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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.20 no.3 São Paulo dez. 2015

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v20i3p366-368 

EDITORIAL

 

Editorial

 

 

Entre o impossível e o necessário: eis uma boa fórmula para definir a relação da psicanálise com a educação.

Foi o sonho de Freud, mas também o movimento inevitável de extensão de uma teoria que não cessa de não se inscrever, que fez que a psicanálise desembarcasse também, entre outras terras exploradas, na educação. Mas o fundador da psicanálise que percorreu esse campo de maneira discreta nos legou sobre o assunto algumas pérolas até hoje exploradas, além de algumas advertências sobre os perigos das tentações no caminho.

A principal advertência versa sobre a tentação da síntese, a vontade de fazer esfera, desejo de complementaridade, muitas vezes expresso na ideia de aplicação da psicanálise, suposta disciplina científica, parte das ciências do homem, e a educação, campo prático habitado e recortado pelas diversas ciências humanas. Pais e educadores ávidos por respostas encontrariam na psicanálise algumas delas.

Bastaria lembrarmos que "análise" é antônimo de "síntese" para estarmos advertidos do engodo de tal empreitada. A topologia da esfera, tão frontalmente criticada por Lacan, nos induz a pensar numa relação harmoniosa entre os dois lados: a pedagogia pergunta e a psicanálise responde. Assim, nos primórdios do trabalho neste campo, a psicanálise foi convocada a responder sobre o problema pedagógico da orientação sexual das crianças. Assim seguiu sendo quando novamente ela foi chamada a responder sobre o que não funciona bem nas crianças, os chamados "problemas da aprendizagem e do desenvolvimento". E não se pode dizer que estejamos livres do vício que essa topologia instaurou.

Mas, desde as advertências de Freud até os dias de hoje, muitos de nós que enveredamos por esse campo de pesquisa e trabalho logramos habitá-lo de outro modo, menos esférico e mais próximo da topologia borromeana, na qual o entrelaçamento de aros compondo um nó leva a algo que é mais que a soma simples desses aros. Ao se entrelaçarem não podem mais ser simples aros, mas só existem enquanto um nó indissociável. Nesses termos, o educador pode perguntar, mas se e quando o psicanalista se propõe a responder, só pode fazê-lo devolvendo a pergunta já transformada por algo que já não pertence mais a um só aro desse nó. Uma vez enodados já não existem mais campos próprios para sustentar alguma ideia de aplicação, de superposição de um campo sobre outro.

A relação da psicanálise com a educação é impossível porque ela não cessa de não se inscrever. Nunca se pode esperar dessa relação algo como um tratado sobre o tema, porque estamos condenados a um tratando que nunca é o mesmo, mas que sempre está ali, como o horizonte para o barco que navega – está sempre ali a condição de nunca ser o mesmo.

Mas a relação da psicanálise com a educação também é necessária porque não se pode impedir o movimento da teoria de estender-se: assim como o psicanalista, a psicanálise também se autoriza de si mesma e de outros. Sem testar-se em outros campos, a teoria se esteriliza cedendo a um internalismo como "a clínica confirma", conduta que tão facilmente cedeu o argumento à Popper e todos aqueles que se valeram de sua lógica para desmerecer a psicanálise por não ser científica, uma vez que estaria baseada numa prática de verificação sem instaurar as condições de sua falsificação . De certo modo, é essa tensão estrutural interna da psicanálise que levou Lacan a proposição dos termos "intensão" e "extensão". Para além do que esses termos abrangem em suas definições, sua mera proposição indica a necessária extensão.

Já estamos longe da época em que psicanalistas se acomodavam ao papel de aplicar sua teoria no campo educativo, e os artigos que seguem neste número são uma incrível prova da diferença que traçamos desde esse início. Hoje convivemos com uma produção enriquecida que interroga problemas cotidianos e contemporâneos da educação e da infância, mantendo o fio de Ariadne da teoria que nos possibilita não nos perder no labirinto das questões do campo alheio.

***

Estilos da Clínica nasceu para discutir os problemas da infância na interface da psicanálise com a educação. Além disso, estava escrito, em seu primeiro editorial no ano de 1996, que a revista pretendia registrar, em suas páginas, as diferentes formas de tratamento para crianças com problemas de desenvolvimento e convocar para o debate os praticantes de outras disciplinas orientados pelo eixo da psicanálise. Passado esse tempo, Estilos vem cumprindo o papel a que se propôs no início.

O último número do ano 20 apresenta um pouco dessa produção em torno da infância com problemas, em seus diferentes eixos: discute o acompanhamento terapêutico na escola, o trabalho com professores inclusivos, a escrita no tratamento do autismo, a metodologia IRDI na educação infantil e a leitura psiquiátrica das dificuldades de aprendizagem.

Estilos cresceu e passou a oferecer também um espaço para a discussão de uma variedade de temas abarcados pelo campo das articulações entre psicanálise e educação, um campo que cresceu junto com a revista. Este número traz, de forma oportuna neste momento de balanço de produção da revista, uma pesquisa sobre o Estado da arte desse campo no Brasil. A pesquisa mostra tanto o crescimento como a ampliação desse campo, que abarca hoje temas como a formação de professores, a aprendizagem, o mal-estar docente, a adolescência, o TDAH, a avaliação e a violência, entre outros. O campo e a revista cresceram, assim, de mãos dadas.

É preciso agradecer vivamente a colaboração dos autores que escreveram na Estilos todos esses anos, contribuindo para manter sua qualidade, assim como ao Instituto de Psicologia da USP e ao Sistema Integrado de Bibliotecas da USP (SIBi). Graças a todos eles Estilos se mantém viva e disponível para continuar sendo, como está escrito no Editorial de 1996, um lugar no qual guardar a produção de nosso tempo, bem como para continuar colaborando para a consolidação do campo das articulações entre a psicanálise e a educação.

Os editores

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