupada pelo pesquisador. Essa tentativa de compreensão supunha um saber nos jovens, um saber sobre a sua vida no ensino secundário e a sua relação com o saber. Como nós não tínhamos a pretensão de interpretar ou atribuir sentido ao discurso dos jovens, a compreensão que buscávamos só podia se dar a partir de uma reflexão sobre a posição que ocupávamos na relação de pesquisa com cada um. O relato não se limitava ao que havia sido dito pelos jovens, mas incluía também reflexões nossas a partir da posição que pensávamos ocupar na relação de pesquisa.

A nossa suposição de saber encontrou outra. Os jovens que participaram estavam, no máximo, no início de algum curso universitário, e nós éramos professores universitários e/ ou estudantes de doutorado. Apesar de nos colocarmos como curiosos em relação ao ensino secundário e à experiência vivida pelos jovens, nossa posição investigativa permitia supor algum saber prévio sobre ambos. A nossa demanda de escrever um texto em conjunto podia ser tomada como um risco de explicitação das diferenças entre pesquisadores e jovens: "A sua breve resposta me fez pensar que talvez o texto que lhe tinha enviado lhe pesava demais, que tinha um efeito intimidador que o inibia de escrever a sua própria narrativa da nossa relação de pesquisa" (p. 36; Alfred/Èric).

Nosso suposto saber universitário também originava perguntas sobre o que faríamos com as histórias. O saber que supostamente detínhamos sobre a relação dos jovens com o saber e com o ensino secundário nos permitiria tirar conclusões, interpretar e explicar as trajetórias dos jovens participantes, questão mencionada por mais de um deles e relativizada por nós.

Onde eu digo que "seu rendimento escolar não se viu muito afetado pela dislexia na primária", Carmen marcou o "muito afetado" com outra cor e acrescentou abaixo: "Aqui é onde vou ao centro durante cinco anos!!! Claro que me afeta! Só que a escola me ajuda e o ambiente também!".... O comentário enfático de Carmen ressalta ao mesmo tempo dois pontos: o impacto da dislexia durante os anos de primária e a ajuda recebida do ambiente e da escola. No texto original, eu menciono a ajuda recebida do ambiente, mas deixo em segundo plano o impacto da dislexia, algo que entra em conflito com a experiência de Carmen. (p. 213; Paulo/Carmen)

Carmen corrige o texto porque não expressava com suficiente força o drama vivido por ela desde a escola primária. Ainda assim, não há um questionamento do saber do pesquisador, apenas uma correção da falta de ênfase posta sobre o problema escolar causado pela dislexia. O nosso suposto saber sobre a juventude e o ensino secundário estava por trás das nossas desconfianças e críticas em relação às versões apresentadas pelos jovens. Buscávamos jovens que criticassem a escola e repensassem a sua trajetória sem recorrer às explicações prontas da escola tradicional? A pesquisa pressupunha uma abertura para qualquer narrativa trazida pelos jovens, mas as nossas ideias sobre como deveria ser o ensino secundário ou o discurso dos jovens sobre ele acabaram entrando nos nossos relatos e nas nossas relações com os jovens de alguma maneira. "De volta à casa, me pergunto por que lhe terá interessado participar da pesquisa. Por que disse que parece interessante?" (p. 47; Noemí/Clara).

A pergunta sobre as possíveis demandas dos jovens ou mesmo a aparente falta delas repetia-se desde o primeiro contato: se a pesquisa descrita no documento informativo correspondia ao que esperavam, se a pesquisa tomava tempo excessivo, se a proposta de escrita em conjunto de um texto era pedir demais, se estavam dispostos a trazer materiais do secundário, se esperavam de nós algum tipo de resposta ou explicação etc. Uma vez que ia se construindo uma relação entre pesquisador e jovem e os temas das conversas se definiam, pensávamos sobre o que os levava a participar da pesquisa. Considerando que pelo menos uma pessoa se recusou a participar da pesquisa justa e expressamente porque não queria falar dessa época da sua vida, podemos supor que os participantes tinham um interesse mínimo de contar a sua história no ensino secundário a pesquisadores universitários que se perguntavam sobre o funcionamento da escola e o que ela considerava como sucesso ou fracasso. No entanto, como fomos aprendendo ao longo da pesquisa, isso não significava necessariamente criticar a escola, mas sim pensar sobre como essa instituição atravessava a relação com o saber de cada um.

 

4.2. O grupo de pesquisa como o Outro na nossa relação com os jovens

Como já foi dito, o grupo de pesquisa era uma presença constante em nossas interações com os jovens e, nas palavras dos jovens participantes da pesquisa, o grupo que estava por trás de cada pesquisador tampouco lhes era indiferente.

Clara – Então você está num grupo de pesquisa?
Noemí – Sim, ... é um grupo no qual nos juntamos pessoas de vários departamentos universitários, ... de fato, queria lhe falar um pouco sobre o contexto da pesquisa...
C – Ah, ou seja, não tem nada que ver com sua tese?
N – Não, em um sentido estrito, a pesquisa para a qual a convidamos a colaborar é um projeto que realizamos algumas pessoas do grupo, uns quinze aproximadamente e, bom, de forma colateral claro que me dá ideias para a minha tese, especialmente na metodologia, mas se trata de outra pesquisa. (p. 46; Noemí/Clara)

Neste fragmento, é possível notar a surpresa de Clara em relação à existência de um grupo de pesquisa. Uma tese de doutorado é o trabalho de um pesquisador. Ainda que conte com uma orientação, é bastante solitário e guiado pelos interesses pessoais do aluno (ainda que nem sempre). Ser parte de um grupo de pesquisa remete inevitavelmente a outras pessoas que não apenas tomarão conhecimento do que se passa na relação entre jovem e pesquisador como também poderão interferir nesta relação. A nossa curiosidade podia ser colocada em dúvida: você está perguntando isso por que lhe interessa ou por que interessa a outros?

Antes de acabar, me perguntou se algum dia iríamos a Barcelona. "Como?", disse eu. Ele se referia a se apresentaríamos o nosso relato na Universidade.... Eu havia pedido sua colaboração para uma pesquisa da Universidade, mas a Universidade se encontra muito longe de Amposta [cidade a 188 km de Barcelona]. Naquele momento, só era um logotipo no cabeçalho de um texto. Eu lhe disse que me parecia uma proposta muito interessante, que a passaria ao grupo de pesquisa: vir à Universidade para entregar e apresentar juntos o nosso relato. De repente, não concebia uma forma melhor de culminar a nossa colaboração. (p. 35; Alfred/ Èric)

Èric queria falar diretamente com as pessoas da Universidade que faziam parte da pesquisa, mas não estavam diante dele naquele momento. O documento com o logotipo da Universidade de Barcelona que apresentávamos no contato inicial era um primeiro indício de que a relação estaria marcada e atravessada por um grupo e uma instituição. Igualmente, ficava claro que haveria outros participantes da pesquisa.

Jessica me convidou a sentar no sofá. Estávamos lado a lado. A proximidade inspirava cumplicidade e confiança. Paradoxalmente, iniciamos a conversa com certa frieza e com um diálogo surpreendentemente forçado, no qual predominavam os silêncios. Para mudar essa situação, decidi voltar a reler, com a permissão dela, o documento de apresentação da pesquisa e assim refrescar a memória depois do fim de semana, e poder introduzir as questões de forma progressiva. (p. 117; Nuria/Laura /Jessica)

O documento mencionado, cujo texto tinha sido definido pelo grupo, apresentava o grupo de pesquisadores, informava o título da pesquisa6 e dizia, entre outras coisas, que "nossa inquietude gira ao redor do papel que o ensino secundário tem na vida dos jovens" (ESBRINA, 2009). Falava também de construir um diálogo em torno às vivências de encontro e desencontro com todas as experiências de aprendizagem vividas no secundário e especificava que se realizaria uma construção conjunta de histórias que evocassem a trajetória educativa dos jovens participantes. Como um objeto intermediário inicial entre o pesquisador e os jovens, permitia transitar entre as posições que cada um ocupava inicialmente; os materiais trazidos pelos jovens depois ocupavam esse lugar.

As nossas reuniões eram por excelência os momentos nos quais tentávamos dar conta de nossas relações com os jovens e dos textos que estávamos escrevendo. A heterogeneidade desses textos começou a produzir certo mal-estar e uma pergunta: seguíamos todos trabalhando no mesmo projeto? Pensando a posteriori, de alguma maneira nos perguntávamos sobre como cada um de nós se situava entre esses dois grupos: o de pesquisadores e o de jovens. As conversas com os jovens seguiam caminhos inesperados e o grupo de pesquisa podia ser para cada pesquisador, nesse momento, um terceiro que nos demandava que não nos esquecêssemos dos objetivos da pesquisa e dos métodos que tínhamos construído juntos. Numa pesquisa que buscava a relação dos jovens com o saber, privilegiando ao máximo uma interação aberta entre pesquisador e jovem, a tensão surgida era inevitável, mas ao mesmo tempo inesperada. Se na clínica psicanalítica lacaniana o desejo do analista e o lugar que ele ocupa estão bem definidos, no nosso caso havia múltiplas possibilidades para os nossos desejos de pesquisadores e os lugares que ocuparíamos nas relações com os jovens. Por outro lado, ser parte de uma massa (Lacan, 1991/ 1992) de pesquisadores nos colocava certamente frente a um ideal de pesquisador que podia ter um efeito mais ou menos alienante e paralisante (Petry, 2008).

Para Lacan (1991/1992), o fato de o analista fazer parte de uma massa de analistas, massa como definido por Freud (1921/1969a) em "Massenpsychologie und ich-analyse", está relacionado à existência de um ideal de eu analítico, e o referido artigo teria sido escrito por Freud justamente por já haver uma sociedade de analistas formada, uma massa que justificava inclusive a existência do comitê secreto que tentava proteger a pureza da doutrina freudiana. Assim como o paciente coloca o analista no lugar de ideal de eu e assim resiste à análise, o analista, por sua vez, como parte da massa de analistas, pode acabar mantendo para si mesmo um ideal de eu analítico. Isso seria decorrência de ele não ter uma justa percepção da sua relação com a função de ideal de eu; haveria assim um deslizamento de sentido inconcebível para um analista por se colocar como algo semiexterior a si mesmo. Para Lacan (1991/1992), não é coincidência que já existissem grupos de analistas nos quais cada um, sustentado por essa massa, alienava-se de alguma forma das implicações da sua subjetividade nas suas ações ao não ter claro a sua relação com a função de ideal de eu.

Ainda que o conceito de ideal de eu não tenha tido uma vida longa nos textos freudianos e boa parte das suas funções fossem logo transferidas ao supereu (Freud, 1923/1969b), a hipótese lacaniana permite pensá-lo como decorrência de uma massa e da identificação imaginária. No nosso caso, esse ideal de pesquisador também pode ter significado uma alienação em relação à nossa subjetividade, que considerávamos desde o princípio como uma parte fundamental da nossa relação com os jovens.

A nossa maneira de trabalhar sobre a tensão entre os métodos que havíamos decidido e o que de fato tinha acontecido foi escrevendo outro texto – este, sem qualquer coautoria, sobre como havíamos escrito nossos relatos. Esse texto, que cada pesquisador escreveu, estava dirigido tão somente ao grupo de pesquisa e permitiu esclarecer para nós mesmos alguns aspectos que estavam mais ou menos implícitos. A partir dessa última reflexão, era possível identificar três posicionamentos distintos:

a) Pesquisador em suspenso. Essa foi a posição de cinco membros do grupo. A preocupação central era respeitar a voz e a experiência dos jovens. Ao escrever, esses pesquisadores tentaram apagar-se ao máximo, limitando-se a ressaltar alguns pontos que lhes chamavam mais a atenção. Para dar conta do que os jovens haviam dito, decidiram relatar o que lhes disseram sem renegar sua autoria, ou seja, escreviam em primeira pessoa, mas tentavam ao máximo limitar a própria voz e, ao mesmo tempo, buscavam uma fidelidade ao que supunham que era o que os jovens queriam dizer.

b) Experimentar formas de escrita e relação. Três pesquisadores aproveitaram a pesquisa para experimentar novas formas de escrita e relação, ou seja, não só a escrita foi mais experimental, mas a relação estabelecida com os jovens também foi distinta. Uma investigadora, por exemplo, além das conversas que manteve com uma jovem, criou um espaço na Internet em que ambas podiam escrever conjuntamente sobre o que haviam conversado. Essas formas alternativas de realizar a investigação e escrever sobre ela foram discutidas, já que pareciam desrespeitar acordos que havíamos construído juntos sobre os métodos, mas sem dúvida nos permitiram avançar na reflexão acerca das possibilidades de relação e escrita.

c) A pesquisa como diálogo. Os quatro membros do grupo que ficaram nessa posição consideraram a escrita do relato como uma oportunidade para tentar estabelecer um diálogo com o que o jovem lhes havia dito, com os referentes teóricos da pesquisa e com as suas próprias reflexões individuais.

 

5. Conclusões

O abandono escolar prematuro no ensino secundário é um problema educacional grave na Espanha (como em outros países) e se deve a múltiplos fatores. Pesquisas como a nossa, que partem de conceitos não hegemônicos nas ciências sociais (subjetividade, relação com o saber, jovens não estereotipados como adolescentes) e tentam investigá-los através de uma metodologia que privilegia o discurso construído a partir de perguntas abertas e materiais escolhidos e recuperados pelos jovens, acabam por se deparar com problemas novos. Neste artigo, tratamos de dois em especial: o que fazemos com as demandas, diferenças e a distância que nos separam dos jovens e como o grupo de pesquisa atravessa as relações estabelecidas com os jovens.

Por que falar do Outro numa pesquisa não psicanalítica? Apesar de que cada um de nós se relacionava com outros (jovens e colegas pesquisadores), nos parece que em nosso discurso havia também referências a um jovem genérico ("O Jovem") com uma demanda um tanto indecifrável. De maneira menos explícita, porque todos fazíamos parte do grupo de pesquisadores, também havia alguma referência ao grupo como o Outro que nos concedia uma certa liberdade metodológica quando entrevistávamos os jovens, mas que sempre se fazia presente nessas relações como "O Grupo" a que pertencíamos e depois nos exigia dar conta reflexivamente (Macbeth, 2001) dessas relações.

Assim como Lajonquière (2010) fala de como o fantasma "dA-Criança" pode precisamente servir para ignorar a infância, uma possibilidade que nos inquietava era o quanto "O Jovem", que tanto nos ocupava e preocupava, servia para que ignorássemos os jovens que tínhamos diante de nós. Igualmente, esse jovem genérico podia perfeitamente ocupar um lugar idealizado. Felizmente, nossos textos refletem nossas dúvidas, surpresas, decepções e mudanças discursivas. Se para alguns de nós tratava-se de reduzir a distância que nos separava dos jovens, para muitos a escrita sobre o que os jovens nos contaram da sua relação com o saber permitiu refletir sobre as diferenças e conservar as inevitáveis distâncias.

"O Grupo" podia ser uma presença incômoda, pois pesquisávamos um tema fortemente subjetivo em nome de outros, e ameaçadora, porque tínhamos que prestar contas de uma relação aberta e imprevisível. Sem dúvida, estávamos todos no mesmo barco, mas "O Grupo" parecia estar fora dele. Os acordos metodológicos a que tínhamos chegado pareciam retornar a partir de uma exterioridade. Os textos que refletiam nossa relação com os jovens passavam pelo crivo deles e d'"O Grupo". Se por um lado, como mencionamos acima, "O Grupo" como ideal podia paralisar-nos, por outro, também nos conferia uma identidade: ser parte de um grupo de pesquisadores que se interroga sobre as relações dos jovens com o saber.

Finalmente, considerar o que significa a presença do Outro em um processo de pesquisa constitui um elemento-chave em uma investigação narrativa. Permite desvelar o que de outra forma permanece invisível e explorar as relações que constituem um processo no qual os pesquisadores se sentem (e não o ocultam) parte da história. Isso torna possível conceituar a pesquisa como um encontro entre os sujeitos e perceber o processo de pesquisa como uma história que tenta dar conta desses encontros.

 

REFERÊNCIAS

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NOTAS

1 Artigo derivado da pesquisa "Repensar el éxito y el fracaso escolar de la Educación Secundaria desde la relación de los jóvenes con el saber" (Ministerio de Ciencia e Innovación, EDU2008-03287 20082011).

2 Equivalente no Brasil aos quatro anos compreendidos entre a 7ª série do Ensino Fundamental e a 1ª série do Ensino Médio.

3 "Cap a una escola secundària inclusiva: sabers i experiències de joves en situació d'exclusió" (Agència de Gestió d'Ajuts Universitaris i de Recerca, 2006ARIE10044, 2007-2008).

4 Os repetentes e maus alunos que tivessem ou não abandonado a escola prematuramente.

5 Todos os fragmentos citados são tomados das narrativas biográficas publicadas em Hernández (2011b).

6 "Repensar el éxito y el fracaso escolar de la educación secundaria desde la relación de los jóvenes con el saber".

 

 

Recebido em abril/2012.
Aceito em fevereiro/2013.