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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. vol.25 no.3 São Paulo maio/dez. 2020

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v25i3p377-393 

10.11606/issn.1981-1624.v25i3 p377-393

DOSSIÊ

 

Em defesa das utopias: enlaçamentos entre educação, política e psicanálise

 

En defensa de las utopías: enlaces entre la educación, la política y el psicoanálisis

 

In defense of utopias: the links between education, politics and psychoanalysis

 

En défense des utopies: les liens entre l'éducation, la politique et la psychanalyse

 

 

Ana Carolina Barros SilvaI

IPsicanalista. Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo e pela Université Paris VIII-Vincennes- Saint-Denis, Saint-Denis, França. Email: anacarolinabarrossilva@gmail.com

 

 


RESUMO

Ter esperança é condição para ensinar. Trata-se de esperar sem expectativa, mas supondo que uma criança possa sempre aprender algo. Por parte do professor, é necessário, portanto, fazer uma aposta e sustentar esse lugar desejante que dá origem à transferência. Quando adultos podem sonhar um futuro para a criança, há efeitos e, por isso, ter, para elas, uma utopia, nos parece fundamental. Esta é a tese que buscamos defender ao longo do trabalho. Nossas reflexões nasceram a partir de experiências vivenciadas em escolas angolanas e moçambicanas. O objeto sobre o qual nos debruçamos nesta investigação foram as maneiras pelas quais a posição do sujeito pode se relacionar com o lugar desse sujeito no desejo do Outro e incidir, como efeito, na relação da criança com o conhecimento.

Palavras chave: sujeito; desejo; África; política; educação.


RESUMEN

La esperanza es una condición para la enseñanza. Es cuestión de esperar sin expectativas, pero asumiendo que un niño siempre puede aprender algo. Por lo tanto, por parte del maestro, es necesario hacer una apuesta y sostener este lugar deseable que da lugar a la transferencia. Cuando los adultos pueden soñar un futuro para el niño, hay efectos y, por lo tanto, tener una utopía para ellos, nos parece fundamental. Esta es la tesis que buscamos defender. Nuestras reflexiones nacieron de las experiencias vividas en las escuelas de Angola y Mozambique. En esta investigación nos interesamos a las formas en que la posición del sujeto puede relacionarse con el lugar que ocupa en el deseo del Otro y afectar, como efecto, la relación del niño con el conocimiento.

Palabras clave: sujeto; deseo; África; política; educación.


ABSTRACT

Hope is a condition for teaching. It is a matter of waiting without expectation, but assuming that a child can always learn something. On the part of the teacher, therefore, it is necessary to make a bet and sustain this desiring place that gives rise to the transfer. When adults can dream of a future for the child, there are effects and, therefore, have a utopia for them, it seems fundamental to us. This is the thesis that we seek to defend throughout this work. Our reflections were born from experiences lived in Angolan and Mozambican schools. The object on which we focused in this investigation were the ways in which the position of the subject can relate to the place of that subject in the desire of the Other and affect, as an effect, the relationship of the child with knowledge.

Keywords: subject; desire; Africa; politics; education.


RÉSUMÉ

L'espoir est une condition pour enseigner. Il s'agit d'espérer sans expectation, mais tout en supposant qu'un enfant puisse toujours apprendre quelque chose. Du côté du professeur, il est donc nécessaire de faire un pari et de soutenir ce lieu désirant qui donne origine au transfert. Lorsque des adultes peuvent songer à un avenir pour l'enfant, cela produit des effets. Avoir, pour eux, une utopie, nous semble fondamental. C'est cette thèse que nous nous emploierons à défendre tout au long de cette étude. Notre réflexion est née à partir d'expériences vécues dans des écoles angolaises et mozambicaines. Notre analyse a privilégié l'examen de traits qui semblent pointer vers une position inconsciente du sujet face au désir de l'Autre et qui, souvent, émergeaient comme des impasses dans cette position du sujet et, en conséquence, face à la connaissance.

Mots-clés: sujet; désir; Afrique; politique; éducation.


 

 

Ter esperança é condição para ensinar. Trata-se de esperar sem expectativa, mas supondo que uma criança possa sempre aprender algo. Por parte do professor, é necessário, portanto, fazer uma aposta e sustentar esse lugar desejante que dá origem à transferência. Adultos precisam sonhar um futuro para a criança e, por isso, ter, para elas, uma utopia, nos parece fundamental. É isto que buscamos defender ao longo deste artigo.

Assim, consideramos que o investimento – ou a ausência dele – de desejo de um outro/professor, como representante do Outro/campo social, incide na posição do sujeito e, em consequência disso, na relação da criança com o conhecimento, podendo participar de construções, por parte da criança, de posições inconscientes e produções sintomáticas mais ou menos producentes no que tange ao âmbito daquilo que é valorizado no ambiente escolar. Consideramos, ainda, que o professor, como sujeito e como aquele que ensina, também sofre incidências do Outro em sua tomada de posição e, por isso, tomaremos essa relação de forma dialética, entendendo que ambos os lugares – de aprendiz e de professor – estão imersos em um determinado campo social.

Na mesma direção, o lugar do sujeito no desejo do Outro também carrega marcas do que circula na cultura na forma de não-ditos. Consequentemente, a hipótese deste artigo é aquela segundo a qual para que uma criança aprenda algo é necessário que um adulto dê a ela um lugar em sua utopia. Nesse sentido, como desdobramento, defendemos que ao adulto também é necessário um lugar que o autorize e o legitime, ou seja, um lugar, em última instância, desde onde possa desejar.

Sonhar uma utopia para si e para o outro cria no imaginário um horizonte, um futuro possível, um lugar para onde caminhar e, por isso, pode dar a uma criança um lugar para vir a ser – um lugar no desejo do Outro. Nos casos em que essa utopia não existe, a impossibilidade de aprender e de ensinar não é uma consequência lógica obrigatória. É provável, no entanto, que, nessas situações, haja um tanto mais de trabalho psíquico – e não só – a ser feito pela criança e pelos professores.

Estamos assumindo, portanto, que o lugar de um sujeito no desejo do Outro incide em sua posição inconsciente e tem desdobramentos na relação dele com o conhecimento. Essa posição pode variar, desdobrando-se em várias nuances possíveis entre dois polos, os quais são, nomeadamente, a posição de objeto do desejo do Outro e a posição de sujeito do desejo. Em outras palavras, teríamos, por um lado, uma posição indiferenciada em relação ao desejo do Outro, que toma o desejo do Outro como o seu, sem qualquer distanciamento e, por outro, uma posição que, a partir do desejo do Outro, trabalha para elaborar no mundo um lugar próprio e singular para si, coerente com seu próprio desejo. Apostamos, com isso, que, ao se deslocar de uma posição onde só se pode responder ao desejo do Outro, o aluno e o professor podem, ao passarem a falar em nome próprio, conquistar para si um espaço em que seja possível estabelecer uma relação produtiva com o conhecimento.

Nossas reflexões nasceram a partir de experiências vivenciadas em escolas angolanas e moçambicanas, onde observamos tanto nas tentativas de aprender da criança quanto nas tentativas de ensinar dos professores traços que tendiam à repetição. Nesse sentido, estamos tomando neste texto os impasses vividos pelas crianças em suas tentativas de aprender a escrever e as tentativas, por parte dos professores, de assumirem uma posição desde onde possam ensinar, como produções sintomáticas e, portanto, formações do inconsciente. Por conseguinte, consideramos que os sintomas se formam no interior do laço social e se referem também ao Outro, mais especificamente ao lugar que o sujeito ocupa no desejo do Outro.

Investigamos particularmente a forma como não-ditos, enquanto significantes mudos que circulam na cultura, podem ser transmitidos, via transferência estabelecida entre professores e alunos, como saberes inconscientes que, ao não encontrarem espaço de simbolização, retornam em produções sintomáticas que podem marcar o percurso de uma criança para aprender e de um professor para ensinar. A análise privilegiou, nesse aspecto, o exame de traços que parecem apontar para uma posição inconsciente do sujeito face ao desejo do Outro que, muitas vezes, emergiam como impasses na relação do sujeito com o conhecimento. Essas marcas inconscientes que insistem em se repetir no laço social produzem sintomas semelhantes, geração após geração, remetendo-nos à transmissão de não-ditos que corroboram a não simbolização e a cristalização de lugares imaginários para alunos e professores.

A metodologia de pesquisa psicanalítica deu contorno para a investigação que conduzimos ao longo de cinco anos, da qual esse texto é apenas um recorte. Cabe ressaltar que, como propõe Rosa & Domingues (2010), o método psicanalítico considera que "o desejo do pesquisador faz parte da investigação" (p. 182) e que o objeto da pesquisa se produz "na e pela investigação" (p. 182). Para as autoras, a metodologia psicanalítica "se define pela maneira de formular as questões" (p. 182). Rosa & Domingues (2010) ressaltam ainda que, no que tange as investigações psicanalíticas de fenômenos sociais e políticos verificamos um "esforço em estabelecer um diálogo interdisciplinar para exame de acontecimentos complexos" (p. 183).

o método psicanalítico vai do fenômeno ao conceito e constrói uma metapsicologia não isolada, mas fruto da escuta psicanalítica, que não enfatiza ou prioriza a interpretação, a teoria por si só, mas integra teoria, prática e pesquisa. O conceito psicanalítico deve sair da própria trama sem se descuidar de como se afirma no solo da teoria. Não há um sentido único para cada conceito, e sim uma articulação com a trama teórica, com a prática, com os pares. Essa é a relação teoria e prática em psicanálise. a prática não tem sabedoria própria – ela suscita ideias a princípio indeterminadas. Por via da construção e do trabalho do conceito – que nunca acaba de se formar, pois, uma vez fixado, despotencializa-se como conceito –, a Psicanálise voltada para o singular produz o trabalho teórico. É nessa relação que é possível construir, ultrapassar o já dito, construção que não se sustenta em uma linearidade e em que teoria e prática não têm autonomia. tal trabalho visa demarcar regiões (promover separações), os elementos comuns vão sendo destacados a fim de constituir a questão a ser estudada. (Rosa & Domingues, 2010, p. 184)

Levando esses aspectos metodológicos em consideração em nosso percurso de coleta de dados, que ocorreu tanto em Angola quanto em Moçambique, vivemos um intenso processo de observação, participação e vivência que nos permitiu conhecer diversos cenários e províncias – algumas com mais e outras com menos condições materiais –, muitas escolas nos mais diferentes formatos, crianças de várias idades e em fases diversas do processo de escolarização e professores com níveis diferentes de formação.

Enquanto psicanalistas, chamaram a atenção os traços que, mesmo nas diferenças, se repetiam, como a repetição de certos silêncios. Aos poucos, ficou mais evidente que falar de momentos históricos traumáticos da vida do país1 permanece sendo muito difícil, pois estes seguem carregados de afetos que remetem a rupturas, misérias extremas, processos desumanos de opressão, deslocamentos forçados, lutos não simbolizados. Nesse sentido, discursos aparentemente silenciados continuam participando do campo simbólico de ambos os países, produzindo, por meio de não-ditos, geração após geração, marcas na relação do sujeito com o Outro.

Concordamos com Almeida (1998, p. 90) que "a aquisição do conhecimento, sustentada pelo desejo de saber, torna-se uma das significações fálicas possíveis, inscrita na ordem simbólica, dependendo da posição subjetiva da criança diante do desejo do Outro, representado, imaginária e simbolicamente, pela figura do professor". Por isso, consideramos importante nos questionarmos sobre o lugar do sujeito no desejo daqueles que, na escola, funcionam como representantes do Outro, principalmente porque, ao chegarmos nas escolas em que a pesquisa foi realizada, os alunos com os quais trabalhamos eram muitas vezes apresentados como "alunos que não aprendem".

As crianças que participaram da nossa pesquisa produziam repetidamente no ato de escrita um tipo de movimento que nos despertou a atenção desde o início do trabalho de coleta de dados. Quando precisavam copiar algo do quadro, o faziam sem demonstrar que compreendiam o que exatamente tinham que transcrever ou onde estava o início e o fim do que deveria ser copiado. Não parecia haver limites ou margens entre um exercício e outro, ou seja, não havia fronteiras entre o que já foi copiado (passado) e o que deveria ser (presente). A repetição desse fenômeno nos convocou a refletir sobre as bordas do corpo próprio, a alienação e a separação como operadores da constituição do sujeito (Lacan, 1964/1998) e sobre os impasses do processo de se ver como um diferenciado do mundo externo, impasses esses que parecem complexos nesse contexto específico. Além disso, o impasse em questão também nos remete a uma tentativa de simbolização que não se completa. Os traços do passado, já escritos – na lousa, na vida e na cultura –, quando não podem encontrar simbolização possível, retornam repetidamente, uma repetição que não produz o novo e, portanto, obstaculiza o aprender, pois, para a Psicanálise, aquilo que é silenciado, que não pode ser simbolizado, transformado em palavras, retorna como produção sintomática.

Esses indícios que parecem "não cessar de não se escrever" (Lacan 1972-73/1985, p. 127) saltam aos nossos olhos. O que tanto se repete? O que é isso que não para de voltar e está sempre emergindo nas frestas? Esse "colamento", essa não dissociação/não separação, essa certa fixação em um lugar de não diferenciação, nos faz pensar na criança como aquela que porta o sintoma da estrutura familiar, aquela que denuncia pelo sintoma os não-ditos transmitidos inconscientemente.

De que lugar essas crianças são enxergadas pelos seus professores? Desde que lugar esses professores podem se endereçar a elas? Quem são esses alunos nos sonhos de seus professores? Como essas crianças são sonhadas? Existe, para elas, uma aposta de futuro? Que margem seria possível, do lado da criança, no sentido de poder movimentar-se, alienando ou separando-se desse lugar no qual é colocada e esperada pelo Outro?

Impasses no percurso de aprendizagem sustentam-se, portanto, ao longo do tempo, em situações que implicam um trabalho psíquico maior por parte da criança, já que esta, ao lançar- se nas tentativas de aprender a ler e a escrever, está também tentando forjar no mundo um lugar para si a partir de um nome próprio e o faz a partir do lugar onde é colocada pelo discurso do Outro, atravessado, desse modo, pelo campo social. Esse Outro convoca a criança desde uma posição específica em seu desejo, que tanto pode dar a ela um espaço para dizer de si como também pode silenciar as emergências de sua própria subjetividade. Cabe nos questionar que lugar é esse dado a essas crianças, que efeitos ele pode ter em sua posição no laço social e, por fim, que incidências teria na relação delas com o conhecimento. Ademais, de que lugares os professores podem dispor na cultura para se endereçarem aos seus alunos e de que forma, desde essas posições, eles podem se autorizar a ocupar (ou não) a posição de quem ensina?

Entendendo que é este o tecido no qual esses sujeitos podem vir a se constituírem, parece importante explicitar nossa compreensão de que o discurso social e político pode produzir um desamparo discursivo 2(Rosa, 2016), que, por sua vez, tem efeitos para o trabalho empreendido pelo sujeito em sua empreitada de forjar para si um lugar no mundo, como os impasses para aprender e para ensinar.

Segundo Rosa (2016, pp. 23-24), esse discurso "carregado de interesses e visando manter ou expandir seu poder, mascara-se de discurso do Outro (campo da linguagem) para captar o sujeito em suas malhas – seja na constituição subjetiva, seja nas circunstâncias de destituição subjetiva". Para a autora, ainda caberia à Psicanálise, nessas situações, "incidir sobre o que escapa aos outros campos" (Rosa, 2016, p. 27), seja no campo social ou no político. À Psicanálise cabe, então, "investigar a dimensão inconsciente presente as práticas sociais" (Rosa, 2016, p. 27).

A clínica com crianças é exemplar para elucidar essa elaboração, pois os não-ditos familiares e o silenciamento dos pais são transmitidos para a criança que, com isso, faz sintomas e produz inibições. Neste texto, estamos pensando o lugar da docência como prolongamento metafórico e metonímico do lugar dos pais. Dito de outra forma, o outro/professor pode encarnar o Outro e, assim, se coloca, tal como a família, em posição privilegiada na relação com a criança no que tange a sua constituição. Esses representantes do Outro (social), sejam pais ou professores, quando diante da impossibilidade de elaborarem seu próprio desejo, acabam por produzir uma repetição no discurso desse não-dito que, por sua vez, pode capturar a criança, transformando esses enigmas em sintomas, inibições, angústias ou ainda no que estamos chamando de impasses.

Sendo assim, apostamos que, para uma criança avançar diante de seus impasses e prosseguir seu caminho de aprendizados, parece importante que ela seja convocada em um lugar – no caso, o desejo do Outro – que lhe possibilite a fabricação de sintomas que contribuam para que ela circule melhor socialmente e não os que inibem o mesmo processo. Nesse sentido, sinalizamos a importância de que essa criança possa ser afetada por algo da ordem do desejo do Outro, algo que incida em sua posição de sujeito na direção de uma tentativa de simbolização e de construção de um lugar próprio que permita o reconhecimento do desejo3 e o aprendizado.

 

Utopia: lugar de desejo

Ventana sobre la utopia lla está en el horizonte —dice Fernando Birri—. Me acerco dos pasos, ella se aleja dos pasos. Camino diez pasos y el horizonte se corre diez pasos más allá. Por mucho que yo camine, nunca la alcanzaré. ¿Para qué sirve la utopía? Para eso sirve: para caminar. (Galeano, 1993, p. 230)

A ideia de utopia presente nessa epígrafe foi a que inspirou o título deste texto (e a tese de doutoramento que o originou), entendendo utopia não só como uma situação inatingível, mas também como o impossível que nos coloca em movimento, como sonho, horizonte e aquilo que aponta para o futuro. A existência da utopia, como afirma Galeano (1993), permite que alguém possa caminhar. Sem isso, resta a dormência, a paralisia.

Utopia, a obra elementar do filósofo londrino Thomas More, foi publicada em 1516. O autor recorreu ao grego para nomear seu livro: Utopos, que significa não-lugar. Aos 57 anos, foi decapitado por ordem do Rei Henrique VIII, da Inglaterra. Em seu texto fictício, imaginou uma ilha, um lugar dos sonhos, um lugar que, para o autor, seria melhor para se viver. Talvez por isso o governante em questão tenha achado que os escritos de Thomas More pudessem incitar desejos demais nas "mentes puras" das famílias inglesas. Ceifar uma vida – ou encarcerá-la –, como bem sabemos, pelo que nos adverte a história, não impede a circulação de suas ideias.

Uma utopia, um sonho, pressupõe uma aposta na qual se acredita e, em nome de um desejo, o ser humano se põe em movimento. Na escola, cultivar utopias e sonhos é essencial. Que o olhar do adulto para a criança seja permeado de sonho é o que possibilita o movimento de aprendizado. Que em sua utopia, como professor, tenha um lugar para a criança é condição inarredável para que ela possa aprender algo. Para tanto, o professor também ter um lugar é um requisito necessário. Em última instância, a utopia é para toda uma sociedade, para um povo, para o país.

Ter esperança é condição para ensinar, pois entre esperança e utopia existe uma estreita relação. Não existe utopia possível para aquele que não pode se munir de algo para além da concretude e da materialidade presente, o que requer algum nível de esperança. Por isso, o professor desesperançado é aquele que já desistiu de acreditar. Às vezes, quando o motivo para seguir acreditando em uma transformação possível não se encontra facilmente naquilo que se pode enxergar ao redor, é necessário poder encontrá-lo no que ainda não se enxerga no imediato agora. E aí a utopia tem uma função de imensa importância.

Perder a possibilidade de mirar o horizonte e caminhar por algo que ainda não é palpável pode ser arriscado e perigoso. É provável que, por isso, algumas estratégias políticas procurem promover a desesperança e a melancolização do laço social (Douville, 2004)4. Produzir no povo o sentimento de que nenhuma parte lhe cabe porque nenhuma mudança é possível, a ideia de que não há por que se movimentar ou mesmo fomentar a fantasia de que uma única pessoa pode ser a salvação e solução para os problemas de um país são estratégias político-discursivas que auxiliam na manutenção do status quo, promovendo uma espécie de chamado à imobilidade, à paralisia, à descrença e produzindo, no limite, uma dinâmica social afeita à passividade e facilmente controlável. Desse modo, nutrir uma utopia nesse cenário pode ser disruptivo. Que um povo acredite que seus caminhos podem ser outros é correr de fato o risco de seguir por outros caminhos.

O que se dá em âmbito social também está presente na instituição escolar. Quando afirmamos que a possibilidade de nutrir esperança é condição para quem almeja ensinar, não se trata da espera passiva, que cruza os braços e nada faz. É a espera prenhe da utopia, do sonho, da aposta, do voto depositado na criança, na possibilidade de ela vir a ser e a aprender.

Quando discutimos sobre aprender e ensinar, estamos apontando para uma complexa rede de relações entre sujeitos e outros em que, cada um a seu modo, se entrelaçará – na melhor das hipóteses – na sua cultura e em sua história.

Nesse sentido, os impasses no percurso de aprender, quando ocorrem, não dizem respeito exclusivamente a um dos elementos da dupla professor-aluno. Sabendo disso, gostaríamos de afirmar que o lugar – em seu desejo – desde onde o adulto convoca a criança incide em sua posição inconsciente de sujeito e, em função disso, incide também em sua relação com o conhecimento ou, mais ainda, em suas condições para aprender.

Em nossa pesquisa de campo, pudemos verificar que esse lugar desde onde o professor angolano e o professor moçambicano olham suas crianças está atravessado também pelo lugar onde eles estiveram em suas infâncias diante de seus professores, assim como pelos avós e toda uma linhagem de antepassados. Como sabemos, a entrada do povo angolano e moçambicano no universo da institucionalidade escolar se deu, pela via da colonização, de uma forma profundamente violenta (assim como no Brasil). O preço da insubmissão era a vida e, por isso, a escola muitas vezes era uma condição para quem queria se manter vivo, era o espaço onde "nativos" seriam "humanizados", onde seus lugares de "subalternos" seriam carimbados.

Nesse cenário não havia, portanto, educação para todos, pois nem todos eram olhados como seres humanos dignos. Essas marcas foram ainda mais aprofundadas com o sonho frustrado da emancipação e soberania dos povos de África que, mesmo com muita luta, não veio com os acordos de paz e independência. Esses lugares construídos ao longo de séculos para angolanos e moçambicanos marcam, desse modo, os lugares imaginários e simbólicos ocupados pelos alunos e pelos professores e o olhar do professor para a criança e da criança para o professor. São lugares e olhares que se repetem, e sabemos, a partir da Psicanálise, que aquilo que não pode ser simbolizado retorna insistentemente.

Em ambos os países, os professores se disseram pouco seguros na função de docentes e, arriscaria dizer, não autorizados a exercerem essa função. "O que teríamos para ensinar?" era a pergunta que, por um lado, aparecia repetidamente nas entrelinhas. Por outro lado, uma outra interrogação, ainda mais incômoda, emergia pelas frestas em direção às crianças: "Se eles são como nós, por que seriam dignos de aprender?". Quando o lugar do próprio professor está atravessado pela impossibilidade histórica de aceder ao conhecimento, teriam seus alunos alguma chance?

Um professor que não supõe que pode ensinar algo torna sua função muito mais difícil. Um professor a quem não se supõe, de saída, um saber, tem a mesma possibilidade de ação de um analista a quem o paciente não o coloca nesse lugar transferencialmente. Um trabalho dificilmente acontecerá em tais condições, uma vez que estas impedem justamente que algo possa ser produzido para além da repetição sintomática. Para que algo de novo possa emergir nesse cenário, deslocamentos são, então, necessários.

Esse lugar do professor angolano e do professor moçambicano, desinvestido de desejo pelo Outro, geração após geração, desde o violento processo recente de colonização, onde se viram obrigados a adotar uma postura de servidão e submissão para sobreviverem, parece não cessar de se repetir. Em frente aos alunos, os professores reproduzem aquilo que mais causou dor a eles não só simbólica, mas também fisicamente.

Tanto em Angola quanto em Moçambique, como vimos, a violência dentro da escola foi naturalizada com o passar do tempo e tornou-se uma condição para "ensinar" e "aprender", ainda que seja muito frequente o depoimento dos que desistiram da escola exatamente pelos maus-tratos. Sabemos que, quando a palavra tem dificuldade para circular e simbolizar, o ato emerge como resposta e não há separação entre passado e presente. Separar-se, nesse caso, das memórias dolorosas, demandaria um trabalho de simbolização – e de luto em muitos casos também –; do contrário, aquilo que foi vivido como trauma retorna, pela via da transmissão de não-ditos, na produção sintomática que, nessa situação específica, surge na relação de professores e alunos no ambiente escolar, incidindo no percurso da criança para aprender.

O lugar que o sujeito ocupa no desejo do Outro incide na relação que ele irá estabelecer com o conhecimento, uma vez que a relação com o Outro é de ordem constitutiva para o sujeito e é a partir do desejo do Outro que um sujeito pode vir a ter um lugar para si no mundo desde onde possa falar em nome próprio. Quando esse representante do Outro ocupa um lugar que foi historicamente desinvestido, subalternizado e, mais ainda, atravessado por não-ditos que foram transmitidos inconscientemente de uma geração à outra e marcados por traumas não simbolizados, é provável que as condições para ensinar estejam comprometidas, pois estamos pressupondo que, para isso, é fundamental que um professor sustente uma posição desejante que crie uma relação transferencial com a criança por meio da qual seja possível aprender.

Estamos também assumindo que, para ensinar, é importante que se suponha um saber ao professor e, consequentemente, que ele suponha na criança uma aprendiz. Dito de outro modo, é fundamental que um professor tenha uma utopia para seus alunos. Por isso, defendemos que sonhar uma utopia para as crianças africanas é condição para qualquer transformação dessa realidade.

 

Por uma ética radical da escuta

Estamos considerando traços do discurso colonial que resistem na dinâmica social produzindo repetições sintomáticas que parecem não encontrar, muitas vezes, simbolização possível. Sobre essas repetições que se vinculam a não-ditos produzidos sociopoliticamente em determinadas culturas, Abrão (2014, p. 20), ao refletir a partir da experiência das Clínicas do Testemunho, afirma que "se não elaboram seus traumas, se não enterram seus mortos, sujeito e sociedade veem-se fadados a repetir os seus fracassos".

Estamos pressupondo, como fez Broide (2008), Rosa (2002; 2016), Warpechowski & De Conti (2018), entre outros, que situações de extrema vulnerabilidade e exclusão social submetem os sujeitos a uma condição de desamparo para a qual, muitas vezes, os recursos simbólicos necessários para a elaboração do que restou de ordem traumática são precários e, por isso, acabam, em muitos casos, relegando o sujeito a processos desubjetivantes.

Como efeito, existe a possibilidade de que esse sujeito fique identificado ao lugar de resto, de dejeto do pacto social, como afirma Nicoletti (2000), o que pode produzir um silenciamento, um apagamento. Se tomamos o discurso do capitalista conforme estabelecido por Lacan (1969- 1970/1992) no que tange ao seu imperativo de gozo, "vemos a forte tendência a abolição da dimensão do semelhante transformando-o em puro objeto e, nestes casos, objetos a serem descartados, aniquilados" (Warpechowski & De Conti, 2018, p. 324). Sobre essa possível identificação do sujeito ao lugar de dejeto, Nicoletti (2000), ao se debruçar sobre os desdobramentos das diferenças de classe, das desigualdades sociais e das situações de miséria, nos adverte sobre a possibilidade (ou ausência dela) de subjetivação da falta:

encontramos uma posição que aborda as diferenças de classe a partir de uma perspectiva do objeto e da sua falta, sem ter em conta que a exclusão do acesso aos bens oferecidos pelo mercado, a exclusão dos modos de gozo neste momento da cultura, não tem como consequência necessária uma subjetivação da falta, um encontro com a verdade do impossível, mas um efeito de dejeto. É importante não confundir esse lugar de dejeto na estrutura social com uma posição subjetiva. (Nicoletti, 2000, [s.n.], tradução nossa)

O alerta de Nicoletti (2000) nos ajuda a entender que, em situações cuja falta não é subjetivada ou atravessa dificuldades em tal operação, o efeito pode ser a referida identificação do sujeito ao lugar de dejeto e não a assunção de uma posição subjetiva. Quando estamos frente a um processo de desumanização, desapropriação e desubjetivação tão intenso, violento e profundo – como são as guerras, a colonização, o escravagismo, a miséria extrema ou as tragédias ambientais –, em que um sujeito é destituído da possibilidade de dizer e ser escutado, significa que fica emudecida também a possibilidade de deslocamento desse sujeito no laço social até que seu lugar possa ser reconhecido e sua fala escutada. Nicoletti (2000) se debruça sobre essa mesma problemática em situações de repressão política e de miséria, como podemos acompanhar a seguir:

a repressão política e a miséria se cruzam no ponto em que a relação com o Outro assume um viés social. No que tange à repressão política, a relação com o Outro é marcada pela incerteza sobre o desejo e a proximidade da vontade de gozo do Outro, enquanto na miséria o desamparo se refere às dificuldades de alojamento no Outro a uma falta de desejo, a uma falta de lugar. É necessário então peneirar as coordenadas do real, revelar a estrutura em que ele está inserido, para restituir um espaço em que o desejo do sujeito possa ser afirmado, dar lugar ao seu modo particular de lidar com esse real, com o Outro e o seu gozo. (Nicoletti, 2000, [s.n.], tradução nossa)

O silenciamento e a impossibilidade de escuta fixam o sujeito em um lugar de invisibilidade e de inexistência, fora do circuito desejante, cujo efeito pode ser, segundo a autora, uma dificuldade em encontrar um "alojamento no Outro". Assim, conforme a psicanalista argentina, seria fundamental pensar em termos de restituição de "um espaço em que o desejo do sujeito possa ser afirmado", de modo que, a partir desse espaço, desse lugar, o sujeito possa inventar para si uma maneira de ser e estar no mundo.

Douville (2004) escreveu sobre a possibilidade da ausência desse "alojamento no Outro" em situações de colonização, mas o fez usando outros termos, levantando questões similares às de Nicoletti (2000) quando relata sua experiência na Ilha da Reunião – território ainda francês, ao leste de Madagascar. Em seu texto, o autor conta o que observou em relação à língua crioula na região, como o fato de os colonos estabelecerem uma "relação violenta e possessiva – às vezes vergonhosa – com a língua crioula, língua "materna" da maioria, dado também a sua influência nas afasias devastadoras de um discurso colonial" (Douville, 2004, p. 180).

Segundo o psicanalista, "o quadro pós-colonial de neutralização se funda em mecanismos pelos quais os sujeitos são privados de memória e de língua" (Douville, 2004, p. 180). Para denominar esse processo, o autor cunha o termo melancolização do laço social, que nos parece, em muitos aspectos, o cenário que observamos em Angola e também em Moçambique. Vejamos:

Com efeito, vários pacientes que não têm muito a ver com esta quimera do paciente padrão, que deseja conduzir de modo satisfatório um tratamento até o fim, vêm ao encontro de analistas para dizer, enredar e desenredar as relações entre melancolização da história e melancolização do sujeito, entre trauma histórico e acidente singular. A situação psicanalítica não é mais, então, o dispositivo que permite a emergência do elemento recalcado, mas também a ocasião na qual se dizem enfim as palavras banidas e os significantes da filiação que foram atacados pelas violências da história. Um trabalho prévio com certos sujeitos consiste em vencer este desespero singular com relação à palavra. A neutralidade aqui seria a neutralização, se o psicanalista se reduzisse a encarnar de modo obstinado a figura do Outro que nada poderia emocionar ou impressionar. Sujeitos em melancolização de laço foram, em sua história, vivida ou herdada, confrontados com esta figura da onipotência, figura que nenhum grito, nenhuma formulação de excesso poderia fazer reagir. (Douville, 2004, p. 180)

A escuta incidiria, para o autor, nessa possibilidade de enredar/desenredar o que é relativo ao "trauma histórico" e o que é relativo ao "acidente singular". Retomando a potência da proposta freudiana de escuta, Douville (2004) nos convida a refletir acerca da importância de escutar as "palavras banidas", em um movimento que possibilite ao sujeito uma certa restituição do seu lugar de dizer, de uma certa apropriação do seu direito à palavra. O psicanalista alerta, desse modo, para o risco advindo de uma posição de "neutralidade" do lado daquele que se propõe escutar, pois em situações de denominada "melancolização do laço" o Outro – representado pelo analista, pelo professor ou outros – costuma se apresentar como absoluto.

Deve-se, sobretudo, sublinhar que o psicanalista que trabalha com as palavras dos sujeitos, com as condições de formulações, de construção e de recepção desta palavra, seus efeitos, suas impotências e seus poderes, é afetado pelo modo segundo o qual um sujeito vive e se constrói como um ser de cultura, em devir. Daí a tensão à qual todo clínico se vê confrontado à medida que deve sustentar este entrecruzamento e este hiato entre: a verdade subjetiva de cada um: a parte de verdade amordaçada que tece e mascara o sintoma, e o que este sujeito herdou em termos de estrutura de parentesco, de registros de história e de narração de memória coletiva (Douville, 2004, p. 184-185).

O autor está se debruçando, ao apontar para o "entrecruzamento" e o "hiato" entre verdade subjetiva e herança histórica, sobre a posição do psicanalista que se propõe a escutar alguém em sua clínica. Porém, o que queremos ressaltar é que as mesmas proposições, pressupostos e precauções são válidas para qualquer outro que ocupe para um sujeito a função de representar o Outro em uma relação de transferência de trabalho. Em outras palavras, quando investigamos a escola, as relações entre professores e alunos, estamos nos deparando também com a questão da palavra, do endereçamento do sujeito ao Outro e da possibilidade ou não de escuta pelo outro.

Nesse sentido, estamos questionando tanto a escuta que o professor faz ou não do aluno – aqui não no sentido de uma escuta de consultório, mas de escuta como um movimento de supor (apostar que há) um sujeito – quanto da escuta que pode ou não ser feita do professor, pois a escuta poderia assegurar um lugar de sujeito ao aluno à medida que pudesse permitir a ele, por meio do campo transferencial, aceder a um lugar de singularização e de relação produtiva com o conhecimento.

Da mesma forma, a escuta do professor poderia assegurar seu lugar de sujeito desejante, que estaria em condições de convocar o aluno desde o seu desejo, desde uma falta que permite o enganchamento com o aprender e não como um Outro absoluto, perante o qual se paralisa. Por isso, segundo Nicoletti (2000, [s.n.], tradução nossa), é preciso romper com a "pregnância imaginária da miséria, a magnitude da distância dos sujeitos dos ideais da cultura, o que é considerado pobreza intelectual ou falta de estímulos" para que se possa de fato escutar. Quando o outro se ensurdece, ele não consegue "reconhecer o desejo do sujeito na transferência" (Nicoletti, 2000, [s.n], tradução nossa).

Nossa aposta freudiana nessa função da escuta na escola tem relação com a hipótese de que, pela escuta por meio da transferência, alguém pode deixar a posição de objeto, de resto, de silenciamento e se colocar a dizer, trabalhar, aprender e ensinar. Como menciona Rosa (2002), a escuta pode ter efeitos no sentido de tanto dar condições à articulação significante quanto de romper com as identificações imaginárias.

Nesse sentido, escutar um aluno ou escutar um professor não significa necessariamente colocá-lo em um divã ou propor a ele uma análise clínica.5 Escutar, no âmbito escolar, está mais próximo de possibilitar ou dar condições que permitam a emergência do sujeito do desejo, pressupondo que será nessa relação do sujeito com a falta no Outro – que causa o desejo – que uma criança poderá aprender. O que estamos denominando de uma escuta que pode acontecer na escola teria relações com a possibilidade de uma criança vir a inventar para si um saber próprio, por meio da transferência com o outro desejante, saindo, assim, de uma posição de reprodução imaginária de ditos ou saberes tomados como verdades absolutas.

Dito de outro modo, estamos procurando apontar para um certo lugar daquele que, nos significantes do discurso corrente, enfrenta impasses para se dizer, pois, como afirma Douville (2004), se sente "desdito", "negado pela língua dominante", atravessado pela "angústia da não- atribuição", "desprovido da graça do conflito". Nessas situações, o Outro falha ao tentar assegurar um lugar para o sujeito, ou poderíamos compreender que o Outro falha enquanto alteridade produzida e necessária. Em todo caso, não seria aqui uma referência à falha no Outro, mas à falha do Outro enquanto função anterior necessária para o sujeito. Segundo o autor (2004, p. 90),

A partir daqui pode-se traçar para nós um percurso que estuda o modo segundo o qual nossas culturas fazem trabalhar as figuras da origem e da alteridade, do estranho e do familiar, seus efeitos sobre as realidades das trocas das determinações identitárias, mas também a ressonância destes tratamentos da "identidade- alteridade" sobre o real dos corpos.

Nesse sentido, reiteramos a importância do Outro partindo da assertiva lacaniana de que o inconsciente é o discurso do Outro (Lacan, 1953/1986). É, portanto, com aquilo que retorna pela via do Outro, do olhar do outro, que o sujeito pode se constituir nessa operação dialética. Por isso, em situações de extremo desamparo, a contribuição da Psicanálise pode fazer diferença se pudermos levar a radicalidade da ideia lacaniana de que o inconsciente é a política (Lacan, 1966-1967):

Cabe-nos resgatar a radicalidade da proposta psicanalítica e ressaltar o caráter ético e político dessa escuta, contribuição da clínica que pode se estender às demais situações, dentro das quais se pretende elucidar aspectos referentes ao sujeito sob desamparo social e discursivo e aos processos de sua manutenção em tal condição. (Rosa, 2002, p. 4).

Assim, é essencial que, enquanto filiados à transmissão psicanalítica, interessados que somos pelo sujeito do inconsciente, não percamos de vista o peso atribuído à historicidade por essa vertente teórica. Parece fundamental que, para seguirmos na trilha da ética psicanalítica, possamos não recortar o sujeito de seu tempo e espaço; ao contrário, que possamos não abdicar do trabalho que advém dessa tentativa de se colocar em uma posição de quem olha o mundo em suas ambiguidades, contradições, indeterminações, conflitos, sustentando as perguntas, as incertezas – enquanto forem necessárias e fizerem sentido –, já que entendimentos e interpretações acachapantes da realidade podem ser violentos e silenciadores daquilo mesmo que, enquanto analistas, nos colocamos a ouvir.

Parece-nos interessante ressaltar que, quando colocamos nossa ênfase na escuta, estamos adotando aqui também uma posição política. Ao afirmarmos que há determinadas situações promovidas por certos modos de organização e dinâmica social que criam uma indisponibilidade do outro para a escuta, ou ainda, que produzem ou fabricam deliberadamente apagamentos e silenciamentos, estamos, ao mesmo tempo, sublinhando que não são as pessoas, ou grupos sociais, ou determinado povo, que deixaram de dizer ou narrar sua história, embora isso também possa ocorrer. Assim, não se trata de um que "dá voz" ao outro, o que viria a contrariar a nossa posição ética, enunciada anteriormente, pois essa formulação se ergue justamente sobre a premissa de que um assume o exercício do poder de dar ao outro uma voz. Tratar-se-ia aqui não de uns que não falam – e, por isso, precisariam de uma voz –, mas de uns que não escutam o que, muitas vezes, já está sendo dito há séculos. A questão é: essa história que se narra, essas memórias coletivas que latejam, encontram espaço de escuta e ressonância no Outro?

É nesse sentido que a lógica psicanalítica propõe uma subversão daquilo que pode ser encarado como verdade absoluta, como discurso hegemônico, como uma certa tendência ao pensamento totalitário. Pensamos que uma das principais contribuições que podemos extrair da Psicanálise é justamente essa direção que poderíamos denominar de ética radical da escuta (Silva, 2019), em que ser escutado produz efeitos naquele que fala. Além disso, a oportunidade de escutar alguém produz ainda a possibilidade de que esse alguém ocupe esse lugar de quem poderá falar e ser ouvido, o que significa dizer que, ao nos colocarmos no lugar de analistas, antes de interpretarmos a relação transferencial ou convidarmos um paciente para a associação livre, estamos, em ato, dizendo "eu te escuto". Esse ato, que inaugurou o paradigma psicanalítico a partir da escuta que Freud pôde fazer de sua paciente histérica, diz respeito à função do psicanalista e do que se espera daquele que deseja ensinar: fazer uma aposta na emergência do sujeito.

Desse modo, a escuta se instaura aqui como ato capaz de gerar efeitos de simbolização, de elaboração, de restituição narcísica, oferecendo, por isso, a possibilidade de que se interrompa um circuito de repetição, sofrimento e sintoma. O sujeito, a partir de seu lugar de sujeito, pode dizer de si, ser escutado, reconhecido e, assim, ressignificar, separar, lembrar, esquecer, redizer e narrar sua história, operando deslocamentos importantes em sua posição de sujeito no laço social e, no que tange ao objeto desta tese, poderá também se reposicionar em sua relação com o conhecimento na escola.

Segundo Bezerra (1999, p. 18)

toda clínica é social e toda política diz respeito à vida subjetiva de cada indivíduo. A singularidade [...] só pode surgir e ser experimentada no campo das relações com os demais sujeitos, no campo de suas relações sociais. Estas, por sua vez, só ganham significação, só se reproduzem ou se modificam pela apreensão que os sujeitos fazem delas.

O posicionamento que o sujeito pode assumir no laço social tem relação, segundo Bezerra (1999), com aquilo que pode apreender e significar, em que a escuta do sujeito dá suporte para que essa operação de significação possa acontecer. Essa escuta pode, portanto, produzir retroativamente um lugar reconhecido para aquele que fala. Ao se dispor a escutar o sujeito – e não os discursos que dizem o sujeito em uma determinada cultura e tempo histórico – cria-se, ao mesmo tempo, esse lugar onde o próprio sujeito que fala pode dizer de si mesmo.

Quando estamos nos referindo a um contexto em que essa possibilidade foi solapada sistematicamente, subtraída por meio de estratégias políticas por séculos, acreditamos estar diante de uma questão fundamental para que algo dessa lógica se reverta. Uma ética radical da escuta não parece ser nenhuma novidade frente ao que propôs Jacques Lacan ou mesmo antes dele, com Sigmund Freud – ao contrário, é no ato de escuta que a Psicanálise se ergue enquanto pensamento. Porém, faz sentido relançar essa proposição mesma, resgatando dela sua potência transformadora enquanto um posicionamento ético e político diante do cenário que nos dispusemos a investigar neste trabalho.

Na direção que aqui estamos propondo como ética radical da escuta subjaz sua pré-condição: a recusa ao suposto saber. Para escutar é preciso não saber, ainda que, para que esta relação transferencial seja fundada, o suposto saber seja requisito fundamental. Assumir essa posição de saber sobre o outro é participar do discurso hegemônico que, reiteramos, nunca pressupôs que angolanos e moçambicanos pudessem saber sobre si mesmos. Responder desde essa posição é, por efeito, abdicar das condições necessárias para que um trabalho aconteça, uma vez que o discurso colonial não supõe sujeitos. Sua dominação e efetivação depende exatamente da possibilidade de a dimensão subjetiva ser apartada, pois a estratégia da colonialidade pressupõe a desumanização, de modo que nesse tipo de discurso não se tem sujeitos, mas objetos.

O analista, representante do Outro assim como o professor, ao recusar esse exercício de poder que é saber sobre o outro e deslocar-se desse lugar que lhe é atribuído, faz uma aposta: que o sujeito saiba e fale de si. Assim como um saber sobre si pode ser elaborado em um trabalho de análise, também é possível que, na relação transferencial estabelecida entre professor e aluno, a criança venha a tomar uma posição diante do conhecimento que a permita fazer parte de uma linha de transmissão em sua própria cultura e história.

Ao considerar uma ética radical da escuta como uma direção que cria condições para que um trabalho no interior da escola aconteça, estamos, em última instância, também apontando para uma certa "dobradiça" lógica que articula o deslocamento da posição subjetiva do sujeito no laço social e o furo no Outro, a sua impossibilidade de tudo determinar, a constatação de sua inconsistência, ou ainda, o esvaziamento das formação imaginárias que estejam ocupando o primeiro plano do sujeito sobre sua verdade. Resta aí a aposta na potência revolucionária de que um sujeito possa dizer de si.

 

Palavras finais ou de outros começos

 Não preciso do fim para chegar.
Do lugar onde estou já fui embora.
(Barros, 2000, p. 55)

Todos, sejam professores, sejam alunos, estão em determinadas relações – de transferência – na posição de sujeito ou de outro, de modo que todos estão também em posição de sofrer incidências do desejo do Outro.

Porém, gostaria de ressaltar que, no fim de sua teorização, Lacan também conclui que o Outro é barrado – e que, em última instância, o Outro não existe. Nesse sentido, ele coloca um ponto final em uma possível leitura da teoria psicanalítica que venha a postular um sujeito completamente determinado pelo Outro. O psicanalista pluraliza o nome do pai, afirmando que existem diversos modos de enodamento, para um sujeito, entre simbólico, imaginário e real, e esses modos muito singulares precisam ser inventados um a um.

Apostamos que esse trabalho singular de amarração feito pelo sujeito tem relação com sua possibilidade de empreender certos atravessamentos de formulações imaginárias e, nesse ponto, entendemos que uma ética radical da escuta é fundamental. Desde a mudança paradigmática freudiana a partir do corte instalado pela sua decisão de escutar suas pacientes, temos que, na ausência da escuta, o dizer pode não encontrar simbolização possível e ressonâncias importantes para que sua posição no laço social venha a se deslocar. Esse deslocamento, por sua vez, está implicado na condição de que haja furo no Outro.

O que barra o Outro nos interessa muito, pois, seja para aprender, seja para ensinar, é preciso considerar que o Outro não é absoluto, já que será através do furo no Outro que o sujeito poderá passar essa linha que o costurará na vida desejante. Esse trabalho de bordado, via transferência, se dá também nas tessituras da escola e na relação que professores e alunos estabelecerão com o conhecimento. Um Outro sem divisão, completo, pode impedir a passagem do sujeito para um circuito desejante.

Por isso, ao que parece, a utopia faz furo no Outro e retira dele sua completude ao apresentar a ele um saber que ele não sabe, um ponto não decidido, uma indeterminação. Ao fazer isso, a utopia forja no Outro uma abertura por onde o sujeito pode se enlaçar, desejar, seguir, aprender e ensinar. Nesse sentido, tomamos o conceito lacaniano de sujeito, destacando o papel do Outro, enquanto campo simbólico, em sua constituição. Mais especificamente, entendemos o professor como um importante representante do Outro no ambiente escolar e na relação com a criança. Da mesma maneira, compreendemos que o lugar que o próprio professor tem no Outro acaba incidindo também em seu endereçamento para a criança, buscando mostrar a imbricação entre sujeito e social. Apontamos a produção sintomática do sujeito como algo que se dá no interior do laço social e, por isso, fiz a leitura de impasses no aprender e no ensinar, colocando-os face aos significantes que circulam nas culturas angolana e moçambicana.

Para vir a desejar (saber), uma criança precisa se deparar com a falta. Sem falta não há desejo e, sem desejo, não há ensinar, tampouco aprender. Em uma situação simbiótica entre sujeito e Outro, não há espaço, por um lado, para que o sujeito venha a ser um, supondo saber no Outro e estabelecendo por essa via uma relação transferencial que permitiria o acesso ao conhecimento. Por outro lado, é preciso também que o professor possa supor na criança um aprendiz, isto é, alguém capaz de aprender algo, pois é importante que um professor veja em seu aluno alguém digno de saber aquilo que ele já sabe, alguém a quem ele possa ensinar. Mais ainda, é preciso que o professor sustente essa posição desejante que dará condições para o estabelecimento de uma relação de transferência com a criança por meio da qual ela pode vir a aprender. Para tanto, tomamos como condição fundamental a possibilidade de o professor contar com um lugar semelhante para si.

Para que o conhecimento circule na escola é preciso, portanto, olhar tanto para a criança quanto para o adulto, em uma relação dialética, pois para que uma criança possa aprender é necessário que haja um professor que possa ensinar. Aprender e ensinar são trabalhos também psíquicos a serem feitos e que demandam uma tomada de posição – inconsciente – na relação transferencial. Que uma criança ocupe a posição de quem pode aprender e que o professor ocupe a posição de quem pode ensinar – a quem é suposto um saber – é fundamental para que um ensino e uma aprendizagem aconteçam.

Embora possa parecer óbvio, isso não é nem de longe simples. Como pudemos acompanhar nas escolas angolanas e moçambicanas, ocupar o lugar de quem pode ensinar e ocupar o lugar de quem pode aprender é uma travessia cheia de obstáculos históricos e psíquicos a ser feita. Em razão disso, esta é uma jornada que só pode ser feita de um a um, pois para cada sujeito essa tomada de posição se dará de forma diferente. Trata-se, então, de um trabalho que demanda grandes investimentos de desejo, mas que nas escolas onde estivemos nem todos os professores e nem todas as crianças puderam realizar ainda. Trata-se também de uma importante aposta, requisito fundamental para que as condições de aprender se instalem.

Aprendemos com angolanos e moçambicanos a importância primordial de sonhar o que parece impossível diante da cruel concretude, muitas vezes inominável, da realidade e da miséria humana. Aprendemos que, para se manter vivo, o homem pode até não ter casa, não ter água, mas não pode não ter fantasia. Como o judeu Guido no campo de concentração nazista em A vida é bela, o professor angolano e o professor moçambicano precisam enganar a realidade, (re)imaginá-la e narrar com ela outra história possível para aquelas crianças.

O ato de amor de quem ensina e de quem aprende, ao sonhar uma utopia, dá um lugar ao sujeito. Transmitir e aprender algo tem a ver com uma decisão ética sobre o que fazer com o nosso tempo de vida que seja além do apelo narcísico e faça marcas que possam existir mesmo em nossas ausências físicas.

Vivemos hoje no Brasil um momento de profunda turbulência política. Por isso, esperamos que este trabalho seja uma pequena contribuição no sentido de nos ajudar a compreender o equívoco que podemos cometer ao colocar em marcha um projeto de poder que pretende desinvestir – não só financeira, mas sobretudo simbolicamente – o nosso sistema educativo, nossas universidades, nossas pesquisas e nossos professores. Colocá-los em lugares de descrédito, desprestigiados, retira da cena o elemento principal, aquilo que anima quem ensina e quem aprende: um lugar simbólico investido de desejo.

Por fim, acreditamos que defender a educação é também fazer uma defesa ética, pois, ao fim, o que estamos defendendo é, talvez, uma das únicas vias possíveis para uma verdadeira transformação social democrática. Trata-se do meio pelo qual se pode pavimentar o caminho para um projeto de sociedade onde todas e todos tenham uma vida digna. Que sejamos todos iguais e livres: eis a nossa utopia.

 

Referências

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Recebido em julho de 2020 –Aceito em dezembro de 2020.

 

 

1 Tanto Angola, quanto Moçambique foram países que sofreram profundas violências e genocídios no processo colonizatório, passando por extermínios de povos, culturas, tráfico e sequestro de milhares de pessoas, desagregação e desterritorialização de grupos familiares, posterior divisão política de seus territórios, guerras por independência longa e sangrenta e conflitos civis com sequelas que se estendem até os dias de hoje.
2 Rosa (2016) sustenta uma discussão que nos interessa trazer aqui para avançarmos nesse ponto de nossa reflexão. Ela retoma o conceito de desamparo discursivo, cunhado por Pujó (2010), que se refere à "fragilização das estruturas discursivas que suportam o vínculo social, no que rege à circulação de valores, ideais, tradições de uma cultura e resguardam o sujeito do real" (ROSA, 2016, p. 47), para pensá-lo junto ao desamparo social, uma vez que "sem endereçamento possível ao Outro, o sujeito silencia, sendo lançado ao não senso e à dificuldade de reconhecer, ele mesmo, seu sofrimento, sua verdade, seu lugar no laço social e no discurso" (Ibid., p. 47). Por isso, "essa condição desarticula o sujeito de sua ficção fantasmática, afeta seu narcisismo e o remete à angústia ante o desamparo que perpetua a condição traumática" (Ibid., p. 47).
3 "Sobre a criança incide um desejo, ligado ao que Lacan chama a exigência do falo pela mãe, e é em relação a esse desejo que a criança irá estruturar-se. O vínculo da mãe com o filho depende, portanto, desse investimento fálico, marcado pelo lugar que a criança ocupa na economia do desejo materno." (Faria, 2001, p. 12).
4 Esse conceito será retomado e aprofundado ao longo do terceiro tópico do texto.
5 Cabe explicitar que, quando nos referimos à esta proposição, não estamos tornando o lugar do professor um sinônimo do lugar do analista.
Revisão Gramatical: Drieli Sampaio
Email: drielisampaio@gmail.com

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