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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.20 no.2 São Paulo ago. 2015

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v20i2p310-324 

EXPERIÊNCIA INSTITUCIONAL

 

Três tempos de leitura: uma experiência em formação de professores no contexto da inclusão escolar

 

Three times of reading: an experience in teacher education in the context of school inclusion

 

Tres tiempos de lectura: una experiencia en la formación del profesorado en el contexto de inclusión escolar

 

 

Larissa Costa Beber Scherer

Psicanalista. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA), Novo Hamburgo, RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Diante dos (des)encontros entre o professor e os alunos da inclusão, apostamos em um caminho em que o fazer docente decanta de uma certa artesania de ler. A leitura realiza-se em três tempos e posições: encontra-se com a desar monia imobilizante que conduz a uma leitura cientificista; transita pelo enfrentamento do estranho e chega à leitura desconstruída e descontínua, que permite a constituição de práticas pedagógicas. Este artigo aborda uma experiência realizada entre 2006 e 2012 com um grupo de professores, em que se analisou especialmente o enunciado de um professor em relação ao seu aluno.

Descritores: educação especial; psicanálise; formação de professores; leitura; literatura.


ABSTRACT

Facing the (mis)matchings between educators and students with special needs, we have sought to pursue a path that shows us that the work of an educator derives from reading as craftsmanship. The reading takes place at three different times and from three different perspectives: the encounter with an immobilizing disharmony that leads to scientificist reading; traveling through the confrontation with the bizarre and reaching deconstructed and discontinuous reading, which enables the construction of pedagogical practices. This article discusses an experiment done with a group of educators between 2006 and 2012, in which the considerations made by one teacher on his student were analyzed in detail.

Index terms: education for special needs; psychoanalysis; teacher education; reading; literature.


RESUMEN

Frente a los desencuentros entre el profesor y los alumnos de inclusión, apostamos en un camino en el que el hacer docente decanta de una artesanía de leer. La lectura se realiza en tres tiempos y posiciones: se encuentra con la desarmonía inmovilizadora que conduce a una lectura cientificista; transita por el enfrentamiento del extra&nitlde;o y alcanza a la lectura deconstruida, discontinuada, que le permite la constitución de prácticas pedagógicas. Este artículo abarca una experiencia llevada a cabo con un grupo de profesores, entre 2006 y 2012, en la cual se analizó especialmente el enunciado de un docente al alumno.

Palabras clave: educación especial; psicoanálisis; formación de profesores; lectura; literatura.


 

 

Por favor, não sei mais o que fazer, ele está assim, gritando e correndo de um lado para outro o tempo todo, começou de repente, aqui no pátio. Estou tentando acalmá-lo há algum tempo, mas nada adianta, já tentei de tudo. O que será que está acontecendo? (Diário de viagem, prof. E, 22 mar. 2009).

A chegada à escola de alunos que destoam dos demais, os chamados alunos de inclusão, desestabiliza a ação docente e produz interrogações sobre a possibilidade de se pensar em práticas que insiram essas crianças – alunos que se desviam muito do caminho considerado normal de aprender, alguém que "não fala", "não aprende", que nada consegue – no contexto escolar. É comum a imobilização ser a primeira reação por parte do professor diante dessa adversidade. Acompanhando professores e alunos destoantes, foi possível perceber, em um período inicial, a dificuldade por parte do docente de aceitar tal ausência de familiaridade e também as tentativas de apagar a perturbação frente ao estranhamento. Diante do mal-estar produzido, o professor parece não reconhecer/ler nesse sujeito alguém capaz de estar na sala de aula e de aprender.

Segundo Vasques e Moschen (2012), o processo de escolarização envolve diferentes formas e tempos de olhar/ler o aluno. Se as crianças ditas "normais" nos dão a ilusão de que sabemos a respeito do ensino e aprendizagem que lhes cabem, aquelas com deficiências suspendem nossas certezas, tornando-se muitas vezes intraduzíveis para nossas lentes, cegando possíveis leituras e horizontes compreensivos. O ato de "ler o aluno", dessa forma, é considerado a partir de outra perspectiva. Não se trata de operar a leitura como ato de decifrar nem de construir uma decodificação a partir de um sentido já estabelecido. Trata-se de uma leitura em diagonal: "Uma perspectiva que desvia da atenção os sujeitos com transtornos globais do desenvolvimento, deficiências etc., suas características e comportamentos, para focar o professor, o terapeuta, o outro que lê, interpreta e constrói possibilidades" (Vasques & Moschen, 2012, p. 444).

Nessa perspectiva, interrogamo-nos sobre os movimentos realizados pelos professores no encontro com o aluno da inclusão. De uma posição de paralisia à invenção de práticas, quais são os deslocamentos, os tempos e movimentos de leitura que compõem tal percurso?

A fim de refletir sobre essa questão, sistematizamos um trabalho desenvolvido durante sete anos (de 2006 a 2012) com um grupo de professores em uma escola de educação básica. As memórias, cenas e narrativas reunidas durante esse período foram transformadas em texto por meio dos escritos no Diário de Viagem, do qual recolhemos alguns recortes. O tempo, o espaço e a memória são ressignificados à luz de diferentes vozes que tramam o argumento desse estudo, tais como as proposições de Roland Barthes, Freud e Lacan. Neste artigo, analisaremos o percurso de um professor em relação às posições de leitura de seu aluno.

Decorrente de uma pesquisa realizada em dissertação de mestrado, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, este trabalho tematiza a formação continuada de professores no contexto da inclusão escolar, considerando distintos tempos e posições na tentativa de reconhecer/ler esse aluno. Propõe a leitura como ato de reconhecimento: desloca-se desde o (des)encontro "paralisante" entre professor e aluno, transita pela leitura cientificista, enfrentando o atravessamento do estranho, e chega à posição de realizar uma leitura descontínua, desconstr uída, desviada de lugar. Surgem, assim, três tempos e posições assumidos pelo professor na tentativa de reconhecer o aluno e construir um trabalho escolar.

Apostamos em um caminho em que o fazer docente decanta de certa artesania de ler. A leitura é considerada como uma travessia capaz de ficcionar um fazer possível perante alunos que inicialmente produzem silêncio e afastamento. A escola pode oferecer outras leituras para o aluno da inclusão. Para tanto, um trabalho de releitura se torna necessário, percurso em que o professor é o personagem que transita na construção de práticas pedagógicas, deslocando-se por distintas posições de leitura diante do aluno.

 

Da imobilidade ao cientificismo: primeiro tempo de leitura

Na cena escolar, diante do aluno da inclusão, a busca por colocar palavras onde apenas o silêncio se apresenta torna-se a necessidade imediata. Depois da imobilização, um primeiro tempo de leitura se inaugura na promessa de encontrar supostas respostas sobre o inusitado aluno. Algumas for mas de ler oferecem rápida tradução à contradição percebida, leituras que objetivam alunos e professores, reduzindo possíveis efeitos advindos de um encontro. Na tentativa de construir percursos de ensino e aprendizagem, um dos caminhos talvez seja reportar-se a saberes cientificistas normatizadores, que não consideram a singularidade do sujeito nem as relações estabelecidas entre professores e alunos. Encontrar esse conhecimento parece amenizar o mal-estar produzido pelo aluno destoante.

Referimos à expressão "cientificista" para nomear a posição de leitura relacionada a um saber já estabelecido, que oferece explicações antecipadas ao inusitado aluno. Não desconsideramos a importância e a relevância teórica proporcionada pelos conhecimentos científicos, mas consideramos seus efeitos quando ofertados como ponto de partida para a realização do trabalho pedagógico com os alunos da inclusão. Tal condição remete a uma modalidade de formação "prescritiva, tecnocrática, asséptica e, o que, fundamentalmente, se sabe antes que aconteça... pois, porque se sabe, impossibilita que aconteça alguma coisa que não tenha sido planejada" (Ribetto, 2011, p. 114). Tal expressão refere-se ao uso e ao lugar que os saberes da ciência podem assumir nos processos de formação de professores, antecipando-se à experiência.

Diversas teorias sobre a inclusão de crianças e adolescentes baseadas nas classificações e nos diagnósticos dos alunos indicam técnicas de trabalho pedagógicas a serem aplicadas. São concepções baseadas no saber médico, em que é predominante "o valor dado ao diagnóstico como identificação, caracterização e descrição da falta que nomeia a anormalidade, os déficits" (Possa, Naujorks, & Rios, 2012, p. 474), ou seja, linhas de trabalho apresentando-se como caminhos, antes de se conhecer o aluno em sua singularidade. São teorias que desconsideram a criança como um sujeito em constituição, em estruturação – estados capazes de serem transformados pela experiência escolar e familiar. Nesse contexto, o lugar do sujeito, do professor e do aluno fica

subtraído por uma causalidade que se impõe antes de qualquer ato que cada um deles possa inscrever. Uma causalidade que se constrói a partir das práticas e dos encontros, mas que chega antes – antes dos próprios sujeitos –, retira da cena a responsabilidade (Rickes, 2004, p. 12).

Ao escutar os professores, era possível perceber que nessa posição enunciativa o trabalho do professor é limitado, pois dessa forma lhe cabe apenas executar técnicas e atividades predeterminadas, sem se responsabilizar pela construção do processo educativo. Entretanto, após o impacto inicial, essa leitura parece ser uma possibilidade para preencher o nada que se apresenta no primeiro encontro do professor com o aluno, em uma tentativa de torná-lo menos desarmônico. Tal leitura oferece uma primeira possibilidade de construção de um professor e de um aluno, condições essas não operadas automaticamente com o ingresso desse sujeito na escola.

A leitura cientificista realizada pelo professor nesse primeiro tempo devolve o sujeito ao lugar da certeza. Entretanto, desconsidera o vazio do não saber, tornando-o tolerável. A partir da Psicanálise, sabemos dos perigos do saber pragmático, que desconsidera a singularidade quando tomado como principal referencial de uma prática. Ressaltam-se as armadilhas de um saber que tende à generalização quando transformado automaticamente em saber-fazer (Voltolini, 2011). O saber é sempre incompleto, a totalização se torna impossível de ser alcançada. No cotidiano da escola, o encontro com o não sabido reiteradamente remete a um saber totalizante. É como se diante do nada do aluno e do vazio de um saber-fazer, o conhecimento cientificista aparecesse como palavra total, retirando o professor do desamparo que o trabalho implicava.

A educação baseia-se em um ideal a ser alcançado ao pressupor uma aposta. Para a Psicanálise, o processo de idealização (eu ideal) é efeito do discurso dos pais. Na relação com o filho, renasce a forma idealizada (narcísica) de vínculo com o objeto ("sua majestade o bebê"), que foi abandonado por exigência da realidade no processo de estruturação do sujeito (Garcia-Roza, 1995). Sabemos que a relação professor-aluno é a herdeira daquelas estabelecidas entre pais e filhos. Tanto pais como professores esperam dos filhos e alunos a realização daquilo que não conseguiram atingir, atualizando uma posição já abandonada. Expectativas idealizadas em relação ao outro (aluno) são lançadas na cena escolar, relativas a uma imagem de perfeição atualizada, revivida pelo sujeito – idealizações traduzindo-se em impossibilidades.

No contexto do grupo com o qual se desenvolveu a pesquisa, inicialmente, o olhar dos professores costumava estar focado na "anormalidade" demonstrada pela presença de tal aluno no cenário da sala de aula. A perspectiva da negatividade demonstrava um horizonte de perfeição ao qual o trabalho escolar estava referenciado, era um primeiro tempo que se apresentava. Diante de tal leitura, o passo seguinte era contornar os "nãos" envolvendo esses alunos e desviar o olhar que apontava para a idealização.

Voltolini (2011, p. 11) propõe um distanciamento da posição idealizada no meio educativo quando refere o esforço de Freud nesse campo: "Substituir a pretensão pedagógica de um ideal educativo (qual o melhor modo de educar?) por uma discussão sobre as condições de possibilidade de qualquer educação (o que é necessário acontecer para que haja uma educação?)". Em outras palavras, atravessar a idealização, deslocar-se da posição identificada com o eu ideal.

Nos encontros com os professores percebemos o quanto tal deslocamento não é habitual, necessitando de um trabalho a ser realizado para que ocorra. Desprender-se desse ideal seria a possibilidade de qualquer educação, seja especial ou não. Entretanto, em se tratando da educação de alunos da inclusão, tal desapego se torna condição prioritária para a realização de um trabalho pedagógico. Esse aluno pode revelar a falha e o fracasso, transmitindo a ideia de impossibilidade. A presença da parcialidade se coloca de imediato como necessária no encontro entre professor e esse aluno, a fim de permitir a realização do trabalho pedagógico.

Segundo Garcia-Roza (1995), o ideal do eu traz a marca de uma relação sublimada, enquanto o eu ideal é marcado pela idealização. Lacan (1953-54/1986) concebe o ideal do eu como um guia que organiza as trocas verbais entre os humanos, comandando o sujeito na forma de uma lei organizadora das relações e da vida em sociedade; constitui-se essencialmente a partir de exigências externas transmitidas pela linguagem, mediando a relação com o outro.

Apostamos na posição do professor identificado ao ideal do eu como potente para a realização do trabalho escolar. Caso o professor per maneça identificado com uma posição narcísica, referida ao eu ideal, o fazer docente ficará impossibilitado. Isso ocorre porque o trabalho com o aluno da inclusão contrapõe de imediato o ideal, lançando o sujeito professor na direção oposta, conduzindo-o à impotência. No contexto do g r upo pesquisado na escola, posições discursivas dos professores constituíam-se como efeito do (des) encontro com seus alunos, como fica evidente nas seguintes falas: "Nada faz sentido para ele", "o lugar dele não é nessa turma" e "não consegue fazer". Nessas situações, o professor poderá cristalizar-se na posição relativa ao eu ideal, retratada pelas metodologias classificatórias, conduzindo-o à impotência. Assim, estão em jogo, no processo de formação de professores, as condições para a construção do olhar para ler esse aluno sob outra perspectiva. Para que essa posição de leitura se estabeleça, implicaria suportar certo encontro desencontrado, ou seja, querer encontrar e ao mesmo tempo enfrentar a impossibilidade disso acontecer, colocando o professor em uma posição de negociação com os impasses da alteridade e reconhecimento do não-saber-tudo.

 

Sem temer o estranho: segundo tempo de leitura

A chegada de um aluno da inclusão no contexto do ensino regular quebra a sensação de compartilhamento, por ser esse sujeito muito distinto do habitual. Disso resultam sensações e respostas que revelam o mal-estar e o rechaço ao outro. Tais alunos, em um momento inicial, parecem não encontrar inscrição no discurso dos professores. Diante do disruptivo, é visível a percepção de um impasse frente às possibilidades de nomeação, sendo uma desorientação no campo dos processos escolares, como familiarmente se compreende o ser aluno e o ser professor.

A presença de impasses e descompassos na convivência entre os homens e os sofrimentos decorrentes do encontro com a alteridade são temas que atravessam a Psicanálise. Freud e alguns de seus seguidores reconheceram que a teoria psicanalítica era capaz de iluminar dilemas de outras áreas do conhecimento, além dos já identificados na clínica. Em diferentes textos, como Psicologia das massas e a análise do eu (Freud, 1921/2013b) e O mal-estar na cultura (Freud, 1930/2013a), Freud aponta o mecanismo da formação dos grupos, o amor e o ciúme, a submissão das massas a um líder, a intolerância ao diferente, a desproteção do sujeito humano, o oculto por trás da cultura e da humanidade e a tendência à agressão e à destruição.

Considerando as relações de similitude e diferença, os mecanismos de segregação na cultura e o inquietante sentimento de estranheza produzido pelo outro, é possível afirmar que não se valoriza e tampouco se considera como semelhante qualquer um. Para ocorrer tal reconhecimento é necessário um trabalho e um percurso, a fim de que a não-semelhança, ou ainda, a diferença, não ameace. A presença dos alunos da inclusão na escola coloca em jogo esses elementos, produzindo tensionamento entre considerá-los um dos seus ou mantê-los na condição de estrangeiros ao território e ao grupo.

Neste estudo, interrogamos a possibilidade de aceitação de alguém remetendo a uma dessemelhança, pouco correspondendo aos ideais de escola e educação. O aluno da inclusão pode produzir no professor o estranhamento, provocando impotência. Se, em um primeiro momento, tem-se a busca pelo amparo das lentes classificatórias como suporte diante do vazio do (des)encontro, o segundo tempo de trabalho implica o enfrentamento, o não recuar diante da desarmonia.

A análise dos efeitos desse segundo tempo/posição de leitura remete ao conceito do estranho (unheimlich) proposto por Freud (1919/1987, p. 282): "Dois conjuntos de ideias que, sem serem contraditórios, ainda são muito diferentes: por um lado, significa o que é familiar e agradável; e, por outro, o que está oculto e se mantém fora da visão". O estranho é como algo familiar que foi afastado da mente, algo a ser esquecido e recalcado; porém, acaba retornando de forma assustadora, causando medo e mal-estar. Retomando a ideia de que os afetos reprimidos são transformados em angústia, entre as coisas assustadoras estão os elementos afastados retornando à mente.

O encontro com o aluno estranho-familiar revela ao professor a presentificação de algo que deveria permanecer afastado da mente. Tal afastamento fica ameaçado com a presença desse aluno, lembrando aquilo que se quer anular: a falta, a incompletude, a impossibilidade de tudo ser; o eu tornado estranho. O sujeito, exilado de sua imaginária completude, depara-se com o limite. Ao longo da história, a criança, o louco, o velho, o deficiente e tantos outros encarnaram a figura do estranho, despertando-nos o horror, o temor e a repulsa. Estando distante do ideal almejado, aponta para o resto não simbolizado, o não representável.

Retornando ao professor, apostamos na realização de uma travessia de leitura por parte do docente, deslocando-se pelo estranhamento até poder assumir-se como professor diante de um sujeito tão singular. É oferecer lugar para o não sabido, transitando nas bordas do estranho inscrevendo um trabalho; é atravessar o nada contornando o vazio.

 

Ao redor do vazio: terceiro tempo de leitura

Na reflexão acerca da travessia de leitura pelo estranho, entramos no território da sublimação. Enquanto a idealização potencializa as exigências do eu, favorecendo a repressão, a sublimação apresenta-se como uma saída, uma forma de contemplar tais expectativas por um caminho distinto.

A partir do texto de Bergès e Balbo (2001), percebemos a importância do olhar oblíquo e sublime na estruturação psíquica da criança:

Enquanto um olhar oblíquo permite ler, o olhar "sublime"... faz jogar as sombras, as diferenças e, de imediato, torna possível uma certa leitura daquilo que se passa no corpo da criança. Esse significante, com efeito, tem a ver com a leitura e não com a simples inscrição (p. 41).

Podemos relacionar essas considerações com o olhar do professor sobre o aluno, apostando na realização de uma leitura sublime e indireta para poder teorizar um saber. Sua leitura será potencializada caso consiga tal desvio sem tomar o aluno como objeto, contornando o vazio central e considerando-o e mantendo-o no seio da cena escolar. Seriam caminhos construídos pelas bordas em busca de um trajeto de trabalho escolar, considerando o hiato demarcado pelo aluno destoante.

Nessa reflexão, lembramos a metáfora do oleiro (Lacan, 1959-60/2008), referindo-se aos significantes que servem de suporte à constituição do sujeito. Lacan os compara a um artesão hábil em modelar contornos em torno do vazio revelado pelo centro do vaso. O oleiro é percebido como aquele que molda as bordas da argila a partir do espaço central, construindo o vaso sem preenchê-lo. Utiliza o barro, algo ainda sem forma, um material bruto, como matéria-prima de sua obra ao transformá-lo. Aponta para o nada, transformado no vazio mantido em um lugar central, que permite a construção de simbolizações – o vaso introduzindo e criando o vazio e o significante modelando o sujeito do inconsciente. No centro, no furo, permanece o Real, a hiância, possibilitando a construção do objeto. Dessa forma, o sujeito humano vai modelando o significante, sendo o artesão de seus suportes. No princípio, o vaso é vazio, e a linguagem se constituirá a partir dessa abertura mantida. A modelagem do significante coincide com a introdução no real de um furo. A sublimação, para esse autor, relaciona-se com o vazio, que permanece no centro da cena.

Apostamos na leitura como uma artesania: O professor assume a função do artesão, molda seu trabalho a partir do vazio, contorna as bordas desse furo demarcado pelo aluno da inclusão, construindo saberes singulares e apostando na criação. Lança-se como compositor de enredos e de narrativas incompletas, as quais permitem a continuidade da história e garantem que o espaço vazio sirva como o impulso para invenção.

O caminho relacionado à sublimação necessita ser construído – um percurso singular de travessia até chegar a um terceiro momento. Não poderá ser traçado antecipadamente, anterior à cena escolar. Isso implica na construção de leituras passíveis de demarcar tempos por meio do deslocamento, quando posições vão sendo assumidas e transpostas. No grupo estudado na escola, foi possível perceber a necessidade de o professor aceitar a queda durante a trajetória e a suspensão das certezas e saberes já definidos na realização da travessia.

 

Travessias do professor: desconstrução da leitura

Na sequência do que estamos propondo, destacamos as leituras e os fragmentos discursivos de uma professora participante do grupo, os quais revelam distintas posições enunciativas e constituem nosso campo de estudo. Foi um trabalho de travessia realizado que requeriu tempo e implicou a permanência de diálogo estabelecido ao longo dos encontros do grupo. Alguns professores frequentaram o grupo por mais de um ano. Esse tempo possibilitou o testemunho de distintas posições enunciativas, deslocando-se por ângulos diversos até chegar à leitura transversalizada. Não foi um trabalho em que um possível sentido oculto era desvelado. Possíveis perspectivas de trabalho escolar foram bordadas na trama dos fios das leituras de cada professor, tecidas de forma singular.

Ele é agressivo? Eu tenho um pouco de medo... Se for, vai ser difícil, não vou suportar, mas se não for... Como vai ser? Eu não sei nada sobre autismo! Tu vai me ajudar? Como vou agir com ele? Nunca trabalhei com casos assim... (Diário de viagem, prof. E, 16 fev. 2009).
Por favor, não sei mais o que fazer, ele está assim gritando e correndo de um lado para outro o tempo todo, começou de repente, aqui no pátio. Estou tentando acalmá-lo há algum tempo, mas nada adianta, já tentei de tudo. O que será que está acontecendo? (Diário de viagem, prof. E, 2 mar. 2009).
Tu sabe que doença ele tem? Me passa sugestões de livros e textos para eu ler sobre o problema dele. Preciso estudar para poder saber o que fazer, até onde ele pode ir, o que posso exigir dele. É diferente de todos os alunos que já trabalhei... tem umas atitudes estranhas... até coisas do lixo ele coloca na boca! (Diário de viagem, prof. E, 5 mar. 2009).
Fui pesquisar na internet e encontrei vários textos... Li que os autistas se comportam assim: parecem não escutar, não olham nos olhos, têm comportamentos repetitivos, não gostam de mudanças. Agora sei que ele vai agir assim mesmo, vou ter que conviver com isso dessa forma. Descobri também que gostam de imagens, sempre as mesmas. Tenho filmes que ele pode assistir, assim se acalma, não se agita (Diário de viagem, prof. E, 14 mar. 2009).

Nessas passagens, é possível notar o estranhamento inicial vivenciado pela professora, deixando-a assustada com tamanha adversidade. O nada ameaça tomar conta da cena, produzindo um efeito desnorteante, medo e horror. O recurso ofertado pelas explicações cientificistas oferecidas em muitos momentos nos espaços de formação apresenta-se como uma saída para tamanha desarmonia. Diante do estranho, o primeiro tempo de leitura se apresenta – encontrar respostas explicativas para a "anormalidade".

Ele fica andando pela sala, às vezes repete algumas palavras que eu digo. Percebi que ele escuta sim. No pátio corre o tempo todo. Acho que se sente livre..." (Diário de viagem, prof. E, 16 abr. 2009).
Essa semana, o Antônio estava pegando coisas do lixo e colocando na boca. Corria e às vezes fazia isso... Tentei falar com ele para não fazer, xinguei e não adiantou. Eu e algumas crianças fizemos uma barreira em volta do lixo. Ficamos de mãos dadas, colocados em frente. As crianças adoraram isso! Assim ele não teve mais como mexer na lixeira, parou de insistir... (Diário de viagem, prof. E, 2 maio 2009).
Tem um coelho de pano que ele carrega o tempo todo em casa. Disse para a mãe que poderia trazê-lo para a escola, talvez ajudasse a se acalmar, não ficar tão agitado. Tem dado certo, por enquanto... (Diário de viagem, prof. E, 30 maio 2009).

O enfrentamento do estranho permitiu a aproximação, o reconhecimento de traços antes não lidos: "ele escuta sim". A posição mais próxima permitiu ao professor arriscar-se, lançar-se na aposta de intervenções possíveis: "Eu e algumas crianças fizemos uma barreira em volta do lixo". No segundo tempo, houve enfrentamento do estranho.

No dia de trazer brinquedos de casa, a Isabela trouxe a casa da Barbie e muitos brincaram juntos. Nesses momentos, ele tem se aproximado em breves instantes e interagido, manipulando alguns objetos do cenário. Em seguida afasta-se e depois retorna. Percebo certo progresso no brincar! Antes só manipulava e conduzia objetos de um lado para outro, sem a criação de uma cena. Atualmente tem olhado fixamente quando as meninas estão brincando (Diário de viagem, prof. E, 15 jun. 2009).
Antônio está adorando brincar com bebês da sala. Se encanta quando faço de conta que estou nanando, colocando para dormir... Arranjamos um bercinho. Ele fica olhando interessado e diz: Nenê! (Diário de viagem, prof. E, 13 jul. 2009).
O vazio e o não saber permitem a construção de um trabalho, apostas em intervenções escolares possibilitadoras da aprendizagem. O reconhecimento em meio aos "nãos" se sobressai. Leituras de conquistas e evoluções percebidas são feitas: "...tem olhado fixamente quando as meninas estão brincando" e "Se encanta quando faço de conta que estou nanando...". Um fazer se constituindo na cena escolar, inventado. Terceiro tempo, desconstrução da leitura."Tudo o que Antônio estava fazendo antes não está mais acontecendo. Voltou das férias bem diferente! Parece que regrediu... Está agitado, não está me escutando..." (Diário de viagem, prof. E, 15 ago. 2009).
O que ainda está bem difícil são as fraldas. Ele já está grande... Faz cocô e não dá nem sinal... No banheiro, quando a professora auxiliar vai trocá-lo, não está nem aí... É nojento, pois não é cocô de bebê, se suja todo... É complicado de limpar... (Diário de viagem, Prof. E, 2 set. 2009).

Tempos não lineares, movimentos de leitura que transitam indo e vindo, avançando e recuando. Ocorrem novos desencontros, contradições se apresentam e o fazer não se constitui de forma total, não está definido por completo. É um trabalho que pertence à outra perspectiva, em que os deslocamentos não seguem um padrão prévio. "Recém essa semana que Antônio parece estar retomando o que já fazia antes... Está me ouvindo, às vezes pega os carrinhos e tenta brincar". (Diário de viagem, prof. E, 10 set. 2009).

Pensar a leitura da forma que estamos propondo não costuma ser o caminho habitual nos contextos escolares e percursos formativos. Implica seguir outro sentido, distinto do que costumamos compreender quando o ato de ler é considerado. É importante abordar o conceito de outro ângulo, subvertendo-o. Para tanto, a literatura, como tantas vezes já apontado por Freud, pode ser um caminho.

A compreensão do terceiro tempo se delineia nas palavras de Barthes (1970/2012) ao considerar a leitura tanto como algo em que tudo se tornará legível, quanto como algo que se mantém ilegível. Valoriza a dimensão criadora da leitura e a capacidade inventiva do leitor: "Não há injunção estrutural para fechar a leitura... O saber-ler pode ser delimitado, verificado no seu estágio inaugural, mas bem depressa se torna sem fundo, sem regras, sem graus e sem termo" (p. 33).

Em Escrever a leitura, (Barthes, 1970/2012) propõe o ato de ler como aquele que acontece com interrupções por afluxo de ideias, excitações e associações. Barthes considera a leitura como aquela que demonstra certo desrespeito em relação ao texto escrito e ao mesmo tempo como apaixonada, retornando ao texto e nutrindo-se de sua fonte. Problematiza a posição do leitor como aquele que usufrui simplesmente de uma obra atribuindo um sentido único e verdadeiro, buscando uma decifração.

No início do texto Da leitura, Barthes (1975-76/2012) interroga sobre o que é, como e o porquê ler, apontando para uma leitura particular, singular. Comenta o fato de não haver uma doutrina da leitura. É considerada como um "transbordamento", e

não sei se a leitura não é, constitutivamente, um campo plural de práticas dispersas, de efeitos irredutíveis, e se, consequentemente, a leitura da leitura, a Metaleitura, não é nada mais do que um estilhaçar de ideias, de temores, de desejos, de gozos, de opressões (p. 31).

A desconstrução do conceito proposta por Barthes e sua desmontagem, dando sentido à experiência, foi a posição a ser buscada junto aos professores durante a realização do grupo pesquisado. O aluno da inclusão é percebido como um conjunto de letras desarrumadas, transbordantes, deslocando-se ao longo do percurso. O professor desmonta e desarruma, realizando uma leitura desconstruída diante de situações que ameaçam sua suposta certeza.

No gr upo de professores, esses deslizamentos são construídos através do jogo entre saber e não saber, experiência vivenciada pelos participantes de forma singular. O grupo oferecia espaço e tempo para a formulação de respostas, mesmo que provisórias. Depois, em outro tempo e espaço – em sala de aula, por exemplo –, era possível refletir sobre as explicações construídas. Em um terceiro momento, era importante ressignificar e reinventar o que foi dito e percebido, funcionando em uma lógica distinta da cronologia. Para tanto, o tensionamento se manteve presente durante os encontros, convocando os professores a construírem novas respostas. Esse processo era reafirmado frequentemente, potencializando o desejo de investigação e a busca por novas descobertas sobre o aluno e o trabalho realizado.

 

Por que não se conclui...

Esta pesquisa testemunha um percurso de for mação continuada de professores, compreendendo as posições e movimentos enunciativos na tentativa de construir o trabalho pedagógico. O estranhamento inicial percebido diante do aluno conduz o docente a um primeiro tempo de leitura: O deslocamento em busca de palavras, explicações e respostas para tamanha disparidade. Saberes classificatórios podem proporcionar rápidas traduções para as cenas vivenciadas, chegando antes do encontro com o aluno em sua singularidade. Nesse primeiro tempo de leitura, a idealização assume o centro do trabalho, podendo conduzir o professor à impotência. A busca da perfeição identificada com o eu ideal e o mascaramento da falta inibem a continuidade do trabalho.

Diante da divergência encontrada, convidamos o professor a atravessar o estranhamento, atribuindo novos sentidos à sua leitura. Esse é o momento da proposta do grupo na escola. Em companhia, o professor enfrenta esse estranhamento, encontrando maneiras de atravessá-lo. Os conhecimentos existentes não dizem do dia a dia de trabalho, sendo necessário reinventá-los, dar o seu tom singular. Isso implica a travessia pelo estranho, aceitando a desorientação, suportando o não saber, a dúvida, o vazio, deixar espaços abertos e enfrentar riscos e quedas próprios do percurso a ser realizado.

Seguindo o trajeto, o deslocamento ao terceiro tempo de leitura se realiza como possibilidade de dar sequência a um trabalho, seguindo rotas alternativas. São movimentos, avanços e recuos. A travessia exerce o efeito da criação, a invenção de um trabalho que não está definido antecipadamente. Implica a sua construção, dependendo da alteração do ângulo para ler o aluno. Relaciona-se a uma leitura desconstruída, abrindo mão do controle. É uma leitura que se assemelha ao olhar sublime lançado pela mãe em direção ao seu bebê, identificando-se com o ideal do eu, permitindo assim o reconhecimento da alteridade. Leitura que é parcial, que se aproxima e se distancia do objeto e está relacionada à sublimação, com um tempo e posição que permitem a criação e a invenção de um trabalho singular, composto de forma artesanal. Tempo de leitura que utiliza saberes já existentes, mas que dá o tom particular e único a cada peça elaborada, percepção que se torna possível pelo compartilhamento de narrativas no grupo, que vão permitindo novos olhares e múltiplas leituras.

Muitos questionamentos acompanharam o percurso realizado. Respostas parciais e provisórias foram elaboradas, sustentando as práticas com o aluno da inclusão. Outras permaneceram em aberto, como toda leitura desde a perspectiva que propusemos realizar.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
larissascherer70@gmail.com
Rua Joaquim Nabuco, 1044/601
93310-002 – Novo Hamburgo – RS – Brasil

Recebido em abril/2015.
Aceito em julho/2015.

 

 

NOTA

1. Tal expressão, seguidamente mencionada pelos professores, era usada para designar esses alunos como frequentadores muito distintos dos demais no universo escolar, pois realizavam outras atividades e não seguiam as mesmas orientações e atividades. Eram alunos designados como não pertencentes à rotina daquele lugar, demonstrando a necessidade de identificá-los em outro sistema dentro da escola. Eram sujeitos que, por exemplo, são identificados como alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento, autismo e psicose infantil pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil, 2008).

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