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Estilos da Clinica

Print version ISSN 1415-7128On-line version ISSN 1981-1624

Estilos clin. vol.23 no.1 São Paulo Jan./Apr. 2018

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v23i1p114-129 

10.11606/issn.1981-1624.v23i1p114-129

ARTIGO

 

AUTISMO, PSICANÁLISE E PREVENÇÃO: DO QUE SE TRATA?

 

AUTISM SPECTRUM DISORDER, PSYCHOANALYSIS AND PREVENTION: WHAT IS THIS ABOUT?

 

AUTISMO, PSICOANÁLISIS Y PREVENCIÓN: ¿DE QUÉ SE TRATA?

 

 

Letícia Vier MachadoI

IPsicóloga. Mestra em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutoranda do Programa de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), São Paulo, SP, Brasil.

Correspondência

 

 


RESUMO

A recente visibilidade do autismo reflete mudanças nos manuais diagnósticos e a valorização de políticas da primeira infância, com ênfase na prevenção. O objetivo do artigo é articular prevenção e conceitos psicanalíticos sobre desenvolvimento psíquico, com enfoque no autismo. Discute-se a ideia de prevenção na psicanálise e apresenta-se a possibilidade de prevenção de sinais de risco a partir dos indicadores: perturbações no olhar, não instauração do terceiro tempo do circuito pulsional e brincar como acesso à intersubjetividade. Conclui-se que a identificação dos sinais de risco não deve ser utilizada para determinar precocemente um déficit, mas para promover o desenvolvimento.

Descritores: autismo; psicanálise; prevenção; desenvolvimento psíquico.


ABSTRACT

Autism spectrum disorder was given visibility recently, this causes changes in diagnostic manuals and the valorization of early childhood policies, emphasizing prevention practices. The objective of this article is to relate prevention and psychoanalytic concepts about psychic development, focusing on autism. We discuss the idea of prevention in psychoanalysis, we also present the possibility of prevention of risk signals based on three indicators: gaze disturbances, non-establishment of the third time considering the drive theory and play as an access to intersubjectivity. We conclude that the identification of risk signs should not be used to determine an early deficit but serve to promote the development.

Index terms: autism; psychoanalysis; prevention; psychic development.


RESUMEN

La reciente visibilidad del autismo refleja cambios en los manuales diagnósticos y la valorización de políticas de la primera infancia, con énfasis en la prevención. El objetivo del artículo es articular prevención y conceptos psicoanalíticos sobre desarrollo psíquico, con enfoque en el autismo. Se discute la idea de prevención en el psicoanálisis, y se presenta la posibilidad de prevención de signos de riesgo a partir de los indicadores: perturbaciones en la mirada, no instauración del tercer tiempo del circuito pulsional y jugar como acceso a la intersubjetividad. Se concluye que la identificación de los signos de riesgo no debe ser utilizada para determinar precozmente un déficit, sino para promover el desarrollo.

Palabras clave: autismo; psicoanálisis; prevención; desarrollo psíquico.


 

 

Introdução

O autismo tornou-se uma das nomeações contemporâneas da infância. A visibilidade que o tema adquiriu, sobretudo na última década, tem mobilizado estudos multidisciplinares, uma vez que envolve conhecimentos provenientes da biologia, medicina, psicologia, educação, teorias da aprendizagem e da psicanálise (Laurent, 2014). As discussões recentes sobre o autismo se polarizam entre a investigação sobre as suas causas (etiologia), em um extenso debate entre organogênese e psicogênese; ou sobre a direção do tratamento empreendido (Jerusalinsky, 2015a).

Além disso, a relevância científica, clínica e política que adquire o tema na última década encontra eco no aumento de casos de autismo diagnosticados: um autista em cada 123 crianças nos Estados Unidos, e aproximadamente dois milhões de autistas sem diagnóstico definido no Brasil, em comparação com um autista em cada 25 mil crianças nas décadas de 1970 e 1980 (Jerusalinsky, 2015b). Esses diagnósticos são feitos com base no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), hoje em sua quinta versão, editado pela American Psychiatric Association (APA), no qual figura a categoria de Transtornos do Espectro do Autismo (TEA).

Um dos fatores comumente associados ao que se convencionou chamar de "epidemia" de autismo é a alteração nos critérios diagnósticos e o desaparecimento da psicose infantil como categoria nosográfica, privilegiando-se a dimensionalidade presente na noção de espectro. Portanto, o aumento da incidência de diagnósticos de autismo não decorreria da precisão dos critérios do Manual, mas de sua modificação (Kupfer, 2015).

Contudo, a epidemia parece não ter contagiado apenas os diagnósticos de autismo. Ao contrário, esse parece ser um movimento que acompanha o campo da psiquiatria infanto-juvenil como um todo. Se a primeira infância é marcada pela permeabilidade às inscrições psíquicas, pela neuroplasticidade e pela possibilidade de o ambiente modificar a estrutura genética (epigenética), por outro lado, o traço distintivo da clínica da criança está justamente nessa dificuldade de definir trajetórias típicas e estruturas fixas, o que torna o campo mais permeável à pulverização dos diagnósticos (Bercherie, 2001; Jerusalinsky, 2015c).

Philippe Ariès (1981) já ressaltara que a infância, como categoria histórica, nem sempre foi objeto e alvo de cuidados. Atualmente, a valorização das políticas voltadas à primeira infância no cenário nacional e internacional ratifica esse lugar de importância dada à infância, concentrando esforços oriundos dos campos econômico, social e científico.

Entretanto, ações voltadas à promoção do desenvolvimento psíquico raramente são contempladas nas políticas de prevenção (Kupfer, Bernardino, & Mariotto, 2012). Só muito recentemente a prevenção de saúde mental na primeira infância sob a perspectiva do desenvolvimento psíquico adentrou de fato na agenda governamental brasileira, com a publicação do Marco Legal da Primeira Infância, oficializado pela Lei 13.257/2016. O Marco Legal consiste em um conjunto de ações voltadas à promoção do desenvolvimento na primeira infância, propondo a articulação entre Estado e sociedade para a criação de políticas, planos, programas e serviços que visam garantir o desenvolvimento integral das crianças de zero a seis anos. O documento Avanços do Marco Legal da Primeira Infância (Jerusalinsky, 2016) apresenta um capítulo dedicado aos fundamentos do protocolo IRDI – Indicadores de Risco psíquico para o Desenvolvimento Infantil, embasado nos conceitos da teoria psicanalítica.

O objetivo deste texto é articular a dimensão preventiva, presente nas políticas públicas, a conhecimentos oriundos do campo psicanalítico sobre indicadores de risco de desenvolvimento psíquico, com enfoque no autismo. Para tanto, discute-se inicialmente a ideia de prevenção na psicanálise e apresenta-se a possibilidade de prevenção de sinais de risco do desenvolvimento (que pode ou não resultar em um quadro de autismo) a partir de três indicadores descritos: as perturbações no olhar, a não instauração do terceiro tempo do circuito pulsional e o brincar como meio de acesso à intersubjetividade.

 

Psicanálise e prevenção

A discussão sobre prevenção ocupa lugar privilegiado quando se trata da primeira infância, já que, como categoria política, a infância incarna o ideal social e a prevenção torna-se o ato necessário para atingi-lo (Rohenkohl, 1999). Assim, a prevenção entra no terreno da psicanálise – e vice-versa – no momento em que psicanalistas já não se furtam à ocupação de espaços institucionais e à participação nas políticas públicas de saúde, tendo que acolher essa demanda que emana do corpo social.

No campo da saúde mental, a prevenção tornou-se pauta privilegiada. Em relação à primeira infância, Rohenkhol (1999) recorda que a psicanalista Françoise Dolto foi a primeira a falar em um trabalho psicanalítico preventivo com crianças, a partir de sua experiência com crianças autistas e psicóticas na Maison Verte, na França – dispositivo institucional de escuta e acolhimento de crianças pequenas e seus pais, criado por um conjunto de psicanalistas, entre os quais a própria Dolto, em 1979. A Maison Verte, dispositivo particular e original, articula-se em torno de dois conceitos que desempenham a função de fios condutores do trabalho: o de laço social e o de subjetivação (Aubourg, 2009).

O laço social é sustentado por palavras que circulam no dispositivo, palavras estas que falam da criança antes mesmo de seu nascimento e que, ao nomear o corpo, transformam o infans em falasser. Quanto à subjetivação, diz respeito a colocar a criança em questão: é por meio do que é consciente ou inconscientemente veiculado pela linguagem que o psiquismo da criança se estrutura. As crianças acolhidas na Maison Verte, do nascimento aos três anos de idade, encontram-se em pleno momento de estruturação subjetiva, enquanto seus pais, que as acompanham, vivenciam neste momento a reanimação do infantil que os habita, outrora recalcado (Aubourg, 2009).

Entre outras facetas do dispositivo que constitui a Maison Verte, a escuta dos pais e da criança, separando o que é de um ou do outro, compõe um dos pilares de sustentação da prática psicanalítica que ali se articula. Dolto insistia no valor da palavra da criança, e na sua capacidade de escutar, o que não significa que é preciso dizer tudo às crianças, mas apenas aquilo que lhe diz respeito. Assim, o papel dos psicanalistas que atuam na Maison Verte é poder escutar e redistribuir tais enunciados, fundamental para a prevenção de transtornos na primeira infância (Aubourg, 2009). Nesse sentido, para Dolto, a prevenção consiste em atender alguém quando este necessita.

Entretanto, discutir psicanálise e prevenção é adentrar em um debate ético e epistemológico que inclui em seu bojo a noção de temporalidade, dado que a ideia mesma de prevenção parece se contradizer à proposta da psicanálise, de intervir no après-coup1 (Aragão, 2001). Assim, se a psicanálise se ocupa do cuidado e da terapêutica, só é possível incluir a dimensão preventiva em sua intervenção ao subverter o conceito de prevenção, não mais como a ação de evitar um problema ou uma doença, mas como "uma oferta das bases mínimas de subjetivação" (Mariotto, 2009, p. 143). Dito de outro modo, intervém-se mais para favorecer a constituição subjetiva do que para evitar um quadro patológico.

O trabalho da psicanálise no eixo preventivo pretende contribuir para a formulação de políticas de prevenção e de atenção à saúde mental no Brasil (Mariotto, 2009). Assim, almeja compartilhar com profissionais da primeira infância, atuantes na saúde e na educação, os sinais próprios ao sofrimento psíquico nesta etapa primeira do desenvolvimento e da constituição subjetiva.

Para Laznik (1997), só é possível falar de prevenção no autismo no registro psíquico, pois é neste que a intervenção se torna possível: uma intervenção positivada, para que se instaurem as estruturas que não compareceram e, consequentemente, para que não se produzam os déficits cognitivos, considerados como secundários.

Portanto, a ideia de prevenção se articula àquela de detecção e intervenção precoce. Intervir precocemente é agir antes do fechamento de certos quadros de modo patológico, uma vez que é preferível considerar as estruturas na infância como não-decididas (Bernardino, 2004). Contudo, tal intervenção sempre se dá na direção de uma aposta, e não de uma garantia de prevenção de futuros sofrimentos (Aragão, 2001; Jerusalinsky, 2015c).

 

Prevenção de sinais de sofrimento psíquico: do que se trata

Se pensarmos no autismo da forma como Leo Kanner o apresentou na década de 1940, ou seja, como potencialidade presente desde o nascimento que se manifesta em comportamentos específicos entre dezoito meses e três anos de idade, tomaremos como sinais clínicos de sua manifestação comportamentos que expressam competências cognitivas deficientes, tal como a incapacidade de a criança construir uma teoria da mente. Contudo, Laznik (1997) propõe o olhar para um tempo anterior do desenvolvimento psíquico, se quisermos pensar na possibilidade de uma prevenção. Nesse sentido, a psicanálise se interessa menos pelo desenvolvimento instrumental da criança do que pela sua composição psíquica (Mariotto, 2009).

A psicanálise privilegia uma concepção negativa (e não negativista) dos sinais a serem considerados no diagnóstico precoce do autismo. Nesse sentido, voltará sua atenção para a ausência (de estruturas, de produções simbólicas) – de algo que deveria estar lá, presentificando o desenvolvimento psíquico do bebê, mas que, por alguma razão indeterminada e desconhecida, não comparece. Do ponto de vista interventivo, essa concepção negativa é vantajosa, na medida em que não busca definir uma dificuldade da criança em termos de transtornos ou categorias diagnósticas, centradas na ideia de doença, caminhando, portanto, na contramão de um discurso patologizante (Jerusalinsky, 2015c).

 

Sinais de risco: o não advento de uma produção

Considerar o não advento de uma produção no desenvolvimento psíquico do bebê é, antes de tudo, uma operação lógica. Jerusalinsky (2015c) destaca que a queda ou o não-acontecimento de uma produção esperada antecede os signos positivados de um quadro psicopatológico, entre os quais o quadro de autismo, sendo, portanto, logicamente anterior a estes.

Crespin (2004) pontua que os estados de sofrimento precoce resultam, simultaneamente, do equipamento somático do bebê, mas também de aspectos relacionais. Colocar em relevo os aspectos relacionais permite, ao mesmo tempo, desculpabilizar os polos da relação – o autismo não é resultado de um equipamento somático deficitário do bebê, tampouco de uma má qualidade da função materna – e abrir margem para um campo de ações e intervenções, sem recair na inexorabilidade do quadro autista.

 

As perturbações do olhar

As perturbações do olhar adquirem uma importância clínica, cognitiva, etológica e psicanalítica na identificação de sinais de risco do desenvolvimento. Clínica, na medida em que funcionam como sinal de alerta de que algo "não vai bem" na relação com o bebê; cognitiva, porque apontam para a dimensão da atenção compartilhada; etológica, já que as trocas suscitadas pelo olhar têm seu lugar privilegiado nos estudos pai-mãe-bebê; e psicanalítica, já que a terapia pais-bebê propõe a formulação de hipóteses sobre a ligação entre as trocas de olhar e formações identificatórias na comunicação dita paradoxal (Carel, 2008).

O não-olhar entre uma mãe (ou seu substituto) e seu bebê expressa uma dificuldade no estabelecimento do laço e na constituição da relação especular com o outro, relação esta que garante ao bebê sua unidade, confirmada pelo outro, e, posteriormente, sua vivência corporal (Laznik, 1997). Ainda que não em sentido idêntico ao que propõe Lacan sobre a relação especular, Winnicott (1945/1975) expressou a função de espelho da mãe em sua proposição: "o que vê o bebê quando olha para o rosto da mãe? Sugiro que, normalmente, o que o bebê vê é ele mesmo" (p. 154). Dito de outro modo, o bebê recebe sua imagem de volta, mediada pela mãe.

Cabe pontuar que o olhar se distingue da função orgânica da visão. Um bebê pode ter intacto seu aparelho visual, mas não olhar. Do mesmo modo, o olhar enquanto função psíquica pode ser construído mesmo na ausência orgânica da visão: quando tudo vai bem no desenvolvimento, a fixação do olhar ocorre logo após o nascimento, quando o campo visual ainda não está constituído (Crespin, 2004). É certo que a função corporal dá suporte ao advento, mas não se reduz a ela. O olhar, diferente da visão, evoca a interação com o outro e com o ambiente.

De tal maneira que o olhar do bebê para a mãe é o que lhe permite sustentar os turnos de fala, ou seja, os momentos em que a mãe fala no lugar de seu bebê, supondo ali um sujeito, para que este possa então advir. Essa dimensão relacional do olhar permitirá, entre outras qualidades, que a mãe se sustente no exercício prosódico do "manhês".

A fim de matizar o entendimento desse sinal clínico, seria possível ainda falar de uma dificuldade do bebê em sustentar o olhar diante da mãe, no lugar de uma completa recusa do encontro com o olhar do outro, como têm apontado pesquisas recentes (Saboia, 2015). No mesmo sentido, Carel (2008) prefere classificar o evitamento2 do olhar como manifestação do conjunto de comportamentos que caracteriza o evitamento relacional entre zero e dezoito meses, que pode preceder a instauração de um quadro de autismo, assim como de outras manifestações psicopatológicas.

Crespin (2004) inclui entre as perturbações do olhar a não-fixação, como o olhar no teto ou a fixação do olhar a algum ponto luminoso. Trata-se, portanto, de um evitamento seletivo do rosto humano, provocando no adulto a sensação de não ser visto pelo bebê, ainda que inserido em seu campo visual.

As perturbações do olhar (olhar ausente, periférico, distante, flutuante, entre outros), apesar de não serem suficientes para que a intervenção ocorra, são importantes alertas clínicos (Laznik, 1997; Carel, 2008). Isso porque são frequentemente sinalizadas pelos pais e podem aparecer desde o segundo mês de vida do bebê. Cabe ressaltar, mais uma vez, que a dimensão do olhar é relacional: o evitamento do olhar do bebê para a mãe, por exemplo, modula o olhar desta em relação ao bebê. Assim, é possível que ao evitar o encontro com o olhar da mãe, a mãe responda com um olhar sentido pelo bebê como demasiadamente intrusivo ou penetrante, produzindo assim o que Carel (2008) chamou de uma comunicação paradoxal.

 

A não instauração do terceiro tempo do circuito pulsional

A não-instauração do circuito pulsional é o segundo sinal clinicamente observável que sugere a necessidade de uma intervenção precoce (Laznik, 1997). Segundo a definição freudiana, a pulsão se situa na fronteira entre o somático e o psíquico, constituindo-se no representante psíquico das excitações corporais que chegam ao psiquismo. Os três tempos pulsionais serão explicitados por Freud no texto de 1915, caracterizando os tempos de passagem da atividade à passividade (Freud, 1915/2010).

Laznik (1997) pontua que, para Lacan, a pulsão não se situa no registro do orgânico, e a satisfação pulsional, ainda que apoiada sobre a satisfação orgânica, ocorre em forma de circuito: seu ponto de partida é, simultaneamente, seu ponto de chegada. Portanto, no circuito pulsional podem ser discriminadas três etapas até que se dê o seu fechamento: 1) um primeiro momento de atividade do sujeito; 2) um momento intermediário, de autoerotismo; 3) o momento crucial de se posicionar como objeto da satisfação do outro. É a partir deste terceiro tempo, de uma passividade aparente, que Laznik (1997) isolará o sinal clínico que sugere a não-instauração de uma estrutura psíquica.

Assim, se tomarmos como exemplo a pulsão oral, no primeiro tempo do circuito o bebê vai em busca do objeto pulsional (o seio materno, por exemplo) na realidade externa e dele obtém satisfação, produzindo no psiquismo um registro mnêmico. No segundo tempo, o bebê tenta recuperar essa representação do objeto faltante por meio dos movimentos autoeróticos, chupando o dedo, por exemplo. Assim, ele investe simultaneamente em seu dedo e no pensamento do objeto (seio) como alucinação (Golse, 2003).

O terceiro tempo, por sua vez, caracteriza-se pela alienação do bebê a outro sujeito: ele se coloca na posição de objeto do outro, se assujeitando (Laznik, 1997). É dessa alienação que o bebê se satisfaz na pulsão, criando com a mãe (ou qualquer outro que ocupe esta função) uma dimensão partilhada do prazer: ele oferece seu corpo, sua barriga ou seus pés para serem beijados, mordidos, "comidos" pela mãe, e se deleita ao capturar o gozo da mãe.

À mãe, em contrapartida, cabe manejar a transição do bebê do lugar de objeto (de seu gozo) para fazê-lo advir ao lugar de sujeito, postulando, portanto, um limite para esse gozo que se lhe apresenta. É quando a mãe se desloca da cena que Laznik (2013) caracterizou como oral-erótica, na qual diz ao bebê o quão apetitosos são seus pezinhos, para a cena narcísica-fálica, quando admira, por exemplo, a flexibilidade e a destreza do bebê em um elogio sobre como ele segura bem seus próprios pés. Neste segundo momento, a mãe incentiva o filho a se exibir, situando-o no lugar de sujeito.

Se essa dimensão do prazer compartilhado não comparece, é preciso intervir a tempo: nesse sentido, é possível falar de prevenção, na medida em que se considera possível, por meio da intervenção precoce, o estabelecimento ou restabelecimento do terceiro tempo do circuito pulsional (Laznik, 1997).

 

O brincar como meio de acesso à intersubjetividade

Assim como o sinal da não instauração do terceiro tempo pulsional, o sinal clínico do não brincar também está relacionado à dimensão do prazer compartilhado, pois diz respeito ao brincar como meio de acesso à intersubjetividade3. Como sinaliza Mariotto (2009, p. 142),

o brincar se refere à própria composição subjetiva, e qualquer atividade significante no desenvolvimento da criança está relacionada a esse processo, indicando não só os avanços, as conquistas, os progressos em seu desenvolvimento, como os impedimentos, as dificuldades e as patologias.

Contudo, se por um lado a dimensão do prazer compartilhado no terceiro tempo do circuito pulsional indica a capacidade do bebê de se alienar ao desejo do outro, a dimensão do brincar compartilhado expressa a capacidade do bebê de se separar do outro, "na medida em que só existe brincar possível com o outro se o outro começa a poder efetivamente ser percebido pela criança como um outro, distinto dela mesma" (Golse, 2003, p. 47).

Além do que, o brincar é uma atividade de ligação, uma vez que possibilita o estabelecimento de laços com o outro, e possui função organizadora, seja da relação do sujeito com o mundo, consigo mesmo ou com os objetos (Golse, 2003; Mariotto, 2009).

Apoiada em Winnicott, Mariotto (2009) destaca quatro tempos do brincar na criança e no bebê, ainda que neste o brincar não comporte ainda a consciência de sua dimensão lúdica:

1) O brincar com o corpo do outro cuidador; 2) O brincar no espaço de ilusão, onde o outro adulto ainda é necessário, não mais como corpo, mas enquanto olhar; 3) O brincar sozinha, mas na presença de um adulto de referência disponível; 4) O brincar com outras crianças (Mariotto, 2009. p. 142).

René Roussillon (2008), por sua vez, apoiado no texto freudiano, promove o brincar à condição de paradigma no seio da teoria psicanalítica e distingue diferentes modalidades do brincar: o brincar manifesto e o latente, o brincar solitário ou o brincar implicado no encontro com outro sujeito, o brincar intrassubjetivo, intranarcísico, e o brincar na presença do outro. Em suas diferentes modalidades, o brincar comporta uma dupla dimensão: ele oferece recursos ao bebê para a elaboração da sua relação com a mãe-ambiente, ao mesmo tempo em que permite descobrir, no registro temporal do só-depois, aspectos da realidade subjetiva da criança (Saboia, 2014).

Saboia (2014) considera que a teoria de Roussillon contempla esse duplo registro do brincar, na medida em que postula três manifestações: a de um brincar autossubjetivo, que compreende as atividades autocentradas do bebê, desde suas experiências autossensoriais até as autoeróticas; o brincar interativo, que sinaliza a inscrição de um espaço terceiro, ao envolver o compartilhamento com o adulto de um objeto do ambiente; e o brincar intrassubjetivo, "que se aproximaria da tentativa da criança de simbolizar suas lembranças primitivas por meio de mecanismos de projeções, através das explorações dos objetos reais e concretos do ambiente durante o próprio ato de brincar" (Saboia, 2014, p. 261).

Portanto, é por meio do brincar que o bebê constrói seu laço com o outro, ao mesmo tempo em que organiza suas experiências subjetivas. Além disso, o brincar é correlato do processo de simbolização da criança (Saboia, 2014). Em relação aos possíveis entraves nesse processo de constituição subjetiva, Guerra (2014), a partir de seus estudos sobre indicadores de intersubjetividade e da teoria psicanalítica, observa que bebês entre oito e doze meses que se encaminham para um fechamento autístico apresentam uma queda significativa nas iniciativas, bem como no desejo pelo encontro intersubjetivo promovido pelo brincar, em comparação com um bebê típico. Dessa forma, não se apresentaria nos bebês em risco de desenvolvimento a experiência que o autor chamou de interludicidade, ou seja, a disposição mental para tomar o outro como parceiro lúdico na experiência intersubjetiva.

A busca do olhar do outro e a relação triádica presente no brincar podem ser aproximadas da noção de atenção compartilhada postulada por alguns autores brasileiros da corrente desenvolvimentista, com base nas pesquisas de M. Tomasello, orientadas pela perspectiva sociocognitiva (Bosa, 2001; Lampreia, 2007). A atenção compartilhada consiste na utilização, pela criança, do contato visual e do gesto de apontar para chamar a atenção do adulto para um objeto, considerando o outro como diferente dele e atribuindo-lhe um estado mental diferente do seu.

Portanto, vê-se que a atenção à dimensão do brincar não é exclusiva da psicanálise. Instrumentos como o M-CHAT (Modified Checklist for Autistic Toddlers), consolidados para o rastreamento de sinais precoces de autismo, evidenciam tipos de brincar, como o sensorial, o funcional e o brincar de faz de conta, por meio de questões respondidas pelos pais, tais como: "seu filho consegue brincar de forma correta com brinquedos pequenos (como carros ou blocos), sem apenas colocar na boca, remexer no brinquedo ou deixar o brinquedo cair?" ou "seu filho gosta de brincar de esconder e mostrar o rosto ou de esconde-esconde?" (Losapio & Pondé, 2008).

O M-CHAT, que consiste em uma lista de 23 questões do tipo sim/não, preenchidas por pais de crianças entre 18 e 24 meses de idade, permite identificar traços de autismo, sem se configurar como instrumento diagnóstico (Losapio & Pondé, 2008). Contudo, na contramão da discussão que propusemos neste texto, instrumentos de rastreio como o M-CHAT centram-se, essencialmente, em sinais positivos de uma patologia, incluindo em seu questionário indagações aos pais. Nesse sentido, a dimensão relacional do brincar, objeto de interesse da psicanálise (Golse, 2003), não é contemplada: ao contrário, o brincar é analisado em suas categorias observáveis por um outro – neste caso, por quem responde o questionário.

Em síntese, ao centrar-se em sinais positivados do autismo, caminha-se na direção da predição e, portanto, de um risco de patologização de tais sinais. Em sentido contrário, a identificação dos sinais de risco a partir do que propõe a psicanálise, como as perturbações do olhar, a não-instauração do circuito pulsional e o brincar como acesso à intersubjetividade, é uma aposta na direção de novos arranjos, capazes de favorecer a constituição subjetiva.

 

Considerações Finais

A valorização das políticas voltadas à primeira infância se insere no contexto maior da mudança paradigmática operada no campo da saúde mental. Trata-se da passagem de uma lógica da doença ao paradigma da promoção de saúde mental, no bojo do qual a viabilização de condições para a constituição subjetiva do bebê e da criança é prioritária em relação ao fechamento de um diagnóstico.

A identificação dos sinais de risco elencados, perturbações do olhar, não-instauração do circuito pulsional e o brincar como meio de acesso à intersubjetividade não devem ser utilizados para determinar precocemente um estado deficitário enquanto definitivo, mas para reduzir o sofrimento de tais crianças e suas famílias, promovendo-lhes melhores condições de desenvolvimento (Rabello, 2012).

Assim, ao intervir sobre esses sinais (de risco, porém inespecíficos para autismo), prioriza-se o tratamento do sofrimento em detrimento de um diagnóstico psicopatológico. Essa perspectiva vai ao encontro do que determina o documento Linha de cuidado para a atenção às pessoas com transtornos do espectro do autismo e suas famílias na rede de atenção psicossocial do SUS (Brasil, 2013), ou seja, de que o diagnóstico de autismo não deve ser fechado antes dos três anos de idade.

Nessa perspectiva preventiva, não se trata de identificar bebês em pré-autismo, mas de se atentar a um conjunto de sinais que apontariam para um evitamento relacional, retomando a expressão de Carel (2008). Destes, destaca o autor, apenas alguns se evoluirão para uma organização autística. Dito de outro modo, os sinais deverão funcionar como ponto de partida para práticas de cuidado, e não lugar de chegada.

A intervenção é da ordem de uma aposta, cujos efeitos não se pode predizer. Silvana Rabello (2012) propõe justamente que se faça essa distinção entre o preventivo e o preditivo: o primeiro, com enfoque em ações que promovam o desenvolvimento, previnam os agravos e as barreiras que possam estagnar o desenvolvimento, promovendo ainda os tratamentos necessários. O preditivo, por outro lado, refere-se à delimitação de um quadro nosológico permanente para que, a partir dessa marca, possam ser identificadas as limitações das crianças. É contra esse último que devemos nos posicionar.

Afinal, a temporalidade da infância é aquela da abertura às inscrições psíquicas e, portanto, sua condição de criança deve preceder o quadro nosológico. No dizer da autora, "a criança reside no campo da imprevisibilidade e este é seu grande trunfo e devemos defendê-lo" (Rabello, 2012, p. 173). Assim, evitamos ainda que a atenção em saúde mental se organize por categorias nosológicas, na contramão do que propõe o Sistema Único de Saúde (SUS).

Portanto, retomo a questão lançada no título deste texto: ao articular psicanálise, prevenção e autismo, do que se trata? Trata-se de intervir sobre o sofrimento, em vez de positivar os sinais de uma psicopatologia. Trata-se de promover aberturas, no lugar de procurar os fechamentos.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
leticiavier@usp.br
Avenida Professor Mello Moraes, 1721
05508-030 – São Paulo – SP – Brasil.

Recebido em julho/2017.
Aceito em março/2018

 

 

NOTAS

1. Termo que conjuga a concepção freudiana da temporalidade, também traduzido por a posteriori ou só-depois, segundo o qual o sujeito constrói seu passado e o reorganiza em função de um futuro ou projeto (Roudinesco & Plon, 1998, p. 32).
2. Em francês, évitement. O conceito revela-se útil na medida em que suspende o debate etiológico entre organogênese e psicogênese, uma vez que pode resultar de um déficit de competências neuropsicológicas envolvidas na comunicação, ou pode ser a tradução comportamental de uma defesa psíquica contra a angústia provocada por processos intrapsíquicos e intersubjetivos (Carel, 2008).
3. Saboia (2007) distingue três perspectivas clínicas acerca da intersubjetividade: os posicionamentos teóricos de Colwyn Trevarthen, Daniel Stern e Bernard Golse. Se para Trevarthen, a intersubjetividade é algo herdado em potencial, Stern considera a influência da cultura e do ambiente, enquanto para Golse (2003) a intersubjetividade resulta da "dialética entre o núcleo da intersubjetividade primária inata e o processo de indiferenciação progressiva do recém-nascido com sua mãe" (p. 80). Neste terceiro posicionamento, a intersubjetividade consiste na passagem do estado de fusão entre mãe-bebê para o estado em que o bebê toma consciência da separação entre si mesmo e a mãe.

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