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Estilos da Clinica

Print version ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.18 no.2 São Paulo Aug. 2013

 

TEXTO HISTÓRICO

 

Pais, escola e educação sexual

 

 

Tradução: Elisabete MokrejsI; Karin Bakke de AraújoII

IDocente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), São Paulo, SP, Brasil. Rua Cayowaá, 1924/43 01258-010 - São Paulo - SP - Brasil. emokrejs@uol.com.br
IITradutora titulada com o Deutsches grosses Sprachdiplom da Ludwig-Maximilians - Universität München e doutoranda em Literatura Brasileira pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil. Rua Joaquim Antunes, 996/34 05415-001 - São Paulo - SP - Brasil. bakke@aclnet.com.br

 

 

"Eltern, Schule und sexuelle Aufklärung".

Hans Zulliger (1926)

Zeitschrift für Psychoanalytische Pädagogik, I, 228-239.

A revista Zeitschrift für Psychoanalytische Pädagogik, editada em Viena entre 1926 e 1937, publicou uma série de textos de "primeira hora" sobre Psicanálise e Educação que tem grande valor histórico e conceitual para os estudos deste campo. Alguns desses textos foram traduzidos para o português, outros não. O texto de Hans Zulliger aqui publicado é um desses últimos, mas recebeu agora uma tradução primorosa que a revista Estilos se propõe a publicar, inaugurando com ele a seção "Textos Históricos".

 

I

Geralmente, a educação sexual das crianças começa tarde demais. De fato, ela já deveria começar antes da idade escolar obrigatória, na época em que a criança se ocupa com a questão da origem do homem e de para onde ele vai (nascimento e morte). Geralmente, essas perguntas afloram quando chega um irmãozinho ou quando nasce uma criança na vizinhança. Nessa ocasião, a criança vem com perguntas de conteúdo sexual e, dependendo de seu grau de timidez, ela as coloca de maneira mais ou menos direta.

Por exemplo, no caso de uma criança que já foi ameaçada de castração ao brincar com sua genitália e à qual sempre se proibiu, por ser algo indecente, falar sobre as partes "inferiores de seu corpo", aos 4 anos, ela já fará questões de uma forma que encobrirá o motivo real da pergunta. Para ela, assuntos ligados ao sexo já estão impregnados pelo tabu e, assim, os adultos têm de descobrir a real intenção escondida por trás do mecanismo de recalque. Não é raro ouvirmos pais se queixarem sobre a enfadonha "mania de fazer perguntas" de seus filhos de 4 anos, fato que eles não conseguem entender. São crianças que querem expor as perguntas próprias dos questionamentos dessa faixa etária: "De onde vêm as crianças, de onde eu vim?" Contudo, elas próprias não sabem o que realmente estão querendo perguntar. Conscientemente, da questão sexual somente lhes restou a necessidade de perguntar (perguntas de cunho geral). Crianças esclarecidas nunca são acometidas por essa compulsão de perguntar, pois sua necessidade de indagar não foi desviada de seu objetivo verdadeiro por meio de proibições, nem elas vivenciaram, de modo repentino e traumático, uma recusa brusca causada por uma resposta rude da parte dos pais, por ocasião de uma pergunta de conteúdo sexual, levando-as ao recalque.

Frequentemente, uma criança "atenua" sua compulsão por perguntas, existente dos 4 aos 7 anos, ao iniciar seu período de escolarização. E, praticamente com a mesma frequência, essa compulsão por perguntas se transforma numa compulsão por leitura. Para sair de seu recalque, a criança procura uma evasiva ou, no caso de haver conseguido elaborar uma teoria sexual infantil, ela tem a esperança de encontrar, de algum modo, uma confirmação nos livros. Aquilo que seus pais ou cuidadores lhe ocultaram, os livros poderiam revelar.

Nas minhas classes, deparei-me mais de uma vez com um "leitor compulsivo", que abandonava seu vício quase de repente, após ter sido orientado seriamente por um adulto ou depois de conseguir acesso secreto ao famoso "Doutor Livro" [Doktorbuch].

Certa vez, uma mãe trouxe ao meu consultório uma menina de 10 anos que sofria de compulsão pela leitura. Perguntei se ela havia sido orientada. A mulher respondeu afirmativamente e era da opinião de que justamente esse fato a levava a ficar espantada. Ela sabia o que as crianças de fato procuravam nos livros, a saber, informações sobre sexo; de fato, assim já o afirmavam os psicanalistas. Ela estava muito inclinada a colocar em dúvida "a posição psicanalítica sobre o significado da compulsão pela leitura". Como ficou patente posteriormente, com 9 anos a menina havia sido orientada pela mãe. Antes disso, lhe havia sido dito que as crianças eram trazidas pela cegonha, ou que a parteira as trazia, ou que elas eram retiradas debaixo de um rochedo na floresta. Foram adultos (e adultos são sempre "autoridades" para crianças de até 9 anos) que haviam dado respostas tão contraditórias sobre a pergunta a respeito da origem da vida. Isso levou a menina a não confiar mais em nenhum adulto sobre o assunto, conduzindo-a à assim chamada "teoria anal do nascimento" como explicação e resposta. Quando, depois, ela foi orientada pela mãe "de forma correta", não acreditou totalmente nela e procurou nos livros a confirmação de sua própria teoria.

Fica inconcluso, aliás, falar de uma teoria "anal" do nascimento, pois a ela pertence a "teoria da concepção oral". Uma aluna assim me falou: "Eu imaginei que o pai dá algo para a mãe comer. Um medicamento. E disso forma-se uma criança e, depois, ela sai por trás, quando tiver crescido".

Outras crianças me contaram outras fantasias: o sacerdote ou o juiz de paz teriam dado algo ao homem, um remedinho secreto, por ocasião da cerimônia de casamento dos pais, em seguida o pai teria dado esse remedinho à mãe e, assim, uma criança teria se formado. Frequentemente, crianças que já viram passarinhos ou pintinhos saírem da casca acreditam que o pai faz a mãe comer ovos, que eles se abririam no ventre da mãe, e que assim se formariam as crianças.

Numa fase posterior mais recalcada do desenvolvimento, acrescenta-se uma nova suposição. Considera-se pouco elegante pensar que uma criança tenha saído pelo ânus. Então, muitas crianças acreditam que elas tenham saído pelo umbigo.

Contudo, frequentemente a teoria oral-anal persiste até uma idade mais avançada. Uma esposa de pastor, que já tinha muitos filhos, estava grávida de sua caçula quando as filhas mais velhas já estavam com 18 e 16 anos. Então, ela teve conhecimento da incrível e "autêntica" noção da filha de 18 anos, possível de ser evidenciada por meio do seguinte diálogo:

Mãe: "Acredito que você agora se pergunte, querida Klara, de onde a pequena Hanna veio?" (A mãe queria orientar a filha mais velha, por julgar que finalmente era chegada a hora.)

Klara: "Eu já sei, um anjo trouxe a Hanna!"

Com lágrimas nos olhos, motivada pela pureza de sua filha, a mãe desiste de sua intenção de informá-la sobre a realidade dos fatos. Dois dias mais tarde, Klara achega-se à sua mãe:

Mãe: "Você quer me perguntar alguma coisa?"

Klara (enrubescendo): "Sim, mamãe, ainda me atormenta uma pergunta a respeito da pequena Hanna. Será que posso fazer uma pergunta?"

Mãe: "Pode falar, minha querida".

Klara: "Só quero saber de uma coisa: por onde o anjo entrou? Ele entrou pela frente, pela cozinha ou ele entrou por trás, pelo quarto? Responda-me só isso, mãezinha, para que eu possa dormir novamente, passei a noite toda pensando nisso!"

Para alguém com orientação psicanalítica, não resta dúvida como uma pergunta aparentemente tão "tola" preocupou a jovem tão intensamente a ponto de roubar-lhe o sono. A pergunta sentida, e longamente reprimida e proibida, por ser considerada altamente embaraçosa sobre a origem das crianças, era objeto de suas preocupações, provavelmente apor causa da influência de seus pais, que tinham uma posição muito severa sobre assuntos sexuais. De fato, a pergunta verdadeira era: "A criança saiu pela frente ou por trás?" Mas, a partir disso, também podemos intuir a pergunta sobre a procriação: "Por onde o anjo entrou na casa?" Por meio da análise dos sonhos, conhecemos o significado de "casa" (também das expressões "morada da alma" [ein altes Haus], "mulher de seios volumosos" [Holz vor dem Haus], etc.). Portanto, a pergunta também poderia ser assim formulada: "Como e por onde a criança entrou na mãe?" Contudo, também sabemos o que "cozinha" significa simbolicamente e, se considerarmos de forma absoluta o que Klara diz textualmente "pela frente, pela cozinha", não teremos mais dúvidas sobre o que se quer dizer com isso e o que aquele "por trás, pelo quarto" quer dizer.

Klara está em dúvida se a criança nasce e é gerada pela região anal ou genital. Aquilo que ela, amedrontada, manteve afastado de seu consciente por conter pensamentos embaraçosos e proibidos, de fato acabava ocupando-a inconscientemente - contudo, por causa do recalque, seus pensamentos somente conseguiam se expressar de outra forma simbólica.

 

II

Um menino judeu trouxe-me uma teoria interessante sobre o nascimento, que tinha relação com a circuncisão.

Ele sofria de dores histéricas na região do apêndice que eram completamente incompreensíveis do ponto de vista físico. Isso era, além da teimosia, um dos principais sintomas que apresentava. Como ele se comportava mal em casa, foi enviado a mim para ser tratado - os sintomas referentes ao apêndice não mereceram mais atenção por parte dos pais, depois de o médico ter-lhes assegurado que o jovem decididamente não sofria de nenhum mal no apêndice.

O menino imaginava que as crianças se formavam no apêndice. O apêndice dos homens, como o seu pai, o seu tio e outros, era decepado, por isso os homens não tinham como gerar filhos. Dentro das mulheres que ainda possuíam o apêndice, de tempos em tempos formava-se uma criança que, depois, saía pelo ânus.

Os pais não haviam circuncidado o garoto. Durante o banho, ele via os colegas circuncidados da escola religiosa que ele frequentava em sua cidade natal e, por não ser circuncidado como os outros, considerou-se inferior: ficou em dúvida quanto à sua identidade sexual.

Nessa etapa do tratamento, ele considerava a extração do apêndice um equivalente da circuncisão. Ele desejava que seu apêndice fosse retirado, o que significava que ele desejava ser circuncidado para tornar-se uma criança do sexo masculino. (Mais tarde, ficou evidente que ele tinha medo da circuncisão em seu órgão genital; para ele, isso significava uma castração simbólica, e então ficou claro por que ele preferia sacrificar o apêndice no lugar do pênis.)

Muitas vezes, as crianças mais velhas imaginam a concepção e o nascimento como um ato sádico. A parteira abre o ventre da mãe. O pai sufoca e bate na mãe, então forma-se um ventre inchado e lá surge uma criança. (Conclusão por analogia: quando batemos em alguém, o lugar atingido incha?)

Mocinhas de 14 e 15 anos, que, em parte, já estão em plena puberdade, colocaram-me as seguintes perguntas:

"Por que não ocorre mudança de voz nas meninas?"

"Por que as meninas não formam bigode?"

"Por que os meninos não menstruam?"

"Por que o busto dos meninos não cresce?"

"Por que as parteiras são necessárias por ocasião do nascimento?"

"Por onde a criança sai do corpo da mãe?"

"O que significa o umbigo?"

"Como a criança entra na mulher?"

"Por que existem gêmeos?"

"É verdade que um parto é tão doloroso?"

"O que significa um aborto?"

"Por que as mulheres têm de usar saias e os homens podem usar calças?"

Rapazes da mesma idade são menos desenvolvidos, mais introspectivos, não se ocupam tanto com as questões da sexualidade. Provavelmente, eles se satisfazem mais facilmente com as explicações de seus colegas, dos criados, das ruas. Às vezes, eles perguntam sobre características sexuais secundárias, de vez em quando deixam escapar que se masturbam (talvez perguntem menos que as mocinhas por sentimentos de culpa) e, segundo minhas observações, eles se ocupam sexualmente mais com brincadeiras anal-sádicas do que com curiosidade sexual. É como se o problema sexual nessa idade não fosse tão importante na mesma medida que é para suas colegas de escola da mesma idade.

Mesmo as crianças que já ouviram falar de umas tantas coisas fora de casa anseiam pela orientação de um adulto confiável. A razão pela qual isso ocorre foi, por longo tempo, uma incógnita para mim, até uma aluna me dizer: "Se o senhor me disser isso, pode-se acreditar, e então não é tão sórdido!" Essa declaração revela claramente o que os pais perdem quando deixam passar as ocasiões de esclarecer os filhos: com isso, eles perdem a confiança de seus filhos e filhas! Mais tarde, isso será difícil de consertar, e a maioria dos pais nunca recupera essa confiança perdida.

 

III

Nas aulas de Educação Moral (Sittenunterricht), aproveitamos para recolher e discutir as mentiras dos alunos. Sempre que possível, observei o preceito do ideal de valorizar a verdade.

Há casos em que isso é impossível; por exemplo, quando um rapaz declara:

Meu pai chega bêbado em casa. Gastou seu salário na bebida e no jogo. Ele sabe que a minha mãe tem dinheiro guardado. Eu também o sei e sei onde ele está. O pai exige dinheiro de minha mãe. Ela responde que não tem mais dinheiro. Ele se dirige a mim,dizendo que devo lhe dizer onde minha mãe escondeu o dinheiro. Respondo que não sei de nada, pois sei que o dinheiro é necessário para comprar a comida e que ele somente o consumiria em bebidas e jogo. Nesse caso, posso mentir?

Depois de considerar todos os tipos de mentira segundo a fórmula: "Nesse caso, não teria sido possível evitar a mentira?", finalmente chegamos à formulação de que uma mentira só é permitida quando a pessoa tiver de se decidir entre a verdade segundo um ideal inferior e um superior.

De repente, um braço se ergue:

"Professor, os adultos podem mentir?"

"Os adultos? A quem você se refere?"

"Aos grandes, aos pais (querendo dizer), aos professores!"

"Como foi que eles mentiram para vocês, jovens?"

Então a risadagem é geral: "Sobre o coelhinho da páscoa, sobre o natal do menino Jesus, sobre a cegonha". O último item soa com raiva. E um garoto, cuja voz já está mudando, oscila e declara, arrogante: "Os adultos nos ensinam a mentir. Quando eles nos enganam tão bobamente com a história da cegonha, temos todo o direito de mentir para eles e enganá-los sempre que possível!"

Uma nova perspectiva. A compulsão pela mentira por parte das crianças muitas vezes, talvez sempre, é motivada pelo hábito dos adultos de mentir sobre questões sexuais. Esse hábito decepciona e amargura mais fortemente do que superficialmente tendemos a considerar. Numa abordagem mais detalhada, também fica totalmente claro por que isso acontece. Nesse sentido, por ocasião de uma aula de Educação Moral sobre a mentira, perguntei aos alunos: "Por que vocês têm tanta vontade de saber como as crianças são geradas?" e prontamente recebi a resposta: "Queremos saber de onde a gente vem!"

A pergunta a respeito da origem do ser humano é uma pergunta muito pessoal, muito mais pessoal do que, por exemplo, a origem do café ou do algodão. Quanto mais pessoal for a ligação de uma pessoa com uma questão, mais aflitiva e importante ela será. E quando ela sabe a resposta: eu poderia obter informações sobre esse assunto, eu poderia me ver livre desse dilema, se alguém quisesse o meu bem, mas ninguém o quer - então essa pessoa tende a reagir com sentimentos de raiva, ódio e vingança. Uma criança, que em sua sensibilidade tiver sido tratada como um ser primitivo temperamental, reagirá de forma mais violenta que um adulto europeu civilizado.

 

IV

"Quem deve orientar?" é uma pergunta ouvida com frequência. "Devem ser os pais ou é a escola que deve fazê-lo?"

Parece evidente que essa tarefa deveria caber aos pais, porque, quando a orientação sexual é feita de forma correta, ela já começa muito cedo, mesmo antes da idade da escolarização obrigatória. Além disso, os pais devem adquirir e solidificar a confiança dos filhos por meio de sua orientação sobre essa questão muitíssimo pessoal. Tal confiança mais tarde evitará ou contornará todas as complicações e deslizes sexuais, pois conservar a confiança, especialmente em assuntos sexuais, implica que o jovem e a jovem, também mais tarde, quando já estiverem na idade adulta, procurarão aconselhar-se em suas necessidades com as pessoas de sua confiança.

Como deve acontecer essa orientação?

Para isso, existem diferentes alternativas. O mais indicado é que, diante de uma pergunta feita por uma criança sobre assuntos sexuais, se dê, antes de tudo, uma resposta em forma de pergunta: "Que ideia você faz do assunto?", "Como você imagina que isso seja?", ou algo semelhante. Essa é a melhor forma de compreender o que se passa com a criança e, assim, responder de forma mais adequada. E responde-se somente à pergunta específica feita pela criança. Uma criança de 4 anos ainda não fará perguntas sobre o papel do pai (homem) no casamento e na concepção. Para ela somente interessará "Onde eu estava antes do nascimento", e para ela é absolutamente suficiente quando a mãe lhe explica: "Você dormia embaixo do meu coração até estar suficientemente crescido para vir para este mundo!" Somente depois de algum tempo a criança perguntará: "E por onde eu saí?" E, ainda mais tarde: "E como foi que eu entrei em você?"

Citei aqui anteriormente como alunos mais velhos fazem perguntas sobre assuntos sexuais. Talvez a minha enumeração sobre as perguntas das crianças tenha deixado a impressão de que elas tenham sido formuladas uma após a outra durante uma conversa. Não é esse o caso. Semanas e meses separaram essas perguntas. Cada pergunta respondida satisfaz a criança por um longo tempo, e somente mais tarde surgem dentro dela novas perguntas.

"Mas o fato é que o senhor como professor orientou seus alunos, não éverdade?", perguntam-me. Certamente! Por que um professor não poderia fazê-lo? Nesse caso, o problema não reside mais ou menos, mas totalmente em "como" proceder na relação pessoal entre os alunos e o professor.

Na maioria dos casos, os próprios pais têm problemas de inibições e entraves sexuais que os impedem de serem abertos e naturais com os filhos. "Não podemos nos encarregar da orientação sobre sexo dos nossos filhos; caso o senhor queira assumir essa função, estamos de acordo!" Já ouvi muitas vezes essa posição por parte de pais, quando os convenci da necessidade de orientar um de seus filhos. Outros falam de forma mais direta: "Envergonhamo-nos de dizer algo!" Outros explicam: "Isso é um assunto da escola ou das aulas de Educação Moral!"; ou também: "Para que temos um médico escolar?!"

Em muitos lugares, nas aulas de Ensino Religioso como também por meio dos médicos escolares, foi feita a tentativa de se fazer uma orientação coletiva com os alunos concluintes. Orientações coletivas geralmente revelam-se como uma abordagem equivocada. Nem mesmo o professor que acompanhou os alunos por um ou mais anos e os conhece muito bem poderia fazê-lo, que dirá um sacerdote que só viu as crianças durante as breves aulas de Ensino Religioso, e muito menos um médico que vem para essa preleção específica. Antes deve ter havido um contato humano. E, mesmo assim, o que realmente funciona é a conversa a dois.

Quando o professor obtém a permissão dos pais ou no caso de lhe ser solicitado, ele poderá prestar orientação e, se ele o faz numa reunião a dois depois ou fora da sala de aula, em caráter pessoal, com certeza a confiança que os alunos depositam nele nunca será usada de forma incorreta. Não tenho do que me queixar de ter vivenciado algo assim.

 

V

Quando o meu primogênito tinha 4 anos, ele foi esclarecido sobre o nascimento. Quando mais tarde sua irmãzinha, dois anos mais nova, tinha 4 anos e ele 6, ele trouxe para ela um livro no qual aparecia uma imagem de uma cegonha junto ao lago. Nessa ocasião, a pequena também foi orientada. Mesmo assim, os dois conversaram como se acreditassem na história da cegonha.

Mais tarde, a irmã caçula dos dois achou o livro e acreditou na imagem, isto é, na história da cegonha.

Então, os dois outros, de repente, manifestaram a sua superioridade, dando risadas da mais nova e chamaram a mãe como testemunha para afirmar que todos os três quando eram bem pequenos teriam dormido dentro da mãe.

Esse retorno e posterior abandono da concepção de nascimento de acordo com a história da cegonha não é um caso único. Muitos outros pais observaram algo semelhante.

Evidentemente, a história da cegonha tem algo em si que responde mais à fantasia das crianças numa determinada idade do que os fatos reais. Do ponto de vista da psicanálise, a história da cegonha não tem nada de absurdo. Em sua simbologia, ela está pelo menos tão próxima da mentalidade infantil quanto uma explicação real e material. Provavelmente, nela reside um tanto da antiga sabedoria popular, como é o caso das sagas e dos mitos. Daí a "afinidade" da mente da criança pequena com a história da cegonha. Quando, porém, a criança entra na idade da realidade, está mais do que na hora de seu educador corrigir a história da cegonha.

 

VI

Quando um professor percebe que um de seus alunos ou alunas encontra-se numa situação de grande dificuldade por causa de uma questão sexual e a criança se dirige a ele pedindo ajuda, ele poderia chegar a uma situação de ajudar esses alunos e orientá-los sem a permissão dos pais.

Assim, ele está diante de dois problemas: pode orientar a criança e partir do pressuposto de que, provavelmente, ela comentará o assunto em casa, e, nesse caso, ele poderá ficar exposto ao ódio e à perseguição dos pais, pois não tem, segundo o planejamento escolar, o direito de entrar em assuntos de educação sexual. Ou, então, ele prefere não enfrentar uma situação delicada e se protege do perigo referido antes, e não orienta seu aluno. A criança, que está num estado de necessidade, vai procurar a orientação em algum outro lugar, talvez na rua.

Confesso que nesses casos assumi orientar o aluno sem vacilar. A obrigação pedagógica, assim me parece, precede a segurança pessoal e a proteção contra quaisquer embates e obrigações. No que me concerne, nunca aconteceram dificuldades causadas pelas crianças orientadas por ocasião de tais providências. Crianças também têm tato, frequentemente até mais que os adultos...

Às vezes, as crianças aparecerem com perguntas delicadas. Por exemplo, uma garota de 15 anos achou "coisas" em casa que lhe despertaram a curiosidade e sobre as quais, por determinadas razões, ela se convencera de que tinham conexão com a vida sexual dos pais. Ela me descreveu as "coisas" e, inquestionavelmente, eram preservativos. Ela me confidenciou:

Eu pensavaque eles talvez me informassem sobre o assunto. E que eu poderia confiar no que eles me dissessem. E que isso não era nada ruim, se minha mãe e meu pai estão envolvidos nisso. O fato é que isso muito me surpreende! E quando fui repelida, fiquei mais surpreendida ainda!

Ela já havia indagado à mãe, que a havia repelido bruscamente. Por isso, agora, ela se dirigia a mim. Depois de ter me convencido de que ela realmente não sabia para que essas "coisas" serviam, perguntei a ela quantos filhos havia na casa. Para uma família de trabalhadores, era uma prole considerável. Então eu lhe disse:

Veja você, seus pais devem pensar que eles já têm obrigações suficientes para alimentar e manter vocês oito filhos estudando. Você é a mais velha, logo terminará a escola e quererá fazer um curso de profissionalização, e isso, por sua vez, demandará muito dinheiro de seu pai. Acredito que, por isso, seus pais decidiram que eles, se possível, não desejam ter mais filhos. E agora existem os assim chamados preservativos. Eles têm a função de evitar que as células masculinas e femininas se encontrem. E eu acredito que aquilo que você viu em casa na mesa de cabeceira é um preservativo desse tipo!

A aluna se mostrou satisfeita com a explicação. Ela havia me escutado com toda a atenção e me olhou agradecida ao se despedir.

Um menino da mesma idade uma vez tentou me pôr à prova ao me perguntar:

Professor, como é isso? No nosso prédio, lá em cima, num quartinho no sótão mora uma senhorita que não trabalha. De noite ela sai toda bem-vestida, noite alta ou de manhãzinha ele volta de carro, muitas vezes bêbada e muitas vezes acompanhada de senhores. De onde ela tira o dinheiro para seu sustento?

Primeiro, eu conjecturo que ela talvez tenha dinheiro, e aí ele se trai ao negá-lo e diz: "Minha mãe disse que ela ganha o dinheiro dela de outro modo!"

Então eu pergunto a ele porque então não perguntou à mãe e se eu deveria perguntar à mãe dele em seu lugar. Então ele perdeu a pose, ficou com medo de que eu falasse com a mãe dele e me confessou que ele sabe que se trata de "uma menina ruim" e que ele queria me pôr a prova, porque pensava que eu não ousaria passar-lhe uma informação sobre o assunto. Ele me pediu desculpas pela sua má intenção, sem que eu o forçasse. Eu o desculpei, e, a partir daí, ganhei a confiança do menino e, por mim, ele teria enfrentado qualquer perigo.

Quero dizer, o professor não deve se deixar assombrar por perguntas delicadas. Se ele não ficar amedrontado, conseguirá se sair da situação e, se for bem-sucedido, ganhará a confiança do aluno, o que trará frutos morais e intelectuais.1

 

VII

A Sociedade de Combate às Doenças Sexuais patrocinou, produziu e exibiu "filmes de orientação". A intenção é a mesma da orientação médica coletiva para os concluintes nas escolas.

Contudo, esses filmes têm uma grande desvantagem: têm o efeito de assustar e muitas vezes provocam neuroses. Alguns jovens que haviam visto os filmes depois me explicaram, horrorizados, que não podiam deixar de observar todos na rua em busca de sinais de sífilis. Uma mocinha me explicou: "Eu observava cada rapaz e pensava: será que você também não é um nojento daqueles?"

Com isso quero somente dizer que esse tipo de trabalho de orientação pode causar problemas. Eles têm resultados mais abrangentes do que previram ou pretendiam os médicos que favoreceram ou promoveram a produção desses filmes. O medo do contágio, que constatamos em muitos neuróticos, é alimentado e pode levar à interrupção da relação natural com o sexo oposto. A educação sexual é necessária, com certeza, mas ela não deveria provocar repulsa sexual.

A conclusão a que chegamos, a partir do comportamento de muitos jovens em relação aos filmes de orientação, nos leva a uma convicção ainda mais forte de que toda orientação de fato deve ocorrer pessoalmente. Autores médicos escreveram pequenos textos populares de esclarecimento para crianças pequenas. Muitos pais que querem fazer algo a respeito para seus filhos e, por outro lado, não se aventuram a conversar diretamente com eles agora simplesmente dão esses livros de forma discreta a seus filhos e dizem: "Aí está, leia!"

Tal procedimento é equivocado. É a palavra falada que é absolutamente necessária, e não a escrita! A criança deve poder perguntar, poder discutir, e o melhor texto escrito sobre o assunto nunca será capaz de responder a todas as perguntas infantis, porque tais perguntas soam de forma diferente para o adulto e também porque soam de forma diferente para cada criança: uma criança é tocada por determinada pergunta; a outra, por uma diferente.

Finalmente, os jovens professores deveriam ser esclarecidos de forma correta durante seus cursos. Isso poderia ser feito objetivamente nas aulas sobre a constituição do corpo humano, e, nas aulas de Psicologia, não deveríamos nos esquivar desses assuntos. Não é possível estabelecer de pronto como proceder; o professor em cujo meio há tantas pessoas "nervosas" e provavelmente com muitos problemas, precisaria ser atendido ainda, durante a sua graduação; discutir-se-ia a teoria das neuroses (Freud), levando-se em conta uma profilaxia de problemas que hoje acabam se transformando em neuroses. Não seria tão difícil para um professorado que sofresse menos em decorrência de bloqueios e inibições sexuais conversar com seus alunos sobre temas da sexualidade. Esse professorado também tenderia a achar mais facilmente o caminho para falar com os pais de seus alunos, a fim de lhes dar indicações sobre a maneira pela qual eles poderiam orientar seus filhos.

Orientação sexual é um assunto dos pais. Contudo, caso eles não possam ou não queiram fazê-lo, a escola deverá fazê-lo em seu lugar. A orientação na escola nunca deverá ser uma orientação de massas, e sim individual em qualquer circunstância, devendo começar cedo. Uma orientação tardia somente servirá como confirmação, esclarecimento e correção, no caso de os alunos terem sido informados de forma incorreta. Antes de os jovens terminarem a escola, o professor (quando os pais não o fazem) deveria dar-lhes a conhecer os perigos das relações sexuais fora do casamento (doenças sexualmente transmissíveis, meios de prevenção) para que se reduzam as possibilidades de os jovens serem atingidos por uma infelicidade, seja por meio de uma contaminação, seja por uma concepção extramarital. Aqui só vale uma comunicação honesta e aberta!

Quando uma criança está num estado de necessidade, o professor tem a obrigação de ajudar, mesmo que, com isso, venha a se expor: ele está ao dispor da criança, e não a criança ao seu dispor.

É de se ter esperanças que as experiências e os efeitos da Psicanálise e das pesquisas sobre o sexo venham a possibilitar a constituição, num futuro previsível, de uma humanidade menos recalcada e menos moralista, fazendo com que a orientação por parte dos pais se torne algo indiscutível. Por isso considero prematuro e incorreto determinados setores defenderem que o Estado deva prescrever em seu currículo a Educação Sexual nas escolas.

Quando os pais dão essa orientação, essa atividade se torna supérflua na escola. Se hoje ela é necessária, é somente como uma ajuda emergencial e transitória.

 

NOTA

1. Ver "Gefühlsverhältis und intellektuelle Leistung", na minha obra Gelöste Fesseln. Dresden: Alwin Huhle, [s.d.].

 

 

Recebido em dezembro/2012.
Aceito em fevereiro/2013.