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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. vol.24 no.3 São Paulo set./dez. 2019

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v24i3p458-470 

10.11606/issn.1981-1624.v24i3p458-470

ARTIGO

 

A primeira escolarização: a participação do professor na elaboração do contrato narcísico e na institucionalização da criança

 

Primera escolaridad: participación del profesor en la elaboración del contrato narcisista y la institucionalización del niño

 

First schooling: teacher's participation in the elaboration of the narcissistic contract and institutionalization of the child

 

 

Véronique KannengiesserI

IProfessora em Ciências da Educação e Formação, laboratorio CAREF (EA4697), Université de Picardie Jules Vernes, Amiens, França. Email: v.kannengiesser@u-picardie.fr

 

 


RESUMO

O presente artigo aborda alguns processos psíquicos em ação durante o estabelecimento do laço entre a criança e o grupo social no momento de sua entrada na escola maternal. Nessa direção, cabe destacar a compreensão desenvolvida, a forma de reflexão estabelecida para estudo dos elementos abordados, a saber, como se enodam os sujeitos, grupos e instituições. Esses três elementos são analisados a partir da abordagem clínica de orientação psicanalítica em ciências da educação. A partir dessa perspectiva, observa-se que a institucionalização da criança não visa somente a produzir um aluno para o qual são transmitidos os saberes instituídos, mas também um cidadão participante da dialética instituinte/instituído dentro da instituição, contribuindo, assim, de um ponto de vista psíquico inconsciente, para o estabelecimento do contrato narcísico, o qual liga o sujeito ao grupo. Este trabalho fornece alguns elementos que auxiliam na descrição e análise de uma situação observada em uma escola de classe de pequena seção da escola maternal, com o objetivo de defender a ideia segundo a qual a institucionalização é um processo no qual participam a criança (que se institucionaliza) e o professor que, pelo seu acompanhamento, ocupa um lugar de portavoz, ou seja, um papel principal na elaboração do vínculo entre a criança, a dinâmica institucional e o grupo social.

Palavras-chave: primeira escolarização, institucionalização, contrato narcísico, clínica, psicanálise


RESUMEN

Abordamos ciertos procesos mentales presentes en el establecimiento del vínculo entre el niño y el grupo social en el momento de su ingreso en el jardín de infancia. Proponemos algunos elementos para caracterizar el enfoque clínico de la orientación psicoanalítica en las ciencias de la educación, en la que se inscribe este trabajo y mediante la cual se busca comprender cómo se forman los sujetos, los grupos y las instituciones. Así se demuestra que la institucionalización del niño, que tiene como objetivo no solo producir un alumno a quien se transmite el conocimiento instituido, sino también a un ciudadano que participa en el establecimiento / instituto dialéctico dentro de las instituciones, contribuye inconscientemente con el establecimiento del contrato narcisista que une el sujeto y el grupo. El artículo proporciona algunos elementos descriptivos y analíticos de una situación observada en un pequeño jardín de infantes para defender la idea de que la institucionalización es un proceso en el que el participan el niño y el docente acompañamiento, ocupando un lugar de portavoz, desempeña un papel fundamental en el desarrollo del vinculo entre el niño, lo institucional y el grupo social.

palabras clave: primera escolarización; institucionalización; contrato narcisista; clínico; psicoanálisis.


ABSTRACT

In the present writing, it is a question of approaching certain mental processes at work when establishing the link between the child and the social group at the moment of its entry into the nursery school. The author starts by giving some elements to characterize the clinical approach of psychoanalytic orientation in the sciences of education in which his reflection is inscribed and by which it seeks to understand how subjects, groups and institutions are formed. Thus it shows that the institutionalization of the child, which aims not only to produce a pupil to whom instituted knowledge is transmitted but also a citizen participating in the dialectic establishing / instituted within the institutions, contributes to the psychic unconscious at the establishment of the narcissistic contract that binds the subject and the whole. The article provides some descriptive and analytical elements of a situation observed in a small nursery school class to defend the idea that if institutionalization is a process in which the child participates (which becomes institutionalized), the teaching by his accompaniment, occupying a place of spokesperson, plays a major role in the development of the report of the child to the institutional thing and the social group.

Keywords: first schooling; institutionalization; narcissistic contract; clinical; psychoanalysis.


 

 

Ao ingressar na escola, a criança depara-se com uma nova fase de sua socialização. Ela integra-se a uma instituição com regras e significações imaginárias e simbólicas próprias (Castoriadis, 1975), dentro da qual apreende o grupo social e seus enunciados fundamentais (Aulagnier, 1975) em busca de ocupar um lugar. Neste artigo, prolongo a reflexão iniciada em meu doutorado com a finalidade de compreender a entrada da criança na escola maternal. Proponho que constitui um momento no qual a criança faz uma ruptura de sua vida e de sua família, cuja separação, operação necessária ao investimento dos objetivos escolares, é a questão principal. Nesse sentido, pretendo abordar alguns processos psíquicos em ação durante o estabelecimento do laço entre a criança e o grupo social na escola, além de mostrar a maneira pela qual um professor pode, por meio da socialização (Vincent, 2004) que ele defende, contribuir para a elaboração de um vínculo com a escola e para além dela, ou seja, a coisa institucional ou, conforme nomeei, a "institucionalização do sujeito". Após essa breve contextualização tomada como ponto de partida, apresento alguns elementos descritivos e analíticos de uma situação observada em uma classe de pequena seção1 da escola maternal. Em seguida, esclareço o que compreendo por "institucionalização do sujeito". Por fim, evidencio – por meio da teoria de Piera Aulagnier – que durante o processo de institucionalização, isto é, sobre o plano psíquico inconsciente, o contrato narcísico (Aulagnier, 1975) da criança com o grupo social está estabelecido e, ademais, a participação do professor, que acompanha a criança ao ocupar um lugar de porta-palavra.

 

Uma démarche clínica de orientação psicanalítica em ciências da educação

Minha démarche de pesquisa está inscrita no quadro da abordagem clínica de orientação psicanalítica em ciências da educação (Blanchard-Laville, Chaussecourte, Hatchuel & Pechberty, 2005). O termo "clínica" qualifica os pesquisadores em ciências humanas e sociais e indica que o pesquisador dedica-se aos estudos sobre a singularidade das situações mais ordinárias vividas pelos sujeitos encontrados no trabalho de campo. O estudo qualitativo da singularidade tem como alvo compreender a complexa particularidade de cada situação e destacar possíveis figuras. O clínico, se quiser ficar mais próximo do vivido pelo outro, deve considerar que ele, enquanto pesquisador, está incluído em uma configuração singular, sobre a qual se inclina e da qual faz parte, como escreve Laurence Gavarini, "provisoriamente, por sua presença mesmo, em uma realidade transformada" (Gavarini, 2013). A partir do momento em que a subjetividade do clínico está engajada na própria démarche, ele não pode subtrair-se do trabalho que consiste em analisar os efeitos durante as diversas etapas da pesquisa, até a produção do conhecimento escrito. Quanto ao trabalho empírico, em cada encontro clínico, único, fruto de uma preparação refletida e construída no curso do processo, é necessário considerar o objeto produzido em razão da singularidade dos protagonistas e do contexto sócio- histórico que, certamente, não seria possível em outro tempo, em outro lugar, com outros indivíduos. Seguindo esse raciocínio, Georges Devereux assinala que "isolar um fenômeno é uma estratégia científica fundamental, mas amputar a realidade de suas características essenciais permite somente que ele flua para esterilidade escolástica do leito de Procusto" (Devereux, 1967, p.61).

Em articulação com a teoria da psique humana, destaco que Sigmund Freud (1923), comentado por Blanchard-Laville et al. (2005), assinala três dimensões em relação à psicanálise: ela é um procedimento de investigação, um método de tratamento e uma série de conceitos psicológicos. Como uma prática clínica, ela pode guiar o pesquisador em sua escuta e em sua leitura, especialmente durante a análise dos movimentos transferenciais no curso das diferentes etapas da pesquisa2; como uma teoria, ela é um conceito útil de análise que permite considerar os processos inconscientes potencialmente presentes no trabalho, nas situações pelas quais o pesquisador demonstra interesse. Em ciências da educação, reafirmo o que havia assinalado Claude Revault d'Allones: para a psicologia clínica e as "outras disciplinas ou práticas clínicas, interpelar a psicanálise nas suas margens, em suas falhas. [Ela] lhe abre novos espaços de questionamento, novas formas de intervenção". (Revault d'Allonnes, 1989, p. 27). Essas considerações precedentes colocam em evidência a observação de Gavarini, ao fazer referência a Freud: "ele não saberia ter que desconectar teoria e clínica, de uma clínica sem teoria". (Gavarini, 2013).

 

A participação do professor na elaboração do vínculo da criança com a escola: o caso Karine, porque o desejo na classe é primordial

No intuito de mostrar como, singularmente, um professor pode participar do processo de elaboração do vínculo entre a criança e a escola, proponho, na sequência, discutir sobre o trabalho empírico realizado em uma pequena seção, na região parisiense.

 

Metodologia da pesquisa

Entre os dispositivos colocados em prática para a pesquisa, procedo, especialmente, por meio de observações clínicas nas classes de pequena seção para fazer registros desde o acolhimento pela manhã até a primeira recreação. Essas observações foram inspiradas fielmente no método elaborado pelo Dr. Chaussecourte (Chaussecourte, 2014), que recomendava não fazer nota durante a observação, não recorrer a qualquer registro para, em um segundo momento, reportar-se às informações inscritas na memória e àquelas que meus sentidos me restituiriam; e para, em um terceiro momento de elaboração grupal, preparar o trabalho de análise. Nesse contexto, posicionei-me, enquanto pesquisadora, em posição de "receptor" (Haag, 2002), isso significava que eu não poderia interagir, ainda que fosse solicitada pelas pessoas presentes, e que também deveria abster-me de tomar qualquer iniciativa.

Relativamente à observação, antes do momento de me separar, perguntei à professora se seria possível retornar alguns meses mais tarde para uma entrevista, sem o compromisso de trazer para o encontro a sessão observada, mas para tratar apenas do objeto de minha pesquisa, o qual eu já havia revelado de forma sucinta quando estabeleci o contato, a saber: compreender como a criança tornar-se-ia um aluno. Com essa postura, foi possível conduzir várias entrevistas clínicas não diretivas (Yelnik, 2005; Haas & Masson, 2006), cuja regra implicava falar com certa autonomia de pensamento, a qual resultava em uma visão conexa com aquela da institucionalização, assunto que retomarei posteriormente.

 

A observação de um acolhimento matutino na classe de Karine

A descrição a ser explanada é fruto de uma observação conduzida na turma de Karine, professora da classe maternal há alguns anos. Ela resulta da seleção de algumas partes que focalizaram a professora, desde o momento em que notei a sua postura, fundamentais no processo de desenvolvimento do meu projeto proposto. Essa observação começou um pouco antes do acolhimento dos alunos e terminou no momento da recreação. Durante o acolhimento, precisei deslocar-me várias vezes entre o interior da classe e um banco que ficava na entrada, lugar onde as trocas eram estabelecidas entre as crianças e os pais antes da separação e no qual as crianças ficavam, às vezes, sentadas para olhar pela janela os seus pais partirem.

Quando cheguei, encontrei Karine pela primeira vez. Ela acolheu-me sorridente e apresentou-me às crianças que já estavam na classe: "Esta é Verônica, ela veio observar o que acontece em nossa classe". Karine ficava no interior da sala de aula durante o acolhimento das crianças e de seus acompanhantes, enquanto o Atsem3 mantinha-se na porta. Karine chamava a atenção das crianças para que elas colocassem a etiqueta de presença4, referindo-se àquelas que solicitavam ajuda com as ferramentas à disposição. Ela dirigia a atenção, sobretudo, para as crianças e respondia aos pais que a saudavam. Em certos casos, nos quais a separação parecia ser difícil de desenrolar-se, ela deixava o aluno sob os cuidados do Atsem, que se ocupava daquela tarefa. Depois de certo tempo, sinalizava que ele poderia fechar a porta, quando a última criança sentada no banco tivesse se despedido de seu pai.

Ela agitava os sinos, ao mesmo tempo em que falava às crianças: "os sinos dizem para ir sentar". Durante a instalação, enquanto o reagrupamento se desenvolvia, Karine sequer levantava a voz para a turma. Os rituais da manhã só começavam quando todos estivessem assentados. Era preciso, no início, reconhecer coletivamente as etiquetas de faltas. As crianças respondiam ao mesmo tempo. Karine não os retomava para remarcar enquanto eles gritassem e dizia-lhes que iriam recomeçar sem gritar, caso soubessem que eram capazes de executar a tarefa. Ela escolheu, em seguida, uma aluna para contar as crianças presentes. Esta tocou a cabeça de cada criança que contava e Karine a segurava pelo braço. Em seguida, Karine apresentou as atividades que iriam acontecer. As crianças partiram para se instalar nas mesas designadas. O Atsem enquadrava as crianças instaladas para a atividade de arte visual, enquanto Karine, que deslocava-se de um grupo a outro, terminou se instalando com aquelas que iriam formar a letra inicial de seus nomes com a massa de modelar. Ela reuniu um grupo de seis crianças, às quais ofereceu um novo jogo cujo material deveria ser compartilhado. Tratava-se de grandes ardósias magnéticas e de uma caixa com as letras. As mesas eram muito pequenas. Essa característica, por sua vez, gerou uma grande desavença. Havia um lugar para as ardósias que se tocavam e sobre as quais invadia a caixa colocada no centro. As crianças, no entanto, jogavam harmoniosamente. Entretanto, mais tarde, dois alunos disputaram entre si e Karine interveio. Embora ela estivesse de costas, no começo da ação, soube analisar a situação rapidamente. Apresento-lhes, precisamente, um extrato do relatório daquele momento de observação:

Quanto ao grupo que jogava com as letras, constatei que nele não havia desentendimento algum. Léo só pegava letras de cor vermelha e as dispunha em linha. Enquanto isso, outra criança preenchia sua ardósia. Uma menina pequena, chamada Romane, fez duas linhas concentrando sua atenção sobre o significado das letras [...] Romane e Léo disputaram entre si uma letra vermelha. Eles pegavam, ao mesmo tempo, a peça. Não se olhavam, nem gritavam, era uma luta que os mantinha, por algum tempo, em silêncio. Romane bateu em Léo para que ele devolvesse o objeto disputado. Naquele momento, Karine, que estava sentada atrás deles e virada de costas, voltou-se para eles. Ela levantou-se observando a situação para, em seguida, intervir. Começou a fazer uma observação a Romane: "Oh! Romane, você viu que o Léo tem um projeto? Qual é o projeto do Léo? Olhe, eu acredito que ele está focado no objetivo de fazer um pequeno trem com as letras vermelhas. É isso, Léo? Você compreende, Romane, porque o Léo queria estas letras vermelhas? Mas você sabe, Léo, Romane e as outras crianças têm igualmente necessidade das letras vermelhas para seus projetos. Você compreende que não pode levar todas?" Léo consentiu e deixou as letras para Romane. Eu estou maravilhada quanto à maneira pela qual o problema foi resolvido e pela sabedoria daquelas crianças. (Relatório da observação)

Mais tarde, no momento de se posicionarem em ordem, uma aluna irritou-se e bateu em outra criança, porque esta não saía do lugar. Karine explicou-lhe que ela poderia agir de modo contrário e pedir à outra criança para permitir a passagem. A menina recusou-se a fazê-lo e reincidiu. Dessa vez, Karine separou-a do grupo e confiou-lhe ao Atsem, que aguardava sentado em um banco com aqueles que haviam terminado a mudança. Por ocasião de outra disputa entre duas crianças, Karine pediu ao aluno agressor para pegar um lenço para a sua colega porque a fizera chorar. Como ele recusou, sempre sem aumentar a voz, Karine acompanhou o menino até a caixa de lenços e o felicitou quando ele consentiu em oferecê-la à criança que chorava.

Após a mudança, Karine sentou-se no banco, pegou um álbum, colocou seus óculos e declarou-se pronta para ler uma história. Ela aguardou por um tempo até que todas as crianças estivessem instaladas. Convidou cada uma a apoiar as costas na parte detrás do banco. Colocou, efetivamente, os bancos em posição oblíqua em relação a ela própria, de modo que todos pudessem vê-la livremente, sem serem incomodados pelas cabeças dos outros. Procedeu à leitura pela qual todos demonstraram ter prazer. Karine constatou isso quando eles riram, ao final: "bem... muito bem compreendida esta história... vocês são muito fortes". Chegou a hora da recreação e, antes de pedir licença, eu perguntei a Karine se poderia encontrar-lhe mais tarde para uma entrevista. Ela concordou.

 

Escopo heurístico de análise dos movimentos contra-transferenciais provocados pelos reencontros com Karine

A fim de esclarecer a minha proposição, proponho-me a, inicialmente, apresentar um exame não exaustivo do primeiro trabalho de análise consecutivo dos encontros com a referida professora, mais precisamente, do que F. Bem Slama (1989, p. 142) nomeia "o questionamento em contrabando", que me ajudou a precisar o ponto de minha tese, objeto do presente artigo.

Karine estava aprovada para ser a pessoa motriz de minha pesquisa. Quando eu constatei isso, na classe, foi essencialmente para honrar um encontro de longa data. Eu estava, de fato, em um momento peculiar da investigação. Não havia mais, em mim, o desejo de ir ao campo de pesquisa. Atribuo isso ao fato de estar um pouco irritada em razão das observações precedentes. Porém, depois da observação na classe de Karine, na qual eu havia observado uma forma de relação com o aluno muito diferente das anteriores – inicialmente, eu teria visto práticas que frequentemente faziam sentir-me irritada – porque me parecia que as professoras deixavam pouco tempo para a criança refletir e, assim, fazer escolhas; as explicações e o saber do professor chegavam muito rápido, como respostas adequadas e únicas à instrução emitida. Uma vez reconhecida a subjetividade dessa interpretação e a irritação que a acompanhava, utilizei-a para compreender as formas de controle (Dorey, 1992) que me pareciam, por vezes, identificadas na classe. Em seguida, considerando "a função simultaneamente social e subjetiva da instituição" (Gavarini, 2012, p.39), além das suas ressonâncias psíquicas possíveis sobre os sujeitos, eu pude precisar que, quando coloco isso em articulação com os alunos, opera-se conforme a modalidade de controle, ou seja, o professor pode contribuir por meio de uma ação opressiva da instituição sobre o sujeito, conforme puderam descrever Fernand Oury e Jacques Pain (1972) na obra "Crônica da escola quartel" (Chronique de l'école caserne).

A análise dos processos inconscientes, potencialmente revelados entre mim e ela, também trouxe a medida e ajudou-me a determinar o quanto Karine contribuiu para manter-me firme no objetivo de sustentar o meu desejo, enquanto pesquisadora. Compreendi, no período da escrita, o que poderia qualificar de desejo intermediário na pesquisa. Esse conduziu-me a estabelecer a seguinte hipótese: pelo modo de relação que se configura, Karine poderia contribuir para sustentar o desejo da criança no espaço da classe, quando a criança tornar-se aluno.

 

Uma concepção singular da profissão: defender o desejo do aluno para inscrevê-lo no grupo

O segundo trabalho de análise fundamenta-se sobre os elementos manifestos que caracterizam a prática da professora, no seu contexto institucional. A observação revela alguns hábitos que testemunharam uma transformação contínua das crianças tornando-se alunos. Os rituais impostos a todos são configurados, por exemplo, assim: a escolha de Karine de estar presente durante o acolhimento, no interior da classe, enquanto o Atsem posiciona-se no limiar, entre o lugar onde a criança está, ainda, com a sua família e o lugar onde ela é uma aluna com a professora; as etiquetas de presença quando passa à mesa; o sinal da mudança dado pela agitação dos sinos; as atividades repetidas diariamente (nomear e contar os alunos ausentes) e, ainda, a leitura do álbum antes da recreação com o posicionamento do corpo, conforme já havia explicado. Esses rituais são considerados atos da instituição, os quais Pierre Bourdie assinalou como "magia performática" (Bourdieu, 1982, p. 61). Para o sociólogo, o ato da instituição refere-se à representação do real, pois ele "transforma a representação que a pessoa faz, dela mesma, e os comportamentos que ela acredita que deve adotar" (p.59). Por outro lado, Laurence Garcion-Vautor (2003), ao retomar essa discussão em Bourdieu, mostrou que, na escola maternal, esses rituais delimitam o tempo e o espaço e disciplinam os corpos, são portadores "de uma intenção institucional, do projeto social da instituição a qual visa transformar uma criança em um aluno". (Garcion-Vautor, 2003, p.145). A autora citada sublinha igualmente que esses rituais são "um meio de significar o pertencimento a uma comunidade de pensamento".

A observação na turma de Karine mostra que na referida classe da pequena seção, observada durante o mês de fevereiro, já se instalou uma vida de grupo bastante serena. É, antes de tudo, a organização espacial da sala de aula, toda pensada por Karine, inclusive, que a pode favorecer. De fato, uma grande parte do espaço é ocupada, no canto, pelo reagrupamento, onde todas as crianças são reunidas para os momentos de aprendizagem coletiva e onde elas parecem ter bastante prazer. Em seguida, as disputas possíveis nas mesas de trabalho constrangem cada uma a aprender a viver com as outras. É, também, a postura da professora que pode explicar essa capacidade dos alunos de viver e aprender em grupo. Ela intervém, muitas vezes, em conflitos que surgem entre duas crianças dominadas por seus próprios afetos. Como, por exemplo, em uma das cenas descritas, Karine aproxima-se de uma criança que primeiro bateu em outra, não para repreendê-la, mas para mudar a sua atenção voltada para o centro de si mesma e, ao mesmo tempo, convidá-la a considerar o colega como um sujeito que é também desejante. A professora evidencia o projeto do aluno ao se fazer porta-palavra de uma criança e, em seguida, de todos os membros do pequeno grupo, de um modo que enfatiza as semelhanças: cada um tem um projeto de utilização daquele material colocado sobre a mesa para uso comum e cada projeto é singular. Por um lado, a professora acompanha a criança em sua transformação de afeto em pensamento; por outro lado, ela possibilita o desdobramento de processos identificatórios dentro do grupo de pares. Posso também salientar que ela não impõe uma divisão arbitrária do material, mas reenvia cada um ao seu desejo, ao seu projeto e à reflexão, sublinhando que as condições materiais não permitem a satisfação de todos. Noto, então, que Léo renuncia a seu projeto e aceita a frustração. A professora, ao que me parece, contribuiu para a inscrição do sujeito no grupo. Não para constrangê-lo a submeter-se às regras pré-estabelecidas e verticalmente transmitidas, mas para trazer a tomada de consciência e ajudar a interiorizar a necessidade das regras e da frustração para quem deseja fazer parte do grupo. A compensação para a criança é o reconhecimento e a valorização de seu projeto pessoal, assim como o direito de fazer parte de um coletivo.

Nessa cena, não somente as palavras, mas também a presença corporal de Karine contribuiu para o estabelecimento de um laço específico com o grupo. Karine moveu-se calmamente em direção às duas crianças que disputavam entre si. Ela não tomou parte, a priori, e analisou a situação antes de se colocar. Em seguida dirigiu-se a cada criança de uma maneira muito precisa, convidando-as a se descentrarem para ver a situação de outra maneira. Ela não impôs uma decisão e não interveio, a não ser para modificar o desenlace. Ela incitou mais as crianças à razão, o que corresponde a uma forma de socialização democrática, no centro da qual situa- se o raciocínio. (Vincent, 2004). Em outro momento, acabou dizendo que não havia letras suficientes para satisfazer o projeto de cada um e convidou as crianças a encontrar, por si mesmas, uma solução. Ela sublinhou a necessidade do grupo para o reconhecimento de cada integrante. Assim, demonstrou o significado de que para viver juntos é necessário que cada um aja segundo as regras e os valores partilhados, sobre os quais faz-se necessário refletir. Eu relaciono essa postura com uma outra pronunciada por Karine, posteriormente, durante a entrevista. Ela, por muito tempo, manteve, fixada acima da porta da classe, a seguinte citação de Françoise Dolto (1985): "Conquistar algo que se deseja é diferente de ser obrigado a recebê-la".

Karine também apercebeu-se, depois de vários anos, que essa frase "era-lhe muito pessoal", ela "utilizava-a como parte de sua profissão". No entanto, essa frase permite a suposição de certo vínculo de Karine com a instituição, a qual ela vai transmitir sendo uma porta-palavra, podendo ser, assim, designada: a instituição como um lugar onde a emergência do desejo de aprender do sujeito será preferido, ao contrário do exercício da violência, legitimado pela ideia de que ela é necessária, consistindo, por exemplo, nas formas de colocar as regras e impor uma arbitrariedade. Refiro-me à noção de violência primária desenvolvida por P. Aulagnier como "a ação psíquica pela qual se impõe ao psíquico uma outra escolha, um pensamento ou uma ação que estão motivados pelo desejo deste que impõe, mas que se apoia sobre um objeto que responde para o outro na categoria do necessário" (Aulagnier, 1975, p.40).

Os elementos recolhidos mostram como a referida professora, por meio de sua postura, participa, no plano inconsciente, da elaboração de um vínculo com as regras trazidas pela instituição. Essas últimas não são simplesmente impostas (porque é possível notar que a professora determina, também, algumas regras), mas elas podem ser pensadas pelos alunos em ligação com seus próprios desejos. Poderia pensar do seguinte modo: para cada professor situar- se em relação ao vínculo com as regras estabelecidas pela instituição, por um lado, está a submissão à organização (a instituição escolar está, então, no lugar da formatação do necessário do indivíduo para a sua vida em sociedade) e, por outro lado, a negação da instituição, como forma de resistência à instituição considerada unicamente em seu projeto opressivo. Em ambas, encontro um vínculo dialético entre o sujeito e o instituído: o professor considera que a instituição não tem uma forma fixada social e historicamente, mas que ele se modifica pelo trabalho, em seu seio, como uma força instituída, exercendo, assim, a sua atividade de pensar.

 

A institucionalização da criança na escola

Essa primeira análise permite-me precisar o sentido atribuído à expressão "institucionalização da criança", apoiado, sobretudo, nos escritos de Cornélius Castoriadis (1975). Eu designo o processo pelo qual se constitui a psique da criança. Durante o referido processo, a criança descobre o que é uma instituição e o lugar que ela (a criança) vai poder ocupar como um sujeito, ora apropriando-se de significações imaginárias e simbólicas, ora juntando as forças institucionais para trabalhar sua imaginação radical. Essa institucionalização, em nossa sociedade, ocorre, na maioria das vezes, na escola onde a criança, segundo L. Gavarini (2001), está instituída como um aluno pela aquisição de um saber, de uma só vez, escolar e institucional.

 

Ser instituída ou se institucionalizar

Parece-me importante, nesse contexto, sublinhar que a institucionalização é um processo do qual participa a criança (que se institucionaliza) e, então, não se refere apenas a uma simples transferência de saber (no qual a criança seria instituída), mas à construção de uma "situação ativa" da pessoa que "não deixa seu movimento de recuperar aquilo que estava adquirido (a) do discurso do Outro" (Castoriadis, 1975, p.154). Essa situação é radicalmente distinta do "estado de heteronomia" (p.155), caracterizado por Castoriadis como o projeto de autonomia do indivíduo. É isso que permite ao sujeito, enquanto toma lugar no coletivo, não somente abster-se de não reproduzir, de modo idêntico, o que está já instituído, mas também não ser fechado no discurso de um outro. Assim, considero a escola como um lugar onde a criança vai poder se emancipar, exercendo a sua atividade de pensar (Aulagnier, 1975) sobre o discurso e o saber familiar. Mas a escola também pode ser concebida como um lugar onde a criança pode ser enclausurada, como demonstrou Claudine Blanchard-Laville (2001) em os "fenômenos de influência e controle pedagógico" (p.172) ou anulada, como em uma relação de dominação, conforme analisa R. Dorey (1992), cujo desejo de um é modificar, anular o desejo do outro. Considerando que o desejo está na origem do pensamento, o desejo de subtrair da criança produz efeitos opostos aos da institucionalização, uma vez que a atividade de pensar é autônoma.

Pierre Legendre (1985), em seu postulado sobre a construção da identidade do sujeito, considerou a instituição da genealogia como um lugar onde a fragmentação é rompida, onde, "rigorosamente falando, é preciso alcançar a identidade, identificar-se com ela" (p.52). Refere- se, então, ao lugar da reprodução onde é primordial "reproduzir, e reproduzir não o mesmo, mas ao similar" (Idem). Nesse contexto, "o mesmo" ou "o idêntico" seria, por exemplo, o produzido pela clonagem; enquanto que "o semelhante" é o produzido pela divisão que situa o sujeito em uma categoria vinda de fora, de um outro. Na tese de P. Legendre, a autoridade da genealogia fundada sobre o "princípio da razão" (p.38) é discutível, porque se a instituição da genealogia ajuda incontestavelmente o sujeito a assumir um lugar no conjunto humano, ele pode, contudo, fechar-se em um cenário pré-escrito em que o sujeito é construído segundo o desejo de um outro. No entanto, manterei a ideia de ajudar o sujeito a identificar-se, situando- o (lá onde ele está e lá onde ele não está). Podemos considerar a escola como um lugar de reprodução, no sentido de P. Legendre, onde o professor pode ajudar o aluno a identificar-se com o semelhante, como o faz, por exemplo, Karine, ao distinguir os projetos de cada um no meio de uma atividade em comum, com um material compartilhado. Assim, a institucionalização de uma criança, na escola, não consiste somente em trabalhar a sua instituição, que conduz a fabricar o aluno, o "idêntico"; isso acontece, por exemplo, quando o professor oferece o seu saber ou impõe uma regra sem convocar o aluno à reflexão. Mas, em também acompanhá-lo durante o processo de constituição de sua psique entre os seus semelhantes. Para isso é necessário apoiar o desejo do aluno, deixar um lugar para a sua imaginação radical. (Castoriadis, 1997). Ainda cabe observar, por exemplo, que Karine participa desse processo, não nomeia culpados quando se depara com a discussão verbal entre Romane e Léo, não impõe uma regra, mas deixa as crianças encontrá-la diante dos contratempos daquela situação e do conhecimento existente (como por exemplo, as regras já instituídas na classe ou em outro lugar).

 

A temporalidade da instituição

A institucionalização, tal como a concebo, inscreve-se em uma temporalidade que não é reduzida àquela da escolaridade. A dimensão temporal permite distinguir um pouco melhor a instituição da criança na escola, que concerne, assim, ao aluno (do mesmo modo como a instituição da doença no hospital concerne ao paciente quando está hospitalizado) e a institucionalização da criança à escola que lhe concerne para além da escola, geográfica e temporalmente como indivíduo ativo que ocupa um lugar no grupo social e em suas instituições.

A escola contribui, de fato, trazendo novas coordenadas ao projeto identificatório (Aulagnier, 1975; 1979) da criança. Esse projeto, escrito por P. Aulagnier, é "necessário para apoiar os desejos que vêm ao encontro do senso da necessidade de mudar, de se tornar outro, de ter outros desejos" (Aulagnier, 1979, p. 24). No centro desse projeto psíquico, em grande parte, inconsciente, forma-se uma imagem. Tal imagem representa algo que o Eu (o sujeito falante) espera se tornar e com a qual vai se identificar pela auto-antecipação. A escola, assim como a pequena seção, não visa projetar explicitamente a criança em sua vida como um futuro cidadão adulto, isso está bem visado pelos programas. Mas uma projeção é, no entanto, indispensável. Karine fornece-nos, por exemplo, uma forma quando ela evoca o projeto de cada aluno. Ela ajuda a criança a se inscrever em uma temporalidade que é aquela da atividade e, portanto, excede o momento do conflito. Pude observar, na prática da professora, uma forma singular de acompanhamento, adaptada à tenra idade das crianças. O discurso da professora participa do processo durante o momento em que a criança constrói seu projeto. Portanto, a criança inscrever-se-á, progressivamente, em uma temporalidade que excede o tempo. Ela é um aluno, porém, no caminho de sua participação social como um cidadão, para além do tempo da escolarização.

 

Passar a um contrato psíquico com o grupo: o contrato narcísico

Para assumir um lugar no grupo social e em suas instituições, necessita-se estabelecer um laço. Nesse sentido, P. Aulagnier descreveu uma forma de contrato psíquico inconsciente, ou seja, o contrato narcísico (Aulagnier, 1975), com o qual o sujeito estabelece o discurso, como em comparação ao que o psicanalista nomeia de "o conjunto das vozes presentes", a saber, ao grupo social, que se compõe "de sujeitos falantes da mesma língua, regidos pelas mesmas instituições" (p.184). A existência do conjunto pressupõe que o discurso individual seja reconhecido como verdade pela maioria dos sujeitos; discurso que "afirma o bem-fundado das leis que regem o funcionamento, que define e impõe o objetivo pretendido" (p.187). De acordo com P. Aulagnier, para que o contrato se estabeleça, essas leis devem aparecer como a tela subjacente a representação que os sujeitos se dão ao conjunto ideal. A criança, continua a autora, que tem necessidade de uma base identificatória para se separar do casal parental, vai procurar integrar o grupo social, do qual precisa constantemente para a sua perenidade, além das novas vozes que reconhecem e trazem o seu discurso. Há, então, uma espera recíproca que dá lugar a um contrato que "está no fundamento de toda possível relação sujeito-sociedade, indivíduo-conjunto, discurso singular – referente cultural" (p.22). Nessa mesma direção, o qualitativo "narcísico" desse contrato justifica-se pelo fato de ser estabelecido pelas partes envolvidas, cada uma delas encontra no outro um ponto de apoio necessário à sua existência e à sua sobrevivência.

A elaboração do contrato narcísico começa desde o nascimento do sujeito, que reencontra, de início, o social no discurso parental. A escola é, na sequência, um dos principais lugares onde esse sujeito continua reencontrar o social e o professor acompanha-o nessa construção. Na situação exposta, pude observar, primeiramente, que as regras partilhadas permitem ao grupo existir e estão em contínua construção e interiorização pelos sujeitos, secundariamente, que cada um é reconhecido em sua singularidade e vê-se designado a ocupar um lugar no grupo. Essa designação do lugar de cada um e a construção das regras coletivamente aceitas são resgatadas pela professora, que se coloca como porta-palavra, no sentido empregado por P. Aulagnier, de cada um dos alunos e do grupo de alunos. Ela contribui, por um lado, para a construção do Eu de cada criança, à medida que acompanha as transformações dos afetos, apoiando o desejo pela declaração de um projeto; e, por outro lado, para o nascimento de um grupo que prepara a criança para integrar, posteriormente, um conjunto mais amplo.

Um grupo pode assumir diferentes formas. Nesse sentido, contribuir para a perenidade do grupo, além dos fundamentos dos seus enunciados, "define a realidade do mundo, a razão de ser do grupo, a origem dos seus modelos" (Aulagnier, 1975, p. 84). Seja pelo fato de o sujeito considerar que esses enunciados são imutáveis, transmitidos e mantidos intactos. Nesse sentido, ele se inscreve em uma linhagem em relação à autoridade à qual se submete, pensando, às vezes, em desfazê-la ou resistir aos seus efeitos sociais-históricos. No caso, o sujeito não está em uma situação ativa, ele não é autônomo. Psiquicamente, ele não interroga suas identificações, não se reconhece como sujeito podendo desejar de modo diferente em relação aos indivíduos do conjunto que o acolhe. Seja pelo fato de o sujeito considerar que os enunciados devem ser modificados para que se tenha a garantia da perenidade do conjunto. Assim, ele coloca-se em uma situação ativa, age como um sujeito autônomo, no sentido referido por C. Castoriadis, um sujeito que interroga seu desejo porque sabe que o instituído não é imóvel e que ele (o sujeito) pode participar dessa transformação.

Karine, cedendo lugar ao desejo do aluno, em seu ato de transmissão, encoraja-o a trazer o desejo à luz e a considerar também os seus pares, engaja a criança em uma situação ativa. A criança, por sua vez, é convocada a elaborar a regra ou a interrogar a existente, a fim de decidir se deseja respeitá-la ou modificá-la. Posso, então, observar como a professora, por meio de sua postura, participa do plano inconsciente na elaboração do contrato narcísico da criança com o grupo social e como, no decurso desse processo, está o vínculo em relação às regras colocadas pela instituição, regras pré-estabelecidas.

 

Conclusão

A presente reflexão inscreve-se em uma corrente que busca compreender os "nós e os processos dinâmicos que ligam sujeitos, instituições e o coletivo" (Gavarini, 2012, p. 41). Ela coloca também em debate a dimensão temporal da dinâmica psíquica que permite ao sujeito tornar-se outro, alterar-se. A partir dessas considerações, focalizando o devir da criança ao entrar na escola maternal, demonstrei que um processo de institucionalização estava em trabalho e que esse processo não visa somente a produzir um aluno para o qual são transmitidos os saberes instituídos, mas também um sujeito que, para além de sua escolaridade, participa da dialética instituinte/instituída no seio das instituições. Durante a institucionalização, há também o contrato narcísico que liga o sujeito ao conjunto que continua a ser elaborado. O conjunto dá um lugar ao sujeito que se engaja para garantir a perenidade dos enunciados do grupo. No entanto, para se subtrair frente à reprodução de si mesmo, que seria mortífero, tanto para o conjunto como para o sujeito, esse último deve também ter a possibilidade de posicionar-se de forma ativa, conforme situação descrita por C. Castoriadis de reprise crítica ao instituído, o projeto de autonomia. Como defende o autor, "não se pode querer a autonomia sem querê-la para todos, e a sua realização não pode ser concebida plenamente como uma empresa coletiva" (Castoriadis, 1975, p.159). Nesse sentido, a escola, com os seus saberes instituídos e transmitidos, assim como a sua organização temporal e material, é um lugar educativo que propõe as condições para uma tal formação que eu chamei de institucionalização. C. Castoriadis pouco abordou a questão da educação, contudo, evocou uma forma, aquela da paideia. Uma pedagogia que ajuda o recém-nascido a tornar-se um anthropos (ser humano), "um ser capaz de governar e ser governado" (Castoriadis, 1990, p.146). O autor coloca em questão a pedagogia, inspirando-se na paideia, a qual necessita que o professor reconheça a instituição escolar em suas duas funções: aquela que consiste em integrar a criança ao conjunto, produzindo-a como em uma casa comum, e aquela que ajuda a criança a produzir-se como sujeito desejante, guiado por um projeto de autonomia.

 

Referências

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Recebido em fevereiro/2019 – Aceito em novembro/2019.

 

 

1 Na França, a Escola Maternal (de 3 a 5 anos) é dividida em pequena, média e grande seção.
2 Sobre essa questão, especificamente, o leitor pode aprofundar a leitura no número 17 da Revue Cliopsy, publicado em abril de 2017, através do seguinte site: http://www.revuecliopsy.fr/.
3 Agentes Territoriais Especializados das Escolas Maternais – Atsem, funcionário que deve auxiliar os professores nas salas de aula.
4 Refere-se às etiquetas sobre as quais estão escritos os nomes das crianças, sendo que estas devem ser colocadas sobre o quadro desde a chegada dos alunos, significando assim a sua presença.
Tradução: Isael de Jesus Sena
Revisão gramatical: Aline Carvalho Cerqueira Fonseca alinecarvace@outlook.com

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