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Estilos da Clinica

Print version ISSN 1415-7128On-line version ISSN 1981-1624

Estilos clin. vol.21 no.3 São Paulo Dec. 2016

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v21i3p671-690 

DOI: http//dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v21i3p671-690

ARTIGO

 

O professor do fim do Ensino Fundamental I perante alunos com dificuldades de aprendizagem: questões psíquicas e mecanismos de defesa

 

The teacher at the end of elementary school towards students with learning difficulties: psychic questions and defense mechanisms

 

El maestro del quinto ciclo de la educación básica ante alumnos con dificultades de aprendizaje: cuestiones psíquicas y mecanismos de defensa

 

 

Catherine Luce

Psicóloga. Doutora em Ciências da Educação. Membro associado do Laboratório Educação, Discurso e Aprendizagens (EDA) da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Paris Descartes, Paris, França

Correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo visa apresentar tensões e questões psíquicas ligadas à confrontação do professor do fim do Ensino Fundamental I com alunos com dificuldade de aprendizagem e com "necessidades educativas especiais", de acordo com as normas institucionais. Esse profissional realiza seu trabalho no colégio em um entre-deux. Foi escolhido um método de pesquisa clínico de orientação psicanalítica. Ele permite apreender os movimentos psíquicos conscientes e inconscientes mobilizados na "personalidade profissional" e a relação específica estabelecida entre o professor de 5º ano e tais alunos ditos com necessidades especiais. A análise de entrevistas clínicas de pesquisa conduzidas com professores na França e em países francófonos valoriza modos de defesa específicos.

Descritores: professores do fim do Ensino Fundamental I; alunos com dificuldades de aprendizagem; abordagem clínica; conflitos psíquicos; mecanismos de defesa.


ABSTRACT

This article aims to present tensions and psychic issues related to the confrontation of the teacher at the end of Elementary School with students with learning difficulties and "special educational needs", according to institutional norms. These professionals carry out their work in an entre-deux. A method of clinical research with a psychoanalytic orientation was chosen. It allows us to grasp the conscious and unconscious psychic movements mobilized in the "professional personality" and the specific relationship established between the 5th grade teacher and those students with special needs. The analysis of clinical research interviews conducted with teachers in France and in French-speaking countries values specific defense methods.

Index terms: teachers at the end of Elementary School; students with learning difficulties; clinical approach; psychic conflicts; defense mechanisms.


RESUMEN

En este texto se pretende presentar las tensiones y cuestiones psíquicas en la relación del maestro del 5º ciclo de la educación básica y los alumnos con dificultades de aprendizaje y con "necesidades educativas especiales" según las normas institucionales. Este profesional trabaja en el colegio en un entre-deux. Se empleó el método de investigación psicoanalítico, el que permitió conocer los movimientos psíquicos conscientes e inconscientes que moviliza la "personalidad profesional" y la relación establecida entre el maestro del 5º ciclo y los alumnos con necesidades especiales. Desde el análisis, las entrevistas clínicas con los maestros en Francia y en países de habla francesa muestran modos de defensa específicos.

Palabras clave: maestros del quinto ciclo de la educación básica; alumnos con dificultades de aprendizaje; abordaje clínico; conflictos psíquicos; mecanismos de defensa.


 

 

Introdução

Em ocasião de minha pesquisa de doutorado (Luce, 2014), me detive, sob uma perspectiva clínica, na tentativa de compreender como os professores do 5º ano do Ensino Fundamental I1 se inscreviam em seu contexto profissional e institucional e experimentavam esse momento de transição escolar, em face de alunos pré-orientáveis à SEGPA [Seção de Ensino Geral e Profissional Adaptado]2, e apresentando dificuldades "graves e persistentes", em relação às quais é possível pensar que não poderiam ser resolvidas antes da passagem para o 6º ano. De minha posição de psicóloga escolar, constatei que uma relação singular se fundava especificamente entre o professor de 5º ano e tais alunos designados "com necessidades educativas especiais", induzindo a um posicionamento profissional específico.

Trabalhando sucessivamente na metrópole, depois na Polinésia Francesa e nas Antilhas, como psicóloga, mas também como docente de Ciências da Educação na universidade, realizei entrevistas com professores sobre esses diferentes territórios, conduzindo-as de acordo com o protocolo metodológico de entrevistas clínicas, que não são diretivas de pesquisa de referência psicanalítica (Castarède, 1983), a partir de uma instrução geral "expresse-se o mais livremente possível, como vier à cabeça, a respeito da grande dificuldade escolar", a propósito da qual "a pessoa é incentivada a dizer tudo o que lhe vier à mente... sem ordenamento, sem hierarquização, de acordo com o princípio 'de livre associação' em psicanálise" (Yelnik, 2005). A análise que fiz num segundo momento se baseava no método rigoroso da análise de conteúdo e na consideração da contratransferência do pesquisador como fonte de informação (Bardin, 1977).

Comecei por definir o lugar específico do professor de 5º ano, situado num entre-deux complexo, posicionamento único no contexto educacional francês. Com efeito, encarregado da preparação dos alunos a partir de outra forma de ensino no colégio e ocupando um lugar estratégico no fim do Ensino Fundamental I, ele se vê particularmente confrontado com a tensão entre continuidade e ruptura, em nível institucional e individual. Essa tensão se expressa, por um lado, num plano sincrônico, pelo lugar que o professor ocupa na instituição; com efeito, apesar de uma vontade política de criar um contínuo institucional entre o primeiro e o segundo graus3, o professor se inscreve numa realidade sentida como uma ruptura entre o Fundamental I e o II. Ouvindo esses professores, pareceria — como diz Sophie, "estou mais angustiada do que havia imaginado" — que o temor é mais efetivo no professor do que no aluno, em face daquilo que é desvalorizado e ao que poderia representar um potencial risco. Por outro lado, tal "especialista" do 5º ano é interpelado no plano diacrônico pois é atravessado, como postula a psicanálise, em sua personalidade profissional, como todo professor, por sua própria história como aluno, por sua história familiar, profissional e cultural, que agem como marcas ou vestígios na subjetividade de cada um. Como a Kaës (2002, p. 111), o que me interessa é, assim, "compreender a malha diacrônica e sincrônica na qual o indivíduo singular é mantido, para não dizer entrelaçado".

Pude analisar a dificuldade, para esse professor do fim do Ensino Fundamental I, de se ver confrontado à realidade de crianças-alunos que seriam quase "irrepresentáveis" enquanto alunos, que não correspondem a suas próprias representações e se sentem "incompletos" em relação à incompletude do pequeno homem descrita por Freud (1926/1993)4, alunos em relação aos quais poderia haver o fantasma do dever de "reparar" todas as lacunas e dificuldades em nível das aprendizagens antes da passagem para o Ensino Fundamental II, com um sentimento de impotência e culpabilidade por dever "abandonar" os alunos em tais condições. Eu havia concluído que existiria então mecanismos defensivos que operavam na personalidade profissional específica do professor do 5º ano, com o objetivo de reduzir os conflitos intrapsíquicos, tentando tolher à experiência consciente o acesso a um dos elementos do conflito ou ao conflito como um todo.

Desde a defesa de minha tese, a participação em diferentes colóquios, minhas apresentações, o acompanhamento de seminários de pós-doutorado, o encontro de autores, permitiram-me prosseguir com minha elaboração em torno dessa problemática, erigindo a reflexão sobre novos aportes conceituais. Blanchard-Laville (1999, p. 19) insiste no fato de que "o pesquisador não pode se abstrair da relação com os objetos que estuda". Posteriormente, reexaminando à luz do que acabo de descrever a análise de minhas entrevistas, pude tomar a distância necessária à apreensão de meus avanços contratransferenciais, e "remanejar" minhas hipóteses, considerando "a influência do presente sobre a releitura e a eficácia assim atribuída ao passado" (Chaussecourte, 2010, p. 43).

Neste artigo, vou me deter na apresentação do que pude identificar e analisar em relação aos conflitos intrapsíquicos que operam especificamente no professor de 5º ano. Revisitarei as estratégias defensivas desenvolvidas por todos os professores entrevistados, à luz de seu discurso; e concluirei sobre aquelas que, consideradas por alguns, fazem parte psiquicamente dessa difícil conjuntura. Vale lembrar que me baseio, nesse texto, na perspectiva clínica de orientação psicanalítica já especificada, e que utilizarei as entrevistas de minha pesquisa para desenvolver as proposições que aqui seguem.

 

Conflitos intrapsíquicos "comuns" a uma forma de angústia específica

Absorta nos escritos de Leandro de Lajonquière e Albert Ciccone, direcionei uma nova luz aos conflitos em que o professor de 5º ano se vê, considerando-o, em primeiro lugar, da mesma maneira que qualquer professor tomado numa dialética narcísico-objetal.

 

Uma dialética narcísico-objetal

Especificarei, em primeiro lugar, a noção de narcisismo, através da definição que oferece Pechberty (2003b), recordando que ele designa "as bases libidinais fundadoras do eu e do sentimento de identidade". O autor destaca a importância das relações entre a imagem de si, a relação com o semelhante e com o outro. Trata-se "de pensar os movimentos de projeção e identificação do eu-profissional do educador e suas diferentes partes (eu-professor e eu-aluno) com o público real de alunos". Lajonquière (2002) pensa, além disso, que "a parte de narcisismo depositada na criança é idealizada a ponto que o adulto, quando a olha nos olhos, recupera a felicidade que crê ter perdido ou da qual supõe que foi privado". Em outras palavras, quando olha uma criança e faz dela outro, ideal, qualquer adulto chega a ver a si mesmo completo (Lajonquière, 2002). Se emprego essa teoria, transpondo, na cena escolar, a posição do adulto perante a criança para aquela do professor perante o aluno, esses alunos com dificuldades especiais seriam considerados pelo professor como "incompletos", cuja evolução pode ser inquietante. Eles impediriam que o professor se projetasse e o remeteriam a uma prova de incompetência profissional. Eles fariam reviver, portanto, problemáticas mais arcaicas, que obrigam o professor a uma renúncia, essa do aluno ideal, mas também "à ilusão da completude futura [que] restitui de forma imaginária aquilo que falta no presente" (Lajonquière, 2002).

Ciccone (2007) escreve, além disso, que "qualquer adulto tem sempre algo a reparar de sua história infantil, assim como qualquer criança tem sempre algo a reparar de sua história parental". As mágoas, os fracassos, as frustrações, serão tratados em parte pela relação desenvolvida entre os pais e a criança, que teriam a ver com a experiência infantil dos pais. Do mesmo modo, na relação entre o professor e o aluno, este último teria a ver com o aluno ainda vivo no professor e teria algo a reparar nessa relação. Contudo, perante esses de alunos que não correspondem nem a suas representações nem a suas expectativas, o professor seria afrontado com conflitos identificatórios relativos à imagem de si, pessoal e profissional. E, como sublinha Lerner (2009), o discurso institucional, "recusando-se a 'se reconhecer' no mal professor e de fundar nele uma ancoragem narcísica, reproduz por sua vez os mesmos tipos de conflito associados às mesmas recusas que os do professor em sua rejeição identificatória com o aluno". Isso significa que o professor deve extrair de si mesmo a capacidade de superar esses afetos dolorosos para poder gostar e investir no aluno através de si, ainda que esse aluno com dificuldades especiais não se apresente conforme seus desejos. Em outras palavras, ainda que esse aluno não corresponda a suas representações, o professor deve poder se reconhecer nele, numa "empreitada consciente e inconsciente de se reapropriar de uma posição profissional que seja capaz de tolerar a distância entre o ideal e as decepções do eu" (Pechberty, 2003) diante da realidade da classe. As questões ligadas à idealização e aos valores se enraízam, com efeito, no narcisismo. Se em todos os professores pode existir uma dialética narcísico-objetal, em contrapartida essa parece amplificada e exacerbada no professor de 5º ano, quando a separação é iminente e, por sua posição institucional, ele não tem mais a esperança e nem o tempo de "reparar" esse aluno.

 

Desafios psíquicos significativos para o professor de 5º ano

Na entrevista que fiz com Sophie em Paris, ouço seus medos em relação a esses alunos específicos com a aproximação do Ensino Fundamental II, "Encorajo-os a voar para fora do ninho e ao mesmo tempo... é um pouco angustiante pensar que"; ouço também os medos de Tatiana, na Polinésia, "é... depois que a criança é solta no Ensino Fundamental... II é"; os de Danielle, "é catastrófico quando você passa um aluno que tem muita dificuldade para o 6º ano"; os de Christiane, em Martinica, "não posso largá-los no 6º ano sem... sem"; ou mesmo de Maimiti, na Polinésia, "quando a gente passa os alunos de 5º ano ao Ensino Fundamental II tenho sempre essa preocupação de o que vai ser dessas crianças". Então, pergunto: por que todas essas professoras sentem tanto mal-estar quando veem seus alunos com dificuldades especiais partir para o Ensino Fundamental II? Por que essa passagem representa a seus olhos um perigo? E qual perigo?

 

O temor de separação como fonte de angústia

No contexto da relação entre o professor de 5º ano e o aluno, poderia existir uma angústia de separação que corresponde ao sentimento de medo e ao assombro da perda de objeto vividos pelo sujeito quando a relação afetiva, estabelecida com uma pessoa importante de seu ambiente, é ameaçada pela possibilidade de interrupção ou é efetivamente interrompida. Em "Inibição, sintoma e angústia", Freud (1926/1993) descreve o conceito de angústia como um estado de aflição psíquica do eu diante de um perigo que o ameaça e que faz reviver a aflição psíquica e biológica experimentada pelo bebê na ausência da mãe. Essa angústia que tem por origem o temor da perda de objeto é ativa na criança, mas também no adulto. A problemática inconsciente de perda ou de separação pode, por conseguinte, servir de fio condutor à compreensão psicodinâmica de formas de angústia para todas as etapas do desenvolvimento psicoafetivo. As referências às fases precoces de desenvolvimento pelas problemáticas narcisistas observadas na ocasião das entrevistas apresentam, assim, um interesse para as análises de minhas entrevistas clínicas, seja pela vivência de abandono ou de investimento excessivo no objeto. Isso me leva a colocar duas perguntas.

 

De qual separação se trata para os professores de 5º ano?

Tratar-se-ia para o professor de 5º ano de aceitar que o aluno com dificuldades especiais não é mais objeto de seu desejo através do desejo de formar o outro a sua imagem, como desenvolve Kaës (1975/2007) num capítulo elucidativo dessa questão: "os fantasmas de formação: o outro conforme". O segundo aspecto concerne à separação do outro e à possibilidade de conferir um fim a uma relação de maneira temporária ou definitiva, com o risco de que "a angústia de separação [apareça] quando o sujeito vive a separação do outro como uma perda de objeto mais ou menos recuperável" (Mijolla, 2002). A primeira inquietude nasce no professor a partir de questionamentos sobre projetos de futuro possíveis para esses alunos com dificuldades especiais: "O que vai ser deles?". Encontrando um vazio, isso criaria a necessidade de conservar um vínculo, sob forma de desejo de influência, que, como o sublinha Blanchard-Laville (2001), é um processo defensivo para justamente tentar "tapar o buraco... e parece sempre que o controle se mostra impossível ou ao menos demasiado custoso para a economia psíquica de um sujeito".

 

Que outras questões psíquicas esse tempo de transição ao Ensino Fundamental II gera, a ponto de criar nos professores uma forma de angústia de separação?

A passagem para o Ensino Fundamental II no contexto muito específico desses profissionais do 5º ano põe à prova o sujeito-professor. Tratar-se-ia, com efeito, de um teste de separação diante da dupla perda, do aluno idealizado e do aluno real, simultaneamente associados a uma falha no desempenho de sua missão profissional. As proposições assinaladas nas entrevistas são elucidativas sobre a noção de missão amplificada nesses professores de fim do Ensino Fundamental I: "sei que o 5º ano é muito, muito importante, e então me sinto incumbida de uma missão grandiosa", "no 5º ano temos uma missão extremamente importante a completar antes da próxima fase", "essas crianças com dificuldades especiais que temos no 5º ano estão sob a nossa responsabilidade", por último "no 5º ano me sinto encarregada de um dever de obter sucesso".

Proponho-me agora a escutar os movimentos intrapsíquicos de cada pessoa entrevistada e de ver como, perante os conflitos que acabo de descrever, o professor dessa transição institucional negocia uma questão ao mesmo tempo profissional e subjetiva. Para isso, apresentarei em algumas palavras as entrevistas, reproduzindo fielmente as falas das pessoas entrevistadas. As modalidades defensivas que vou descrever apareceram na análise submetidas à singularidade do sujeito; se cada um pôde levar a cabo diferentes estratégias, tento localizar se existe elementos genéricos interpenetrando as posturas de cada um deles. As pessoas entrevistadas são mulheres, com muitos anos de serviço, trabalhando todas em zona prioritária, porém em diferentes territórios franceses.

 

Os mecanismos de defesa na profissão

A clivagem: referência ou fechamento?

As falas que se seguem resumem o mal-estar expresso unanimemente e de maneira recorrente por todas as professoras de 5º ano entrevistadas:

Estamos no último ano, e então queremos preencher todas as lacunas que podemos notar. Acontece que isso não é possível em um ano... é impossível refazer toda uma formação. (Christiane)

A gente se pergunta constantemente como a gente vai recuperar os atrasos. (Nadège)

Quando passamos os alunos de 5º ano ao Ensino Fundamental II, tenho sempre essa primeira preocupação de o que vai ser dessas crianças, o que elas vão fazer lá, porque... o que elas vão fazer na próxima etapa. Sempre tive essa questão. (Maimiti)

Danielle se sente "aflita diante dessa situação". A classe, os alunos, os colegas, os fiscais do início da carreira representam para ela a imagem do sucesso profissional, enquanto lamenta "o ensino de hoje", que parece ser percebido, ao contrário, como revelador de fracasso e gerador de angústia. Ela começa, então, sua entrevista com "é catastrófico". A clivagem se manifesta em seu discurso por uma oposição entre os métodos pedagógicos antigos e atuais, os valores do bom e do mau, o sucesso e o fracasso. Ao longo de toda sua entrevista, os sucessos passados vêm, de maneira recorrente em seu discurso, contrastar com dificuldades do presente. A postura assim adotada me parece incitar a professora a ficar nesse modo defensivo, mas sem elaboração nem dinâmica construtiva para atenuar o mal-estar que ela experimenta. Isso, creio, acentua uma forma de rigidez psíquica. Podemos ressaltar aqui influências culturais, sobretudo da religião, muito presente nas Antilhas, em torno da noção do bem e do mal: "Penso, 'Danielle, você agiu errado... você fracassou... é minha culpa'", e mais adiante "se consigo salvar um, revivo, me sinto bem". Neste caso, a clivagem por uma oposição recorrente de valores ou de situações teria como objetivo conter uma experiência de angústia, permitindo que ela se liberte, por um tempo, de movimentos psiquicamente insustentáveis em sua experiência profissional.

Nadège está implicada no mesmo mecanismo de clivagem, mas o exprime diferentemente. Num espírito "corporativista", opõe os professores e a instituição a quem direciona a demanda de assumir sua responsabilidade. "É necessário parar de dizer que é culpa dos professores" diz, reconhecendo ao mesmo tempo que "os professores são impotentes" diante dos alunos com dificuldades especiais. Ela se volta à instituição "como lutar contra essa grande dificuldade escolar? pessoalmente não acho de forma alguma que a Educação Nacional seja competente. A grande dificuldade advém de diversos fatores". Nadège se estende, então, num longo discurso nesse sentido, apoiado em argumentos sociológicos e políticos.

Em face da grande dificuldade escolar e de sua impotência para ajudar "seus" alunos a saírem do impasse no qual se encontram, sobre um fundo de culpabilidade, ela tenta manter um controle onipotente do objeto, ou seja, das representações que faz do aluno com dificuldades especiais. Ele intelectualiza o problema desenvolvendo sua proposição nesse sentido até o fim, como uma defesa contra o que faz pensar em uma forma de angústia depressiva. Mas o sujeito se esgota dessa maneira, nesse controle, e quanto mais o objeto — o aluno com dificuldades especiais — se obstina a escapar desse desejo de controle, mais será necessário que o professor instaure mecanismos de defesa para ter a sensação de domínio da situação. De modo que Nadège se apoia em relações com o outro, obtendo uma sensação de prazer num processo de autossatisfação lembrando-se, por um lado, de seu próprio sucesso profissional e do sucesso de antigos alunos. Ela desenvolve, assim, um movimento defensivo de comando aparente do problema, dinâmica que poderia integrar um processo de renarcização profissional.

Sophie declara sentir um incômodo relativo a encontrar seu lugar. Ela é jovem, se identifica com seus alunos e, ao mesmo tempo, se coloca como "irmã mais velha". Às vezes, inclusive, assume a postura de "mãe", numa relação fusional com os alunos, designando-os como "seus bebês". Essa professora tenta clivar "ah, bem, sei que sou sua professora, tento permanecer no meu papel de educadora", mas ela não consegue, "mas, bom, ao mesmo tempo, temos tantos problemas". Em relação à passagem ao 6º ano de seus alunos, ela recebe, então, diretamente suas dificuldades, numa experiência de impotência que gera uma angústia da qual não consegue se liberar, associando-a a sua difícil entrada no Ensino Fundamental II. Em um plano psíquico, a superação da angústia significaria para ela a capacidade de viver separadamente, sozinha porém em relação, o que ocorre no melhor dos casos para o professor, ao obter êxito na separação entre seu eu profissional e o eu pessoal, mantendo ao mesmo tempo uma relação flexível entre eles. É nessas condições que o professor pode esperar diferenciar-se o máximo possível.

Christiane é visivelmente confrontada, neste ano, com uma classe muito difícil de gerir, o que põe em questão seu eu profissional ideal: "é muito para uma só pessoa numa classe administrar, sobretudo com as exigências que existem nesse fim de ciclo. É sobretudo isso", declarou. Ela lança com veemência ora a culpa sobre os alunos, ora sobre os programas e os textos institucionais, ora sobre a família, ora sobre a evolução do estatuto de professor, sobre sua função e principalmente sobre seus colegas. Ela parece mobilizar inconscientemente um mecanismo de defesa que a ajudaria a proteger essa imagem interna de professora desestabilizada. Como explica Giust-Desprairies (2003), "os professores recorrem com frequência, numa modalidade defensiva, a um pensamento calcado na racionalidade causal ou explicativa". Projetando nos outros tudo o que é considerado por ela como mau, ela opera uma clivagem: por um lado seus colegas, os maus professores; e por outro, ela, a boa professora. Mas não sendo reconhecida como tal, e não aceitando também se colocar em questão, ela "cede", de acordo com suas próprias palavras. Christiane sente muito sofrimento quando grita "estou exausta", quatro vezes seguidas na entrevista antes de cair em lágrimas, em uma vivência de fechamento entre um interior exigente e um exterior instável. Christiane não sabe como se esquivar do que ela sente como um impasse. Essa situação dolorosa evocada por ela perante seus alunos que encontram dificuldades diversas me traz à memória as afirmações de Lajonquière (2013): "quando os adultos fazem de seus banais sonhos pedagógicos uma profissão de fé ou uma missão filantrópica, a educação pode acabar por não se desenvolver e conduzir a um impasse". Christiane se refugia então na fuga, postura inconfessável em uma professora que se quer exemplar e para quem tal ofício é uma vocação. Todos os projetos que não desembocam na escola são associados a outro objetivo pessoal que ela não pode executar, mas com os quais sonha há muito tempo: deseja "criar uma escola ideal fora do país". Essa situação cria um conflito psíquico entre seu eu profissional e uma realidade insuportável, que a remete ao fracasso diante do aluno com dificuldades especiais. Nesse caso, a clivagem suscitada pela situação profissional reforça as dificuldades induzidas pelo ambiente vivenciado como agressivo. Assim, ela atribui ao exterior a responsabilidade por seu próprio incômodo. Christiane projeta com efeito sobre outros aquilo que ignora em si mesma, o aluno com dificuldades especiais diante do aluno idealizado. O professor não pode encarar, em tal contexto, a passagem da clivagem organizadora de sua personalidade profissional à conflitualização: ela, a boa professora toda poderosa, e os outros, os maus professores. Em ocasião da entrevista, em que exprime com emoção sua vocação de educadora, põe a mão sobre seu ventre e diz "é porque tem algo aqui". Seus discursos verbal e infraverbal introduzem, assim, questões sobre a presença de uma clivagem entre os imagos de boa ou má mãe.

De acordo com Melanie Klein (1932/1975), a clivagem é o mecanismo de defesa mais primitivo contra a angústia. Ela visa à coerência do Eu e ao equilíbrio de conflitos intrapsíquicos e intersubjetivos que o perturbam. Remete às relações objetais primitivas, o objeto primeiro, o seio da mãe clivado pela criança "em bom objeto", fonte de prazer e de satisfação mantidos no interior, e em "mau objeto", fonte de frustração e desprazer, projetado no exterior. O processo de clivagem pode, por conseguinte, ajudar o professor a se estruturar psiquicamente: "é organizador e permite se localizar, diferenciar lugares, métodos e momentos que permitem assegurar sua identidade quando as referências se confundem" (Pechberty, 2003c). Contudo, o exemplo Christiane mostra que, se a situação implica muitas tensões, a personalidade profissional do professor se fixa numa compartimentação binária, em uma forma de adaptação mínima a seu trabalho. Portanto, o mecanismo defensivo por clivagem permite — por apenas um tempo, contudo — tolher emoções demasiado difíceis: "cheguei a um nível de saturação... estou esgotada. Estou esgotada! De fato, fico ainda mais esgotada porque isso é minha vocação". Esse funcionamento poderia também fazer pensar em certos funcionamentos-limite, que encerram essa professora na repetição, não abrindo um espaço potencial para a criatividade, mas, antes, um espaço de ilusão protetora que a protegeria do vazio experimentado em sua vivência profissional, fonte de angústia.

A análise das entrevistas mostra que a clivagem do eu responde à necessidade de dominar a angústia por duas reações simultâneas e opostas: uma que procura a satisfação, outra que leva em conta a realidade frustrante. Mas destaco aqui que o processo defensivo por clivagem só ajuda provisoriamente a atenuar o sofrimento. "Ela organiza modalidades defensivas que tomam mais parte na sobrevivência psíquica do que na liberação criativa" (Pechberty, Kupfer & Lajonquière, 2010). De acordo com as circunstâncias, é a predominância do papel estruturante ou defensivo que fará que essa clivagem "tenha êxito" e se torne um motor de desenvolvimento, ou, como mostram outros exemplos, que, ao contrário, ela possa constituir um obstáculo à evolução psíquica.

Prosseguindo com minha análise, pude identificar um segundo modo de defesa predominante na releitura das entrevistas. Trata-se da reparação.

 

A reparação de si e do outro

Sophie vive mais dolorosamente as dificuldades que, encontradas por seus alunos, a remetem, por meio de suas associações, a suas próprias dificuldades dessa mesma fase de aluna. Está insatisfeita com seu trabalho, expressa culpabilidade diante daquilo que vive como uma impotência pedagógica, enquanto ela própria afirma "ter se saído bem" antigamente, graças a um professor que muito a ajudou. Enuncia com convicção seu projeto de se tornar professora especializada, numa vertente dupla, que consiste em trabalhar e enfrentar o que é doloroso para ela numa dinâmica "militante", junto de alunos com dificuldades especiais ou situação de deficiência: quer, desse modo, converter uma experiência ruim em boa, mas também "reparar" aqueles que não obtêm êxito: "sinto-me útil quando consigo ajudar uma criança", tomando parte, provisoriamente, numa restauração em si própria do que pôde desestabilizar em sua personalidade profissional.

Por meio das afirmações de Danielle, expressa-se um sentimento de devoção por seus alunos com dificuldades especiais, que ela tenta "salvar" e nos quais não pode deixar de pensar, inclusive no âmbito de sua vida pessoal. Em face das persistentes dificuldades, tenta escapar de tensões desestabilizadoras, encontrando, por meio de motivações positivas, os valores de acolhimento da diferença, para ela fortemente ligados à religião. Tenta, no entanto, reparar objetos "destruídos", nesse caso, os alunos com dificuldades especiais. Ao experimentar, por exemplo, trabalhar com eles fora do horário da aula, a professora tende a uma autorreparação. Ilustra a problemática narcisista já evocada: "reparar" o outro em si retoma a "reparação" de si no outro. As questões desse processo de reparação, analisados à luz da cultura religiosa que é importante para Danielle, nesse face a face com os alunos com dificuldades antes de sua passagem ao Ensino Fundamental II — "meu Deus, mas o que vai ser desses alunos" —, ganham uma importância maior, pois dar aulas para alunos com dificuldades especiais, sem obter êxito em ajudá-los, significaria não ter respondido ao dever de sucesso. Ela se sente confrontada com o temor de "agir mal" em relação à instituição, à próxima fase escolar, mas também a suas convicções religiosas. "Reparar" o outro mobilizaria assim questões psíquicas em sua profissão.

Nadège descreve longamente seu percurso de aluna num meio familiar de extrema precariedade. Sua narrativa mostra como o êxito profissional e a profissão de professora se apoiam num grande orgulho e em esforços materiais de seus pais, que, apesar da "miséria social", de acordo com suas palavras, depositaram toda a esperança nela e lhe permitiram que ela se tornasse aquilo de que se orgulha tanto. Os valores profissionais aqui se enraízam no que S. Freud (1914, citado por Kaës, 1987) evidenciou como herança narcisista. O eu ideal se confunde com "esse elemento do desejo parental" (Pechberty, 2003c) para "fazer que os pais relembrem que são bons pais, bons pais de bons filhos, em outras palavras, para manterem ativos bons pais amorosos" (Ciccone, 2007). Nadège deve inconscientemente honrar a dívida simbólica para com os pais, reparando o fracasso escolar dos irmãos, dos primos, dos pais, numa dinâmica de esperança e de êxito da qual se sente portadora. A posição que ocupa ao fim do Ensino Fundamental I amplifica aquilo que ela vive e descreve como missão.

Assim, o mecanismo defensivo de reparação participa do processo de renarcização e domina particularmente o professor de 5º ano em dificuldade, que imagina ter como dever a reparação daquilo em que a escola primária parece ter falhado. Fazendo tudo o que pode para "salvar" o aluno com dificuldades especiais, o professor tende também a se reparar num plano psíquico em sua personalidade profissional. Esse movimento retorna à noção de dialética narcísico-objetal proposta anteriormente. Mas a tais mecanismos defensivos de clivagem e reparação, que me parecem dominar a análise das entrevistas, acrescentam-se quatro outros mecanismos presentes de maneira menos evidente, porém não menos ativa.

 

Conduta de recusa ou processo defensivo? Racionalização e intelectualização

Nadège, sobre a qual já falei bastante, aparenta dominar a situação da aula por meio de um discurso altamente estruturado, apesar das dificuldades encontradas, tendendo a investir excessivamente nisso um saber idealizado. Descreve penosamente e com paixão, simultaneamente, em termos elaborados, aquilo que tange de perto ou de longe a ausência de êxito escolar: "Penso que o legislador abandonou sua responsabilidade. Por vezes nos encontramos em situações de dificuldade tão grandes, que para mim se trata de uma falta de assistência à pessoa em perigo". A intelectualização e a racionalização tornam-se, assim, para ela, um meio de tolher os próprios afetos, afastando da consciência o significado emocional dos conflitos psíquicos experimentados em sua profissão.

Tatiana racionaliza sua postura em relação aos alunos com dificuldades especiais por meio de um problema central para ela: o do tempo muito limitado que pode lhes consagrar. Por um instruído cálculo de porcentagens, que enuncia longamente e de maneira recorrente, tenta tornar mais aceitável uma situação que, a seus olhos, é insustentável:

é verdade que os alunos com dificuldades especiais no 5º ano, é..., são levados em conta, mas dos 100%, todos os dias, honestamente, é o meu ponto de vista... 100% todos os dias é impossível. Não é uma jornada de 6 h, enquanto se consagra 100% ou mesmo 80% aos outros, você vê a diferença com aquele que tem dificuldade. O aluno com dificuldades especiais não é levado em conta, mesmo em 50% num dia.

Essa justificação lógica se inscreve num processo defensivo inconsciente em face das razões que não podem ser reconhecidas por ela sem inquietude ou angústia.

Esses dois exemplos mostram outros modos defensivos operados psiquicamente nos discursos, tais como "intelectualização e racionalização", referenciados como tais por Laplanche e Pontalis (1967/2007). Se não encontramos o termo intelectualização em Freud e muito pouco na literatura psicanalítica, ainda assim é reconhecido na cura como um modo de resistência. A intelectualização é "um processo pelo qual o sujeito procura dar uma formulação discursiva a seus conflitos e a suas emoções de forma a dominá-los... uma das finalidades da intelectualização é manter os afetos à distância e neutralizá-los" (Laplanche & Pontalis, 1967/2007). A racionalização não implica uma evasão dos afetos, mas atribui a eles motivações mais plausíveis do que verdadeiras, conferindo-lhes uma justificativa de ordem racional ou ideal. É nesse sentido que pude considerar tais processos como movimentos defensivos nos discursos apresentados.

 

Assegurar a ilusão de uma continuidade narcisista: filiação e altruísmo

Finalmente, pude destacar dois processos defensivos que operam na personalidade profissional do professor de 5º ano, consistindo em assegurar psiquicamente a ilusão de uma continuidade narcisista. Todos os professores entrevistados pareceram-me, num plano inconsciente, inscritos numa busca de continuidade através de seus alunos e exprimem a necessidade de restabelecer o vínculo com aqueles que não correspondem a essa expectativa. É assim que Sophie e Tatiana procuram o apoio e a ancoragem de uma equipe profissional para apoiá-las em ações junto de seus alunos, mas também psiquicamente para elas próprias, feridas em seu eu-estudante. Numa postura "de adolescência profissional" (Blanchard-Laville & Nadot, 2000; Bossard, 2009)5, período de transição entre o regime de estudante e o regime de profissional, Sophie expressa o desejo recorrente de ser auxiliada pelas pessoas de outrora e de se beneficiar de sua experiência. Deseja, contudo, ao mesmo tempo, encontrar e afirmar sua própria autonomia, numa preocupação de inscrição profissional, mas também de continuidade intergeracional.

Nas afirmações de Danielle, destaco um forte desejo de pertencimento ao grupo dos "bons professores". Ela diz, de resto, que "se sente viva" quando relata dias agradáveis de aula e experiências positivas com os alunos. Quando o pertencimento a seu grupo profissional de referência não parece mais pressuposto, ela se aferra a seu grupo de pertencimento religioso e aos valores altruístas que são associados a ele: "fazer o bem, ajudar, salvar". Para proteger seu eu-professor, sacrificar-se a sua comunidade religiosa remeteria à conservação de uma relação de vínculo, que pode uni-la a outro e lhe permite experimentar de novo um sentimento de pertencimento e de filiação.

No discurso de Maimiti, pude perceber reações de onipotência, ao menos aparentes, ligadas ao forte sentimento de pertencimento e filiação a sua cultura, em relação à qual ela sente um grande orgulho, um forte vínculo, e da qual fala com muita convicção. Esse sentimento de filiação a sua comunidade cultural parece lhe oferecer apoio e capacidade diante de uma situação tida por ela como desestabilizadora.

Esses dois movimentos psíquicos, "altruísmo e filiação" (Mijolla, 2002), implicam os outros e o grupo. Ir ao socorro dos outros com o objetivo de ajudá-los, ou ir em direção aos outros para encontrar compreensão e conforto. Sigmund e Anna Freud não incluíram a filiação entre os mecanismos de defesa. Em contrapartida, S. Freud fala do conceito de altruísmo em alguns de seus escritos, nos quais o aborda, sobretudo, de um ponto de vista social e cultural. A. Freud (1936/2001) fala de um mecanismo de defesa que ela designa também como "cessão altruísta", e que, segundo ela, "permite superar a humilhação narcisista". Retenho do altruísmo aquilo que interessa a meus propósitos, aquilo que, de acordo com Golse (2005), "serve para estabelecer relações positivas, consolidando com isso relações humanas". Isso visa à transferência dos próprios desejos do sujeito a outros, transferência que tem como objetivo tomar parte na satisfação instintiva do próximo e experimentar, por sua vez, um prazer pessoal.

 

Conclusão

Em razão de seu lugar institucional, estratégico no percurso escolar, o professor do fim de Ensino Fundamental I se sente num momento de transição escolar e sob o duplo olhar sentencioso da instituição e do próximo ciclo escolar. Sem poder completar positivamente a missão idealizada de transmissão que lhe foi confiada, se vê diante de seus alunos e de si próprio em um conflito narcísico-objetal, exacerbado pela temporalidade institucional que engatilha processos arcaicos em torno da continuidade e da reparação. Esse conflito reativa perguntas ligadas à idealização enraizada no narcisismo. No plano clínico e posteriormente à análise das entrevistas, instaurarei, então, a hipótese de que esses professores de 5º ano, independentemente de sua idade e do território geográfico em que trabalham — incluindo zonas ultramarinas —, parecem inconscientemente engajados em sua singularidade, mobilizam processos de defesa por clivagem e reparação de maneira significativa. Ademais, de uma forma reduzida e, no entanto, ativa, apresentam também movimentos defensivos tais como a racionalização e a intelectualização, a filiação e o altruísmo perante o complexo gerenciamento do aluno com dificuldades especiais. De fato, os mecanismos defensivos que operam na personalidade profissional teriam como objetivo atenuar temporariamente os conflitos psíquicos em jogo. Tratar-se-ia de processos inconscientes utilizados pelo sujeito educador, que têm por função diminuir a angústia originada de conflitos internos entre exigências pulsionais e leis institucionais, sociais e culturais, numa tentativa de controle, bem como de liberação, dos riscos externos e internos.

Se pude identificar tais mecanismos de defesa, ativos psiquicamente em todos os professores com os quais falei, as entrevistas mostraram também que havia outras possibilidades de recursos levados a cabo por alguns por meio da criatividade, numa tentativa de reencontrar o prazer de ensinar e uma dinâmica de adaptação a esse complexo público de alunos com dificuldades especiais. A instauração, por alguns, de processos de liberação permite, assim, abrandar e favorecer novas relações psíquicas no próprio professor e no que concerne ao aluno com dificuldades. Ajudam-no a pensar e a viver a falta expressa por todas as pessoas interrogadas — "como fazer para preencher todas as lacunas?", e a perda do objeto — "não quero largá-lo assim!" — por operações psíquicas suscetíveis de reposicionar o sujeito educador numa postura autônoma e ativa. A operação de liberação substitui então a operação defensiva, que, desse modo, se neutraliza. O inconcebível da angústia de separação ou da perda tornar-se-ia representável psiquicamente para o professor, e os riscos ligados de modo fantasmático, atenuados, abrindo de forma mais perene uma via possível em um processo de renarcização da personalidade profissional. O sofrimento descrito por todas elas poderia, nesse caso, ser considerado como "um estímulo lançado à invenção" (Blanchard-Laville, 2001), ou ainda como uma possibilidade de se tornar um "motor para relançar o desejo e o sublimar, neste jogo criado entre o subjetivo e o profissional" (Pechberty, 2008). O mecanismo de liberação, de acordo com Lagache (1985), por consistir em "uma forma de defesa bem-sucedida", "permite que o sujeito se libere progressivamente da repetição e de suas identificações que alienam" (Laplanche & Pontalis, 1967/2007) e "proteja o Eu das exigências das pulsões geradoras de afeto" (A. Freud, 1936/2001). Trata-se de um contrainvestimento contra a tendência ao conflito entre o ideal do eu e o eu profissional afetado. Assim, mostrei que, após ter feito a experiência de processos defensivos psiquicamente não satisfatórios, algumas professoras podem considerar a possibilidade de se descolar de sua experiência negativa com esses alunos e pensar o que foi ferido em seu Eu profissional, nesse período de transição vivido como uma ruptura em um plano institucional, mas também no plano psíquico. Essas defesas, ao permitirem uma dinâmica integradora global, oferecem saídas e recursos. Elas constituem modalidades de liberação de um conflito que poderia ser paralisante para professores considerados em sua profissão sujeitos divididos pelo inconsciente.

 

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Endereço para correspondência
Rue de la Harpe, 51
75005 – Paris – France.
cathy.luce75@gmail.com

Recebido em março/2016.
Aceito em outubro/2016.

 

 

NOTAS

1. No sistema escolar francófono, trata-se da passagem do CM2 para o dito "collège", uma transição significativa para os alunos e professores, que corresponderia aproximadamente ao sistema escolar brasileiro à passagem do Ensino Fundamental I (5º ano) para o Ensino Fundamental II [N. T.].
2. "Sections d'enseignements généraux et professionnels adaptés" (SEGPA) do Ensino Fundamental II. Circular nº 2006-139, de 29 de agosto de 2006, completada pela circular nº 2009-060, de 24 de abril de 2009 — BO nº 32, de 7 de setembro de 2006, RLR: 516-5 <www.education.gouv.fr/bo/2006/32/MENE0602028C.htm>. Circular nº 2016-008, de 28 de janeiro de 2016 — BO nº 5 de 4 de fevereiro de 2016.
3. Boletim oficial nº 32, de 5 de setembro de 2013. Trata-se de um texto referente à reorganização progressiva dos ciclos, que inclui o 5º ano no Ensino Fundamental I, até então inscrito exclusivamente no curso primário. Esse texto é oficialmente aplicável a partir do início das aulas de 2016.
4. "Entre a causa das neuroses, ... o fator biológico é o estado de desamparo e de dependência longamente prolongado da pequena criança. A existência intrauterina do homem se manifesta, em comparação a da maior parte dos animais, relativamente encurtada; a criança humana é enviada ao mundo mais incompleta do que eles". Freud, S. (1926/1993).
5. "Certos autores puderam destacar os desafios de assumir o cargo na medida em que isso corresponde a um período de transição entre o regime estudantil e o regime profissional. Comparando o trabalho psíquico comprometido com o do adolescente, Blanchard-Laville e Nadot (2000) consideram que a construção identitária comprometida torna o estabelecimento de novas referências necessário. Para Bossard, esse período corresponde a uma verdadeira crise de adolescência profissional (2001; 2009)".

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