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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.20 no.3 São Paulo dez. 2015

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v20i3p369-390 

DOSSIÊ: PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO: INTERFACES 20 ANOS DEPOIS

 

Análise do estado da arte em psicanálise e educação no Brasil (1987- 2012)

 

Analysis of the state of the art in psychoanalysis and education in Brazil (1987-2012)

 

Análisis del estado del arte en psicoanálisis y educación en Brasil (1987-2012)

 

 

Marcelo Ricardo PereiraI; Wegis Herculano SilveiraII

IProfessor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FaE-UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.
IIAluno do curso de Psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (FAFICH-UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.

Correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta um novo survey bibliográfico em psicanálise e educação, com 635 teses, dissertações, artigos e livros, tendo sido realizado no intuito de conhecer a produção nacional do campo desde a década de 1980, quando o campo de psicanálise e educação ganha no Brasil um recorte independente da psicologia do desenvolvimento. O survey teve como fontes o Estado da Arte do LEPSI-USP e os bancos eletrônicos de trabalhos da CAPES, do Google Acadêmico, do SciELO, do BVS-Psi e de várias universidades e editoras brasileiras. O texto divide os títulos em 13 eixos temáticos, debatendo-os e mostrando possíveis perspectivas para o campo neste início de século.

DESCRITORES: survey bibliográfico; psicanálise; educação.


ABSTRACT

The article presents new literature survey in psychoanalysis and education, with 635 theses, dissertations, articles and books, conducted to know the national production of the field since the 1980s, when the field of psychoanalysis and education in Brazil is distinguished from developmental psychology. The sources of the survey were the State of Art of LEPSI-USP and the electronic libraries of CAPES, Google Scholar, SciELO, BVS-Psi and of several Brazilian universities and publishers. The titles were divided into 13 themes, and then analyzed to show possible perspectives to the field in the beginning of the century.

INDEX TERMS: litearature survey; psychoanalysis; education.


RESUMEN

Este artículo presenta un nuevo survey bibliográfico en psicoanálisis y educación, con 635 tesis, disertaciones, artículos y libros, realizado con el fin de conocer la producción del campo a nivel nacional desde la década de 1980, cuando el psicoanálisis y la educación ganaran en Brasil un recorte independiente de la psicología del desarrollo. El survey tuvo como fuente: el Estado del Arte del LEPSI-USP y los bancos de datos electrónicos de la CAPES, del Google Académico, del SciELO, del BVS-Psi y de varias universidades y editoras brasileñas. El texto divide los títulos en 13 ejes temáticos, debatiéndolos y mostrando posibles perspectivas para el campo a principios de este siglo.

PALABRAS CLAVE: survey bibliográfico; psicoanálisis; educación.


 

 

Introdução: duo estado da arte

Em 2010, a equipe da professora Maria Cristina M. Kupfer, da Universidade de São Paulo, realizou um estado da arte que, segundo os autores, tratou-se de um primeiro levantamento de dados que demonstra uma expansão significativa, sobretudo nos últimos 20 anos, do campo que se resulta da articulação entre psicanálise e educação. Kupfer et al. analisaram esse campo, em artigo publicado pela revista Estilos da Clínica (2010), tendo como aporte a tradição de investigação e de trabalhos desenvolvidos pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas Psicanalíticas e Educacionais sobre a Infância (LEPSI-USP) e pelo Lugar de Vida: Centro de Educação Terapêutica, de São Paulo – referências expressivas do campo.

Para aquele primeiro estado da arte, foram examinadas as teses de doutorado, bem como os artigos em revistas científicas e a produção bibliográfica, que somaram 277 trabalhos em todo o país, mais substancialmente os de São Paulo, sendo 212 títulos que seguem as orientações próximas ou semelhantes a do LEPSI-USP. Para a revisão crítica desses trabalhos, foram adotados os seguintes eixos temáticos, estabelecidos no artigo em referência: 1. transferência no campo educativo; 2. formação de professores; 3. psicanálise, discurso pedagógico e educação na contemporaneidade; 4. relação com o saber: a posição do aluno e do professor em relação ao saber; 5. tratar e educar.

Como resultados das análises da literatura estudada, foram destacadas três maneiras de encarar a articulação da psicanálise com a educação. Há trabalhos que não fazem senão uma justaposição entre os dois campos, sem extrair consequências ou fazer cruzamentos conceituais. Há também os que realizam uma leitura marcada por um viés ideológico: a psicanálise comparece como diretriz normativa e interpretativa, numa relação de mestria sobre aquilo que deve ou não dever ser realizado no campo da educação. E há um terceiro tipo de trabalho no qual a psicanálise não ocupa a posição de leitora que ilumina a educação, mas a do "fruto da colocação do psicanalítico no âmago do educativo, em seu nó, em seu caroço" (Kupfer et al., 2010, p. 289).

Tendo como referência este trabalho, o professor Marcelo Ricardo Pereira, da Universidade Federal de Minas Gerais, juntamente com sua equipe1 formada pelos orientandos Maria Cristina Sousa, Kaio Batista Fidelis e Wegis Silveira, entre 2010 e 2012, passou a desenvolver um novo e consistente levantamento bibliográfico de acervo indexado, feito com 635 trabalhos, no intuito de ampliar substancialmente o primeiro estado da arte de Kupfer et al.2. Tal iniciativa seguiu as diretrizes do plano proposto pelo Grupo de Trabalho de Psicanálise e Educação da Associação Nacional de Pesquisas e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP), da qual Cristina Kupfer e Marcelo Pereira são membros. O objetivo do novo estado da arte foi conhecer e aprofundar mais nacionalmente o que tem sido produzido na literatura científica do campo desde 1987, década na qual a psicanálise e educação ganha no Brasil um recorte disciplinar independente da psicologia do desenvolvimento (voltaremos a isso).

Pesquisou-se, então, o acervo através de fontes como o próprio estado da arte de Kupfer e grupo, dados do LEPSI-USP, como também os bancos eletrônicos de trabalhos da CAPES, do Google Acadêmico, do SciElO, da BVS-Psi, de outras universidades brasileiras e de editoras de livros. Isso resultou em um survey bibliográfico, intitulado Estado da Arte em Psicanálise e Educação no Brasil (1987-2012), de Pereira, Kupfer, Sousa e Fidelis (2012). Com 635 teses, dissertações, artigos e livros, construiu-se um espectro nacionalmente abrangente sobre o que se produziu, com que capital acadêmico contamos hoje e quais os rumos, as tendências e as linhas de força que esses trabalhos vetorizam em relação ao campo brasileiro da psicanálise e educação na virada de milênio.

Os primeiros dados do survey confirmam quantitativamente a hipótese de Kupfer e grupo e mostram o quanto o campo cresceu em números absolutos no que concerne a publicações e defesas, saltando de menos de 10 produções por ano na primeira década examinada por nós para mais de 60 por ano no período mais recente (ver gráfico abaixo). Cabe assinalar a importante contribuição político-acadêmica do LEPSI-USP para a intensificação da produção de psicanálise e educação no Brasil, uma vez que, após a sua fundação em 1998 e a realização de seus colóquios internacionais (de início, anuais, e depois, bienais), fez com que o número de produção se multiplicasse, vindo, a nosso ver, a sedimentar o campo no país de modo mais consistente. O Lugar de Vida – Centro de Educação Terapêutica também contribuiu como lócus teórico-prático para que a emblemática iniciativa do LEPSI fosse seguida por diversos grupos que, hoje, segundo dados de diretórios do CNPq, somam mais de 40 em várias universidades nacionais, sobretudo de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte. O próprio LEPSI se desdobrou e conta hoje com uma seção fora da sede – o LEPSI-Seção Minas – que reúne pesquisadores das Universidades Federais de Minas Gerais e de Ouro Preto (UFMG e UFOP), que se somam aos da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

 

Figura 1

 

Método: survey bibliográfico

O presente artigo pretende ser um dos possíveis panoramas do extenso material bibliográfico levantado, pesquisado e estudado para tal, e servir de base para outros estudos que podem dele fazer uso. De posse dos dados de 635 títulos do novo estado da arte, fizemos a análise de palavras-chave, dos resumos e/ou de textos integrais, dos quais extraímos seus respectivos objetos de estudo, abordagens e resultados, de modo a poder classificá-los, quantificá-los e agrupá-los por eixos temáticos, identificados e distribuídos em 13, a saber: 1. Subjetividade (113 títulos); 2. Psicanálise e educação (92); 3. Infância (80); 4. Relação professor-aluno (74); 5. Formação de professores (65); 6. Aprendizagem (60); 7. Inclusão (60); 8. Mal-estar docente (58); 9. Adolescência (54); 10. Saúde mental, autismo, TDAH (37); 11. Violência (28); 12. Linguagem (24); 13. Fracasso escolar (20)3.

Com base nesses eixos, os títulos e resumos foram reagrupados em arquivos separados e receberam vários tratamentos para que pudessem ser exaustivamente estudados. O intento era poder extrair a súmula dos conteúdos que os trabalhos originalmente apresentavam para traçar o panorama que este artigo objetiva. Para isso, examinamos todo o material e, dado seu volume, decidimos nos concentrar naquela maioria de trabalhos que se mostrou, a nosso ver, mais emblemática, representativa e abrangente para fazer a súmula de cada eixo temático proposto.

 

Resultados: os eixos temáticos

 

 

Podemos notar no gráfico anterior que quase 40% dos trabalhos publicados ou defendidos concentram-se em eixos temáticos que giram em torno da subjetividade, de teorias da psicanálise e educação e da infância. Esse dado reforça a hipótese de que as iniciativas do LEPSI e do Lugar de Vida serviram mesmo como orientador político-acadêmico para o campo, pois tais temas coincidem com as abordagens dos estudos e das pesquisas realizadas tanto pelo laboratório quanto pelo centro educativo. Se acrescidos do eixo da saúde mental, autismo, TDAH, que também embasa os trabalhos das duas instituições, essa percentagem se aproxima de 45%, ou seja, quase a metade dos títulos brasileiros de psicanálise e educação. Mas se pode notar também a grande e equilibrada diversidade de abordagens que faz denotar o quanto o campo mostra fôlego para interrogar outros fenômenos sociais e educativos do nosso entorno. Temas como a relação professor-aluno, a formação e o mal-estar docentes, os problemas de aprendizagem, a inclusão e a adolescência, entre tantos, compõem as ênfases de muitos trabalhos que pluralizam a abrangência do campo no Brasil, para além da orientação de base do LEPSI e do Lugar de Vida.

Sumamente, o que dizem os 13 eixos temáticos que divisamos no novo estado da arte em referência? Vamos expô-los em ordem decrescente, considerando os números absolutos dos títulos encontrados:

1. Subjetividade: o tema que mais mobiliza os pesquisadores de psicanálise e educação em nosso país é a subjetividade ou os modos de subjetivação, sendo 113 títulos classificados dos 635 totais4. Selecionamos 64 títulos mais representativos para estudá-los e verificamos o quanto se aborda a constituição do aluno-sujeito, seja ele adolescente, criança ou bebê, como a escola tem importância nesse processo de subjetivação e como se estabelecem vínculos que se formam durante o percurso de escolarização. Alguns títulos dão centralidade mais especificamente às atividades lúdicas, aos contos de fadas, à leitura de livros literários, além de uma tese que aborda a influência dos videogames na subjetivação das crianças. Tais trabalhos destacam a importância do despertar da criatividade na educação, da escuta mais atenta dos pequenos e do cuidado especial com as representações de suas atividades, por exemplo, o cantar e o brincar. Falam também dos contos de fadas como "um importante repertório cultural para a orientação de crianças sobre si mesmas, sobre sua imersão ética na sociedade e sobre suas aprendizagens formais" (Rocha, 2004, citado em Pereira et al., 2012, linha 499).

Não obstante, há vários trabalhos que abordam o outro extremo da relação pedagógica que é ocupada por aquele responsável por transmitir algo além do conhecimento, isto é, o professor. Não se refere aqui ao professor isolado em seu papel de educador, mas ao professor enquanto sujeito do inconsciente. Os títulos mergulharam nas vidas pessoais de docentes, investigando o antes (sua história), o paralelo (o seu presente além da vida escolar) e o que é pensado por eles como propostas futuras para a educação (perspectivas). Há trabalhos que investigaram o próprio sujeito em exercício, seus impasses e a relação disso com o processo de formação para se tornar um educador. Além disso, há trabalhos que tratam especificamente da subjetividade das mulheres professoras, dentre os quais um que aborda especificamente os casos das professoras migrantes. As conclusões desses trabalhos são semelhantes, pois chegam ao entendimento de que "a postura da mulher frente à docência é condizente com o modo com que esta exerce a feminilidade nos diversos espaços que ocupa" (Santos, 2010, citado em Pereira et al. 2012, linha 526). Sobre as professoras migrantes, observa-se a manutenção de aspectos subjetivos que foram adquiridos em suas terras de origem, no caso, em algumas cidades nordestinas.

Em um número menor, encontramos trabalhos que tratam da sexualidade na constituição do professor-sujeito e da interdição dessa sexualidade no processo de subjetivação durante a infância. Encontramos também como tema a constituição dos sujeitos não escolarizados na infância e os efeitos subjetivos de adentrar tardiamente o ambiente educacional; os fenômenos subjetivos emergentes que se dão em decorrência da nossa sociedade globalizada, bem como sobre os impactos da cegueira na constituição do sujeito, buscando "identificar singularidades e condições nas quais ela manifesta possibilidades de tornar-se sujeito e desenvolver-se" (Ormelezi, 2006, citado em Pereira et al. 2012, linha 423).

2. Psicanálise e educação: recortamos 92 trabalhos e selecionamos os 60 mais representativos para exame dos títulos que reúnem os aspectos teórico-conceituais de psicanálise e educação. Apesar de ser um eixo temático em que todos os títulos estão vinculados de alguma forma, por seu caráter mais genérico, notamos que alguns deles analisaram o tema com questões mais específicas. A maioria tenta explicar a educação pela perspectiva psicanalítica através da releitura de textos de Lacan e principalmente de Freud, comentando escritos célebres como "Análise terminável e interminável" (Freud, 1937/1980), no que tange à ideia sobre os "ofícios impossíveis". Entretanto alguns títulos não deixam de ressalvar a diferença entre o contexto contemporâneo e o de Freud do início do séc. XX.

Outras abordagens que merecem menção: a perspectiva psicanalítica da ética no ato educativo, concluindo que é uma das ferramentas fundamentais que imperam a lei; a da sexualidade relacionada à inibição intelectual, em que se discute a influência do recalque da curiosidade sexual infantil; e a do papel de "uma escola que deve conseguir mais do que não impelir seus alunos ao suicídio ... e dar-lhes o desejo de viver" (Freud, 1910/1980, p. 217).

3. Infância: classificamos 80 títulos voltados basicamente para o tema e, deles, examinamos os 48 mais emblemáticos. Considerado o "período de vida humana desde o nascimento até a puberdade"5, a infância é tida como o momento em que se realizam os primeiros contatos com o mundo e com o outro. Nos nossos dias, as crianças tendem a ser precocemente inseridas em ambientes considerados educativos pela busca de aceleração do desenvolvimento dos sujeitos, por fatores adjacentes, como a indisponibilidade dos pais em cuidarem de a distância, e outro que aborda o manejo da contratransferência por parte do professor para lidar melhor com os alunos. Mas, em geral, pode-se perceber como a relação professor-aluno e a transferência propiciada por ela são permeadas pelos efeitos na transmissão de saberes, na influência do professor na constituição subjetiva do aluno, no surgimento de impasses e problemas entre o aluno e o docente, bem como pelos efeitos de sedução, de afeto e de sentimento que surgem durante o período escolar. Sobre este último subtema, os trabalhos aparecem de maneira mais isolada, mas dois deles se destacam. O primeiro faz uma meta-análise de diferentes trabalhos para compreender a relevância da afetividade na aprendizagem e a natureza do "vínculo entre mestres e estudantes como facilitadores da introjeção de modelos de identificação" (Libermann, 2009, citado em Pereira et al., 2012, linha 308). O outro trata do "jogo da sedução [que] na relação professor-aluno se processa através de desejos dos pais para os professores em suas representações inconscientes de sedução, havendo um deslocamento do afeto, de uma representação para outra" (Makashima, 1995, citado em Pereira et al., 2012, linha 343).

5. Formação de professores: selecionamos para exame 51 dos 65 títulos que investigam o processo de formação docente associado à psicanálise. O eixo pode ser dividido em vários subtemas, mas a nosso ver, há dois principais: (a) as possíveis contribuições da inserção da psicanálise e da psicologia nos cursos de formação, cujos títulos tendem a concluir que o aporte psicanalítico pode fornecer algum preenchimento de lacunas, muitas vezes deixadas em aberto pelo campo da educação; e (b) os questionamentos e impasses subjetivos de professores participantes dos cursos de formação continuada entre o apresentado no curso e a realidade vivida por eles, como esclarece um dos textos: "a realidade, considerada como única e universal pelo senso comum e para a qual todos os indivíduos de uma sociedade devem ser preparados por meio de escola, confronta-se com uma visão de realidade e de real que é singular de cada professor" (Altarugio, 2002, citado em Pereira et al., 2012, linha 23).

Houve também, em menor número, alguns trabalhos que estudaram o que caracteriza um bom professor correlacionado à influência da sua própria formação; a importância da fala na formação de professores; o perfil dos professores de matemática; e a formação docente para a educação inclusiva.

6. Aprendizagem: dos 60 trabalhos que investigam as dificuldades de aprendizagem por parte de crianças e de adolescentes, examinamos 35. Alguns títulos trataram do tema de maneira mais específica, a saber: a aprendizagem em geral, que aborda estruturação subjetiva no processo de aprendizagem de crianças, passando também pela conexão entre a psicanálise e a linguística; a aprendizagem das matemáticas, que levanta a hipótese de que as dificuldades relativas a esse tipo de aprendizagem se dão pela falta de construção de sentido para as próprias matemáticas; a questão da alfabetização, em que se procurou compreender a relação entre o próprio processo de alfabetização e a subjetividade do aluno; e a aprendizagem da filosofia, em que se chega à conclusão de que "ensinar/aprender a filosofar e, por consequência, a pensar, não ocorre desvinculado do processo de constituição da singularidade e diferença" (Benetti, 2003, citado em Pereira et al., 2012, linha 78).

Os demais trabalhos tratam o tema de maneira diversa. Há textos que abordam o universo da escrita gráfica e a aprendizagem da leitura por parte das crianças, apoiando-se na investigação em três aspectos: o conceito de língua, a concepção de leitura e a relação entre a aquisição da língua e possibilidades subjetivas; há os que versam sobre a produção de sentido frente às dificuldades de aprendizagem; há pesquisas sobre a vivência emocional do aprender; sobre as dinâmicas de grupo na aprendizagem; e sobre os que procuraram investigar o lugar da autoridade no processo de aprendizagem, ao citar Freud para falar da relação estreita entre autoridade e amor. Chama a atenção o título que busca o vínculo entre interdição sexual e aprendizagem, pois, segundo o texto, "uma vez que a função paterna atue como reguladora dessa relação mãe-filho, a criança é capaz de transitar pelos objetos e filiações que a cultura oferece em substituição ao ideal imaginário de completude" (Molina, 1999, citado em Pereira et al., 2012, linha 383).

7. Inclusão escolar: para esse eixo foram 60 trabalhos classificados, dos quais selecionamos 45 para análise. Quando se aborda a inclusão escolar – ou, de maneira mais ampla, a educação inclusiva –, aborda-se também, implícita ou explicitamente, as políticas públicas, as resoluções da Unesco, as culturas locais e nacionais, as modificações nos programas de formação de professores e o provável impacto disso no ambiente educacional.

Uma das perspectivas é a inclusão de crianças com deficiências, como a surdez e a cegueira, ou com câncer. As investigações identificam as barreiras que se levantam frente à tentativa de inclusão de sujeitos nessas condições, as formas de facilitação do ensino para eles e a contribuição que a educação escolar pode dar para sua construção psíquica. Chega-se, em regra, a uma inferência comum que fala da necessidade de ampliação da discussão entre os envolvidos no processo de inclusão para se construir caminhos mais efetivos na educação das crianças. Outra perspectiva é a da inclusão de alunos com TGD (Transtorno Global de Desenvolvimento): muitos títulos avaliam o êxito educacional e as reais possibilidades de educação e as "novas formas de ensino e aprendizagem que viabilizem a inclusão escolar de crianças com distúrbios globais de desenvolvimento" (Bastos, 2003, citado em Pereira et al., 2012, linha 66).

Nessa esteira, e de forma isolada, alguns trabalhos tratam os processos para a inclusão, os programas e as políticas inclusivas para tal, os impactos sociais da educação inclusiva e as manifestações da sexualidade de alunos com Síndrome de Down. Encontramos também trabalhos que abordam especificamente as representações dos professores e profissionais que atuam com alunos participantes de programas de educação inclusiva.

8. Mal-estar docente: que mal-estar é esse que assola o campo pedagógico e ameaça a qualidade no sistema educacional? Há soluções para resolvê-lo? São essas as mais evidentes perguntas que 38 títulos analisados por nós, dos 58 classificados, tentam responder. Há, atualmente, um grande número de professores que se queixam de sua profissão. Eles tendem a ser avaliados, diagnosticados, desviados de função e/ou afastados. O número de casos de educadores atingidos pelo dito mal-estar docente chama a atenção de outros profissionais, entre eles, os que tomam a psicanálise como fundamentação teórico-empírica.

Em geral, os trabalhos investigam as possibilidades da devolução ou oferta da palavra ao professor através da escuta ou da escuta ampliada de seus sofrimentos psíquicos. Um dos títulos conclui que "na medida em que o professor fala acerca do mal-estar, sua própria fala conduz sua ação em outra direção, tomando para si a responsabilidade por seus atos educativos" (Schonardie, 2000, citado em Pereira et al., 2012, linha 54).

Outros trabalhos analisam o prazer e o sofrimento na prática docente; refletem sobre o estresse, a síndrome de burnout e a sua disseminação no meio acadêmico; pensam nas causas e nos efeitos da queda da autoridade docente no meio educacional; tratam também de como a violência e a educação inclusiva contribuem para o mal-estar de professores; e buscam saber como os professores respondem aos problemas psíquicos causados pela profissão, inclusive sintomaticamente.

9. Adolescência: dos 54 trabalhos, estudamos 47 em que se pode perceber a ênfase dada aos seguintes interrogantes de pesquisa, a saber: as dificuldades de aprendizagem do adolescente; a violência e o entendimento do que é e como ele se constitui; e qual o espaço que o jovem ocupa no contexto social. Há também, em menor escala, trabalhos voltados para a mídia, para a socioeducação e para a chamada teenagização da cultura ocidental contemporânea.

Notamos uma tendência de se considerar a adolescência como uma delicada transição devido às diversas transformações psíquicas, biológicas e sociais que o sujeito atravessa nesse momento. Seu título de infante lhe é retirado para que possa receber o de adulto, no entanto, o caminho que se trilha entre esses lugares, em nossa cultura, não pode ser previsto nem calculado. "É preciso amparo e ajuda para que tal estágio não se torne um período de errância subjetiva e social" (Benhaim, 2008, citado em Pereira et al., 2012, linha 79).

Várias pesquisas procuram identificar as representações de alunos adolescentes adquiridas e alimentadas pelos seus respectivos professores e quais as influências dessas representações no âmbito educacional e de adultos. Outros trabalhos investigam as dificuldades que muitos adolescentes possuem em relação à aprendizagem escolar, bem como a violência juvenil, procurando elucidar também as causas subjetivas da agressividade e da indisciplina por parte de adolescentes – algo corriqueiro tanto na escola quanto em no meio social. Há, por fim, alguns títulos que analisam o sucesso de professores em ensinar os jovens.

10. Saúde mental, autismo, TDAH: sobre a saúde mental e as psicopatologias que afligem sujeitos no ambiente educacional, estudamos 25 trabalhos dos 37 classificados. Segundo eles, os educadores precisam lidar também com déficits de aprendizagem, problemas de desenvolvimento psíquico, deficiências mentais etc. Aqui, demos centralidade a três formas de psicopatologias que sobressaem nos títulos estudados: o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), o autismo e a psicose infantil6. Em geral, tais trabalhos têm o objetivo de compreender, tratar e teorizar uma escola compatível com alunos que padecem dessas psicopatologias. Analisam suas construções sociais, seus significantes mais reincididos, as ondas de psicodiagnósticos generalizados de alunos e a adaptação das escolas para o acolhimento de sujeitos com necessidades especiais. Alguns títulos apresentam em suas conclusões propostas para o aprimoramento do sistema educacional como um todo.

Dentre os trabalhos sobre o TDAH, há o que busca entender o transtorno a partir da teoria de Winnicott "como possibilidades de compreensão das bases da personalidade e saúde psíquica" (Silva, 2010, citado em Pereira et al., 2012, linha 570). Esse parece ter sido o único texto que não seguiu uma orientação crítica em relação ao diagnóstico de TDAH. A maioria dos trabalhos demonstra se preocupar com o crescente número de crianças e adolescentes nomeadas como hiperativas e desatentas dentro da escola. Alguns denunciam que, desde os anos 1990, o diagnóstico do transtorno tornou-se um dos mais comuns, mas, com efeito, cabe saber onde termina a patologia propriamente dita e onde se inicia o discurso social, psiquiátrico e farmacêutico em relação ao grande número de alunos assim diagnosticados nos últimos anos.

Os títulos sobre o autismo se diversificam mais e analisam como o ambiente escolar influencia a vida e o desenvolvimento de alunos assim diagnosticados. Partindo de fontes distintas, examinam até que ponto o atendimento realizado em uma instituição de ensino pode ser considerado terapêutico, teorizando as diferenças entre o discurso educacional e o psicanalítico, bem como os impasses que surgem dessa diferença. Os textos passam também pela investigação sobre a construção de laços sociais no sistema educacional e sua importância na constituição subjetiva dos alunos, pelas representações de pais e de professores a respeito da inclusão de alunos autistas, como também pela capacidade dos educadores de lidarem com eles.

Já os títulos que abarcam a psicose infantil versam majoritariamente sobre a escolarização de crianças psicóticas. Questões que tratam da produção de conhecimento por parte dessas crianças são abordadas em trabalhos sobre a capacidade de aprendizagem na psicose infantil, as possibilidades da inserção escolar e abertura da escola para as diferenças, e como acontecem as implicações do tratamento da psicose pela ótica psicanalítica associada ao campo educacional.

11. Violência: "Por quê?", "Como?" e "Quais os reflexos?" são perguntas recorrentes nos 18 títulos estudados dos 28 classificados quando se procura entender a violência escolar. Muitos textos tratam das percepções de quem trabalha e vivencia tal violência em seu ambiente e arriscam fornecer possíveis soluções para lidar com ela. Há também outros textos focados na prevenção da violência, no estudo dela no contexto da juventude, além de um artigo específico que trata do tema relacionado às medidas socioeducativas.

Alguns trabalhos tratam não da violência na escola propriamente dita, mas de como ela é interpretada por professores, funcionários e pais de alunos. Estes tendem a justificar a violência escolar como reflexo da violência familiar e da falta de amor, no entanto, essas justificativas são dadas sem qualquer proposta de mudanças, o que, segundo os autores, faz desse discurso algo imobilizador. Em outros trabalhos, o que se percebe como principal causa de tal violência está ligado à queda da autoridade por parte do professor e conclui com a necessidade da introdução de novos métodos educativos que possam restabelecer o vínculo perdido.

De maneira mais específica, um dos artigos tece inferências sobre a noção psicanalítica de castração na sexuação, associando-a aos atos infracionais como uma resposta ao encontro com o amor (ou com o desejo). Há também artigos que tratam de temas como a negação da violência como uma provável causa da própria violência, já que esta é tida como fundamental para toda constituição subjetiva; do sintoma do fracasso escolar relacionado à violência; e dos atos infracionais como forma de estabelecimento e manutenção de laços sociais.

12. Linguagem: apesar de sua importância para a psicanálise, e mais especificamente, para a psicanálise e educação, a linguagem foi um tema relativamente pouco explorado pelos autores dos títulos que encontramos no survey. Dentre os 635 trabalhos, somente 24 abordam o assunto e, destes, apenas 9 tratam especificamente da linguagem. Entre esses 9, chama a atenção um recorte interessante sobre a linguagem e a subjetivação de adolescentes. Trata-se de uma pesquisa que procurou identificar através de letras de rap as representações que o adolescente faz de si e de sua realidade social. Outro trabalho analisou a "complexidade da linguagem e a polissemia da palavra, considerando suas implicações no que concerne à escola e a sua responsabilidade psicossocial na formação da criança e do adolescente" (Mendes, 2003, citado em Pereira et al., 2012, linha 367).

Em geral, houve interesse na compreensão de como os sujeitos respondem ao desamparo da própria linguagem, consequência da "queda de saberes universalizantes e de padrões sociais até há pouco vigentes, em virtude da perda de diretrizes claras ..., como: quando casar, que curso fazer, que família construir" (Radaeli, 2007, citado em Pereira et al., 2012, linha 480). Nesse rastro, há títulos que tratam a singularidade que se apresenta em textos escritos, no conceito de língua e no conceito de linguagem, em Freud, como também um título específico que analisou a importância do saber acumulado na linguagem e o reflexo fundamental da influência da psicanálise na pedagogia atual.

13. Fracasso escolar: por fim, dos 20 títulos sobre a etiologia do fracasso escolar, estudamos 15. Tais títulos parecem concordar com a dificuldade e talvez até com a impossibilidade de acessar a verdade sobre tal etiologia. Vários trabalhos buscaram respostas na tensão sofrida pela criança diante da demanda social tratada por meio das figuras do professor e do diretor da escola. A conclusão tende a mostrar que o fracasso escolar é "produzido na hiância do espaço indecidível entre o impossível real e o encontro traumático com o campo do Outro da educação" (Cohen, 2004, citado em Pereira et al., 2012, linha 131).

Não obstante, há trabalhos que enfatizam as determinações sociais, quando buscam responder às causas do fracasso escolar a partir da influência das condições do meio em que os sujeitos estão inseridos. Tentam compreender o que é, como se dá e quando um estudante é considerado fracassado. Além desses estudos, há outros que tratam de maneira mais isolada temas que giram em torno da tensão entre a educação formal e a informal, que faz acirrar o conflito entre as práticas escolares e as normas familiares. Tal conflito, que se revela como da ordem da impossibilidade, é transformado em algo da ordem da impotência. Há ainda outros estudos: os que consideraram o fracasso escolar como sintoma social; e os que se propõem a teorizar tal fracasso buscando explicações nas noções de inconsciente e de desejo. Esses estudos tendem a concluir que o fracassado não existe, mas sim um sujeito que não é compreendido em sua demanda.

 

Conclusão: os impossíveis e o futuro

Apenas um tema eu não posso evitar assim facilmente, não porque entenda bastante ou tenha contribuído muito para ele. Pelo contrário, quase não me ocupei dele. Mas é tão importante, tão rico de esperanças para o futuro, que talvez seja o trabalho mais relevante da psicanálise. Falo de sua aplicação à educação da próxima geração (Freud, 1933/2009, p. 307; itálico nosso).

Nenhuma das aplicações da psicanálise excitou tanto interesse e despertou tantas esperanças, e nenhuma, por conseguinte, atraiu tantos colaboradores capazes, quanto seu emprego na teoria e prática da educação (Freud, 1925/1980, p. 341).

Não desconhecemos que as duas assertivas de Freud, ainda que bastante encorajadoras, são mais a expressão de um desejo do que a de um retrato fiel do que acontecia tanto em sua época quanto ao longo do século XX. Porém, é entusiástico perceber a importância que o autor atribuíra à educação, mesmo sabendo que, em parte, o fazia para apoiar a inserção no campo de sua filha, Anna. Esse ato não deixou de ser político. Ainda assim, se pode notar o quanto os trabalhos contidos no estado da arte que realizamos parecem fazer do entusiasmo de Freud a sua própria força.

E não sem razão. Desde fins da década de 1970 na Europa (com autores como Mannoni, Filloux, Cifali, Millot, Tizio, Cordiè e outros), e ao longo da década seguinte no Brasil (com Mokrejs, Kupfer, Almeida, Folberg, Lajonquière, Mrech etc.), verificou-se o desprendimento da psicanálise e educação em relação à disciplina psicologia do desenvolvimento e sua constituição como disciplina independente e campo autônomo de saber. Esse campo passou-se a interessar menos pelas ortopedias de descrições lineares e quase instrumentais acerca das fases de desenvolvimento da libido e a buscar mais amplamente o entendimento das vicissitudes do desejo no âmbito educativo. Àqueles primeiros autores, cuja maioria felizmente se encontra hoje em pleno exercício, somam-se outros vários que reinauguram a psicanálise e educação numa visada fundamentalmente contemporânea e que, ao mesmo tempo, reinscrevem a radicalidade do gesto freudiano de inserir a pulsão e o inconsciente no seio da ciência. Isso ocorre efetivamente em diversas universidades, instituições psicanalíticas e outros órgãos de pesquisa de várias partes do mundo, como na França, Inglaterra, Espanha, Estados Unidos, Argentina e Brasil. Com base nos trabalhos examinados, notamos o quanto as principais universidades e instituições locais de psicanálise têm avançado esse movimento de manter pesquisas e estudos sobre uma prática educativa que admita o debate psicanalítico. Resultou de tal movimento, entre outras iniciativas, o profícuo Grupo de Trabalho Psicanálise e Educação (antes: Psicanálise, Infância e Educação) proposto continuamente à ANPEPP, desde 2006, que testemunha a diversidade de conteúdos e estudos do campo. Essa diversidade volta a ser confirmada com os eixos que divisamos no presente artigo com o survey bibliográfico realizado.

E quais são as novas que esse campo apresenta? A psicanálise e educação, como disciplina, parte da premissa de que é impossível que o ato de educar garanta um desempenho elevado e regular dos gestos profissionais. Na realidade, a psicanálise não esconde que "as pessoas não percebem muito bem o que querem fazer quando educam ... e são tomadas pela angústia quando pensam no que consiste educar" (Lacan, 1974/2005, p. 58).

Ora, um educador tende a viver essa angústia ao estar diante das incertezas de seu ato, das ambivalências, das pulsões, das manifestações da sexualidade de si e do outro, das invariantes diagnósticas, das irrupções da violência, da apatia e do desinteresse discentes, além de estar diante de sujeitos em sua radical diferença, tendo que exercitar o legítimo imperativo social de fazê-los incluídos (Pereira, 2013). Eis uma prática com contradições difíceis de ultrapassar: privilegiar a diferença ou a igualdade? Ser pelo particular do sujeito ou pelo universal dos métodos? Amar a todos ou exprimir seus desafetos? Controlar sua mestria ou expor sua vontade de domínio?

Com questões como essas, os trabalhos que examinamos parecem tencionar e confirmar o que Kant (1996) já dissera no século XVIII: a arte de educar, ao lado da de governar, é uma arte "dificílima". Sobre isso sabemos que Freud não só recuperou a observação de Kant sobre tais artes, como lhes deu o caráter de "impossíveis" e acrescentou a elas a arte que ele mesmo inventou: a de curar – arte que é própria à psicanálise. De maneira lacônica, Freud (1925; 1937/1980) por duas vezes teorizou algo específico acerca do impossível que ele nomeou de fracasso ou de sucesso insuficiente, e que Lacan (1974/2005, p. 57), mais tarde, vai chamar de "posição insustentável". Desde então, governar, educar e curar passaram a ter esse destino: o de poder "estar seguro de chegar sempre a resultados insatisfatórios" (Freud, 1937/1980, p. 292).

Com base nos trabalhos do estado da arte (de 1987 a 2012), podemos distinguir pelo menos dois momentos de afirmação relacionados ao campo disciplinar da psicanálise e educação no Brasil. O primeiro revela o quanto o campo se afirma majoritariamente mostrando a insuficiência dos saberes, conteúdos e métodos de outros campos aos quais se opõe, como a psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, a pedagogia, e mesmo a psicanálise praticada por correntes como o annafreudismo, a egopsychologie e correntes de base psiquiátrica ou higienista. São exemplos desse movimento, que prevaleceu nas duas primeiras décadas de afirmação do campo, os títulos que compõem os eixos temáticos 1. Subjetividade, 2. Psicanálise e Educação e 3. Infância, largamente os mais substanciais. Seus conteúdos abusam de análises sobre as artes ou profissões impossíveis, o desaparecimento da infância, os modos de subjetivação no campo educativo, a indiferença da pedagogia para as diferenças sociais e subjetivas, os impasses na transmissão, a crise contemporânea da autoridade de quem educa, bem como sobre o mal-estar tanto na civilização quanto na educação.

Já o segundo movimento desenvolve modos de intervenção, prática e aplicação de saberes psicanalíticos e educacionais ao domínio pedagógico em sentido amplo, como se pode perceber em quase todos os demais eixos temáticos. Como exemplo disso têm-se os vários trabalhos que citam ou estudam os princípios teórico-empíricos da École de Bonneuil (França), do Lugar de Vida (Brasil), entre outros pioneiros, e que foram multiplicados não apenas com modelos institucionais experimentais, mas também através de iniciativas de pesquisa e de intervenção a partir de universidades e de associação psicanalíticas nacionais. Um mundo de práticas se revelou desde então. Há estudos sobre o exercício dos próprios pesquisadores no que concerne à abordagem de crianças com problemas; à inclusão de pessoas com deficiência; ao trabalho com a saúde mental e o autismo no meio educacional; à psicanálise aplicada à lida com adolescentes agressivos, violentos ou em medidas socioeducativas; a formas de intervenção contra os modos destrutivos de laço social de sujeitos em condição de fracasso escolar, desistência e conduta associal; bem como à oferta da palavra, à escuta e a outros tipos de intervenção que permitam a alunos, a professores e a outras pessoas do âmbito educativo terem a chance de elaborar subjetivamente seus obstáculos pedagógicos, de transmissão e de gestão do "impossível".

Nesse sentido, o campo da psicanálise e educação não viria apenas dizer o que outros campos deixam de fazer ou considerar, e passaria a propor intervenções efetivas na realidade pedagógica em que se insere. Os títulos referentes a tais proposições encontram-se presentes desde os primeiros anos examinados por nós, mas é no último decênio que se fez notar o crescimento substancial de trabalhos que comunicam as operações clinicamente orientadas de que se lança mão como instrumento de intervenção.

Eis, a nosso ver, o futuro do campo. Seguindo e consolidando essa tendência, acreditamos que nos próximos anos os adeptos da psicanálise e educação se preocuparão em desenvolver mais o como do que o porquê, ou seja, mais os usos do que as causas, de modo a mostrar-nos como se dão as práticas e as intervenções no meio educativo orientadas pela psicanálise. Para isso, o método clínico – e suas variáveis – vem sendo e ainda será muito fundamental. Em uma perspectiva diferente dos pesquisadores das humanidades, e com base em métodos de orientação clínica, passou-se a buscar menos as grandes categorias sociais ou as regularidades discursivas e mais as formas singulares do ser falante, assumindo uma intervenção de caráter micropolítico ou microfísico. Aqui se tem uma prática da psicanálise menos inibida ou menos restrita aos espaços exclusivos dos consultórios. Temos claro que devemos levá-la à cidade, ao vínculo social e ao debate de muitos, como se pode notar na maioria dos trabalhos do campo da psicanálise e educação. Como escreve Laurent (2007, p. 143), "há que se passar do analista reservado, crítico, a um analista que participa, a um analista capaz de entender qual foi sua função e qual lhe corresponde agora".

 

REFERÊNCIAS

Freud, S. (1980). Análise terminável e interminável. In S. Freud, edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., vol. 23, pp. 341). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1937)        [ Links ]

Freud, S. (1996). Prefácio de A juventude desorientada, de Aichhorn. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., vol. 19, pp. 341). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1925)        [ Links ]

Freud, S. (2010). Novas conferências introdutórias sobre a psicanálise: explicações, aplicações e orientações. In S. Freud, Obras completas (Paulo C. L. Souza, trad., vol. 18, pp. 307). São Paulo, SP: Companhia da Letras. (Trabalho original publicado em 1933)        [ Links ]

Kant, I. (1996). Sobre a pedagogia. Piracicaba, SP: UNIMEP.         [ Links ]

Kupfer, M. C., Costa, B. H. R., De Césaris, D. M., Cardoso, F. F., Ornellas, M. L., Bastos, M. B., Crochik, N., Palhares, O. (2010). A produção brasileira no campo das articulações entre psicanálise e educação a partir de 1980. Estilos da Clínica, 15 (2), 284-305. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v15i2p284-305        [ Links ]

Lacan, J. (2005). O triunfo da religião, precedido de discurso aos católicos (A. Telles, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1974)        [ Links ]

Laurent, E. (2007). A sociedade do sintoma. Rio de Janeiro, RJ: Contra Capa.         [ Links ]

Pereira, M.R., Kupfer, M.C., Fidelis, K., Sousa, M.C. (2012). Estado da arte em psicanálise e educação no Brasil (1987 a 2012). Recuperado de: http://www3.fe.usp.br/secoes/inst/novo/laboratorios/lepsi/index1.htm.         [ Links ]

Pereira, M. R. (2013). Os profissionais do impossível. Educação e Realidade, 38 (2), 485-499. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S2175-62362013000200008        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
mrp@fae.ufmg.br
Avenida Antônio Carlos, 6627 – FAE – sala 1611
312071-901 – Belo Horizonte – MG – Brasil.

wegispsico@gmail.com
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312071-901 – Belo Horizonte – MG – Brasil.

Recebido em maio/2015.
Aceito em novembro/2015.

 

NOTAS

1 Os autores agradecem o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
2 Ambos os Estados da arte encontram-se publicados no site do LEPSI-USP: http://www3.fe.usp.br/secoes/inst/novo/laboratorios/lepsi/index1.htm. Evidentemente, apesar dos esforços para se recolher o máximo de informações possível, ambos os trabalhos são limitados por suas fontes eletrônicas de dados.
3 Há trabalhos específicos do campo "Relação com o saber" que foram realocados, sobretudo, nos eixos "Aprendizagem", "Formação de professores" e "Adolescência e infância", já que seus conteúdos parecem estar intimamente associados aos conteúdos de tais eixos.
4 Ou dos 736, contando a duplicidade temática de alguns trabalhos.
5 Disponível no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2013. Recuperado de http://www.priberam.pt/DLPO/inf%C3%A2ncia.
6 Optamos por analisar o Transtorno Global de Desenvolvimento (TGD) no eixo temático relativo à inclusão escolar por entendermos que, mesmo sendo um problema de saúde mental, ele tende a ser associado pela maioria dos trabalhos ao tema da educação inclusiva.

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