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Estilos da Clinica

versión impresa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.19 no.2 São Paulo ago. 2014

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v19i2p242-243 

Editorial

 

 

Em meio ao debate ético e político em torno do diagnóstico e do tratamento do autismo, Estilos opta, neste número, por apresentar textos que retratam o vigor da clínica e da pesquisa psicanalíticas com autistas na atualidade. Esta opção está ancorada na maneira como Freud e, mais explicitamente, Lacan abordam a função da psicanálise no registro político, articulando a política com a ética e a técnica psicanalíticas. Situar a política em relação ao inconsciente, ao desejo e à falta coloca em xeque as pretensões totalitárias de qualquer discurso ou campo de saber que pretenda abarcar a totalidade de seu objeto.

A aposta na emergência do sujeito como direção de tratamento na clínica do autismo revela a dimensão política da psicanálise e sua potência subversiva. E dar a ver essa clínica é também um exercício político.

Neste dossiê, reunimos textos que abordam aspectos históricos, teóricos e técnicos da clínica do autismo. Marfinati e Abrão abrem o dossiê com um texto que traça um percurso histórico do conceito do autismo e das diversas perspectivas de tratamento forjadas em função dos diferentes modos como esse complexo quadro clínico foi entendido ao longo do tempo. Os autores revisitam a célebre história de Victor de Aveyron, bem como a clássica definição de Kanner para apontar os deslizamentos nosográficos do autismo, sua inserção no quadro dos retardos mentais e das psicoses, as tentativas médico-pedagógicas de tratamento do autismo e, já no século XX, a influência da psicanálise neste cenário.

Além do rigoroso apanhado histórico, os autores tecem críticas à vertente hegemônica da Psiquiatria Infantil e aos diagnósticos exclusivamente organicistas, lembrando que "o imperialismo da norma pretensamente científica fecha o horizonte" e que no que tange ao tratamento do autismo "o singular constitui ... a categoria decisiva" (p.248).

A seguir, Travaglia adentra a especificidade da abordagem teórico-clínica psicanalítica, recortando um aspecto relevante da estruturação subjetiva, qual seja, a voz como veículo do significante e sua operação como objeto pulsional. A autora discorre sobre a pulsão invocante e seu efeito de antecipação do sujeito do inconsciente, afirmando que a "pulsão invocante desnatura o corpo com a linguagem, abrindo a superfície de inscrição em que um novo falante pode assumir a palavra" (p.266).

Travaglia recupera a bela metáfora da dáfia, pequeno animal marinho citado por Lacan em O seminário, livro 10: a angústia, 1962-1963, para fazer trabalhar a noção da voz como grão de linguagem advinda do campo do Outro e incorporada ativamente pelo sujeito. Em acréscimo a isso, tece considerações sobre as vicissitudes desse processo "que torna o filhote humano um sujeito da palavra" no autismo e lança sua hipótese de que: "para o autista a voz não se destaca como objeto pulsional circunscrevendo uma falta, ela não abre intervalos onde, entre significantes, o sujeito pode advir" (p.274). A hipótese de inscriação do sujeito apontada pela autora ao final do texto pode render desdobramentos importantes para pensarmos a direção da clínica com crianças autistas.

O dossiê apresenta ainda um rico relato do atendimento clínico de uma menina autista realizado por Batistelli no decorrer de dez anos, seguido dos comentários e reflexões de Ema Ponce de León Leiras. Na leitura do caso clínico, podemos acompanhar os momentos de desolação vividos pela analista, a aposta clínica reiterada a cada sessão, a ousadia necessária para criar modos não convencionais de convocar a criança para a relação com o outro e a "espera paciente" pelos avanços. Como afirma Ponce de León , a função do analista "colocada a serviço de captar signos mínimos e convertê-los em sinais" (p.289), para o nascimento e crescimento de um sujeito psíquico, antecipado também no desejo da analista. Neste atendimento, voz e corpo da analista operam como ferramentas fundamentais à constituição de um sujeito.

O último texto deste dossiê traz um interessante exercício de análise dos escritos de Tito Mukhopadhyay, um jovem diagnosticado com um quadro severo de autismo, para quem a escrita tem uma função estruturante. Bialer recorta fragmentos desses escritos que ilustram funcionamentos típicos dos autistas e destaca o necessário trabalho de "construção de destacamentos do real em direção ao imaginário e de imbricações possíveis entre o real, o imaginário e o simbólico no autismo".

Esperamos que aproveitem a leitura!

 

Ana Beatriz Coutinho Lerner
Psicanalista. Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de
São Paulo. Psicóloga do Serviço de Psicologia Escolar do Instituto de Psicologia (IPUSP)
São Paulo, SP, Brasil.