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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. vol.25 no.1 São Paulo jan./abr. 2020

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v25i1p35-47 

10.11606/issn.1981-1624.v25i1p35-47

DOSSIÊ

 

Sobrevivendo no inferno: narrar a vida para fazer algo

 

Sobrevivir en el inferno: narrar la vida para hacer algo

 

Surviving in hell: narrating life to get something done

 

 

Marta Quaglia CerrutiI

IDocente do Departamento de Formação em Psicanálise, Instituto Sedes Sapientiae. São Paulo, SP, Brasil. E-mail: marta.cerruti@terra.com.br

 

 


RESUMO

Este trabalho se desenvolve a partir de três eixos. O primeiro é uma breve retomada do que Foucault define como a biopolítica. Em seguida apresentamos e contextualizamos uma ferramenta de análise criada pelo filósofo e cientista social camaronês Achille Mbembe, a necropolítica, que constitui uma importante atualização da crítica social foucaultiana para fenômenos das periferias do capitalismo. De forma mais específica, tomaremos como eixo argumentativo aquilo que alude à articulação entre a biopolítica, a produção da vida e de subjetividades adequadas à forma social capitalista, e a necropolítica, uma política centrada na produção da morte em larga escala. Por fim, a partir dessa análise, tomando como eixo a produção do grupo de rap Racionais MC's, destacaremos duas figuras que emergem das margens das cidades e que são capazes de operar a transmissão: o sobrevivente e a memória. Estas figuras, além de testemunharem a política de morte, podem indicar alguma forma de tratamento possível.

Palavras chave: biopolítica; necropolítica; racismo; memória; transmissão.


RESUMEN

Este trabajo se desarrolla a partir de tres ejes. El primero es una breve revisión de lo que Foucault define como biopolítica. Luego presentamos y contextualizamos una herramienta de análisis creada por el filósofo y científico social camerunés Achille Mbembe, la necro-política, que constituye una actualización importante de la crítica social de Foucault para analizar fenómenos de las periferias del capitalismo. Más específicamente, tomaremos como eje argumentativo lo que alude a la articulación entre la biopolítica, la producción de vida y subjetividades adecuadas a la forma social capitalista, y la necro-política, una política centrada en la producción de muerte a gran escala. Finalmente, con base en este análisis, y tomando como eje la producción del grupo de rap Racionais MC's, destacaremos dos figuras que emergen de los márgenes de las ciudades y que son capaces de operar la transmisión: el sobreviviente y la memoria. Estas figuras, además de dar testimonio de la política de muerte, pueden indicar alguna posible forma de tratamiento.

Palabras clave: biopolítica; necropolítica; racismo; memoria; transmisión.


ABSTRACT

This work develops from three axes. The first is a brief review of what Foucault defines as biopolitics. Then we present and contextualize an analysis tool created by the Cameroonian philosopher and social scientist Achille Mbembe, necropolitics, which constitutes an important update of Foucault's social criticism to deal with phenomena in the peripheries of capitalism. More specifically, we will take as an argumentative axis what alludes to the articulation between biopolitics, the production of life and subjectivities adequate to the capitalist social form, and necropolitics, a policy centered on the production of death on a large scale. Finally, based on this analysis, and taking the production of the rap group Racionais MC's as an axis, we will highlight two figures that emerge from the margins of cities and that are capable of operating the transmission: the survivor and the memory. These figures, in addition to witnessing the death policy, may indicate some possible form of treatment.

Keywords: biopolitics; necropolitics; racism; memory; transmission


 

 

Em seu trabalho Vigiar e punir (1975/1997) Foucault investiga de forma ampla a maneira através da qual o poder passa a produzir corpos e subjetividades adequados às normas sociais: o corpo é a realidade política por excelência, meio através do qual o poder se atualiza e se legitima na modernidade. E isso se coaduna à demanda de produção incessante de mercadorias: o corpo deve ser constantemente produzido como dócil politicamente e útil produtivamente mediante tecnologias que permitem o controle minucioso dos corpos, o que caracteriza o poder disciplinar.

É em "A vontade de saber" (1976/1988) que Foucault fala da passagem de um tipo de poder soberano, cuja característica é a de possuir direito sobre a vida e a morte do indivíduo - podendo retirar-lhe a vida, uma vez que a tinha lhe dado -, para um poder que se exerce positivamente sobre a vida; e é nessa transição que ele identifica o aparecimento de um discurso normativo sobre corpos e padrões de comportamento. É esta passagem que inaugura, para o autor, a época do biopoder. É na época clássica que o Ocidente assiste uma profunda modificação dos mecanismos de poder, pois se trata agora de um poder que gera a vida e se organiza em função de sua promoção.

O que se observa é o declínio da potência da morte, que simbolizava o poder soberano, e sua substituição pela administração dos corpos em um tipo de gestão calculista da vida. No campo das práticas políticas, problemas tais como natalidade, longevidade, saúde pública demandam o desenvolvimento de técnicas que visam à vida e à sobrevivência da população. A vida passa a integrar a história, uma vez que as intercorrências próprias da vida humana integram a ordem do saber e do poder. É assim que o campo biológico passa a integrar o campo político, o que o autor denomina biopolítica, pois a vida, sua promoção e controle passam a ser alvo do desenvolvimento de um saber cada vez mais específico. Segundo Foucault (1976/1988, p.146): "O homem, durante milênios, permaneceu o que era para Aristóteles: um animal vivo e, além disso, capaz de existência política; o homem moderno é um animal em cuja política, sua vida de ser vivo está em questão".

Dessa forma, através de diversas intervenções institucionais, irá se articular um novo tipo de poder. Um poder polimorfo, definido por Foucault como um poder político capilar, que visa fixar cada um ao aparelho de produção: um conjunto de pequenos poderes que provocou o surgimento de uma série de saberes que visam à correção e a normalização dos sujeitos. Para tanto as instituições disciplinares, escolas, quartéis, prisões, hospitais são responsáveis por corrigir e deixar saudáveis os corpos, por meio de um poder que se esparrama em malhas discursivas que criam saberes e práticas.

Achille Mbembe (2003/2018) acrescenta a essa discussão sobre o biopoder a voz daqueles que se alocam nas margens do sistema produtivo: corpos dóceis e normalizados para a produção, corpos descartáveis que, por não serem mais rentáveis, são expulsos e jogados no mercado informal e precário, nas margens das cidades. Ao lado da promoção da vida subsistem formas que subjugam a vida ao poder da morte.

O racismo, para Mbembe, é por excelência a tecnologia destinada a permitir novas formas de regulação e distribuição da morte, legitimando e tornado possíveis as funções assassinas do Estado, pois a escravidão é uma das primeiras manifestações da experimentação biopolítica: há aqueles que não se alinham à fabrica de normalização de sujeitos e que, por essa razão, têm sido calculadamente conduzidos à morte. Uma aceitabilidade do fazer morrer que historicamente testemunha a crueldade.

Trata-se da construção de um estado de exceção no qual a inimizade torna-se a base normativa do direito de matar, na qual o biopoder opera a favor da manutenção da vida de uns pautado na periculosidade de outros. A percepção do outro como um atentado a minha vida e segurança, como ameaça e perigo absoluto, e cuja eliminação garantiria o potencial de vida, é a marca característica do exercício da soberania ancorada na necroplítica.

Apesar de os campos de morte virem sendo insistentemente interpretados como a metáfora central para a violência soberana e destrutiva, para Mbembe as câmaras de gás e os fornos de exterminação devem ser vistos como o ponto culminante de um longo processo de desumanização e industrialização da morte. Para ele qualquer relato histórico do terror moderno precisa tratar do tema da escravidão, figura emblemática do estado de exceção. As premissas materiais do extermínio nazista podem ser encontradas no imperialismo colonial, que traduz conflitos sociais em termos racistas: os selvagens do mundo colonial que devem ser subjugados, os escravos aos quais é imposta uma tripla perda - de um lar, de direitos sobre seu corpo e de qualquer estatuto político -, são conduzidos à dominação absoluta, à alienação de nascença e à morte social.

O escravo é mantido vivo, mas em estado de injúria, em um mundo espectral de horrores, crueldade e profanidade intensos .... A vida do escravo, em muitos aspectos, é uma forma de morte-em-vida .... Esse poder sobre a vida do outro assume a forma de comércio: a humanidade de uma pessoa é dissolvida até o ponto em que se torna possível dizer que a vida do escravo é propriedade de seu senhor. (Mbembe, 2003/2018, pp. 28/ 29)

O que antes era reservado aos povos considerados selvagens se estende até a Europa civilizada e seus campos de morte. E é a colônia nos apresenta a primeira síntese entre massacre e burocracia, descortinando uma violência travestida de racionalidade ocidental.

A colônia já nasce como estado de exceção: lugar em que a soberania consiste no exercício de um poder sempre à margem da lei, lugares não organizados de forma estatal, zonas de guerra e desordem, lugares nos quais as garantias de ordem judicial podem ser suspensas. E isso tendo como justificativa o fato de que a violência de Estado trabalha em nome da instauração do mundo civilizado. E é a lógica da ocupação que sustenta o exercício de tal soberania: esse outro selvagem  e  inculto,  não  adequado  a  uma  normatividade  suposta  civilizada,  avaliza  o confinamento do colonizado a uma margem que o coloca entre os estatutos de sujeito e objeto.

A cidade do colonizado é um lugar de má fama, povoado por homens de má reputação. Lá eles nascem, pouco importa onde e como. É um mundo sem espaço; os homens vivem uns sobre os outros. A cidade do colonizado é uma cidade com fome, fome de pão, de carne, de sapatos, de carvão, de luz. A cidade do colonizado é uma vila agachada, uma cidade ajoelhada. (Fanon apud Mbembe, 2003/2018, p.41)

O exercício da soberania define quem importa que viva e quem não importa que viva, quem é descartável e quem não o é. Sendo assim, trata-se de um cenário que opera conjuntamente o poder disciplinar, a biopolítica e a necropolítica. E assistimos hoje à perpetuação desse exercício nas milícias urbanas, nos exércitos do Estado, na segurança privada que têm o direito de exercer a violência e até mesmo matar.

Uma violência que produz corpos sem vida, reduzidos à condição de ossadas, inseridos em uma morfologia indiferenciada, corporeidades vazias e sem sentido. A vala de Perus, descoberta na década de 90 é emblemática: ao lado de militantes assassinados pela ditadura militar, dos quais muitos puderam ser identificados, jaziam centenas de ossadas de indigentes cujas identificações eram: João 1, 2, 3...; Maria 1, 2, 3...

Efeito colateral: ficar vivo contrariando as estatísticas

A incidência da morte violenta de jovens hoje no Brasil é, sem dúvida, algo da ordem da aberração. Uma morte que tem cor, localização geográfica e situação socioeconómica bastante definidas. As vítimas dessas mortes são tidas como inoperantes, incultas e violentas. Suas vidas têm a marca excessiva da violência que não encontra justificativa plausível. O que esses corpos trazem à tona para que seja necessário seu apagamento? Quem nos indica a resposta são aqueles que sobrevivem: o sobrevivente que, tendo percorrido o caminho da morte, testemunhando extermínios e permanecendo vivo, pode romper com a condição de expatriado, de não ser nada além de fragmento, e ser capaz de demonstrar as capacidades polimorfas dos laços humanos. E nos parece que é esse o movimento que alguns desses jovens vêm indicando por meio da música e do próprio corpo, que supostamente pertencia a outrem.

Afinal, quem são esses manos que subvertem a condição de serem confinados ao puro mundo das coisas?

Nós somos a consequência maior
Da chamada violência
E bode expiatório de toda mediocridade
1993, fudidamente voltando, Racionais,
Usando e abusando da nossa liberdade de expressão,
Um dos poucos direitos que o jovem negro ainda tem nesse país
Você está entrando
No mundo da informação, autoconhecimento, denúncia e diversão.
Esse é o raio–x do Brasil.
Seja bem-vindo"
(FIM DE SEMANA NO PARQUE, 1993)

Eu não li, eu não assisti
Eu vivo o negro drama, eu sou o negro drama
Eu sou o fruto do negro drama
(NEGRO DRAMA, 2002).

60% dos jovens da periferia sem antecedentes criminais
Já sofreram violência policial
A cada quatro pessoas mortas pela polícia,
Três são negras
Nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros.
A cada 4 horas, um jovem negro morre violentamente em São Paulo
Aqui quem fala é Primo Preto, mais um sobrevivente
(CAPÍTULO 4, VERSÍCULO 3, 1997)

Mas não! Permaneço vivo, eu sigo a mística,
27 anos, contrariando a estatística
Seu comercial de TV não me engana, hã
Eu não preciso de status nem de fama
Seu carro e sua grana já não me seduz
E nem a sua puta de olhos azuis
Eu sou apenas um rapaz latino-americano
Apoiado por mais de 50 mil manos
Efeito colateral que o seu sistema fez
(CAPÍTULO 4, VERSÍCULO 3, 1997)

É dessa maneira que os Racionais MC's se apresentam, fazendo música de um jeito bastante singular, deixando emergir em suas letras aquilo que a cidade insiste em separar com a construção de muros cada vez maiores: o recalcado de uma violência perpetrada por séculos. Da senzala à violência policial ("60% dos jovens da periferia sem antecedentes criminais já sofreram violência policial"); da escravidão à segregação ("nas universidades 2% dos estudantes são negros"); do tronco à morte violenta e arbitrária ("a cada 4 horas um jovem negro morre em São Paulo"). Um horror experienciado diariamente por milhares de jovens, o negro drama.

As letras das músicas - diferentemente da tradição da MPB, marcada pela sutileza, a ironia e  denúncias  acompanhadas  pela  sofisticação  das  melodias  - rompem  qualquer  versão conciliatória do pacto social brasileiro,  deixando  nossa  divisão  exposta  ao  atacarem a perpetuação da desigualdade, do racismo, da violência policial e tantos outros descalabros do nosso tecido social. Sendo assim, o rap oferece uma resposta possível à tradição brasileira do paternalismo autoritário, levando às últimas consequências a  advertência feita por Sérgio Buarque de Holanda (1936/2015, p. 185): "com a simples  cordialidade não se criam bons princípios". Não se trata aqui de simplesmente estabelecer uma linha direta entre o interesse sociológico da experiência social dos sujeitos periféricos e a qualidade estética das obras por eles produzidas – desmerecendo, por conseguinte, quaisquer outras poéticas. Pretendemos antes estudar o caso específico dos Racionais MC's, que especialmente a partir do sucesso comercial despontaram nos meios de classe média como uma voz dissonante na cena musical brasileira, justamente por conta do papel que o testemunho e a transmissão possuem em suas obras.

Representando, assim, a voz anticordial na cultura brasileira, com clara inspiração do racialismo estadunidense (Mano Brown já declarou, mais de uma vez, que sua inspiração primeira é Malcom X), veiculada de uma forma seca e direta, a produção dos Racionais MC's tem sido capaz de capturar o sentido da violência nas periferias do Brasil de uma forma bastante original, aliando a força poética e a história, fazendo tremer os pilares do discurso tradicional que difunde uma imagem intimamente atrelada aos valores da miscigenação e da conciliação de classes.

O primeiro CD do grupo a atravessar as fronteiras muradas da cidade é Sobrevivendo no inferno (1997), cujo trabalho Diário de um detento, feito a partir de texto de Jocenir (então detento no Carandiru, e que presenciou o massacre de 111 presos1), tornou o grupo conhecido em todo o Brasil, trazendo o relato do inaudito que a sociedade rechaça: a vida carcerária. A música foi composta tendo como base os cadernos nos quais Jocenir registrava sua vida na prisão, bem como o relato do dia do massacre.

Os primeiros versos da música marcam a intenção de trazer à tona algo que escapa ao entendimento, a vida carcerária e seu cotidiano que não encontram uma representação no corpo social que não a propagada pela mídia, e que em nada aporta a dimensão do vivido. As imagens que vão desfilando nas letras podem, de alguma forma, elevar a experiência caótica a um patamar mínimo de compreensão.

São Paulo, dia 1º de outubro de 1992, 8 horas da manhã
Aqui estou, mais um dia
Sob o olhar sanguinário do vigia
Você não sabe o que é caminhar com a cabeça na mira de uma HK
Metralhadora alemã ou de Israel
Estraçalha ladrão que nem papel

Tirei um dia a menos ou um dia a mais, sei lá
Tanto faz, os dias são iguais
Acendo um cigarro e vejo o dia passar
Mato o tempo prá ele não me matar

Já no início a letra nos conduz ao relato de uma vida que habita um limbo, pois a morte está à espreita a todo o momento: nos olhos sanguinários, na arma que ameaça constantemente, no tempo que não corre. Dias iguais, a única certeza em que se apoiar é o fato de ter acordado ainda vivo. Uma maneira de radicalizar o diálogo da canção com o cotidiano ao qual se está exposto, e revelando a vida carcerária que não repercute nos meios de comunicação. Vidas que o Estado historicamente considera perigosas ou desprezíveis, e que, por isso mesmo, devem ser silenciadas.

Cada detento uma mãe, uma crença
Cada crime uma sentença
Cada sentença um motivo, uma história de lágrima
Sangue, vidas e glórias; abandono, miséria, ódio
Sofrimento, desprezo, desilusão, ação do tempo
Misture bem essa química
Pronto: eis um novo detento
[...]
Tem uma cela lá em cima fechada
Desde terça-feira ninguém abre pra nada
Só o cheiro de morte e de Pinho Sol

Uma vida comparável a um desinfetante. Uma vida que já teve um nome, uma mãe, uma deriva, mas que naquela situação adquire o valor de um produto sanitário: algo a ser desinfetado.

Um dia... no Carandiru, não... ele é só mais um
Comendo rango azedo com pneumonia...
Aqui tem mano de Osasco, do Jardim D'Abril, Parelheiros,
Mogi, Jardim Bela Vista, Jardim Ângela,
Heliópolis, Itapevi, Paraisópolis.
Ladrão sangue bom tem moral na quebrada.
Mas pro Estado é só um número, mais nada.
Nove pavilhões, sete mil homens.

Além de expressar a experiência do Carandiru de forma visceral, a canção recoloca os termos nos quais o massacre ocorreu. Isso porque o episódio a que temos acesso pela mídia é um massacre que ocorreu devido a uma rebelião de detentos perigosos. Na recomposição do cenário que a letra oferta a violência perpassa o dia-a-dia de cada um dos detentos. Ou seja, não se trata de uma irrupção violenta autônoma. Há uma base que é a própria experiência histórica de violência e segregação, e da qual o massacre não irrompe como exceção, mas se insere em um cenário mais complexo: para o Estado os detentos são só um número, corpos já sem vida à espera de serem reduzidos a esqueletos. Apesar disso a letra marca que cada detento tem uma mãe, uma crença, uma história e um nome, dando-lhes assim uma história mínima que os insere no coletivo da cidade. Dessa forma, trata-se de elaborar, em uma forma estética, a experiência que foi o massacre e, nessa tentativa de organização, ultrapassar o caos da situação. De um lado o caos da situação, de outro o silêncio mortífero do assassinato de 111 homens.

Não nos parece inusitado ver aqui nessa descrição o retorno de um passado ainda não inscrito em nossa história, e que insiste em se repetir. A pobreza, a cor da pele como determinantes de uma vida passível de ser objeto de violência que excede as esferas de qualquer direito. A letra segue rumo à descrição do massacre.

Dois ladrões considerados passaram a discutir
Mas não imaginavam o que estava por vir
Traficantes, homicidas, estelionatários
Uma maioria de moleque primário
Era a brecha que o sistema queria
Avise o IML, chegou o grande dia
Depende do sim ou não de um só homem
Que prefere ser neutro pelo telefone
Ratatatá, caviar e champanhe
Fleury foi almoçar, que se foda minha mãe!
[...]
O ser humano é descartável no Brasil
Como modess usado ou Bombril.
Cadeia? Claro que o sistema não quis
Esconde o que a novela não diz
Ratatatá! Sangue jorra como água
Do ouvido, da boca e nariz
Vai pegar HIV da boca do cachorro
[...]
Cadáveres no poço, no pátio interno
Adolf Hitler sorri no inferno!
O Robocop do governo é frio, não sente pena
Só ódio e ri como a hiena
Ratatatá, Fleury e sua gangue
Vão nadar numa piscina de sangue

São imagens inquietantes que fazem estremecer nossas balizas, indo além da perspectiva ilusória de completude de nossa imagem especular. A letra se posiciona como crítica de várias instâncias: o discurso social prevalente sobre os detentos, a maneira como um Estado que se apresenta protetor se autoriza a matar impunemente. Posições que reinstalam o mal-estar no campo do bem-estar social. Em sua criação evoca a singularidade, por um lado de quem a ouve, por outro de 111 detentos que, afinal, têm cada um uma mãe, uma crença, um devir. Uma construção pungente que reinventa o ocorrido. Dessa maneira, não se trata de uma palavra informativa, mas sim performativa, que cria o fato e interroga a eficácia de todo conhecimento sistemático.

Categorias como verdadeiro/falso se misturam no caos, o que faz com que o relato do massacre não caiba em um discurso que descreva e constate, mas sim impõe um relato vivo e pulsante, em um desfile de imagens que falam mais do que qualquer descrição: pegar HIV da boca do cachorro assassino, cadáveres no poço, no pátio interno, desamparados ("sem padre, sem repórter" - afinal, a quem interessa essas vidas?). Trata-se de enunciar e presentificar, exigindo uma escuta para além da literalidade dos fatos presentes nas letras.

 

Transmissão: a outra cena

O conceito de estranho (Freud, 1919/1980) permite uma leitura daquilo que Freud define como trauma, uma vez que, ao migrar de uma compreensão na qual o referente traumático estava fora do discurso (a sedução de uma criança pelo adulto) para a concepção de realidade psíquica e excessos que não encontram representação (a pulsão de morte como força silente e constante), indica que a outra cena se presentifica não como algo que deve ser buscado alhures, mas surge na dissolução de qualquer distância representativa: a realidade não será apenas evocada, mas sim presentificada, e por isso motivo de angústia. Podemos entender essa hostilidade e medo crescentes como o estranho que retorna e, diante da angústia, deve ser nomeado, classificado e posto à distância.

Sendo assim, o que Freud (1900/1980) denomina de outra cena é o local no qual se desenrolam acontecimentos enquanto dormimos, subvertendo as noções de dentro e fora. Em "A interpretação dos sonhos" (1900/1980) Freud nos ensina que a outra cena traz indícios dos conteúdos inconscientes que, apesar de íntimos, não é possível reconhecer salvo mediante a vivência do estranho. Nas letras que estamos analisando o estranho e a outra cena desfilam em uma exposição contínua das cenas de violência, em derivações metonímicas que vão de massacre e piscina de sangue até Adolf Hitler sorrindo no inferno, configurado, em ato, um relato do insuportável. Quando o então governador Fleury, representante do Estado que é suposto contensor da barbárie, aparece em uma cena de almoço familiar, a letra realiza o efeito devastador do desamparo discursivo, tal qual Rosa (2015) o define:

O desamparo discursivo, caracterizado pela fragilização das estruturas discursivas que suportam o vínculo social, no que rege a circulação de valores, ideais, tradições de uma cultura e resguardam o sujeito do real [...] este jogo discursivo expõe o sujeito ao risco de confrontação com o traumático – aquilo que está fora de sentido. A exposição traumática é dupla: por um lado sua ocorrência é facilitada; por outro lado, os recursos necessários à elaboração do trauma encontram-se diminuídos, promovendo efeitos de desubjetivação. (Rosa, 2015, p. 25)

Um desamparo que marca aquilo a que as vítimas do massacre foram condenadas: fora do humano, não há traço que possa justificar, para a autoridade hegemônica, qualquer reconhecimento. Os presos foram reduzidos ao degradante e descartável de um modess usado (em uma referência ao sangue que escorre do massacre), ou a um Bombril (em alusão ao cabelo dos negros, que recebe essa designação pejorativa), nada mais eloquente para exemplificar a necropolítica. E é esse reconhecimento que a letra, criada a partir do relato de um detento que presenciou o massacre, procura reconstruir em um programa que, antes de ser retirado de narrativas e testemunhos institucionalizados (tal como o propagado pela mídia, por exemplo), busca as testemunhas mudas em oposição às grandes ordenações discursivas. Uma transmissão em que o sujeito concomitantemente elabora e constrói interlocutores.

A sequência de imagens que vão desfilando nas letras põe em cena elementos que permitem os desdobramentos de outras cenas, da imagem do "bandido sangue bom na quebrada" até o ser "mais um número para o Estado e mais nada", trajetória que vai do reconhecimento à destituição, percurso que a música vai invertendo. E isso com uma característica bastante peculiar, a ausência do refrão. Teperman (2015) explica que boa parte das canções às quais nossos ouvidos estão acostumados obedece a um esquema dividido em duas partes: A e B, estrofe e refrão. Para Wisnick (1989) o refrão é o alívio das tensões que vão sendo construídas na estrofe. Ora, o rap, ao evitar o refrão, e se construir em um desfile contínuo de cenas que vão se desdobrando em sonoridades ásperas e na virulência dos scratches2, mantém o ouvinte em constante tensão, convidando-o a se despir de sua proto-segurança alicerçada em um mundo sem fraturas.

De fato, a lírica busca um reencontro com a humanidade de cada um, entoando os fatos a partir da experiência do sujeito e de sua vida na coletividade: aquele que contraria a estatística e continua vivo aos 27 anos e fala a todos aqueles que são vítimas da escassez, da desigualdade e do racismo.

Uma forma de transmissão que encontra ressonâncias naquilo que Endo (2013) define como transmissão implicada: o que a memória evoca não é a materialidade factual, cópia fiel do acontecido, mas sim aquilo que é da ordem da outra cena, recalcada em nossa história e que se perpetua em um eterno retorno cobrando sua inscrição. Nas letras do rap escutamos a tentativa de recuperar uma experiência que não tem encontrado representação no registro social.

Assim, ao nos referimos a uma transmissão implicada temos em mente que suas ferramentas divergem daquilo que comumente consideramos, impregnados que estamos por um discurso jurídico, ser material da verdade: os fatos tais e quais se apresentaram. A transmissão a que nos referimos inspirados em Endo (2013) carrega a complexa tarefa de narrar o inaudito, e por isso aporta uma série de determinantes que não podem ser relegados, e cujo impacto se desloca para o público a partir do que incide sobre as vítimas individuais. Uma maneira de tentar relatar e reconstruir uma experiência, por meio da linguagem, que marca um lugar de diferença e singularidade, ao invés da imagem anônima e animalizada. Ao atacar a perpetuação das desigualdades, o racismo e a violência policial, as composições dos Racionais MC's trazem à cena e reforçam os efeitos deletérios que se atualizam no contemporâneo da nossa herança colonial e a pestilência da gramática escravocrata, que ficam inscritos como que na folha de celuloide do Bloco Mágico freudiano (1925/1980).3

Em oposição a um relato que acumula fatos, temos que a transmissão pelo traço é em si mesma enunciativa, pois seu modo de expressão não é o de trazer à tona enunciados pré- determinados, mas sim conservar o que é passado para fazê-lo circular em um novo corpo. Ou seja, não se trata de expressar uma entidade primitiva e estável – o que limitaria as possibilidades de transformação do vivido, dada a contiguidade entre passado e presente – mas sim de uma transmissão que, identificada apenas pelo modo como opera, permite que o sujeito possa construir um presente que traz as marcas de uma experiência não completamente representada.

Tal memória de dor e sofrimento não se inscreve como um aprisionamento ao passado, transformando-o em heroico e idealizado, pois como bem adverte Todorov (2000, p. 15): "sacralizar a memória é uma outra maneira de torná-la estéril, ... pois o que a memória põe em jogo é demasiado importante para deixá-la à mercê do entusiasmo ou da cólera". Não se trata, portanto, de uma nostalgia ressentida, mas sim significa, antes de tudo, uma fonte entre outras para a conformação e a consolidação de uma existência no presente que não se confunda com a barbárie. Esse elo entre o presente nas periferias e o ontem do cativeiro se estabelece pela experiência da perda, sendo essa da ordem do real, pois a morte surge nas letras como algo já esperado. Esperado, inclusive, pelo próprio narrador, que escapou ao destino: "Permaneço vivo, eu sigo a mística/27 anos contrariando a estatística". Em entrevista à Revista Cult (2014) o repórter pergunta para Mano Brown se ele às vezes não gostaria de ser apenas Pedro Paulo (seu nome de batismo), ao que ele responde:

Queria te responder com sinceridade, deixa eu pensar [pausa]. Às vezes sim, mas o Pedro Paulo talvez não estivesse vivo se não fosse o rap, então também não posso ter essa ingratidão. O Pedro Paulo está vivo até hoje por causa do rap. Quando eu conheci o rap, o Pedro Paulo estava fadado a morrer. E na verdade o Pedro Paulo nunca deixou de existir, mas ele poderia ter morrido em 1988. Não tinha para onde correr. O crime já estava virando uma coisa normal – meus amigos faziam parte daquilo. E, mano, se você vê os amigos em quem confia no barato, você acaba entrando. Se a primeira dá certo, você quer ir na segunda e aí você vai ficando frio, desacreditado, essa é a circunstância.4

Nesse sentido, é importante enfatizar que a memória de dor e sofrimento significa uma fonte, dentre outras, que busca consolidar a experiência de ser negro e segregado. E vale repetir que o elo entre a opressão no presente e a opressão no passado escravocrata é atado pela experiência de perda, na qual a morte é uma marca significativa, que é capturada na lírica das músicas de forma sem precedentes.

 

Considerações finais

A tarefa poética desses sobreviventes tem sido lutar contra o esquecimento, transmitindo o inenarrável em seu ritmo truncado, muitas vezes entoado ao som de sirenes de carros de polícia, tiros e gritos, tal como em várias músicas dos Racionais MC's que fazem uso desse conjunto sonoro como pano de fundo. Algo que é narrado para marcar que o inesquecível existe. E isso articulado tanto a um passado de opressão como a um contexto cotidiano de violência, dando corpo e voz a uma experiência que pode ser partilhada, bem como desconstruindo um discurso que degrada e relega à barbárie, outra forma de impor o esquecimento, condenando a periferia ao lugar do "eles".

Ao valorizar a potência da palavra o rap marca uma diferença frente a um discurso que reduz a juventude periférica à figura do delinquente, dizendo sem hesitar aquilo que um modelo de segregação luta por apagar da memória, marcando um forte compromisso político, pois "lutar contra o esquecimento é também lutar para que o horror não se perpetue". (Gagnebin, 2006, p. 45).

A transmissão assim compreendida, como partilha de saberes transmissíveis ao longo de gerações, e não como um elogio incondicional à prática da rememoração como restituição integral do passado, se alinha ao que a psicanálise considera o valor da palavra: algo que nos conduz à eterna busca de algo desde sempre perdido, e por isso sempre reencontrado como ficção. Aquilo que sobra do passado, não mais que traços, pode ser reconstruído no presente na tentativa de formular um projeto possível. Um projeto que ultrapassa o fascínio da sociedade de consumo ("seu comercial de TV não me engana/ eu não preciso de status nem de fama/seu carro e sua grana já não me seduz"), contar com o apoio de seus manos, que não são poucos ("apoiado por mais de 50 mil manos") e firmando-se como efeito colateral.

O que as letras mostram é a maneira como algo que não se insere em um saber já pré- estabelecido pode desembocar em um ato que prescinde de uma garantia vertical que mantenha as identificações. O fato de não haver um atributo unificador e universalizante que faça do coletivo um todo, ou seja, a ausência de nomes possíveis que não apenas o humano, não tem como consequência imediata a convocação do pai não castrado da horda freudiana de Totem e Tabu (1913/1980) que pode definir esses lugares, um pai totalitário e que, por ser exceção, retira o reconhecimento do humano do campo político e o lança novamente na dimensão da obediência ao pai. Se a submissão ao soberano cobra o seu preço através de nomeações tais como delinquentes, perigosos, inoperantes, incultos, o rap vem mostrando potência e possibilidade de fundar um novo lugar para os jovens da periferia.

As produções dos Racionais MC's sugerem uma tentativa de recolocar no laço social aqueles que uma sociedade expropriadora, de forma aberrante, condenou à pobreza e à barbárie. Mais do que mostrar um retrato social, tais produções supõem naquilo tido como desumanizado o humano, negando-lhe veementemente a desumanização. Registram o ato mediante o qual os homens podem vir a se reconhecer mutuamente a partir do movimento subjetivo de afirmação da humanidade pela negação do não humano. Vemos, assim, uma narrativa que escancara o avesso do social ao incluir aqueles insistentemente excluídos do discurso hegemônico, dando- lhes condição de sujeito, de um querer dizer que lhes é próprio, e retirando-os tanto do sem sentido da barbárie como de sentidos cristalizados que vem sistematicamente lhes negando a humanidade. Com efeito, uma maneira bastante peculiar de realizar a transmissão.

Nesse sentido, trata-se de uma produção que consegue elevar o inaudito a patamares de inteligibilidade, e que flui e atravessa fronteiras a expensas de posições institucionais asseguradas pela indústria cultural. Transitando nas margens, são formas de vida que têm procurado escapar da posição de legisladores ou de intérpretes, e que buscam a partir da dimensão do vivido – que em absoluto significa puro reflexo do real – construir ferramentas que tornem possível que o padecimento individual se transubstancie em cultura, em partilha. Os tambores de outrora são ainda ouvidos em seus trabalhos, evocando a tradição de minorar o sofrimento através do canto e da dança, formas conhecidas através das quais se operava o resgate do corpo e da dignidade perdidos no trabalho escravo, e fazem ecoar no presente o que os anima: serem livres.

Com efeito, uma posição que vai ao encontro daquilo que entendemos ser a ética do ponto de vista da psicanálise: não ceder de seu desejo significa separar-se das exigências impostas por qualquer ideal, inventando novos destinos.

Uma narrativa que busca restituir a palavra sequestrada pela perpetuação das desigualdades, o racismo e a violência policial - continuidade de uma herança colonial, da aberração  da gramática escravocrata, inscritas em nossa história -, fazendo a palavra circular em  novos corpos, em novas expressividades: do tambor aos scratches, da capoeira ao break, trata-se do imperativo de transmitir as marcas de uma experiência ainda não completamente representada, e que exige não ser confundida com a barbárie, construindo um percurso que vai do vivido nas periferias para o passado do cativeiro, e que aponta para um projeto identificatório possível.

Ao recusarem a leitura social ancorada em termos racistas, barbárie e civilização, são produções que atestam que qualquer relato histórico do terror precisa tratar da escravidão, considerada por Mbembe uma das primeiras experimentações biopolíticas: o racismo é acima de tudo uma tecnologia que legitima o necropoder, regulando a distribuição da morte e autorizando as funções assassinas do Estado, figura, portanto, emblemática do Estado de exceção.

 

Referências

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Recebido em dezembro de 2019 – Aceito em março de 2020.

 

 

1 O Massacre do Carandiru, como foi popularizado pela imprensa brasileira, aconteceu na Casa de Detenção São Paulo, no dia 02 de outubro de 1992, quando a Polícia Militar do Estado de São Paulo, sob o comando do Coronel Ubiratan Guimarães, interveio para conter uma rebelião deixando um saldo de 111 mortos. Vários sobreviventes afirmaram que o número de mortos foi superior ao divulgado.
2 O scratch é uma técnica utilizada pelos DJs do Hip-Hop para produzir sons através do movimento de vai e vem com as mãos em discos de vinil, em um toca-discos. Na cultura Hip-Hop o scratch é um dos índices que avalia a habilidade do DJ em criar colagens sonoras.
3 Em Uma Nota sobre o Bloco Mágico (1925/1980) Freud vai utilizar um dispositivo de registro, chamado à época de bloco mágico, como uma metáfora do seu modelo de funcionamento do aparelho perceptual, bem como dos registros da memória. O dispositivo é feito de uma prancha de resina ou cera sobre a qual é presa uma folha transparente, fixada a essa primeira camada apenas em suas bordas superiores. A parte inferior da folha transparente é feita de um papel encerado fino e transparente. A escrita é feita sobre essa primeira folha transparente, que por sua vez está sobre a prancha de cera. Para apagar o que foi escrito, e reutilizar o dispositivo, basta puxar a folha transparente. E é nesse movimento de escrita e apagamento que vão se produzindo novas escritas, que se sobrepõem aos traços que perduram como marcas do que foi escrito anteriormente, conservando juntas presença e ausência. O modelo do bloco mágico desdobra-se em várias camadas de escritas, descrevendo uma lógica de funcionamento do aparelho psíquico na qual as inscrições de traços mnêmicos são múltiplas e vão-se reinscrevendo, ou sendo retomados. Trata-se de um jogo entre planos, traços e escritas que vão se articulando no espaço entre camadas: nada se reproduz fielmente, e o que resta é aquilo que foi inscrito entre as camadas.
4 Entrevista feita como o grupo Racionais MC's na Revista Cult, n. 192, p. 32-59, julho de 2014.
Revisão gramatical: Paulo Cerruti de Arruda Sampaio
E-mail: paulo.cerruti.sampaio@usp.br

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