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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.19 no.1 São Paulo abr. 2014

 

DOSSIÊ
A CRIANÇA, SUA MÃE E OS OUTROS

 

Um objeto reluzente – passos iniciais da clínica psicanalítica com bebês de D. W. Winnicott

 

A shiny object – initial steps of psychoanalytic clinic for babies with D. W. Winnicott

 

Un objeto brillante – pasos iniciales del tratamiento psicoanalitico de los bebés con D. W. Winnicott

 

 

Ângela Maria Resende VorcaroI; Fernanda Marinho CorrêaII

IPsicóloga clínica. Mestre em Estudos Psicanalíticos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil
IIPsicanalista. Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Com base em interrogações concernentes à especificidade da clínica psicanalítica com bebês, retomamos o método winnicottiano denominado "Observação de bebês em uma situação estabelecida" (Winnicott, 1941/1978a) para recuperar seu alcance teórico-clínico. Com esse instrumento, Winnicott avalia a condição psíquica do bebê em um setting específico que inclui o clínico, a mãe, o bebê e uma espátula reluzente. O instrumento winnicottiano, mesmo tendo sido descrito em um artigo da década de 1940, é atual e eficaz para reconhecer os sinais precoces de sofrimento do bebê.

Descritores: desenvolvimento; clínica psicanalítica com bebês; jogo da espátula; Winnicott; saúde psíquica da criança.


ABSTRACT

Departing from interrogations concerning the specificity of the psychoanalytical practice with infants, we resume the Winnicottian method known as "The observation of infants in a set situation" (Winnicott, 1941/1978a) in order to recover the theoretical and clinical range of this instrument. Through this instrument, Winnicott evaluates the psychic condition of the infant and locates his/hers behavioral pattern in a specific setting, which includes the doctor, the mother, the infant, and an object (a shiny spatula). We believe that the Winnicottian´s instrument, even though described in an article written in the 40's, is current and efficient in recognizing early signs of baby distress.

Index terms: infantile development; psychoanalytic practice with infants; playing with a spatula; Winnicott; child´s psychic health.


RESUMEN

De las cuestiones relativas a la especificidad del método psicoanalítico con niños reanudó Winnicott llama "La observación de bebés en una situación establecida" (Winnicott, 1941/1978a). Con este instrumento, Winnicott evaluar el estado mental del bebé en un entorno específico que incluye al médico, la madre, el bebé y un cuchillo reluciente. Creemos que el instrumento de Winnicott, a pesar de que fue descrito en un artículo publicado en los años 40, es la manera actual y eficaz para reconocer los primeros signos de sufrimiento bebé.

Palabras clave: desarrollo; la clínica psicoanalítica con los bebés; el juego de espátula; Winnicott; la salud mental del niño.


 

 

Introdução

No âmbito da psicanálise, a prática clínica com bebês representa, ainda hoje, um paradoxo. Isso porque, diante de um bebê, o psicanalista encontrar-se-ia desprovido do seu instrumento básico de trabalho, a fala do paciente, e, portanto, afastado de seu propósito de cura pela fala. Por isso, alguns psicanalistas interrogam a expressão "psicanálise com bebês", considerando-a abusiva. Efetivamente, o necessário recurso do clínico ao universo das imagens no trabalho com bebês é questionável na medida em que pode limitar-se a convocar a proliferação de sentidos oriundos do psiquismo do intérprete, em vez de apreender as condições daquele que é observado. Freud já alertara os psicanalistas dos perigos da observação e vale lembrar, mais uma vez, sua assertiva: "A observação de crianças tem a desvantagem de elaborar objetos que facilmente originam mal-entendidos, e a psicanálise é dificultada pelo fato de que só mediante grandes rodeios podem-se alcançar seus objetos e suas conclusões" (Freud, 1905/1992a, p. 182).

Ernest Jones, biógrafo do psicanalista vienense, aponta a cautela de Freud a propósito do método de atendimento a crianças, devido ao fato de que o pesquisador invoca a sugestão já abandonada pela psicanálise. Assim, o tratamento da primeira criança pelo método psicanalítico (o caso Hans) é considerado "uma feliz exceção, a partir da qual não se podiam tirar conclusões terapêuticas gerais" (Jones, 1989, p. 263). Posteriormente, Freud (1932/1992b) e uma série de analistas (Melanie Klein e Anna Freud, entre outros) demonstraram a pertinência do tratamento psicanalítico de crianças, a respeito de persistentes controvérsias quanto a especificidades dessa prática e da clínica psicanalítica com bebês.

Disposta a dissolver esse aparente paradoxo, Fernandes (2010) investigou condições de angústia que transitam entre o bebê e sua mãe, para explicitar a operação de ciframento da realidade psíquica de ambos. Sustentando a possibilidade de leitura das imagens concatenadas que, conjugadas ao discurso materno, compõem um texto enigmático, a autora define a clínica psicanalítica com bebês como "um processo terapêutico em que um bebê que ainda não fala pode ser escutado através da observação" (p. 23). Partilhando dessa hipótese, detivemo-nos em uma prática clínica winnicottiana para interrogá-la sobre os seguintes termos: é possível localizar um saber num ser que não responde com palavras? Existe a possibilidade de se escutar o bebê por meio da observação clínica proposta por Winnicott?

A intenção do presente artigo é contribuir com essa discussão, investigando as bases com as quais Winnicott inventa uma clínica com os bebês. Pesquisaremos, portanto, o método por ele utilizado para tratar os bebês e suas mães denominado "Observação de bebês em uma situação estabelecida" (Winnicott, 1941/1978a). No setting clínico, esse método possibilita ao autor descrever um determinado padrão de comportamento do bebê na presença da mãe e de uma espátula reluzente, que, por seu brilho, atrai a atenção do bebê. Durante a situação estabelecida, Winnicott pode avaliar como o bebê se precipita em direção à espátula e quais são as consequências desse gesto para o amadurecimento da criança. Discutiremos a pertinência e a validade desse método bem como seu alcance clínico com base em uma breve sistematização da teoria do amadurecimento winnicottiana. Nosso trabalho exploratório recolheu elementos da obra de Winnicott, cujo registro do contato clínico direto com bebês nos forneceu a oportunidade de aproximação com seus princípios. Nossa empreitada foi instigada pelo apontamento de Safra (1999) de que a observação de bebês em uma situação estabelecida configura a matriz do pensamento de Winnicott. O referido psicanalista atribui ao artigo de 1941 a gênese dos pressupostos clínicos winnicottianos, referência fundamental para a compreensão do arcabouço teórico do autor.

Alertadas por Khan (1978), para quem o ato de tentar imitar a experiência de Winnicott sem entender o arcabouço teórico por trás de seus instrumentos "redundaria em caricaturas grotescas de algo que representa uma fonte de deleite para quem se propõe a pesquisar seu método" (p. 30), optamos, nessa aproximação, por nos limitar a uma revisão bibliográfica do instrumento. Portanto, mesmo que a especificidade de nosso interesse recaia privilegiadamente sobre a capacidade operatória da psicanálise com bebês, nosso propósito nesse artigo é o de fomentar um olhar sensível aos indícios clínicos que apontam para o sofrimento psíquico do bebê, não apenas por analistas de bebês e crianças pequenas, mas também por outros profissionais da saúde, como pediatras, que possuem uma prática clínica de amplo espectro, uma vez que são profissionais mais acessíveis e primários ao bebê e à mãe.

Winnicott (1957/1983a) acredita que "a psicanálise tem muito a aprender (com aqueles) que observam diretamente as crianças, junto com as mães, no ambiente em que vivem ao natural" (p. 105). Afirmando a legitimidade dessa prática, o autor (1994) esclarece que: "embora seja geralmente conhecido existir uma sutileza quase infinita no manejo que a mãe faz do seu bebê, a teoria psicanalítica levou longo tempo para chegar a esta área da experiência viva" (p. 195).

A prática clínica pediátrica com os bebês conduziu Winnicott (1962/1983b) a constatar que eles ficam "emocionalmente doentes" (p. 157), apresentando sintomas como negatividade para alimentação, desinteresse por objetos, alteração do sono e do humor, choro contínuo, irritabilidade e dificuldade para estabelecer uma relação com a mãe. O esforço do autor para pesquisar as causas das enfermidades precoces em bebês advém dessa constatação.

Assim, o psicanalista e pediatra Dias (2003) confirma que a maior parte dos problemas que levam os bebês e suas mães ao ambulatório pediátrico ocorre "devido a dificuldades emocionais extremamente primitivas. Na evolução de seu pensamento, ele as configurará como dificuldades no estabelecimento da relação entre a mãe e o bebê no primeiro estágio da vida deste" (p. 14). Winnicott se deparou com a necessidade de compreender a implicação materna no adoecimento da criança por meio de um pequeno paciente que o ensinou a conduzir seu interesse pelo papel que a mãe pode desempenhar no adoecimento psíquico do filho. Trata-se de um menino que disse em seu ambulatório: "Doutor, minha mãe se queixa de uma dor no meu estômago" (Winnicott, 1948/1978b, p. 198).

Também pode acontecer que a criança, que supostamente deve ter uma dor, com frequência ainda não decidiu onde é a dor. Caso se consiga pegá-la antes de sua mãe indicar o que ela espera, pode-se observar seu aturdimento e seu desejo de dizer, simplesmente, que a dor é dentro. Isso significa que há um sentimento de que algo está errado ou deveria estar. (Winnicott, 1948/1978b, p. 198)

Winnicott conclui que, entre outras variáveis, "a ausência de algum distúrbio físico (da criança) aponta para algo de ordem psicológica ou para a depressão da mãe manifesta por meio de uma preocupação excessiva com a criança" (Dias, 2003, p. 55). Além disso, na concepção do autor, um psicanalista que adquire maior compreensão da depressão infantil pode, com facilidade, deixar de notar que a mãe é mais doente do que a própria criança. Pela via da observação de muitos desses casos, o autor constata que a depressão da criança pode ser reflexo da depressão da mãe: "A criança utiliza a depressão materna como fuga de sua própria depressão e isso faz haver uma falsa restituição e uma falsa reparação com relação à mãe que lhe tolhe o desenvolvimento de uma capacidade pessoal" (Winnicott, 1948/1978b, p. 199).

A atualidade dessa orientação winnicottiana é demonstrada em uma pesquisa contemporânea denominada "Pesquisa multicêntrica de indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil" (IRDI). Pode-se constatar, nessa pesquisa, a importância assumida pela perspectiva winnicottiana, principalmente quando se investiga o modo de articulação e sustentação da relação mãe-bebê como indicativo da condição psíquica do infante (Lerner e Kupfer, 2008). O IRDI faz parte de um esforço para fundamentar a clínica psicanalítica com bebês e com crianças pequenas. Seu objetivo principal é produzir uma mudança de foco na visão do pediatra durante a consulta, ultrapassando a restrição da observação às condições específicas do bebê, em prol da observação da relação estabelecida entre o bebê e sua mãe. Desse modo, o instrumento tem o mérito de colocar a psicanálise a serviço da saúde pública, realizando uma tradução do fazer psicanalítico sem banalizá-lo. O IRDI considera que é com base na relação com a mãe que o bebê pode localizar-se, no futuro, como um indivíduo e constituir-se subjetivamente. Mais que indicadores referenciados unicamente no organismo do bebê, tal pesquisa focaliza a sustentação dada ao bebê por sua mãe no fomento das relações deste com os objetos e pessoas1. Reencontramos a raiz dessa inclusão metodológica essencial na prática winnicottiana com bebês e suas mães.

Para melhor compreendermos o método clínico winnicottiano de observação de bebês em uma situação estabelecida, importa explicitar a teoria do amadurecimento humano desenvolvida pelo autor em vida. Essa teoria é considerada por ele a "espinha dorsal (backbone) do seu trabalho teórico e clínico" (Dias, 2003, p. 13). Para Winnicott, como ensina Dias (2003), todo indivíduo é dotado de uma tendência inata de amadurecimento. A doença, por sua vez, consiste no reverso dessa tendência, na sua paralisação, o que faz o bebê "em vez de amadurecer, encruar" (p. 74).

Iluminando o que se passa na peculiar relação mãe-bebê, Winnicott descreve as necessidades humanas fundamentais – que, desde as etapas mais primitivas, permanecem ao longo da vida até a morte do indivíduo – e as condições ambientais que favorecem a constituição paulatina da identidade unitária – que todo bebê deve poder alcançar –, incluídas aí a capacidade de relacionar-se com o mundo e com os objetos externos e de estabelecer relacionamentos interpessoais. (Dias, 2003, p. 13)

 

A teoria do amadurecimento humano

Na década de 1940, durante uma discussão científica da British Psycho-Analytic Society, o autor surpreendeu seus colegas ao afirmar que: "o bebê é uma coisa que não existe" (Winnicott, 1948/1978b, p. 208). O propósito do autor com essa assertiva era o de reforçar a ideia de que sempre que nos deparamos com um bebê, junto a ele encontramos a maternagem: sem ela, o bebê não existe.

O cuidado materno é diretamente relacionado à saúde mental do indivíduo, que é "construída na mais tenra infância pela mãe que fornece um ambiente que permite que processos complexos e essenciais do self possam chegar ao seu termo" (Winnicott, 1948/1978b, p. 291). Para que o bebê possa crescer, ele depende da existência de um ambiente facilitador que "não seja meramente biológico, mas que seja também especificamente humano" (Loparic, 2000, p. 5). Tal ambiente possibilita ao bebê vivenciar uma experiência completa, com o mínimo de interrupção possível em seu processo de amadurecimento. O ambiente não faz a criança, mas, na melhor das hipóteses, favorece a concretização do seu potencial.

Winnicott considera que a mãe biológica é a pessoa mais indica-da para cuidar do bebê, devido às modificações que acontecem em seu psiquismo e no seu corpo durante a gestação. Ela desenvolve a "preocupação materna primária", que se refere a um "estado especial em que a mulher se prepara internamente para a realidade da maternagem, sendo capaz de abdicar de seu próprio self em benefício daquele em construção" (Winnicott, 1956/1978c, p. 494). Nessa situação, a mulher adquire um tipo refinado de sintonia e um estado aguçado de sensibilidade que a permite identificar as necessidades mais sutis do seu filho "de modo que nenhuma máquina pode imitar, e que não pode ser ensinado" (Winnicott, 1960/1983c, p. 30).

Ao alcançar a condição da preocupação materna primária, a mãe torna-se uma "mãe suficientemente boa" (Winnicott, 1960/1983c, p. 30). Continuando ao processo de amadurecimento do bebê, ela entende que cuidar de seu filho implica em ir além da satisfação de suas necessidades biológicas. É necessário não apenas que a mãe esteja apta a captar as peculiaridades do bebê, mas também esforçar-se para respeitá-las. Assim, a mãe deve permanecer atenta para não se confundir com o bebê, nem impor o seu gesto. Isso é algo essencial, pois a primeira forma de relação do bebê com a mãe se dá precisamente pela via do gesto, que "enquanto um agrupamento sensório motor, exprime o impulso espontâneo" (Loparic, 2000, p. 18). É dessa perspectiva de relação do bebê com a mãe que Winnicott (1988/1990) considera:

Inicialmente, a partir de uma interação primária do indivíduo com o ambiente, surge um emergente, o indivíduo que procura fazer valer seus direitos, tornando-se capaz de existir num mundo não desejado; ocorre então o fortalecimento do self como uma entidade, uma continuidade do ser, e de onde o self pode [emergir] como uma unidade, como algo ligado ao corpo e dependente de cuidados físicos; e então advém a consciência (e consciência implica na existência de uma mente) da dependência e a consciência quanto à confiabilidade da mãe e de seu amor, que chega à criança sob a forma de cuidados físicos e adaptação à necessidade; ocorre então a aceitação pessoal das funções e dos instintos e seu clímax, o gradual reconhecimento da mãe como outro ser humano. (Winnicott, 1988/1990, p. 26)

O bebê chega ao mundo com a necessidade de alguém que preserve sua "continuidade do ser" e que forneça a simplicidade e a monotonia necessárias para que esse estado se consolide. A pessoa mais indicada para desenvolver essa tarefa é a mãe, devido à sua capacidade "de ir ao encontro das necessidades do bebê, que estão em constante processo de mutação e desenvolvimento, e que permitem que sua trajetória de vida seja relativamente contínua" (Winnicott, 1968/2006, p. 86).

Winnicott concebe o desenvolvimento do bebê em função da dependência de cuidados maternos. No início da vida, o bebê encontra-se em um estado de dependência absoluta da mãe. Logo em seguida, a dependência se torna relativa, e o bebê fica ciente dos pormenores da maternagem. O indivíduo segue "rumo à independência", estágio em que ele acumula lembranças de cuidados benignos e desenvolve a confiança no objeto. Sobre esses estágios, Winnicott (1960/1983c) elenca:

1 - Dependência absoluta. Nesse estado, o lactente não possui meios de perceber o cuidado materno, que é em grande parte uma questão de profilaxia. Não pode assumir controle sobre o que é bem feito ou malfeito, mas apenas está em posição de se beneficiar ou de sofrer distúrbios.

2- Dependência relativa. Nesse momento, o lactente pode perceber a necessidade de detalhes do cuidado materno e pode relacioná-los, de modo crescente, ao impulso pessoal, e, mais tarde, num tratamento psicanalítico, pode reproduzi-los por meio da transferência.

3- Rumo à independência. O lactente desenvolve meios para viver sem cuidador real. Isso é conseguido por meio do acúmulo de recordações do cuidado, da projeção das necessidades pessoais e da introjeção de detalhes do cuidado, com o desenvolvimento da confiança no meio. Deve-se acrescentar nesse momento o elemento de compreensão intelectual, com suas tremendas complicações. (pp. 45-46)

Durante o estágio de "dependência absoluta", o vínculo estabelecido entre o bebê e a mãe está sujeito às influências mútuas iniciais, em que "dois tipos de identificação estão envolvidos: a identificação da mãe com seu filho, e o estado de identificação da criança com a mãe" (Winnicott, 1962/1965, p. 27). Essa capacidade de identificação materna permite que a mãe reconheça as necessidades do filho e, pela via de cuidados empáticos, ela se torne mais atenta para evitar a ocorrência de fatos imprevisíveis que possam assustar o bebê. Tal capacidade de adaptação materna não tem relação com seus recursos intelectuais; e também não advém de conhecimentos específicos adquiridos em livros ou por meio de práticas pedagógicas; o que orienta o saber da mãe é a sua capacidade de identificação. Winnicott (1994) explicita essa capacidade de identificação por meio de seu conceito de mutualidade:

Assistimos concretamente a uma mutualidade que é o começo de uma comunicação entre duas pessoas; isso (no bebê) é uma conquista desenvolvimental, uma conquista que depende de seus processos herdados que conduzem para o crescimento emocional e, de modo semelhante, depende da mãe e de sua atitude e capacidade de tornar real aquilo que o bebê está pronto para alcançar, descobrir, criar. (Winnicott, 1994, p. 198)

Ainda no estágio de "dependência absoluta", o bebê vivencia a "experiência de ilusão", que ocorre quando a mãe atesta sua presença pela via da amamentação; e fornece o seio no momento certo, para que o bebê possa conceber a ideia de que algo irá satisfazer suas necessidades. Com essa experiência, a mãe transmite fidedignidade ao filho, deixando-o seguro e confiante para criar o mundo. Aliada à experiência de ilusão, ocorre a "primeira mamada teórica", representada pela soma das experiências iniciais de muitas mamadas, sendo o protótipo de todas as outras.

Um bebê em determinado ambiente proporcionado pela mãe é capaz de conceber a ideia de algo que atenderia à crescente necessidade que se origina da tensão instintual. Não se pode afirmar que o bebê saiba de saída o que pode ser criado. Nesse ponto do tempo, a mãe se apresenta. Da maneira comum, ela dá o seio e seu impulso potencial de alimentar. A adaptação da mãe às necessidades do bebê, quando suficientemente boa, fornece a este a ilusão de que existe uma realidade externa correspondente à sua própria capacidade de criar. Em outras palavras, ocorre uma sobreposição entre o que a mãe supre e o que a criança poderia conceber. (Winnicott, 1951/1978e, p. 27)

No início da vida psíquica, a personalidade do bebê encontra-se no estágio de "não integração" primária. A mãe, por meio das tarefas da maternagem, como o "holding", o "handling" e a "apresentação de objetos", facilita o início do processo de integração psique-soma. O holding se refere à capacidade da mãe para segurar o bebê de forma satisfatória. O handling é representado pelo toque materno, que facilita a formação de uma associação psicossomática no bebê, organizando o seu esquema corporal. A apresentação de objetos, ou "realização", torna real o impulso criativo da criança e dá início à sua capacidade para se relacionar com objetos. O holding facilita a integração, e o handling promove a personalização e a apresentação de objetos, permitindo a adaptação à realidade. Sobre o holding, Winnicott (1960/1983c) afirma que:

Protege o bebê da agressão fisiológica.
Considera a sensibilidade cutânea do lactente – tato, temperatura, sensibilidade auditiva, sensibilidade visual, sensibilidade à queda (ação de gravidade) e falta de conhecimento do lactente da existência de qualquer coisa que não seja ele mesmo.
Inclui a rotina completa do cuidado dia e noite, e não é o mesmo que com dois lactentes, porque é parte do lactente, e dois lactentes nunca são iguais.
Seguem também as mudanças instantâneas do dia a dia que fazem parte do crescimento e do desenvolvimento do lactente, tanto físico como psicológico. (p. 48)

Como resultado das conquistas do processo de integração, o bebê alcança, então, uma identidade, ou seja, o estatuto de si-mesmo.

O si mesmo que não é o ego, é a pessoa que eu sou, que é somente eu (me), que possui uma totalidade baseada na operação do processo maturativo. Ao mesmo tempo, o si-mesmo tem partes e é, na verdade, constituído dessas partes. Tais partes se aglutinam, num sentido interior/ exterior no curso do processo de amadurecimento, auxiliado, como deve sê-lo (principalmente no início), pelo ambiente humano que o contém, que cuida dele, e que, de forma ativa, facilita-o.... O si-mesmo e a vida do si-mesmo são as únicas coisas que outorgam sentido à ação e ao viver do ponto de vista do indivíduo. (Winnicott, 1994, p. 210)

O bebê exposto a um holding materno deficiente vivencia o oposto à integração psíquica, ou seja, a "desintegração", uma defesa bastante sofisticada contra a ansiedade impensável. O fracasso do handling atua na contramão do desenvolvimento do tônus muscular e da coordenação motora, promovendo a "despersonalização" do bebê. E a insuficiente "apresentação de objetos" impossibilita que o bebê estabeleça as relações objetais.

O segurar está muito relacionado com a capacidade da mãe de identificar-se com seu filho. O segurar satisfatório é uma porção básica de cuidados, somente experienciado nas reações ao "segurar mal". Segurar inadequadamente produz extrema tensão na criança. Isso é base para a sensação de se partir em pedaços, a sensação de cair num poço sem fundo, o sentimento de que a realidade externa não pode ser usada para o reasseguramento, e outras ansiedades que são usualmente descritas como psicóticas.

Tocar facilita a formação de uma associação psicossomática na criança. Isso contribui para o sentido de real, oposto ao irreal. O toque desajeitado atua contra o desenvolvimento do tônus muscular e daquilo que é chamado coordenação. A apresentação de objetos ou concretização (isto é, tornar real o impulso criativo da criança) inicia a capacidade da criança para se relacionar com objetos. A insuficiente apresentação de objetos bloqueia mais tarde o caminho rumo ao desenvolvimento da capacidade da criança para sentir-se real, ao se relacionar com o mundo real de objetos e fenômenos. (Winnicott, 1960/1983c, p. 31)

Segundo Winnicott, diversas são as causas de a mãe sentir ódio do bebê, e da sobrecarga que ele representa, e não conseguir se engajar nas tarefas da maternagem, entre eles:

  • o bebê representa um perigo para o seu corpo durante a gravidez e durante o parto;

  • o bebê é uma interferência em sua vida privada, um desafio à preocupação;

  • em maior ou menor medida, a mãe sente que sua própria mãe exige um neto, de modo que seu bebê é produzido para aplacar a vontade de sua mãe;

  • o bebê machuca seu mamilo mesmo quando mama, que é inicialmente uma atividade mastigatória;

  • ele é grosseiro, trata-a como uma pessoa qualquer, uma empregada não remunerada, uma escrava;

  • ela precisa amá-lo no início, de qualquer maneira, com excreções e tudo, até que ele tenha dúvidas sobre si mesmo;

  • ele tenta machucá-la, morde-a periodicamente, tudo por amor;

  • ele se mostra desiludido com ela;

  • seu amor é excitado e interesseiro, e ele a joga fora como uma casca de laranja quando consegue o que quer. (Winnicott, 1947/1978d, pp. 350-351)

Ao mesmo tempo, o autor ressalta que a mãe precisa "tolerar seu próprio ódio sem negá-lo a si mesma, e que uma das características mais notáveis da mãe comum é precisamente a sua capacidade de se deixar ferir pelo bebê e de até mesmo sentir ódio por ele, mas sem se vingar" (Winnicott, 1947/1978d, p. 286).

Como exemplo da dificuldade da mãe para maternar seu filho há a mãe que não teve a oportunidade de vivenciar um suporte ambiental suficientemente bom quando ela própria era um bebê. Outro exemplo é a mãe que desenvolve um estado depressivo que repercute de forma negativa e compromete o estabelecimento de suas primeiras relações com o filho. Além disso, ela pode apresentar intensa identificação masculina que a impossibilita de alcançar o estado de preocupação materna primária.

Winnicott (1960/1983c) entende que "perfeição só cabe às máquinas" (p. 30), já que a mãe suficientemente boa encontra-se suscetível a cometer falhas. No entanto, ela deve permanecer atenta para repará-las. O mais importante é que ela se esforce para não cometer falhas grosseiras, principalmente durante a fase em que o bebê encontra-se absolutamente dependente dela. Winnicott entende como uma falha grosseira a "intrusão" materna que, quando ocorre de maneira intensa ou prematura, interrompe a continuidade do ser do bebê, de modo que, a ele, só resta reagir. As reações à intrusão são responsáveis pelos danos causados à personalidade, resultando em uma fragmentação do self do bebê.

Se a reação que vence o continuar-aser persistir, é estabelecido um padrão de fragmentação do ser. O bebê, cujo padrão é o de fragmentação da linha de continuidade do ser, tem uma tarefa referente ao desenvolvimento que anda, praticamente desde o início, na direção da psicopatologia. Portanto, deve haver um fator inicial (que pode ser localizado nos primeiros dias ou horas de vida) na etiologia da inquietação, da hipercinese e do déficit de atenção (posteriormente denominado incapacidade de concentração). (Winnicott, 1962/1965, pp. 60-61)

O reagir excessivo do bebê desperta as agonias impensáveis, que são angústias muito fortes "experimentadas nos estágios iniciais do desenvolvimento emocional, antes que os sentidos estejam organizados, antes que exista ali algo que possa ser chamado de ego autônomo" (Winnicott, 1968/2006, p. 31). Abram (1996/2000) aponta que a reação à intrusão materna constitui-se como um choque e um trauma para a psique do bebê, devido ao fato de que ele ainda não tem condições de receber essa intrusão e muito menos de dar sentido para essa experiência. Por outro lado, se o bebê tiver recebido um suporte egoico materno e tenha sido adequadamente protegido no início da vida, ele terá condições para enfrentar a intrusão e restabelecer sua consciência de self.

O bebê que vivenciou a experiência de ser iludido de maneira suficientemente boa durante o estágio de dependência absoluta apresenta condições para vir a ser desiludido gradualmente e pode ingressar no estágio de dependência relativa. A desilusão "só pode acontecer sobre uma bem fundada capacidade para ilusão" (Dias, 2003, p. 228) e precisa ser dosada pela mãe de acordo com a capacidade do bebê de suportar sua ausência.

O desmame é um marco durante o processo de desilusão. E sua finalidade é usar a crescente capacidade da criança para livrar-se das coisas e fazer com que a perda do seio materno não seja apenas uma questão de acaso.

A base do desmame é uma boa experiência de amamentação. Num período corrente de nove meses no peito, um bebê foi amamentado em torno de mil vezes e isso lhe proporciona uma abundância de boas recordações ou de material para bons sonhos. Mas não se trata apenas do milhar de vezes; é também a maneira como o bebê e a mãe se uniram. A adaptação sensível da mãe às necessidades da criança gerou a ideia do mundo como um esplêndido lugar. (Winnicott, 1957/1964, p. 90)

O desmame é uma conquista particularmente importante durante esse processo de separação, e, se o bebê não o faz, cabe à mãe fazê-lo. Para tal, a mãe precisa integrar sua agressividade à sua capacidade para odiar o bebê. Entretanto, se a mãe nega a sua agressividade,

ela teme seu ódio, e este pode não estar ao alcance de sua consciência; assim, ela não estará em condições de cumprir o papel que lhe compete no processo de desilusão, do qual o desmame é um aspecto. Além de poder odiar a sobrecarga que o bebê representa, é preciso também que ela esteja em condições de enfrentar a ira ou o ódio do bebê, provocada pela desadaptação. (Dias, 2003, pp. 228-229)

Durante a dependência relativa, o "espaço intermediário potencial" começa a se estabelecer, caracterizando uma área localizada entre a ilusão e a realidade, que se refere a "um lugar de repouso para o indivíduo empenhado na perpétua tarefa humana de manter as realidades interna e externas separadas, ainda que inter-relacionadas" (Winnicott, 1951/1978e, p. 391). Esse espaço potencial permite o aparecimento dos "fenômenos transicionais", que, por sua vez, possibilitam a emergência dos "objetos transicionais". O objeto transicional representa a transição do bebê de um estado de fusão com a mãe para um estado de relação com ela. Frente a isso, algumas características da realidade externa começam a se introduzir na experiência do bebê.

Considerando-se o par bebê e seio da mãe (não estou afirmando que o seio seja essencial como veículo do amor materno), o bebê tem ímpetos pulsionais e ideias predatórias. A mãe tem um seio e o poder de produzir leite, e a ideia de ser atacada por um bebê faminto lhe é agradável. Esses dois fenômenos não se relacionam até que a mãe e a criança vivam uma experiência juntos. A mãe, por ser madura e fisicamente capaz, deve ter tolerância e compreensão, de modo que é ela quem produz uma situação que, com sorte, pode resultar no primeiro laço feito pelo bebê com um objeto externo, um objeto que é externo ao self do ponto de vista do bebê.

Vejo o processo como se duas linhas viessem de direções opostas, com a possibilidade de se aproximarem uma da outra. Se elas se sobrepõem, há um momento de ilusão, uma experiência que o bebê pode tomar como alucinação sua, ou como algo que pertence à realidade externa. (Winnicott, 1945/1978f, p. 279)

No processo de início do contato com a realidade externa, o indivíduo primeiramente se relaciona com o objeto subjetivo (a mãe), que, como proprietário do objeto parcial (o seio), satisfaz as necessidades urgentes do bebê.

O seio é subjetivamente percebido e encontra-se em processo de ser descoberto e reconhecido até que o indivíduo então o "destrói". O objeto subjetivo, por sua vez, precisa sobreviver à agressividade da criança, para que ela possa então vir a fazer o "uso do objeto", que se configura como um indício do bom funcionamento do processo de amadurecimento da criança e encontra-se diretamente relacionado à existência de um ambiente suficientemente bom.

O primeiro impulso na relação do sujeito com o objeto (objetivamente percebido, não subjetivo) é destrutivo.

... O postulado central da minha tese é que, enquanto o sujeito não destrói o objeto subjetivo (material de projeção), a destruição aparece e torna-se uma característica central à medida que o objeto é objetivamente percebido, tem autonomia e pertence à realidade compartilhada. ... Minha tese é que a destruição desempenha sua parte na confecção da realidade, colocando o objeto fora do self. Para que isso aconteça são necessárias condições favoráveis. (Winnicott, 1994, p. 91)

O uso do objeto é uma capacidade mais sofisticada do que a capacidade para relacionar-se com objetos, porque o uso implica que o objeto faça parte da realidade externa e deixe de ser apenas um feixe de projeções. O uso do objeto segue uma sequência que começa com a capacidade da criança para se relacionar com o objeto até que ele esteja em processo de ser encontrado, e o bebê, por sua vez, o destrói. O objeto sobrevive à destruição, e o bebê pode então fazer uso dele.

Entre o relacionamento e o uso existe a colocação, pelo sujeito, do objeto fora da área de seu controle onipotente, ou seja, a percepção, pelo sujeito, do objeto como fenômeno externo, e não como entidade projetiva; na verdade, o reconhecimento do objeto como entidade por seu próprio direito. (Winnicott, 1975, p. 125)

O bebê começa a tolerar a ausência da mãe e atinge o estágio do "Eu sou", que representa a conquista da unidade em um eu integrado. Nesse momento, a criança pequena percebe que possui uma existência unitária e tem sua identidade estabelecida. A criança segue "rumo à independência", à fase de socialização, de se inserir num mundo em que o brincar se institui e se configura como uma possibilidade de partilhar e se relacionar.

A criança agora não é apenas uma criadora potencial do mundo, mas se torna capaz também de povoar esse mundo com exemplos de sua vida interna própria. Assim, gradativamente, a criança se torna capaz de abranger quase que qualquer evento exterior, a percepção se tornando quase sinônimo de criação. Eis aí um meio pelo qual a criança assume controle sobre acontecimentos externos do mesmo modo como sobre o funcionamento interior de seu próprio self. (Winnicott, 1962/1965, p. 86)

Durante o estágio de rumo à independência, a criança encontra-se integrada o suficiente para assumir as responsabilidades sobre os efeitos de sua impulsividade instintual. Logo, ela torna-se capaz de ficar preocupada e alcança o "estágio do concernimento", matriz da moralidade e da responsabilidade. Winnicott utiliza-se do termo "preocupação" para destacar os aspectos positivos do sentimento de culpa. O estágio de preocupação e concernimento é instituído quando o bebê passa a sentir-se preocupado com a mãe. Sobre a preocupação, Winnicott (1963/1983d) salienta:

Preocupação indica o fato de o indivíduo se importar, ou valorizar, e tanto sentir como aceitar responsabilidade. Em nível genital, no enunciado da teoria do desenvolvimento, preocupação pode ser considerada a base da família, cujos membros unidos na cópula – além de seu prazer – assumem a responsabilidade pelo resultado. (p. 70)

Após ter acesso às experiências do concernimento, a criança começa a ter condições para enfrentar as relações triangulares e vivenciar os conflitos edípicos. Winnicott trata o complexo de Édipo como parte do problema do "manejo do primeiro relacionamento triangular: a criança sendo movida pelos recém-estabelecidos instintos de natureza genital, característicos do período entre dois e cinco anos" (Winnicott, 1988/1990, p. 49).

A criança é realmente muito sensível à relação entre seus pais. Se tudo corre bem nos bastidores, por assim dizer, a criança é a primeira pessoa a dar valor ao fato, e tende a demonstrar essa valorização ao levar a vida com mais leveza, sendo mais satisfeita e mais fácil de manejar. Suponho ser isso o que um bebê ou uma criança entendem por segurança social. A união sexual do pai e da mãe constitui-se em um fato, um fato marcante, em torno do qual a criança irá estruturar uma fantasia; é um rochedo ao qual ela pode agarrar-se e contra o qual pode espernear; além do mais, ela é parte do início de uma solução pessoal para o problema de uma relação triangular. (Winnicott, 1945/1978f, pp. 114-115)

Na perspectiva de Winnicott, no âmbito da psicanálise, não há nada do que fazemos que não esteja relacionado com o cuidado do lactente e da criança. E, mesmo podendo aprender a clinicar, por meio da observação dos bebês com suas mães, ainda assim, estamos cientes que "a saúde mental da criança não se pode estabelecer sem cuidado materno suficientemente bom" (Winnicott, 1963/1983d, p. 227).

Em sua teoria do amadurecimento, Winnicott atribui "uma ênfase implícita em que a mãe determina a saúde do bebê" (Abram, 1996/2000, p. 89). E pela via da situação estabelecida, discutida a seguir, Winnicott (1941/1978a) pôde constatar a correlação entre a atitude do bebê para manipular a espátula à sua experiência de ter sido bem cuidado e bem tratado pela mãe. Além disso, os estágios experimentados no setting da situação estabelecida remontam à jornada do bebê ao longo do amadurecimento humano, permitindo ao clínico a possibilidade de testemunhar, além da produção conjunta entre eles, aspectos dessa jornada como: a mutualidade existente entre o bebê e a mãe, que pode ser observada por meio da maneira como o bebê usa a espátula, e a construção de um espaço transicional que favorece a emergência do brincar e do gesto criativo do bebê, entre outros aspectos.

 

A observação de bebês em uma situação estabelecida

No artigo sobre a observação de bebês em uma situação estabelecida, Winnicott (1941/1978a) limita-se a descrever a situação, indicando até que ponto ela pode ser utilizada como um instrumento de pesquisa. Na perspectiva do autor, a singularidade da psicanálise como um instrumento de pesquisa refere-se à sua capacidade de descobrir a parte inconsciente da mente, ligando-a à parte consciente, proporcionando. Dessa maneira, uma compreensão completa do indivíduo em análise. Isso também vale para o bebê e para a criança pequena. O autor salienta que se soubermos realmente como olhar e o que buscar, podemos obter muitas informações da observação direta. Mas, ainda assim, "o procedimento correto é, obviamente, conseguirmos o máximo possível tanto da observação quanto da análise, e deixar que uma ajude a outra" (Winnicott, 1941/1978a, p. 152).

O objetivo de Winnicott com a situação estabelecida não é delimitar as possibilidades terapêuticas da observação de bebês, mas, antes, poder presenciar e reconhecer como a criança pequena se desenvolve no contato com a mãe, a partir da interação entre eles. O autor descreve essa situação estabelecida:

Caso se trate de uma criança pequena, peço para a mãe sentar-se no lado oposto ao que eu me encontro, com o ângulo da mesa entre nós dois. Ela senta com o bebê nos joelhos. De modo rotineiro, coloco um depressor de língua brilhante em um ângulo reto na beirada da mesa e convido a mãe a colocar a criança em uma posição tal que, se a criança desejar, isso seja possível. Comumente, a mãe entende o que pretendo e me é fácil descrever gradualmente para ela que deve haver um período no qual eu e ela contribuiremos o menos possível para a situação, de modo que o que acontecer possa ser creditado à criança. (Winnicott, 1941/1978a, p. 140)

Na rotina do Paddington Hospital, todos os bebês que chegam acompanhados por suas mães passam pela observação em uma situação estabelecida. No cotidiano da clínica, a saída de uma mãe significa um sinal para a entrada da próxima mãe. O setting clínico constitui-se por uma sala grande, que permite a observação da interação do bebê com a mãe. Winnicott opta por trabalhar com um cômodo grande, porque suas dimensões possibilitam que muita coisa seja observada ao longo do tempo que a mãe e o filho utilizam para adentrar o ambiente e chegar até o analista. Na perspectiva do autor, isso facilita um primeiro contato do analista com a mãe e possivelmente com o bebê, ressaltando que, mesmo em sua aparente simplicidade, a situação exige disciplina para ser executada, caso contrário, ela perde o seu valor.

Devo acrescentar que se há visitas presentes, tenho que as preparar geralmente com maior cuidado do que às mães, porque elas tendem a querer sorrir e tomar atitudes ativas com relação ao bebê, acariciá-lo, ou pelo menos transmitir-lhe confiança através de um comportamento amistoso. Se um visitante não consegue aceitar a disciplina que a situação exige, não há por que continuar com a observação, que imediatamente se torna desnecessariamente complicada. (Winnicott, 1941/1978a, p. 140)

A descrição segura do que o autor espera ocorrer na situação estabelecida serve apenas para bebês que se encontram na faixa etária entre cinco e treze meses. Winnicott observa que a ausência de fala dos bebês com menos de cinco meses não constitui um obstáculo para a aplicação do instrumento. Entretanto, ele opta por trabalhar com o limite de idade de treze meses, porque, depois disso, o interesse do bebê por objetos se torna muito amplo.

No setting clínico da situação estabelecida, a relação entre o bebê e a mãe é mediada por uma espátula reluzente. O objeto provocativo convoca o empuxo ao toque e ao olhar, permitindo ao bebê atribuir diversos sentidos à espátula; e, assim, produzir efeitos. No setting, Winnicott constata que ao pegar e largar a espátula, o bebê "modifica a relação das duas pessoas que representam o pai e a mãe" (Winnicott, 1941/1978a, p. 156). Dessa maneira, o bebê se descobre capaz de lidar com duas pessoas importantes de uma só vez, gerando a possibilidade de ele vir a ocupar satisfatoriamente seu lugar na família e no grupo social.

E a verdade é que muitos neuróticos nunca conseguem conduzir uma relação com duas pessoas de uma só vez. Tem-se ressaltado que o adulto neurótico é frequentemente capaz de manter uma boa relação com um genitor de cada vez, tendo dificuldades, porém, no seu relacionamento com os dois juntos. (Winnicott, 1941/1978a, p. 156)

O psicanalista explicita que o instrumento permite um trabalho terapêutico por si só, pois a fluidez da personalidade do bebê é responsável pela ocorrência de mudanças no curso de poucas entrevistas. No entanto, esclarece que apesar dessa fluidez significar que a criança é favoravelmente afetada pela situação, ela não está necessariamente fora de perigo, estando ainda sujeita à neurose em um estado posterior. Ou seja, apesar de tratar-se de "um bom sinal prognóstico, se o primeiro ano de uma criança vai bem" (Winnicott, 1941/1978a, p. 144), não existem garantias: a criança permanece sujeita a ficar doente, caso exposta a fatores ambientais negativos.

Winnicott acredita que a situação estabelecida contribui para demonstrar como a mãe se comporta em casa com o bebê. No setting, o psicanalista observa a leitura que a mãe faz de seu filho e confia na capacidade dela para prever o comportamento do bebê, sabendo de antemão se algo vai errado. "As mães geralmente me dizem corretamente o que o bebê irá fazer, mostrando que o quadro formado a partir do que é observado no ambulatório não está desvinculado da vida" (Winnicott, 1941/1978a, p. 140). O autor atenta para a possibilidade de a mãe apresentar algum sentimento moral contra o filho colocar a espátula na boca, já que a chance de uma infecção a deixaria ansiosa. Winnicott sente-se capaz de distinguir, com rapidez, a mãe que demonstra alguma objeção ao fato de a criança levar a espátula à boca. Ele conclui que a maioria delas não coloca obstáculos a um interesse tão comum das crianças, e que algumas mães até procuram pela ajuda de um profissional quando percebem que os bebês param de agarrar as coisas.

Khan (1978) ressalta o talento de Winnicott para compreender as fantasias inconscientes da criança pequena pela via dos seus jogos. Afinal, a observação de bebês em uma situação estabelecida é também conhecida como um jogo, ou seja, o jogo da espátula (Abram, 1996/2000). Portanto, vale salientar, que, na clínica de Winnicott, o jogo tem uma função essencial, pois, sem ele, o bebê e a mãe permanecem estranhos um ao outro. Winnicott considera que a capacidade para o jogo inicia-se precocemente, localizando esse acontecimento em doze semanas de idade. Trata-se de um jogo muito significativo, em que "um bebê às vezes alimenta a mãe enquanto é alimentado, pondo o dedo em sua própria boca" (Winnicott, 1948/1978b, p. 299). Esse jogo do bebê alimentar a mãe pode ser observado na sequência de eventos da situação estabelecida, apresentada a seguir.

Winnicott desenvolve uma divisão artificial na sequência de eventos que ele espera observar na situação – e que, na perspectiva do autor, referem-se ao comportamento sadio do bebê.

No primeiro estágio, o bebê estende a mão para a espátula, mas recua, porque descobre que a situação merece ser considerada. Ele vivencia um dilema: observa a situação, olhando para a mãe e para o analista. Em alguns casos, o bebê espera ou retira completamente seu interesse pelo objeto reluzente e se esconde na blusa da mãe. Nesse caso específico, é muito interessante observar o retorno gradual e espontâneo do interesse pela espátula.

No segundo estágio, denominado pelo autor como "período de hesitação", o bebê mantém o corpo imóvel e, gradualmente, toma coragem para deixar que seus sentimentos cresçam até que o quadro se modifique rapidamente. O momento exato da passagem da primeira fase para a segunda é evidente, pois a aceitação da realidade do desejo pela espátula é anunciada por uma transformação no interior da boca do bebê, que se torna flácida, enquanto a língua se mostra espessa, e a saliva flui copiosamente. Logo, ele põe a espátula na boca e a mastiga com as gengivas. A mudança no comportamento do bebê é uma característica marcante e, em vez da expectativa e da imobilidade, surge agora autoconfiança. O bebê sente que tem a posse da espátula e que ela está à disposição dos seus propósitos de autoexpressão. Ele bate com a espátula na mesa, fazendo tanto barulho quanto possível, ou então a leva até a boca da mãe e do analista, ficando satisfeito quando eles fingem ser alimentados por ele. O bebê fica muito aborrecido se por acaso esse jogo for estragado.

No terceiro estágio, o bebê deixa a espátula cair como se fosse por engano. Se ela é restituída, ele fica contente, brinca de novo com ela e a deixa cair mais uma vez, desta vez, porém, de modo menos fortuito. Recebendo-a de volta, deixa cair de propósito e diverte-se enormemente, livrando-se dela com agressividade. O final da terceira fase ocorre quando o bebê deseja descer para o chão e permanecer junto à espátula, com o intuito de brincar, ou ele se cansa da espátula e busca outros objetos ao seu alcance.

Winnicott considera a hesitação a mais interessante variação do comportamento do bebê, pois ela demanda que o bebê retenha seu interesse e seu desejo pela espátula, até que ele possa fazer um exame do ambiente, testando se o mesmo é capaz de proporcionar resultados satisfatórios. O autor entende que a hesitação configura-se como um sinal de ansiedade, que se relaciona a algo que se passa no corpo e na mente do bebê. Ao examinar a hesitação da criança pequena nessa situação, o autor conclui que os processos mentais subjacentes à hesitação são similares aos sintomas fisiológicos comuns à ansiedade, como: palidez, sudorese, vômitos, diarreia e taquicardia.

A experiência analítica com crianças e adultos nos mostram que se trata frequentemente de um processo que acompanha um medo inconsciente de coisas definidas, coisas que estão lá dentro e farão mal ao indivíduo se forem mantidas lá. .... Inconscientemente, ele teme coisas mais específicas que existem em 'algum lugar' para ele. 'Algum lugar significa ou dentro ou fora dele mesmo – geralmente, tanto dentro quanto fora'. Essas fantasias podem ser, naturalmente, em alguns casos e até certo ponto, conscientes e emprestam colorido às descrições que o hipocondríaco faz de suas dores e sensações. (Winnicott, 1941/1978a, p. 153)

Ao se questionar por que o bebê hesita logo após seu primeiro gesto impulsivo, Winnicott infere que isso acontece porque ele aprendeu a esperar que a mãe o desaprove, ou se zangue quando ele leva alguma coisa à boca. A hesitação, para Winnicott (1941/1978a), demonstra que, caso o bebê espere produzir uma mãe zangada, ele se sente ameaçado e que possivelmente ele tem em sua mente a noção de uma mãe zangada. Caso a mãe se mostre zangada, somos levados até as fantasias apreensivas do bebê. E, "quando não houve qualquer experiência de proibição, a hesitação indica conflito, ou a existência, na mente do bebê, de uma fantasia correspondente à recordação que o bebê tem de sua mãe realmente perigosa" (Winnicott, 1941/1978a, p. 150).

Winnicott (1941/1978) faz uma correlação entre o terceiro estágio da situação estabelecida com a observação específica do Fort-da de Freud (1920/1969). O autor sistematiza os apontamentos freudianos, considerando que o psicanalista vienense compreende que o jogo do neto diz respeito a uma tentativa do menino de dominar sua angústia, suscitada pela situação de separação da mãe. Freud observa que o ato do menino de se desfazer do carretel, quando a mãe se afasta, não se refere apenas à perda de sua mãe real, mas também à perda da mãe interna. O Fort-da representa um avanço, quando o menino descobre que pode dominar sua relação com a mãe interna e pode fazer ela desaparecer, sem precisar temer seu retorno. O carretel, por sua presentificação asseguradora, inverte a situação, e, de passivo na realidade, o menino torna-se ativo no jogo, fazendo sua mãe desaparecer e reaparecer a seu gosto.

O que há de terapêutico nesse trabalho de observação é que ele permite que o bebê vivencie a oportunidade de completar uma experiência. Com base nisso, podemos tirar algumas conclusões a respeito sobre o que é um bom ambiente para o bebê.

Isso é bom para o bebê. Quando estamos apressados, ou preocupados, não podemos facilitar acontecimentos totais, e o bebê fica mais pobre. Contudo, quando se tem tempo, como certamente toda mãe deve ter quando cuida de um bebê, podem-se permitir essas experiências. Os acontecimentos totais habilitam os bebês a dominar o tempo. ... Concedendo ao bebê tempo para experiências totais, e participando nelas, a mãe estabelece gradualmente as bases para a capacidade de o bebê desfrutar, finalmente, de todas as espécies de experiências sem precipitação. (Winnicott, 1957/1964, p. 86)

Winnicott (1941/1978a) salienta que outras situações estabelecidas poderiam ser facilmente planejadas de modo a trazer à tona outros interesses infantis e ilustrar outras ansiedades. O setting descrito pelo psicanalista apresenta um valor especial já que pode ser utilizado por outros médicos, de modo a permitir que suas observações possam ser confirmadas ou modificadas, por um método prático por meio do qual "alguns princípios da psicologia podem ser demonstrados clinicamente, sem causar dano aos pacientes" (Winnicott, 1941/1978a, p. 163).

Para Winnicott, a especificidade da psicanálise em relação ao trabalho com bebês deve-se ao fato de o analista encontrar-se sempre tateando e buscando seu caminho entre o material que lhe é oferecido pelo paciente, sempre tentando descobrir qual o momento, a forma e a maneira daquilo que ele tem a oferecer ao paciente.

Às vezes, o analista achará valioso olhar por trás de toda a profusão de detalhes e verificar até que ponto a análise que está conduzindo poderia ser pensada nos mesmos termos em que se pode pensar a situação estabelecida relativamente simples que descrevi. Cada interpretação é um objeto cintilante que excita a voracidade do paciente (Winnicott, 1941/1978a, p. 159).

 

Considerações finais

Por meio da situação estabelecida, Winnicott nos oferece um importante ensinamento sobre a construção do método, que consiste na possibilidade de se ampliar uma situação de avaliação para uma situação terapêutica. Por meio do seu método clínico de observação de bebês, o autor, além de realizar uma ciência de fatos clínicos, faz isso com um estilo próprio e singular de construir a sua prática. Loparic (2000) aponta que, apesar de o psicanalista inglês valorizar a inventividade, sua maior preocupação sempre foi tratar dos pacientes que sofrem de transtornos severos. Para tal, ele não se dá ao luxo de ser apenas criativo e procede de maneira metódica e coerente.

Existem muitas maneiras de observar – e a de Winnicott não é qualquer uma. Longe de buscar uma correlação direta entre um comportamento e um sentido psicopatológico, o psicanalista inglês observa o bebê pela luz que sua teoria do amadurecimento focaliza. Por isso, longe de restringir-se a uma mera descrição do comportamento do bebê, Winnicott toma as manifestações do bebê como respostas orientadas pela posição materna, ou seja, ele as inclui em uma concatenação presidida pela lógica materna que, por sua vez, está submetida a um enquadre do clínico. Assim incluindo-se, ele permite distinguir também as linhas tranferenciais da clínica.

Winnicott (1988/1990) ressalta que a observação direta de bebês nos apresenta grandes dificuldades, "visto que não é possível observar um bebê exceto de olhar para o seu corpo e seu comportamento" (p. 172). Ao mesmo tempo, somente a observação pode fazer justiça à riqueza de variações que muitas crianças introduzem nesse simples setting, que lhes pode ser tão facilmente proporcionado. Isso nos leva a concluir que, ainda que a mera observação seja insuficiente para dar conta do que se trata em um bebê, nós podemos escutá-lo e trabalhar clinicamente com ele, pela via da observação da sua interação com a mãe. Enfim, a observação que escuta e lê a concatenação de uma modalização de funcionamento nos permite localizar um saber no bebê, mesmo se ele for incapaz de nos responder com palavras. Talvez esteja aí o atributo de observação psicanalítica.

O estudo do instrumento nos permite pensar na quantidade e na qualidade de recursos internos que o bebê precisa recrutar para conseguir alcançar o objeto reluzente. No setting, o brilho da espátula mobiliza o ímpeto do bebê para tomar posse dela, desencadeando o desejo, o dilema e a hesitação, que fazem o bebê frear seu interesse e procurar pelo olhar materno, com o propósito de considerar a situação. Quando a mãe, por meio do seu olhar de aprovação, permite que o bebê tome posse da espátula, o primeiro gesto espontâneo da criança diz respeito à livre manipulação da espátula e à produção de efeitos, como barulho e brincadeiras. Esse comportamento do bebê nos permite inferir que o olhar da mãe é um componente importante em termos da sustentação da situação estabelecida. Portanto, para que o bebê se direcione à espátula, a mãe precisa estar convicta em apostar que naquele bebê existe um indivíduo capaz de se precipitar até um objeto reluzente.

Além disso, a situação estabelecida nos permite testemunhar a expressão de elementos "sofisticados" no que diz respeito à relação que o bebê estabelece com a mãe. No setting clínico, a mãe, por meio da espátula, oferece ao filho um objeto que estabelece uma primeira modalidade de afastamento consentido. E o bebê, por sua vez, ao possuir a espátula, torna-se capaz de "dominá-la à sua vontade ou usá-la como uma extensão da sua personalidade" (Klautau, 2002, pp. 129-130), vivenciando a possibilidade de descolar-se do corpo da mãe.

Safra (1999) aponta que a situação estabelecida facilita nossa compreensão a respeito da importância de o analista conseguir esperar que seu paciente realize o gesto de apropriação do mundo; e que, para tal, Winnicott aposta no inusitado e na capacidade de criação do indivíduo. Aliado a isso, o método winnicottiano (1941/1978a) de observação de bebês em uma situação estabelecida representa, para o analista, a possibilidade de observar a interação do bebê com sua mãe, podendo tirar proveito de encontrar-se inserido na cena. No setting, o autor apresenta um modo delicado de aproximação do bebê e da mãe, esforçando-se para deixar ambos o mais à vontade possível. Assim, por meio de seu manejo clínico, ele oferece condições suficientemente boas para que o bebê e a mãe possam partilhar uma experiência junto a um terceiro que, por meio da comunicação – que ocorre tanto por meio da palavra quanto da mutualidade –, provoca transformações no que se encontra dissonante na relação entre o bebê e a mãe. Por isso, pode-se afirmar que essa prática de observação de bebês possui uma função terapêutica, na medida em que o bebê convoca sua mãe a distinguir-se dele para observá-lo.

Os pressupostos teóricos winnicottianos a respeito do amadurecimento humano nos ajudam a sustentar a hipótese de que, em termos da saúde psíquica do bebê, a intervenção precoce é efetiva e tem grande valor terapêutico. E é por isso que consideramos a observação de bebês em uma situação estabelecida um instrumento eficaz para reconhecer os sinais precoces de sofrimento do bebê, a tempo de estancar uma possível cronificação.

Desde a década de 1940, Winnicott já demonstrava uma preocupação em detectar precocemente os transtornos do bebê, antecipando aspectos de estudos contemporâneos, como a pesquisa IRDI, instrumento que, como vimos, apresenta capacidade preditiva para detectar comprometimentos do desenvolvimento infantil. Estes, se adequadamente tratados, poderão permitir à criança um desenvolvimento mais rico e menos exposto ao sofrimento. Ainda que a pesquisa IRDI seja mais complexa do que o instrumento winnicottiano, constatamos que ela é tributária da situação estabelecida por Winnicott, principalmente devido à investigação do modo de articulação e sustentação da relação da criança pequena com sua mãe, para estabelecer indicadores da condição psíquica infantil. Enfim, a situação estabelecida segue uma tendência bastante atual: a busca por recursos capazes de detectar e intervir em momentos críticos do desenvolvimento da criança, com base em estudos fundamentados nas modalidades e especificidades que a incluem no contexto que a instala.

 

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Winnicott, D. (2006). Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1968)        [ Links ]

 

NOTA

1. Esta pesquisa foi realizada entre os anos 2000 e 2008, pelo Grupo Nacional de Pesquisa. Com base na psicanálise, especialmente das vertentes freudiana, lacaniana e winnicottiana, preservando-se as singularidades epistemológicas de cada uma das abordagens, foram pesquisados trinta e um indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil e aplicados em setecentas e vinte e seis crianças, com idade entre zero e dezoito meses. O IRDI inclui indicadores de risco psíquicos para o desenvolvimento de bebês na ficha de acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento do Ministério da Saúde (Lerner & Kupfer, 2008).

 

 

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Recebido em novembro/2012.
Aceito em junho/2013.