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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. vol.24 no.3 São Paulo set./dez. 2019

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v24i3p408-418 

10.11606/issn.1981-1624.v24i3p408-418.

DOSSIÊ

 

Uma clínica para acolher a "Juventude Abandonada" de hoje

 

Una clínica para acoger la "Juventud Desamparada" de hoy

 

A clinic to harbor today's "Wayward Youth"

 

 

Marcelo Ricardo PereiraI

IPsicanalista. Professor adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. Email: marcelorip@hotmail.com

 

 


RESUMO

Partindo de Juventude Abandonada, de Aichhorn, Privação e Delinquência, de Winnicott, e de escritos de Freud, Lacan, Tizio, Minnicelli, Ponnou e Lacadée, propomos intervenções possíveis a fim de resgatar a subjetividade do adolescente embaraçado com seu ato delitivo. Por meio da palavra, sem ceder às pressões do consumo e da sociedade, mostramos como é possível fazer frente às lógicas segregativas do discurso dominante com sua tendência à judicialização e ao apagamento da dimensão subjetiva do jovem. Evocamos às medidas socioeducativas de exceção e de acolhimento de sujeitos antissociais os princípios da "clínica da urgência subjetiva", mas não sem perguntar: A "situação analítica" requer o desenvolvimento de determinadas estruturas, como a presença de um sintoma e o manejo da transferência, porém como realizar uma intervenção psicanaliticamente orientada sem que muitos jovens as apresentem? Como realizar a "clínica da urgência subjetiva" sem que um sintoma seja formalizado e direcionado a um suposto saber como ocorre na clínica standard? E mais: em tempos de palidez do Ideal do Eu e de declínio da imago paterna, como resgatar o lugar de referente sem que este funcione como tirano, quando massivamente presente, ou propicie o pânico, quando extensivamente ausente?

Palavras-chave: juventude; medidas de exceção socioeducativas; clínica psicanalítica da urgência subjetiva; Ideal do Eu.


RESUMEN

Partiendo de Juventud Desamparada, de Aichhorn, Deprivación y Delincuencia, de Winnicott, y escritos de Freud, Lacan, Tizio, Minnicelli, Ponnou y Lacadée, proponemos intervenciones posibles a fin de rescatar la subjetividad del adolescente complicada con su acto delictivo. Por medio de la palabra, sin ceder a las presiones del consumo y de la sociedad, mostramos cómo es posible hacer frente a las lógicas segregativas del discurso dominante con su tendencia a la judicialización y al borrado de la dimensión subjetiva del joven. Evocamos a las medidas socioeducativas de excepción y de acogida de sujetos antisociales los principios de la "clínica de la urgencia subjetiva", pero no sin preguntar: La "situación analítica" requiere el desarrollo de determinadas estructuras, como la presencia de un síntoma y el manejo de la transferencia, pero ¿cómo realizar una intervención psicoanalítica orientada sin que muchos jóvenes presenten el síntoma y la transferencia? ¿Cómo realizar la "clínica de la urgencia subjetiva" sin que un síntoma sea formalizado y dirigido a un supuesto saber cómo ocurre en la clínica estándar? Y más: en tiempos de palidez del Ideal del Yo y de declinación de la imago paterna, ¿cómo rescatar el lugar de referente sin que éste funcione como tirano, cuando se encuentra masivamente presente, o propicia el pánico, cuando se encuentra extensivamente ausente?

Palabras clave: juventud; medidas de excepción socioeducativas; clínica psicoanalítica de la urgencia subjetiva; Ideal del Yo.


ABSTRACT

Starting from the Wayward youth, Aichhorn's, Deprivation and Delinquency, Winnicott's, and writings by Freud, Lacan, Tizio, Minnicelli, Ponnou and Lacadée, we propose possible interventions to rescue the subjectivity of the adolescent complicated by his delict act. Through the word, without giving in to the pressures of consumption and society, we show how it is possible to deal with the segregating logic of the dominant discourse with its tendency to judicialize and erase the subjective dimension of the young. We call socio-educational measures of "exception" and "reception" of antisocial subjects the principles of "subjective urgency and psychoanalytic clinic", but not without asking: The "analytical situation" requires the development of certain structures, such as the presence of a symptom and the handling of the transference, but how to carry out a psychoanalytically oriented intervention without many young people experience both symptom and transference? How to perform the "subjective urgency and psychoanalytic clinic" without nor a symptom being formalized and nor directed to a supposed knowing as it happens in the standard clinic? What is more, in times of blankness of the Ideal of the Ego and the decline of the paternal imago, how to rescue the place of reference without this functioning as a tyrant, when massively present, or provoke panic, when extensively absent?

Keywords: youth; social-educational exception measures; psychoanalytic clinic of the subjective urgency; Ideal of the Ego.


 

 

Verwahrloste Jugend (Juventude Abandonada1) é um livro escrito pelo pedagogo e psicanalista August Aichhorn, que descreve seu trabalho com jovens praticantes de atos infracionais e que se encontram, por isso, em reformatórios como o de Hollambrunn, nos arredores da cosmopolita Viena do primeiro quarto do século XX. Aichhorn intervém onde a educação fracassa. Revelando com cuidado suas possíveis intervenções, o autor demonstra como resgatar a subjetividade do jovem embaraçado com seu ato transgressor por meio da palavra, sem ceder às pressões das famílias e demais instituições.

O próprio Freud, em entusiástico prefácio ao livro de Aichhorn (1925/2006), avança o debate em termos clínicos ao interrogar a "situação psicanalítica" no âmbito do trabalho social. Se tal situação vai requerer o desenrolar de determinadas estruturas, como a presença de um sintoma, e ao mesmo tempo uma atitude particular para com o analista, denominada transferência, pode- se então perguntar: como realizar uma intervenção psicanaliticamente orientada sem que os jovens apresentem, na maioria das vezes, nem uma coisa nem outra que fariam justificar o emprego da psicanálise? No que se pode chamar "clínica da urgência subjetiva", como fazê-la sem que aquilo que mais deva concernir ao sujeito – o seu sintoma – seja formalizado para ser elaborado e seja igualmente direcionado a um suposto saber, como deve ocorrer em toda clínica standard? Em outros termos: como fazer a clínica sem que as condições estruturais para que ela ocorra estejam presentes?

 

Sintoma sem mal-estar e estratégias de intervenção

Aichhorn considera antes de qualquer coisa que o trabalho inicial de reeducadores, de pós- educadores, de educadores de reformatório ou, hoje, de técnicos de medida de exceção (incluindo os técnicos de medidas socioeducativas), não difere da educação em geral, pois todos objetivam levar o jovem a ocupar seu lugar de direito dentro da sociedade. Porém, o trabalho dos reeducadores2 deve atentar para os efeitos que a abdicação ou as dificuldades do exercício da função do adulto produzem em cada sujeito. Uma moção pulsional emerge como um ato de consequências problemáticas para jovens e para a sociedade ao seu redor. A maioria deles conheceu os excessos do outro em registros muito diversos: maus-tratos, abusos, violências, abandono ou superproteção. Os problemas relacionais, afetivos, sexuais e adaptativos são, na verdade, problemas de regulação simbólica que, como tal, deixaria de funcionar como dique contra moções pulsionais ou empuxes excessivamente libidinais. Deve-se assim ajudar esse jovem a refrear sua compulsão à repetição no sentido de elaborá-la, pois ela tende a retornar no real ou no próprio corpo do sujeito, sempre de maneira não mediada.

Compulsões como essa, em regra, levam o neurótico comum a produzir um sintoma, que não é mais do que uma expressão que une duas tendências conflitantes: restrição e satisfação (Freud, 1926/2014). Logo, para tentar solucionar a "tendência antissocial" do seu sintoma, expressão de Winnicott (1984/2005), é comum que o neurótico busque uma psicanálise, uma psicoterapia ou mesmo psicofármacos que lhe permitam sair ou aplacar a angústia (ou mal-estar), fonte de tal sintoma.

Mas com o jovem praticante de ato infracional ocorre outra coisa: em geral, ele não sofre com seu sintoma ou não apresenta explicitamente um mal-estar que o cause. Tal fato expõe um problema ao reeducador orientado psicanaliticamente, pois uma demanda do próprio sujeito não é apresentada por ele de modo a requer alguma intervenção em sua condição sintomática. Em regra, o jovem em situação de delito ou vulnerabilidade é levado por um terceiro ou por uma medida jurídica de exceção, muitas vezes protetiva, que se opõe e pretende barrar sua conduta ou tendência antissocial.

Em Privação e delinquência, Winnicott (1984/2005) dirá que há uma relação inerente entre essa tendência antissocial e a própria privação do jovem. É como se ele reconhecesse que o ambiente lhe deve algo, que o ambiente privou de si algo muito fundamental para que ele se constitua como sujeito. Disso deriva uma agressividade arcaica que, não sendo externalizada, pode destruir o próprio jovem e seus laços sociais. Em muitos momentos, se há de se notar que as medidas de exceção vêm potencializar essa experiência de privação e acentuar as manifestações arcaicas de agressividade por parte dos jovens. Justamente por dirigi-las na maior parte das vezes para fora do Eu, os sintomas de quem pratica o ato antissocial pode "atuar" nele sem que haja aparentemente um mal-estar em razão disso.

Sabemos que a tarefa de um reeducador, mesmo sendo orientada pela psicanálise, é diferente da tarefa do psicanalista standard. Se para o último a espera é uma estratégia fundamental para que se desenvolva a transferência e, dai, se possa fazer a interpretação, para o reeducador em uma medida de exceção não há esse tempo. Ele não está em condições de poder esperar. Por dever atuar rapidamente, o reeducador se vê forçado a formar uma ideia esquemática da situação, construir hipóteses e conduzir o caso um tanto cego, depois de umas poucas entrevistas com os jovens e/ou, quando possível, com seus responsáveis.

Na verdade, essas intervenções devem buscar a formalização de um sintoma em sujeitos com tendência antissocial. Não se pode, com isso, esperar que o jovem trabalhe com o reeducador, como habitualmente se espera em uma análise convencional, pois, na maior parte das vezes, tal jovem trabalha contra ele. Esse manejo vai requerer uma direção segura. Ter antes de qualquer coisa uma hipótese sobre as causas implica em ter uma orientação para começar um trabalho que deverá produzir a confiança necessária para que o sujeito estabeleça a transferência e consinta com a orientação psicanalítica.

Um parêntese: uma sólida experiência e intuição clínica, bem como uma direção segura são requisitos que julgamos ser fundamentais a um reeducador orientado psicanaliticamente. Entretanto, o que se pode perceber na realidade das políticas públicas é outra coisa: devido aos baixos salários, à desvalorização do trabalho à precarização das organizações e à falta de estrutura institucional mínima para lidarem com jovens praticantes de atitudes antissociais, somente profissionais recém-formados, com empregos provisórios e com pouca ou nenhuma experiência clínica têm ocupado essa função. Isso ocorre em razão, entre outras cosias, da quase total ausência de políticas de governo, de defesa social, de estruturação de carreira e de remuneração para esse fim – algo que pode resultar justamente no inverso da reeducação e reinserção social que as medidas de exceção, em tese, almejam para jovens nessas condições.

Mas, voltemos à questão da orientação psicanalítica. Em Recordar, repetir, elaborar, Freud (1914/2010a) afirma que um sujeito em análise não recorda coisa alguma do que recalcou, mas o expressa sob a forma de acting (atuação). O sujeito tende compulsivamente a repeti-la. A repetição é uma transferência do passado esquecido que "atua" no sujeito como momento presente. Porém, à diferencia da psicanálise, a educação e a socioeducação não querem saber nada sobre a repetição. No campo educativo, deve-se evitá-la, senão suprimi-la, para que, ilusoriamente, se acredite que o conflito tenha sido de fato debelado. Uma reeducação orientada pelo princípio educativo rechaçará toda repetição e correrá o risco de a priori inflar a condenação moral que visa à ordem. Ao contrário, uma medida de exceção cujo trabalho seja orientado pela psicanálise evocará, antes, a repetição como motriz de intervenção; sobretudo, a repetição como transferência. Essa é uma maneira sine qua non de dirigir o ato educativo ou reeducativo.

Por exemplo, para certos jovens, aqueles que Aichhorn considera em conflito aberto com a sociedade, talvez seja pertinente ao reeducador colocar-se ao lado do sujeito, aprovar suas condutas, permitir que as repita na instituição, parecer um pouco tonto frente a ele. "Fazer-se de tonto, ser um pouco lento e estar um pouco atrás [...]. De maneira geral, ele [o profissional] se faz de tonto para suscitar no outro o desejo de falar, de explicar, de desenvolver" (Miller, 2010, p. 262).

Para tais jovens, é necessário que se saiba dizer "sim" antes de "não", de tolerar antes de proibir. Eis aqui a posição do pai do terceiro tempo do Édipo: o pai que antes de interditar diz "sim" ao vetorizar a lei, incluindo o sujeito na ordem social; e não o expulsando dela3. É indispensável ao reeducador orientado psicanaliticamente saber e manejar o mecanismo da transferência e seus efeitos. Ao lado da formalização do sintoma, a transferência é um dos dispositivos fundamentais de desenvolvimento de um trabalho que se nivela ao que denominamos "clínica da urgência subjetiva".

Em certo sentido, uma clínica dessa natureza não se difere dos princípios da clínica standard, já que ambas buscam fazer a subjetividade realizar-se por meio da transferência. A diferença reside em outro aspecto: enquanto a clínica da psicanálise convencional intervém no sintoma como efeito da angústia, visando à construção da fantasia para atravessá-la e inscrever um sujeito do desejo singular no laço social, a "clínica da urgência subjetiva" põe a centralidade na formalização do sintoma para fazê-lo destravar-se e, assim, civilizar minimamente a pulsão como gozo alienado e mortífero. Teríamos nessa clínica uma psicanálise aplicada ao sintoma ou, mais exatamente, à formalização de um sintoma (e não ao atravessamento da fantasia). É necessário ao sujeito "saber sintomatizar sua posição" (Tizio, 2003, p. 181).

Nesse sentido, consideramos a reeducação em uma medida de exceção não como uma clínica standard, mas como uma modalidade de clínica da urgência. Ela mesma seria assim uma forma básica de operação psicanalítica em instâncias sociais para além dos consultórios. Como diz Ponnou (2016), tratar-se-ia do "trabalho social à prova da clínica psicanalítica", expressão que dá título à sua obra que não deixa de remontar à experiência de Aicchorn.

Em outra publicação nossa (Pereira, 2016), esclarecemos que a clínica não se reduz somente às práticas ambulatoriais de médicos, psicólogos, psicanalistas etc. Mas a tomamos como uma atitude ou uma conduta que permite pôr em marcha um sujeito em constante reflexão, de fazê-lo emergir para que se tenha também a chance de fazer sua subjetividade realizar-se. Consideramos a clínica como um lugar privilegiado de acontecimento do sujeito, de fazê-lo vir à superfície e inscrever-se como efeito de uma atitude. "Existe em psicanálise não somente uma teoria da clínica, mas um pensamento clínico, isto é, um modo original e específico de racionalidade extraído da experiência prática" (Green, 2004, p. 11).

Podemos então inferir que o reeducador ou o técnico orientado pela psicanálise, estando no interior de instituições de trabalho social, deve considerar algumas estratégias basilares na construção do caso para operar o que aqui se anuncia como "clínica da urgência subjetiva", a saber: (1) localizar a posição subjetiva de quem fala a partir de sua escuta, destacando modos fixos de gozo ou de satisfação pulsional; (2) estabelecer rapidamente as possíveis hipóteses – porque não se tem o tempo da clínica convencional; (3) propiciar a transferência ao longo de todo o processo; (4) buscar suspender as resistências e os semblantes; (5) recortar o caráter repetitivo do sintoma; e (6) intervir pontualmente, sobretudo, por meio de "citação"4, com fins de ajudar o sujeito a fazer seu sintoma vacilar. Fazê-lo vacilar é auxiliar o sujeito a formalizar esse sintoma e a mover-se de tal formalização, de modo a propiciar o destrave de identificações para se alcançar algum modo de elaboração subjetiva (Pereira, 2016, p. 78 e segs.).

Com isso, o reeducador deve buscar uma espécie de destrave de fixações ou de identificações cristalizadas, que levam os jovens a se reconhecerem como portadores de sintomas que apresentam ou que os estigmatizam. Tais sintomas substancializam os sujeitos, lhes nomeiam, mas igualmente os paralisam. Consideramos ser a tarefa de um reeducador orientado psicanaliticamente fazer vacilar o sintoma de quem o porta, pô-lo sob suspeita. Por exemplo, aquele que diz "eu sou violento" nomeia a si mesmo com seu próprio sintoma, se condenando a uma inércia contumaz. É como se dissesse "eu sou violento" no mesmo nível de "eu sou fulano", ou seja, isso o iguala a alguma predeterminação nosográfica ou jurídica, substancializando-se nela a ponto de elevá-la à condição de nome próprio ou batizando-se com seu sintoma. Uma coisa é dizer "eu sou violento"; a outra é "eu estou em condição de violência (e posso não estar)". Deve-se procurar, com as intervenções, levar o sujeito a fazer heuristicamente esse nome vacilar, dessubstancializar-se e deslocar-se. Desse modo, desumanizamos a nosografia médica e jurídica para humanizar quem acredita portar algo dela.

Assim como Ponnou, apostamos que:

os efeitos das concepções psicanalíticas da clínica no campo do trabalho social funda a clínica da interseção entre a psicanálise e as práticas educativas e sociais. A clínica se aparenta então como uma forma de cruzamento do nó desses dois campos aos quais um sujeito endereça suas questões, suas demandas, suas queixas, seus sintomas. A relação [socio]educativa consiste em acolher daí as palavras para permitir ao sujeito um advir responsável e um aprender a fazer com. Apoiamo-nos assim na dinâmica da transferência que o [re]educador vai levar em conta para que o sujeito aproprie de sua história e engaje um trabalho de composição no qual se ache conduzido a por em palavras o seu sofrimento (Ponnou, 2016, p. 49 e 53-54; tradução nossa).

 

A palidez do Ideal do Eu e a transitoriedade do reeducador

Comumente dizemos que será importante ao reeducador orientado pela psicanálise ser escutado subjetivamente, ter interrogado seus próprios sintomas, consentir com o inconsciente e oferecer-se como suporte transferencial àqueles de que cuida ou que a ele se endereçam. Esse profissional deverá promover uma escuta apurada e, igualmente, fazer intervenções mínimas – nunca longas –, sempre um pouco atrás, de modo a "liberar a palavra e a dar direito a ela" (Mannoni, 1973, p. 189). É necessário fazê-la circular em francos espaços de fala coletivos e individuais. Lembremos de que a clínica da urgência subjetiva (assim como a standard) trabalha com a palavra, mas essa palavra é, sobretudo, a do sujeito, e não de quem o dirige.

Acreditamos que fazer liberar e circular a palavra é poder fraqueá-la, promover espaços de fala, fóruns, roda de conversas; construir e debater casos específicos; expor as dificuldades em solucioná-los; estudar e teorizar singularidades; registrar as observações dos pares, colegas, especialistas; discutir as ações que outros tiveram em situações similares; deixar-se inquietar e manifestar isso em palavras. Assim, tem-se a chance de tais palavras se tornarem mudanças subjetivas, gestos coletivos, ações efetivas, política imediata e até, quem sabe, política pública. Mas devemos aqui interrogar um impasse que o próprio texto de Aichhorn (1925/2006) nos aporta: essa condição de ter seus próprios sintomas analisados franquearia ao reeducador colocar-se em posição privilegiada junto ao jovem em conduta antissocial? Deveria ser esse profissional uma extensão do próprio Ideal de Eu de cada sujeito que acolhe? Seria o reeducador alguém com traços ideais a quem o jovem deveria identificar-se, tomando-o como modelo, para que tenha a possibilidade de reverter a sua condição jurídica e socialmente desfavorável?

Temos então uma polêmica que não pode ser desconsiderada, pois não estamos seguros em afirmar até que ponto o reeducador, em nossos dias, pode ofertar-se como o objeto do Ideal de Eu a ser eleito pelos sujeitos praticantes de atos infracionais e outras condutas antissociais. Essa é a defesa de Aichhorn um tanto delicada, senão controversa, que pode ter se mostrado eficaz em seu tempo, mas nem sempre viável no nosso. Vivermos, hoje, tempos de "adultez erodida" e de "adolescentização generalizada" (Pereira & Gurski, 2014, p. 376), resultando numa sociedade hiperimagética, de "prevalência do imaginário" (Melman, 2000, p. 24), contra uma sociedade tradicionalmente simbólica, como demonstra ter sido a do autor vienense.

Desde Freud (1921/2011b; 1923/2011c), sabemos que o Ideal de Eu é uma função que elege, entre os valores morais e tirânicos do Supereu, aqueles que constituem um ideal ao qual o sujeito aspira ou deveria aspirar. No contexto das massas, o fanatismo, a ideologia, a paixão, a hipnose etc. são casos em que um objeto externo (o mestre, o líder, a ideia, o amado, o hipnotizador etc.) pode ser internalizado como Ideal de Eu do sujeito com base em algum traço unário que porta. Portanto, representando esse traço unário ou traço único, identificador do Eu no nível simbólico – que é próprio da cultura –, teríamos aqui o principal eixo de constituição do laço social como fenômeno, que seria, pois, o eixo paterno.

Freud percebe-se embaraçado com tal descoberta e não a escondeu: se o objeto externo (como um líder) é vivamente forte, ele não fará outra coisa senão promover apenas súditos, a exemplo dos grandes líderes tirânicos e sua massa acéfala de sujeitados. Porém, se se suprimir tal objeto externo, a massa se vê sem líder e o pânico generalizado pode se instalar, a exemplo da morte do comandante de um pelotão em guerra que levaria seus subordinados a se desorientarem. Logo, o que seria mais nocivo: a presença ou a ausência do objeto externo como aquele identificado no Ideal de Eu de cada sujeito?

Disperso na massa (seja identificado com o ideal representado por um líder) ou perdido (sem poder contar com esse ideal), o sujeito se dispensaria do difícil destino de desejar. Com o líder, ele não deseja, pois se poupa do julgamento da consciência e se sente liberado das exigências de seu Supereu; sem o líder, o sujeito experimenta o caos, a anomia e o pânico que podem provocar a pura moção pulsional frente ao horror do vazio de não ter alguém ou algo com o que se identificar.

A noção freudiana das três fontes da identificação pode-nos auxiliar a resolver a questão. São elas: a identificação primária (o traço unário ao nível do ser), a secundária (o traço unário ao nível do ter) e a terciária (por meio do sintoma).

Uma mudança subjetiva do jovem em atitude antissocial significa uma mudança do seu próprio Ideal de Eu, no nível da identificação primária (ser igual ao objeto) ou da secundária (ter ou possuir o objeto). Trata-se da internalização em seu Ideal de Eu de um traço unário extraído do objeto, ou seja, um traço mínimo e único que une o sujeito a seu objeto como lugar simbólico e social.

O Eu é a parte do sujeito que investe, que transfere seus afetos e fantasias a um objeto que por quem se sente capturado, identificando-se com ele. Cada Eu (dos três Eu representados no gráfico da Figura 1) retira inconscientemente desse objeto um traço unário, cada um à sua maneira, e internaliza-o como próprio em seu Ideal do Eu. "Uma massa primária – diz Freud – é uma quantidade de indivíduos que puseram um único objeto no lugar de seu Ideal de Eu e, em consequência, identificaram-se uns com os outros em seu Eu" (Freud, 1921/2011b, p. 76). Essa identificação uns com os outros em razão de internalizarem um traço do mesmo objeto externo em cada Eu é o que o autor vai estabelecer como a terceira fonte de identificação, ou seja, aquela que se dá por meio do sintoma; o sintoma de todos elegerem simultaneamente o mesmo objeto externo. Isso justificaria para ele a existência das massas ou grupos primários.

 

 

Nesse sentido, associando tal aporte teórico à nossa questão sobre o Ideal do Eu, o reeducador haveria de ofertar-se, ele mesmo, como um objeto (externo) capaz de possuir um traço unário por meio do qual o sujeito em atitude antissocial poderia estabelecer uma identificação até então inexistente ou empalidecida. Esse profissional, situando-se como um objeto libidinosamente investido pelo sujeito, ofereceria inconscientemente algum traço unário para que se estabeleça a identificação, acarretando uma mudança mais duradoura na estrutura do Ideal de Eu de cada jovem.

Até aí, assim como Aichhorn, estaríamos obedientes a Freud ao acreditar que o reeducador deverá levar em conta o funcionamento do componente paterno do Ideal de Eu, como dique ou regulador pulsional, para realizar seu ato educativo.

Mas será que tal operação se efetivaria plenamente em nossos dias? Em tempos de declínio da Imago social do pai, de queda dos ideais, de formas pálidas de traços simbólicos e de inflação de uma sociedade hiperimagética, será que podemos hoje recorrer a uma maneira tão vertical de identificação ao traço e evocar um Ideal de Eu paterno tão consistentemente modelar?

Suspeitamos de que um Ideal de Eu assim poderia vir a dispensar o trabalho subjetivo, nunca fácil, que articula a identificação com a perda do objeto. É justamente tal articulação que faria o sujeito desejar.

Além disso, vivemos hoje em uma sociedade com contínuas avalanches de imagens que igualmente tendem a dispensar o sujeito, no nível do desejo, desse difícil trabalho subjetivo. A abundância de imagens muito diversas, mas monotonamente com os mesmos enunciados, com poucas diferenças entre si, não institui o intervalo vazio que possibilita ao sujeito do desejo vir à superfície. Se se pode gozar com a imagem, muito facilmente o espectador tenderá a se ver poupado da perda que provocaria suas possíveis identificações ao traço unário. A dimensão subjetiva do desejo, desse modo, estaria condenada à opacidade, senão ao apagamento.

Os jovens "abandonados" de hoje parecem encontrar uma saída bastante complicada: mediante a ausência de objetos externos socialmente aprovados dos quais retirariam um traço unário para identificar-se no seu Ideal de Eu ou, dito de outro modo, sem "pais substitutos" suficientemente investidos no nível simbólico em tempos de declínio da Imago paterna ou de "desfalecimento do pai" (Minnicelli, 2010, p. 194), tais jovens parecem eleger de maneira não mediada novos ideais de gozo, fora da lei ou de recusa à norma. Suspeitamos que assim o fazem, entre outros motivos, para evitar o caos e o pânico causados por esse desfalecimento.

Os novos ideais, em geral, são incorporados de modo maciço pelos chefes de tribos juvenis, de agrupamentos, de redes sociais, de gangues, de tráfico de drogas, de seitas religiosas, de políticas fascistas etc. São ideais imaginariamente potentes, dispensando os jovens do difícil destino de desejar ou induzindo-os a empuxes pulsionais, antissociais e de passagens ao ato, próprios de nossos tempos. Em outras palavras: para esses jovens, se não há o pai simbólico – e nunca houve, por ele estar morto desde a origem (Freud, 1913/1980) –, que haja então o pai imaginário como entidade fantasística que recupera a tirania ou mesmo a complacência do pai real da horda totêmica. Eis aqui um destino complicado para não dizer mortífero: esse ideal forte e tirano só faz manter apagada a dimensão de desejo que as imagens tendem a não reconhecer.

As vidas incipientes que se supõem sem história, sem narrativas, sem jogo nos recordam que faz falta recuperar de nossos antepassados a tenacidade com que sustentavam a diferença entre o inacessível do território místico e suas múltiplas formas de representação para dar continuidade ao humano [...] e manter com a vida a produção de escritas da lei na cultura (Minnicelli, 2010, p. 268; tradução nossa).

Quiçá tenhamos com a modalidade da clínica de urgências subjetivas associadas às medidas socioeducativas e à atenção aos jovens em condições de adversidade social uma maneira de fomentar tal produção não por meio de um Ideal de Eu simbolicamente robusto e consistente como requer Aichhorn – lendo o texto freudiano –, mas um ideal transitório ou provisório, como aquele que propomos e teorizamos em A impostura do mestre (Pereira, 2008). Tratar-se- ia de um mestre provisório que venha a ser um pai substituto sem responder como pai; que seja efemeramente um referente sem dar a essa função a consistência para além de sua condição meramente transitória.

Acreditamos que um reeducador na função de referência de mestria só pode sê-lo provisoriamente. Isso quer dizer que ele deve atuar de maneira mais pontual, bem ao sabor da "transitoriedade" (Freud, 1916/2010b), e não como aquele que detém a palavra-tirana ou o saber total sobre as coisas que domina. A autoridade do reeducador, nesse caso, não está em se fazer como aquele que detém o saber categórico, o código inviolável de uma moral, mas como aquele que ativa o desejo de saber de si e do jovem justamente por ambos ignorá-lo. A dimensão do não saber é intrínseca à clínica orientada pela psicanálise e pode, com isso, induzir a um laço social não mortífero precisamente por produzir o árduo trabalho de desejar.

De outro modo, se o reeducador se põe de maneira consistente como o grande sabedor, como o condutor de jovens acéfalos, o que ele produzirá será o vazio do saber pelo silêncio do desejo e pelo apagamento subjetivo. O mesmo ocorrerá se ele, ao contrário, se retirar da cena e abandonar o jovem à própria sorte.

Diferentemente dessa presença maciça ou dessa ausência tácita do reeducador, talvez caiba a ele, se orientado psicanaliticamente, aquilo que adverte Winnicott, quando vai dizer que pais, mestres, tutores e professores quase não podem ajudar muito os adolescentes em relação a essa operação de instituir-se enquanto tal. Sem se abdicar e nunca deixando de se responsabilizar por esses jovens, "o melhor que podem fazer – diz o autor – é sobreviver, sobreviver incólumes e sem alterar-se, sem o abandono de qualquer princípio importante" (Winnicott, 1971/1975, p. 196).

Espera-se assim que o profissional orientado pela psicanálise seja uma pessoa em quem o jovem possa encontrar um adulto no qual confie, que diga "sim" antes do "não", que não segregue, que não seja moralista, que não sobreponha a palavra com ameaças e nem faça grandes discursos. Que seja, por isso, capaz de verdadeiramente acolher e escutar cada jovem, ofertando-se como um Ideal de Eu transitório a possibilitar que o sintoma do sujeito se formalize e se elabore. Defendemos que, ao escutá-lo, o reeducador possa reconhecer seu sofrimento, possa ajudá-lo a formalizar esse sintoma ali onde nem mesmo o mal-estar se apresenta. Ele faz isso em razão de buscar a desidentificação do sujeito com seu sintoma mortífero, para quem sabe deslocá-lo e elaborá-lo. Para tanto, será importante que o reeducador tenha uma interpretação inesperada que permita uma invenção singular que possa civilizar minimamente a pulsão de morte de cada um. Pensamos ser justamente isso o que se pode demandar de uma intervenção psicanaliticamente orientada no âmbito de uma "clínica da urgência subjetiva" voltada às medidas de exceção, como a socioeducação, e ao acolhimento de jovens em condições morais e sociais desfavoráveis5.

 

Referências

Freud, S. (1980). Totem e tabu. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. (J. Salomão, trad., Vol. 13, pp. 13-198). Rio de Janeiro: Imago (Trabalho original publicado em 1913).         [ Links ]

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Recebido em abril/2019 – Aceito em novembro/2019.

 

 

1 O livro, originalmente publicado em alemão, em 1925, não conta com uma versão em português e optamos, aqui, por manter o título que o tradutor Paulo César de Souza propõe à Editora Companhia das Letras, em Freud (1925/2011a). O livro de Aichhorn ganhou boas versões em inglês, com o título Wayward youth (Londres: Imago, 1951), em francês, Jeunesse a l'abandon (Paris: Prival, 1973), e duas em espanhol: Juventud Descarriada (Madri: H.F., 1956) e Juventud Desamparada (Barcelona: Gedisa, 2006). Esta última versão foi retraduzida por R. de Portillo e editada pela referente psicanalista espanhola Hebe Tizio, que se consagrou com seus estudos sobre o vínculo educativo associado às teorias freudo-lacanianas. Tomamos essa versão editada por Tizio como a principal para o desenvolvimento do presente artigo.
2 Com a chancela de Aichhorn, chamaremos genericamente de "reeducadores" todos os profissionais que aqui assinalamos, bem como outros que atuam onde a sociedade se desfaz ou ameaça se desfazer: psicanalistas, psicólogos, educadores, assistentes sociais, enfermeiros, médicos, especialistas em desintoxicação de drogas, em reinserção de presos, em inclusão de sujeitos com deficiências, entre outros.
3 Sobre dizer "sim" antes do "não", ver "Os três tempos de Édipo", em Lacan, 1957-58/1999, p. 185 e seg.; "Comment dire oui et non à cette langue", em Lacadée, 2013, p. 33 e segs.; e o caso Román, em Minnicelli, 2010, p. 212 e segs.
4 Jacques Lacan divisa duas formas de interpretação em análise que denominou "enigma" e "citação". Consideramos que a primeira requer o tempo da espera que, muitas vezes, não se tem numa clínica da urgência subjetiva. Mas a "citação" pode ser melhor empregada em intervenções nessa clínica e no trabalho social como um todo, pois em regra ela se apoia no enunciado do falante (autor), devolvendo-lhe o seu próprio significante, para quem sabe chegar ao nível do enigma. Para Lacan, a citação "é – eu exponho o enunciado e, quanto ao restante, trata-se do sólido apoio que encontra no nome do autor; ela é tirada do texto tal como foi enunciado; que é aquele que pode ser considerado uma confissão, desde que ajuntem a todo contexto – que é seu autor" (Lacan, 1969-70/1992, p. 35).
5 Agradecimentos ao CNPq, à Fapemig e ao IEAT-UFMG, pelo financiamento das pesquisas: Curso de vida e trajetória delinquencial: um estudo exploratório dos eventos e narrativas de jovens em situação de vulnerabilidade (2017 a 2019); "O que não funciona": sintoma psíquico de docentes da Educação Básica (2018 a 2022); e Padecem mais os que ensinam? Estudo psicanalítico sobre a saúde mental de professores de adolescentes (2011-2014), cujos resultados propiciaram a elaboração do presente artigo. Uma versão reduzida das ideias contidas aqui pode ser encontrada em Pereira, M.R. (2016). A clínica da urgência subjetiva para uma juventude desorientada. In: J. Moreira; F. Kyrillos Neto; A. Rosario. (Org.). Violências: diálogos com a psicanálise. Curitiba: CRV.

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