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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. vol.26 no.1 São Paulo jan./abr. 2021

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v26i01p129-144 

10.11606/issn.1981-1624.v26i01p129-144

ARTIGO

 

Automutilações na adolescência: reflexões sobre o corpo e o tempo

 

Automutilaciones en la adolescência: reflexiones sobre el cuerpo y el tiempo

 

Self-mutilations in adolescents: reflections on the body and time

 

Les automutilations à l'adolescence : réflexions sur le corps et le temps

 

 

Natália de Oliveira de Paula CidadeI; Silvia Maria Abu-Jamra ZornigII

IPsicóloga clínica. Doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, E-mail: nataliaopcidade@gmail.com
IIPsicanalista.  Professora Associada do Programa de Pós-Graduação e Graduação em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, E-mail: silvia.zornig@gmail.com  

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar o fenômeno das automutilações na adolescência a partir da articulação do registro do corpo à dimensão arcaica do tempo. As automutilações se caracterizam pelo ato de ferir o próprio corpo voluntariamente, sem intenção consciente de morte. É através do corpo que se manifesta um sofrimento que ultrapassa os limites psíquicos do sujeito, encontrando uma via de expressão radical daquilo que o faz sofrer. O caráter radical desta resposta aponta para a complexidade dos primórdios da constituição psíquica. Neste cenário, propõe-se compreender as automutilações na adolescência como uma via atual através da qual algumas vivências da ordem do arcaico se apresentariam. Elas conjugariam, em um curto-circuito do tempo, passado e presente, abrindo caminhos para a ressignificação de vivências irrepresentáveis.

Palavras chave: automutilação; adolescência; corpo; arcaico.


RESUMEN

El objetivo de este artículo es analizar el fenómeno de las automutilaciones en la adolescencia a partir de la articulación entre el registro corporal y la dimensión arcaica del tiempo. Las automutilaciones se caracterizan por el acto de lesionar voluntariamente el propio cuerpo, sin intención consciente de muerte. Es a través del cuerpo que se manifiesta el sufrimiento que traspasa los límites psíquicos del sujeto, encontrando una forma de expresión radical de lo que le hace sufrir. El carácter radical de esta respuesta apunta a la complejidad de los inicios de la constitución psíquica. En este escenario, se propone entender las automutilaciones en la adolescencia como una ruta actual por la que se presentarían algunas experiencias del orden de lo arcaico. Combinarían, en un corto circuito de tiempo, pasado y presente, abriendo caminos para la reformulación de experiencias irrepresentables.

Palabras clave: automutilacion; adolescencia; cuerpo; arcaico.


ABSTRACT

The aim of this article is to analyze the phenomenon of self-mutilations in adolescents proposing an articulation between the body and the archaic dimension of time. Self-mutilations are characterized by the act of voluntarily injuring one's own body, with no conscious intention of death. The body manifests suffering that goes beyond psychic limits, finding a radical way to express what makes him suffer. This radical answer shows the complexity of the beginnings of the psychic constitution. In this scenario, self-mutilations in adolescents are understood as a current route through which some archaic experiences present themselves. The self-mutilations combine, in a short circuit of time, past and present, opening new paths for the reformulation of unrepresentable experiences.

Keywords: self-mutilation; adolescence; body; archaic.


RÉSUMÉ

Le but de cet article est d'analyser le phénomène de les automutilations à l'adolescence à partir d'une articulation entre le registre corporel et la dimension archaïque du temps. Les automutilations sont définies comme un dommage intentionnellement auto-infligé à une partie de son propre corps, sans l'intention consciente de se donner la mort. C'est à travers du corps que se manifeste la souffrance qui dépasse les limites psychiques du sujet, en trouvant un moyen d'expression radicale de ce qui le fait souffrir. Le caractère radical de cette réponse indique la complexité des débuts de la constitution psychique. Dans ce scénario, il est proposé de comprendre les automutilations à l'adolescence comme un moyen actuel par lequel certaines expériences de l'ordre de l'archaïque se présenteraient. Elles conjugueraient, dans un court circuit du temps, passé et présent, ouvrant des chemins à la redéfinition d'expériences irreprésentables.

Mots-clés: automutilation; adolescence; corps; archaïque.


 

 

O fenômeno das automutilações vem sendo estudado pelo campo da Psiquiatria desde o séc. XIX, tendo como marco a publicação de algumas teses e livros sobre a temática referida (Scaramozzino, 2004). Em 1909, Marie Michel Lorthiois publica o livro intitulado De l'automutilation: mutilations et suicides étranges, no qual consta uma primeira definição mais apurada do termo automutilação. De acordo com a autora, a automutilação seria caracterizada como lesões feitas pelo próprio indivíduo em seus tecidos ou órgãos: um ataque à integridade do corpo. Em 1938, o psiquiatra e psicanalista norte-americano Karl Menninger (1970/1938) publica Eros e tânatos: o homem contra si próprio, no qual propõe uma discussão sobre a destrutividade do homem e as diferentes formas que ela poderia tomar – dentre elas os comportamentos automutilatórios.

A partir da década de 1960, verificamos um aumento significativo no número de estudos publicados sobre a temática das automutilações, em especial a partir dos trabalhos de Ping-Nie Pao (1969), que descreve a chamada Syndrome of Delicate Self-Cutting, ou "síndrome da escarificação delicada"; de Rosenthal, Rinzler, Wallsh e Klausner (1972), que cunham a Síndrome dos Cortadores de Punho; e de Ross e McKay (1979), Pattison e Kahan (1983) e Armando Favazza (1987/2011), autores que abordam de forma mais aprofundada os diferentes fenômenos de automutilação. Tendo como base estas contribuições, há um acréscimo feito à definição das automutilações: se caracterizam por um dano autoinfligido intencionalmente a uma parte de seu próprio corpo, sem a intenção consciente de morte (Feldman, 1988).

Indo ao encontro do aumento significativo de aparecimento desses sintomas em unidades de saúde, escolas e consultórios nas últimas décadas, estudos realizados em diferentes países – dentre os quais destacamos a França, os Estados Unidos e o Brasil – apontam a adolescência como o momento de surgimento dos comportamentos automutilatórios, assim como período de sua maior prevalência, comparado a outras fases da vida (Favazza, 1987/2011; Suyemoto & Macdonald, 1995; Richard, 2005; Gicquel & Corcos, 2011; Demantova, 2017). Esse fenômeno vem crescendo na população adolescente a partir das décadas de 1960 e 1970, e pesquisadores de diferentes países vêm se engajando em estudos que possam esclarecer os motivos para este crescimento, assim como auxiliar na compreensão destas práticas. No Brasil, podemos observar um aumento significativo destas práticas nos últimos vinte anos (Giusti, 2013).

O fenômeno das automutilações é muito mais heterogêneo do que é comumente observado na literatura sobre o tema. Elas não se limitam aos cortes superficiais na pele, como são frequentemente representadas, mas dizem respeito a uma série de condutas diferenciadas que tem em comum os danos infligidos à própria pele. Em geral, elas podem ser encontradas de forma isolada ou complementar (uma ou mais práticas distintas) e podem ser realizadas com ou sem a ajuda de objetos externos. Destacamos as práticas de escarificações (também conhecidas pelo termo cutting), queimaduras, arranhões, abrasões cutâneas e escoriações (Pommereau, 2006).

É comum que o sujeito utilize mais de um método de automutilação em momentos diferentes e os locais de incidência mais frequentes são os punhos, os antebraços, as coxas, as pernas, a barriga e as áreas frontais do corpo, uma vez que são de mais fácil acesso. De acordo com Gicquel e Corcos (2011), na maior parte dos casos, há um aumento de tensão, raiva, ansiedade e tristeza antes do ato. Sentimentos de rejeição, abandono (real ou imaginário), culpa e sensação de vazio. Posteriormente, viriam sensações momentâneas de alívio e de diminuição de tensão que podem estar acompanhadas ou não de arrependimento e vergonha devido à prática de tais atos.

Destacamos a dimensão privilegiada que ganha o corpo nesses fenômenos, assim como no período da adolescência. É o corpo que manifesta um sofrimento que não pode ser colocado em palavras e através do qual o sujeito encontra uma via de expressão e de descarga daquilo que o faz sofrer. No cenário das autoferidas, também é o corpo que está à frente. Ele denuncia conteúdos e vivências que ultrapassam o universo das representações psíquicas e que apontam para outras formas de aparição dessas excitações que não estão contidas de forma representacional. A convocação ao corpo aponta para o irrepresentável de um excesso pulsional que não pôde ser contido e que ultrapassou os limites psíquicos daquele sujeito (Cidade & Zornig, 2016).

 

Automutilações na clínica psicanalítica: a prevalência da adolescência

Com o surgimento da puberdade, uma série de mudanças vai se impor ao sujeito, dentre as quais destacamos aquelas nos âmbitos corporal, sexual, social e familiar. Trata-se de um período marcado por perdas, lutos e ressignificações de elementos infantis importantes, uma vez que o sujeito passa a ter acesso a um universo novo e é convocado a lidar com uma série de problemáticas que não se impunham a ele na infância. Podemos compreender este período como marcado por um processo que exige um trabalho constante de nomear, conter e dar sentido a toda novidade que é vivenciada (Cardoso, 2006). Tudo isso leva à ameaça subjetiva de perda da integridade egoica ligada a essa série de remanejamentos que o sujeito vai ser impelido a viver. Nesse sentido, as automutilações podem ser entendidas como um dos recursos radicais utilizados como forma defensiva frente às ameaças de desintegração do eu (Cidade, 2020).

Em relação às ressignificações corporais e psíquicas próprias do momento da adolescência, podemos pensar, em consonância com Barrault (2005), que o recurso ao corpo torna-se meio privilegiado de expressão na adolescência, estando o início das condutas automutilatórias vinculado a essa problemática. Nesse cenário, aponta Birraux (1994/2013), o inimigo passa a ser o corpo, uma vez que este condensa tanto a memória da infância quanto as novas necessidades e exigências de um corpo que agora pode se realizar sexualmente. O corpo na adolescência não é apenas uma realidade biológica, mas sim um paradigma essencial para compreender a maior parte das problemáticas deste período. Ele é o pano de fundo sobre o qual os remanejamentos não só físicos, mas também eróticos e fantasmáticos, podem se dar (Marty, 2010).

Tanto Corcos e Richard (2006) quanto Dargent e Matha (2011) afirmam que as automutilações nos dão notícias de falhas no sistema de paraexcitação, baseado nas discussões teóricas advindas do segundo dualismo pulsional de Freud (1920/1996e), em especial acerca do modelo da vesícula, envelope 3D que podemos relacionar com o envelope corporal que nos envolve: a pele. O modelo freudiano da vesícula consiste em uma espécie de dispositivo protetor antiestímulo, nos protegendo contra excitações recebidas, reduzindo suas intensidades. No entanto, quando o aumento da excitação é maior do que a capacidade de proteção da vesícula, ela acaba sendo rompida, veiculando um excesso pulsional que transborda as possibilidades psíquicas de contenção e representação.

Nas condutas de automutilação, o que está em jogo é um corpo para além da representação, que sofre com uma carga pulsional excessiva. Nesse contexto, Dargent (2010) sublinha que "o corpo é, acima de tudo, atacado" (p. 132, tradução nossa), e este ataque nos dá notícias de um transbordamento pulsional. Diante da ameaça de irrupção de um excesso pulsional e do fracasso do princípio do prazer, coloca Cardoso (2001), outras formas de ação serão necessárias para dar conta desse montante. Será preciso fazer algo diante disso que ultrapassa as capacidades psíquicas, tentar dominar o que não se apresenta pela via da palavra. É nesse contexto que a tendência à ação surge como possibilidade de saída diante do impasse gerado pelo excesso: o agir passa a tomar conta da cena.

Mayer (2001) aponta que o campo da atuação diz respeito a um "curto-circuito" existente entre o impulso e a ação, não havendo espaço para o processamento psíquico. O autor destaca, como características fundamentais destas ações, seu caráter impulsivo, repetitivo e atual. Complementando, Savietto (2007) aponta que o fenômeno das passagens ao ato gera uma tendência do aparelho psíquico a responder ao excesso de excitação utilizando o recurso da compulsão à repetição, na tentativa de manter seu equilíbrio. A autora sublinha as passagens ao ato como tentativa de contenção desse montante pulsional, sem que se efetive um trabalho de elaboração psíquica.

Nesse sentido, podemos compreender que, na passagem ao ato, há uma impossibilidade de o sujeito recorrer à palavra, lançando mão do corpo como principal via de descarga do excesso pulsional que o atormenta. A dimensão que o faria recorrer à fala está fora de seu alcance. Dentro de uma infinidade de atos, pode-se pensar na automutilação como uma das resultantes de um encontro com esse excesso pulsional que o aparelho psíquico não é capaz de suportar e elaborar. Dessa forma, o ato automutilatório constituir-se-ia como possibilidade de descarga para o sujeito em questão, assim como tentativa de contenção desse excesso pulsional que transborda.

Encontramos em Demantova (2017) uma estreita relação entre os elementos traumáticos que constituem o momento da adolescência e as escarificações como recurso defensivo e de simbolização frente a esta problemática. Dentro dos processos de separação próprios à adolescência, a autora ressalta o luto dos objetos primários. Esta é considerada a operação mais complexa de separação, sendo vivida pelo adolescente como uma espécie de morte, sentida como uma real experiência subjetiva de perda. A dificuldade se acentua, uma vez que o objeto que precisa ser abandonado é justamente aquele que fundou o sujeito narcisicamente.

Contudo, Cardoso (2014) chama atenção para o caráter paradoxal presente no processo de separação próprio à adolescência e afirma que a maior dificuldade está em se separar de um objeto que esteve ausente, uma vez que isso potencializaria a sua presença. Em alguns casos, esta operação de separação não pode se completar de forma satisfatória, uma vez que a relação com os objetos primários tenha se configurado de forma complicada desde os primórdios da constituição psíquica. Nesses casos, Demantova (2017) destaca que a separação dos objetos primários na adolescência pode levar a uma verdadeira desorganização narcísica, motivo pelo qual os adolescentes acionariam o agir, convocando o corpo para dar conta de uma problemática que o ego não consegue resolver psiquicamente. As automutilações entrariam em jogo aqui como forma de proteção diante da ameaça de perda, tanto de si como do outro.

Todas essas transformações da adolescência, acrescidas da revivescência do complexo de Édipo, deixam o jovem com um sentimento de ser transbordado por questões que se impõem a ele sem que tenham algum domínio sobre elas. Cardoso (2001) se refere à adolescência como um momento de travessia, ressaltando a prevalência de mecanismos defensivos mais arcaicos e elementares, tais como as atuações e passagens ao ato, fruto de um apelo extremo do ego para que o corpo entre em cena. Este fato nos dá notícias de um nível precário de elaboração psíquica que acompanharia esses jovens e os levaria a respostas radicais, tais como o recurso ao ato automutilatório.

O sujeito adolescente se sente submetido a essa série de mudanças e é reenviado a uma situação de passividade, que vem fazer eco com um sentimento de passividade extrema pertencente à primeira infância. Frente a tudo isso, Barrault (2005) aponta que o adolescente vai tentar se opor, buscando forças através do recurso ao ato, de forma que, nos esclarece Demantova (2017), o apelo ao ato se inscreve em um cenário defensivo, como último recurso frente à experiência insuportável de passividade e impotência. Na mesma direção, encontramos nas condutas de automutilação uma tentativa de dominar ativamente, através da agressividade voltada para o próprio corpo, alguma vivência de passividade anterior, à qual o sujeito teria sido submetido. Corcos e Richard (2006), assim como Pommereau (2006), apontam para esta característica da automutilação como tentativa de retomar uma posição ativa.

Dargent e Matha (2011) ressaltam a característica reflexiva presente nas condutas automutilatórias: o sujeito é, ao mesmo tempo, ativo (quando se inflige as feridas) e passivo (vive na própria pele os machucados). Ele é a vítima e seu próprio carrasco. As autoras relacionam o fenômeno das automutilações aos destinos pulsionais que aí se encontram envolvidos. Na tentativa de inversão da passividade em atividade, presente nas atuações, encontramos o destino pulsional da reversão em seu oposto. Ao mesmo tempo, encontramos entrelaçado a esse o destino pulsional do retorno ao próprio eu, uma vez que o objeto não chega a ser solicitado, sendo um ato que se resolve pela própria pessoa e no próprio corpo. Temos presentes, nas automutilações, os dois destinos pulsionais mais primitivos, anteriores ao mecanismo de recalcamento (Freud, 1915/1996d).

É neste cenário que observamos de que forma as mudanças advindas a partir da puberdade perturbam de forma grave o equilíbrio narcísico conquistado na infância, colocando em perigo a coesão do eu e o sentimento de continuidade de existência. Se o corpo da infância tornou-se familiar e bem mapeado, o corpo da adolescência surge como uma surpresa e um mistério a ser desvendado. Dessa forma, Marty (2007; 2010) aponta que as mudanças que surgem na adolescência, tanto no universo somático quanto no psíquico, colocam em cena um vivido de descontinuidade que se manifesta através de sentimentos de estranheza e não reconhecimento de si mesmo. Nesse sentido, podemos compreender que a passagem da infância para a vida adulta não se dá sem rupturas, descontinuidades que também fazem parte dessa travessia, tecendo e costurando o sentimento de continuidade de ser.

Gostaríamos de ressaltar que as automutilações comportam sempre duas dimensões: uma dimensão edípica, contendo relação direta com a problemática da adolescência e seus remanejamentos e revivescências, e uma dimensão arcaica, que diz respeito a problemáticas mais narcísicas do início da vida, de construção do eu-corporal e da dimensão do sensorial (Cidade, 2020).

Se, ao pensarmos na adolescência, estamos em contato direto com as questões edípicas trazidas por todo o trabalho psíquico exigido pelo período, não nos deixemos esquecer que o arcaico se mantém e se presentifica em diferentes momentos de nossa existência. Aproveitando a discussão acerca da temporalidade na qual se inscreve a adolescência, que não se caracteriza como desenvolvimento linear de etapas a serem cumpridas e ultrapassadas, mas como momento de passagem que, ao mesmo tempo, mantém vivências de continuidade e de descontinuidade com outros tempos da infância, a adolescência ganha um novo olhar de importância ao longo de toda a vida do sujeito.

Em consonância com Gicquel e Corcos (2011), podemos pensar que as automutilações encontradas na adolescência falam de um sofrimento psíquico que é anterior a esse momento, mas que está sendo ressignificado junto com o trabalho da adolescência. Os autores destacam a importância de pensarmos na qualidade do desenvolvimento infantil deste adolescente, assim como em suas memórias mais antigas, uma vez que a puberdade traz à tona uma reativação de eventos, sentimentos e sensações da primeira infância.

Nesta direção, Roussillon (2010a) ressalta que a adolescência é um tempo no qual o sujeito teria uma espécie de "segunda chance" potencial para ressignificar processos que começaram nos primórdios de sua vida psíquica, em especial aqueles que não se passaram bem em relação ao par mãe-bebê. No cenário das automutilações, Gicquel e Corcos (2011) apontam para um processo de construção de si mesmo que é contínuo no tempo e espaço desde os primeiros anos de vida, sendo a adolescência um momento de ressignificação importante, de construção de novas formas de ser e estar no mundo.

 

A dimensão arcaica das automutilações na adolescência

No que diz respeito à problemática das automutilações na adolescência, defendemos a ideia de que seria possível encontrar nestas condutas uma leitura privilegiada de aspectos infantis mais arcaicos, anteriores à problemática edípica, relacionados ao momento de desenvolvimento do bebê. Com base nos escritos de Ciccone (2011), sustentamos um aprofundamento acerca da temática do arcaico para sublinhar que a forma de apreensão do mundo e as marcas deixadas pela nossa experiência enquanto bebês não desaparecem, nem se transformam completamente com o passar do tempo, na direção da vida adulta. A maneira de se relacionar com o mundo permanece lado a lado com outros modelos de compreensão de si mesmo e dos outros.

Neste cenário, podemos entender as automutilações na adolescência como uma via atual através da qual algumas vivências da ordem do arcaico se apresentariam, em um registro que conjuga, ao mesmo tempo, passado e presente. Esta forma de compreensão do arcaico coloca em jogo um curto-circuito no tempo, de maneira que formas bastante primitivas de se relacionar com o entorno surgem na superfície de relações agora muito mais complexas. As automutilações podem nos dar notícias dos primórdios da constituição psíquica desses sujeitos, trazendo à tona uma dimensão corporal de sentimentos e formas de se relacionar vividos nestes primeiros momentos de vida, cercados por diferentes sensorialidades (Cidade, 2020).

O conceito de arcaico traz à tona questionamentos acerca da temporalidade na clínica psicanalítica, uma vez que não importa a idade do paciente, não temos como acessar estas bases originárias. Mesmo que a psicanálise seja aplicada a sujeitos cada vez mais jovens, como vemos na clínica com bebês, o arcaico não se manifesta de forma direta e observável, só podendo ser acessado a partir de seus efeitos ao longo do tempo. É sob esse arcaico, que perverte a linha do tempo cronológico, ao mesmo tempo em que se configura como elemento de potência na clínica, que gostaríamos de lançar luz na temática das automutilações.

André Green (1982/1990) aponta que o nascimento do psiquismo é marcado por um período arcaico, que remete às origens de nossa existência. Todavia, o autor amplia a discussão temporal trazida pelo conceito de arcaico, afirmando que a metáfora de uma possível arqueologia psíquica a ser realizada pelo analista na direção de um passado que ficou imóvel, congelado em tempo primevo, aguardando para ser descoberto e reconstituído posteriormente, não faz sentido, uma vez que chegar às origens do psiquismo, além de ser uma ilusão, não traria os benefícios esperados. O autor ressalta que o material que é trazido para a superfície do psiquismo através do trabalho de interpretação e associação livre não pode ser considerado o testemunho fiel da pré-história do sujeito, sendo essa maneira de ver o tempo como estanque e imutável uma ideia ingênua de pensar que o passado se conserva em sua forma originária.

O arcaico não está no passado esperando passivamente sua descoberta, mas está sempre presente, se manifestando em nós no cotidiano de todos os dias. Partindo desta constatação, Green (1982/1990) sugere que, ao invés de seguirmos em uma busca inócua na direção de um passado estagnado e ilusório, tentemos o caminho inverso: encontrarmos o passado que se apresenta no presente, no après coup de enésimos "segundos tempos" aos quais temos acesso em diferentes momentos da vida. O autor sugere acrescentarmos essa dimensão do après coup ao arcaico, com o intuito de destacar que a única forma de falar do arcaico é levando em consideração esta forma diferenciada de abordar o registro temporal.

Importante abordarmos essa noção freudiana de après coup (Nachträglichkeit) para melhor compreensão da discussão proposta acerca da temporalidade do psiquismo. Segundo Laplanche e Pontalis (1967/1970), tal ideia está intrinsecamente ligada à teoria do trauma em dois tempos. Em uma primeira cena, a criança é convidada sexualmente por um adulto, sem que ela compreenda o que ocorreu como excitação sexual genital. A segunda cena, normalmente de caráter anódino, ocorre a partir da puberdade e evoca a primeira por traço associativo, transformando seu valor posteriormente, pois agora a excitação sexual já pode ser vivida enquanto tal.

De acordo com Jacques André (2008), ao usar o termo Nachträglichkeit, Freud nos apresenta uma noção de tempo bastante diferenciada daquela proposta pela flecha comum de passado, presente e futuro, com uma única direção a ser percorrida. O conceito de Nachträglichkeit faz cair por terra o tempo linear, apresentando um tempo que condensa paradoxos: une "a simultaneidade, a solidariedade, a confusão de um passado-presente e de um presente-passado. O efeito de après-coup ignora a contradição" (p. 140).

Ressaltamos que, a partir desta perspectiva, a mudança está no fato de que a recordação do sujeito não diz respeito à cena exata ocorrida na realidade, mas ao acesso a um material transformado e processado psiquicamente, que pode continuar a ser modificado ao longo do tempo. Dessa forma, uma experiência passada pode ser ressignificada em um contexto de experiência atual, assim como uma experiência atual deve levar em consideração vivências e acontecimentos do passado (Cidade & Zornig, 2016). São esses elementos e possibilidades de complexificação temporal que fornecerão as bases para uma melhor compreensão dos elementos sensoriais e rítmicos na clínica da automutilação, de forma que ela se torna mais dinâmica e potente no que diz respeito a possíveis ressignificações de materiais advindos do passado, assim como do presente.

Esse pensamento vai ao encontro de estudos recentes da psicanálise francesa sobre possíveis pontos de convergência entre o funcionamento psíquico dos bebês e dos adolescentes: movimento chamado Bébés-ados (Braconnier & Golse, 2008). Sobre esta temática, Konicheckis (1999) ressalta que os vínculos psique-soma seriam fundadores e originais desses dois momentos da vida, caracterizando-se como fio condutor que permite o diálogo entre ambas as problemáticas. Complementando, Roussillon (1999; 2011) e Moro (2008) ressaltam a importância das expressões somáticas como protonarrativas de si, sendo o corpo uma via de expressão privilegiada, especialmente nos momentos da primeira infância (pré-verbal) e da adolescência.

A partir desse campo de estudo dos Bébés-ados, encontramos uma convergência entre dois momentos primordiais na constituição psíquica e nos processos identificatórios, de forma que a importância em reconhecer a dimensão do arcaico no fenômeno das automutilações surge como elemento de bastante interesse para o presente trabalho. Compreender as manifestações da automutilação na adolescência também nos dá notícias da constituição psíquica desse sujeito, tendo relação direta com o bebê que esse adolescente um dia foi e com mecanismos e formas primitivas do eu que permanecem ao longo do tempo.

Apesar de não citarem explicitamente o quadro clínico das automutilações, Golse e Roussillon (2010) defendem a ideia de que fenômenos clínicos que passam pelo corpo ou pelo ato são testemunhas de um arcaico ainda vivo e sempre atuante na vida psíquica dos sujeitos. Apesar de esta dimensão estar mais explicitada em quadros traumáticos ou psicopatologias futuras, os autores compartilham a visão de que elementos deste arcaico estariam na base de nosso funcionamento psíquico e se fariam presentes ao longo de toda a vida, não importando a idade que tenhamos. Ambos voltam sua atenção para a importância das primeiras experiências subjetivas na constituição psíquica e ressaltam que o próprio Freud já deixou esse pensamento encaminhado ao longo de sua obra, apesar de não ter se aprofundado sobre a mesma ótica.

Aprofundando a temática, Roussillon (2010b) aposta na importância de voltarmos nossa atenção para os primórdios da constituição psíquica, uma vez que neste primeiro tempo estariam contidas experiências que podem nos auxiliar a melhor compreender sofrimentos que vão eclodir em segundos, terceiros e "enésimos" tempos. No caso das automutilações, a adolescência e seu "segundo tempo" carregaria consigo elementos advindos de um tempo primevo, que surgiriam na tentativa de se ressignificar essas experiências arcaicas junto com outras problemáticas próprias à idade. A vida adulta e seus "enésimos tempos" também poderiam exemplificar eclosões de sofrimentos que teriam tido suas primeiras camadas delineadas em outros tempos, fazendo eco com as camadas da primeira infância, da adolescência e até mesmo da própria vida adulta.

Na mesma direção, Ciccone (2011) defende a ideia de que a forma de apreensão do mundo e as marcas deixadas pela nossa experiência enquanto bebês não desaparecem nem se transformam completamente com o passar do tempo, na direção da vida adulta. A maneira de se relacionar com o mundo permanece lado a lado com outras maneiras de compreensão de si mesmo e dos outros, de forma que há uma dimensão do arcaico presente no infantil que será sempre atual e atuante em nós.

No que diz respeito à problemática das automutilações, Ciccone (2011) as ressalta como uma via atual através da qual algumas vivências do arcaico se apresentariam, em um registro que conjuga ao mesmo tempo passado e presente. Esta forma de compreensão do arcaico coloca em jogo um curto-circuito no tempo: experiências precoces produzem efeitos no desenvolvimento de todo sujeito, de modo que não se tratam de experiências estanques, com começo, meio e fim, mas de formas de se relacionar e de estar no mundo que se encontram presentes ao longo de toda a vida.

Essa forma de compreender os primórdios não evoca apenas uma época específica no tempo, mas corresponde à maneira através da qual o infantil, sempre vivo e atuante em nós, vê o mundo, interpreta as experiências, sofre e tenta se proteger de novos sofrimentos. Considerar que as experiências precoces estão na base dos sofrimentos humanos e do desamparo é pensar que o infantil não pertence apenas à história passada do sujeito, mas ao presente, tendo efeitos que não se encontram presos ao tempo do passado, mas dizem respeito à história presente do sujeito.

Com o intuito de trazer à tona uma discussão sobre a temporalidade dentro dos estudos sobre a primeira infância, Golse e Roussillon (2010) tomam emprestado uma contribuição de Jean Laplanche a respeito de uma temporalidade que não é nem a da seta, direcionada apenas para o futuro, e nem a do círculo, culminando nos mesmos acontecimentos: uma ideia de tempo em espiral. Essa forma de compreender o tempo dá notícias dos mesmos acontecimentos ou tipos de experiências subjetivas, porém já contendo um plano distanciado do primeiro, com elementos novos e antigos ao mesmo tempo.

Nesta direção, podemos conjugar o estudo da adolescência e da primeira infância com o objetivo de melhor compreender de que forma o campo das automutilações possui relação direta com a complexificação da discussão sobre a temporalidade na constituição psíquica. Se o tempo não é entendido linearmente, mas como espiral de eterno retorno, os acontecimentos da vida atual fazem eco e ativam camadas mais antigas, que permanecem atuais pelo próprio movimento temporal complexo. O passado deixa de ser estanque e abrimos caminho para uma compreensão da dimensão arcaica presente no fenômeno das automutilações. Roussillon (2010b) define o arcaico como "um tempo além do tempo" (p. 98, tradução nossa) e, se pensarmos em movimentos espiralados formados pelas experiências (que constituem e/ou assolam o psiquismo), estaremos sempre diante de um tempo que é inalcançável – um tempo para além de seu próprio tempo.

Dessa forma, este artigo volta seu interesse para uma dimensão mais arcaica presente no fenômeno das automutilações na adolescência, na direção de compreender possíveis efeitos da constituição psíquica que estariam presentes nas condutas automutilatórias, para além dos sofrimentos traumáticos que podem estar sendo reencenados em busca de simbolização. Apostamos na ideia de que as automutilações nos dão notícias de um universo sensorial e de níveis mais primários de representação do eu desse sujeito, que permanecem atuando, assim como de seus primeiros encontros intersubjetivos e relacionais com seus objetos primordiais, trazendo o corpo para o centro da cena.

 

O corpo e o pré-verbal nas automutilações da adolescência

Se, na adolescência, encontramos uma exigência de trabalho psíquico com o intuito de ressignificar o corpo e o sexual que surgem com uma novidade, nos deparamos ainda com uma revivescência do Édipo, trazendo à tona todas as questões complexas que envolvem a escolha objetal e ainda a consolidação dos processos identitários (Barrault, 2005). Ressaltamos anteriormente, contudo, que o período da adolescência traz consigo a ressignificação de processos primários, mais ligados ao arcaico, e secundários. O universo das vivências anteriores à aquisição de linguagem verbal, compartilhado entre o par mãe-bebê, encontra-se em foco quando o corpo está à frente da cena, mais ainda se falamos sobre práticas que envolvem a pele, primeiro esboço de envelope corporal construído entre o eu e seu par intersubjetivo (Roussillon, 2007).

É nesse sentido que acreditamos ser de extrema importância voltar nossas atenções para a dimensão pré-verbal existente no universo das automutilações. Se esse fenômeno se ancora no corpo, tudo que se passa nessa seara ganha um peso diferenciado. Sabemos que antes de sermos capazes de nos representarmos psiquicamente, o eu existe no e através do corpo. O corpo vem antes da palavra, das representações e dos pensamentos. Começamos a existir pelo corpo e a dimensão corporal nos constitui e nos acompanha ao longo de toda a vida.

Ao abordarmos as dimensões de mente e corpo, gostaríamos de ressaltar que não estamos defendendo uma visão hierárquica na qual a atividade psíquica teria um valor maior do que elementos advindos do corpo, ou que a elaboração psíquica é almejada em detrimento de outros recursos corporais. As dimensões do soma e da psique são parte de um só sujeito – de forma que optamos por apenas ressaltar as diferenças existentes entre esses dois registros. Corpo e mente formam um só eu, mas se desenvolvem e se expressam de formas diferenciadas.

Seguindo as contribuições freudianas sobre a temática em questão, gostaríamos de trazer à tona o conceito de eu-corporal e ressaltar o fato de que o ego não está formado desde o princípio da vida, como afirma Freud (1914/1996c) em seus estudos sobre o narcisismo. Nas palavras do autor, "estamos destinados a supor que uma unidade comparável ao ego não pode existir no indivíduo desde o começo; o ego tem que ser desenvolvido" (p. 84). Será necessário o surgimento de certa "ação psíquica", que promova o surgimento do narcisismo, para que o sujeito possa se reconhecer como ele mesmo, habitante daquele corpo e daquele psiquismo. Entretanto, se o ego não está lá desde o princípio, como ele se origina?

Em O ego e o id, encontramos a clássica frase que dá sustentação à maioria das pesquisas psicanalíticas atuais sobre o corpo e o início da vida: "O ego é, primeiro e acima de tudo, um ego corporal; não é simplesmente uma entidade de superfície, mas é, ele próprio, a projeção de uma superfície" (Freud, 1923/1996f, p. 39). Sendo assim, compreendemos que a origem do ego se dá no corpo. Se no início tudo era id, a partir do contato com o mundo externo – tendo como mediadores a percepção e os órgãos dos sentidos – uma parte do id vai se diferenciando até formar o ego (e posteriormente o superego).

Dessa forma, sublinhamos que a vida começa pelo corpo e pelas sensações com as quais entramos em contato e destacamos a importância que Freud dá à superfície da pele, considerando que o ego surge a partir do contato que temos com o mundo, mediado pelas sensações corporais. É a partir da percepção e da consciência, da maneira como sentimos e somos transformados pela nossa experiência sensorial com o mundo, que o ego se forma – e se transforma.

De acordo com Dargent e Matha (2011), as automutilações surgem em um cenário em que o acesso ao pensamento está prejudicado, de forma que o corpo é que toma a frente da cena e faz o papel de paraexcitação. Elas se caracterizariam como comportamento que externaliza no corpo uma dor psíquica pouco circunscrita, sendo uma tentativa de conter e filtrar esse excesso pulsional. É um ato de descarga que gera um alívio imediato e passageiro.

O psiquismo é afetado face ao terror do excesso pulsional, de forma que a emoção que provém do corpo não consegue tomar a forma de pensamentos. Esse fenômeno materializa e manifesta um sofrimento psíquico que não consegue ser colocado em palavras ou encontrar uma via de expressão simbólica que não seja através do corpo. É um sofrimento em que o sujeito não sabe exatamente do que se trata, uma vez que o sofrimento não está inserido em uma cadeia representacional.

Baseado nas contribuições de Bion, Corcos e Richard (2006) evocam a ideia de que o corpo é a fonte das emoções e dos pensamentos, reiterando a ideia que determinados sofrimentos não são representados psiquicamente. No que diz respeito às automutilações, estes autores relacionam esses fenômenos com a alexitimia, que seria uma dificuldade em descrever verbalmente emoções, sentimentos e sensações corporais vividos. Nesse cenário, as automutilações teriam como função uma tentativa de regular as emoções, que não conseguem ser traduzidas pelo sujeito em palavras. O que acaba jorrando para o corpo e termina como ato automutilatório seriam emoções às quais o sujeito não teria acesso verbalmente, tornando-as indizíveis, impossíveis de se colocar em palavras.

Se, na primeira infância, a emoção é transmitida através do corpo entre o par mãe-bebê, a linguagem corporal passa a desempenhar um papel fundamental na construção das emoções do bebê. Se essa transmissão não é realizada de forma satisfatória, o bebê não consegue entender suas próprias emoções, de forma que elas ficam bloqueadas e restritas ao corpo. Essas feridas não são passíveis de fala, uma vez que dizem respeito a formas de experimentar o mundo e situações anteriores à aquisição da linguagem verbal.

De acordo com Pommereau (2006), as automutilações são indícios de uma linguagem do indizível,associando-se a elas uma função de comunicação. Essa função consiste em encarnar – tornar carne – as feridas psíquicas do sujeito, direcionando-as ao corpo e à possibilidade do olhar do outro. As feridas físicas lhes instauram a esperança de serem vistos, reconhecidos e compreendidos em seus sofrimentos. Elas também denunciam os vínculos afetivos que constituem o sujeito, comunicando ao mundo algo de sua história e fazendo do corpo uma interface de troca. Complementando, podemos pensar com Chouvier (2008) que, quando o corpo ganha a cena na clínica, ele nos leva a interrogar sobre o início da vida psíquica do sujeito e suas primeiras etapas do desenvolvimento, abrindo para uma nova compreensão do que vem do soma.

Em relação a uma linguagem pré-verbal presente nas automutilações, encontramos em Roussillon (2008) uma ideia de que os atos, para além da tendência à descarga ou evacuação de conteúdos psíquicos, podem comportar ainda uma dimensão de linguagem, contendo valor mensageiro e de memória. Com base nos textos freudianos iniciais sobre as histéricas e suas atuações, assim como seus escritos mais próximos do final da vida sobre os atos psicóticos, o autor propõe ampliarmos esses estudos na direção de uma linguagem do ato.

Comportando as devidas diferenças entre as significações de cada ato, mais circunscrita aos domínios da representação ou mais arcaicos, anteriores à aquisição de linguagem verbal, o autor nos apresenta a hipótese de que os atos recontam (ou tentam recontar) uma história particular do sujeito, que por vezes nos remete à primeira infância e a um momento no qual o corpo e o pré-verbal estavam à frente da cena. Com isso, podemos pensar que o corpo conta a história das relações interpessoais das origens, dos primeiros vínculos construídos com um outro, próprios ao início intersubjetivo da vida.

Se o corpo conta a história das primeiras relações com o mundo, então estamos supondo que há um registro desses acontecimentos, que não necessariamente estão circunscritos ao psiquismo. Tendo como norte as vivências automutilatórias de nossos pacientes, podemos nos questionar acerca das memórias sensoriais que envolvem esta prática. Nesse sentido, Roussillon (2004) apresenta a hipótese de que toda comunicação de um ser humano adulto, ou já dotado de palavras, deve ser considerada em diferentes níveis e modalidades de organização, especialmente um nível pré-verbal e outro pós-verbal, que convivem lado a lado durante toda a vida.

Tanto em uma dimensão pré-verbal quanto em uma pós-verbal estão implícitos diferentes níveis de simbolização e inscrição psíquica, necessários para que essas formas possíveis de linguagem sejam adquiridas. Enquanto a simbolização linguageira (em ação no campo da comunicação pós-verbal) já teria sofrido um processo no qual a matéria bruta se transformou em símbolo, o primeiro tempo da simbolização diz respeito a experiências mais precoces vividas pelo sujeito e que teriam sido registradas de formas diferenciadas.

Propondo uma discussão acerca das origens da linguagem verbal, Golse e Desjardins (2005) evocam os dois grandes registros clássicos no domínio da comunicação: a analógica e a digital. Enquanto a comunicação analógica, também chamada de infraverbal ou pré-verbal, é responsável por veicular, principalmente, emoções e afetos, transmitindo não-verbalmente mensagens com conteúdos emocionais através de comportamentos não linguísticos (através de mímicas, olhares e gestos); a comunicação digital diz respeito a conceitos, veiculando constructos mais globais através da transmissão verbal de mensagens com conteúdos conceituais ou ideativos, através de comportamentos linguísticos (a própria fala, palavras, frases e locuções verbais).

Na mesma direção proposta por Roussillon, Golse e Desjardins (2005) consideram que esses diferentes níveis e modalidades de comunicação não devem ser compreendidos hierarquicamente, no sentido de que um passaria a substituir o outro, mas que ambos se complementam após a aquisição da linguagem verbal. A ideia seria conjugarmos ambos os níveis com o intuito de acumular elementos diferentes que auxiliariam ainda mais a mensagem passada, aumentando as chances de sua compreensão pelo interlocutor. Levando em consideração as diferenças dos elementos infraverbais e linguísticos, podemos apostar na importância da singularidade de ambos os campos para que o sucesso do alcance da mensagem possa ser ainda maior.

No que concerne ao registro das experiências no psiquismo, Freud (1950[1896]/1996a), na Carta 52, descreve de forma esquemática algumas formas de registro da memória, destacando quatro níveis de registro. No contexto do presente trabalho, nos interessamos em explorar os elementos Wz, os chamados índices de percepção, nos quais encontramos os primeiros registros perceptivos, que ainda não acederam ao verbal. Esses seriam compreendidos como signos não ligados e não estariam, ainda, inscritos no sistema inconsciente. Eles adotariam a forma de índices ou marcas e, em última instância, darão lugar a uma memória da ordem das marcas e das impressões, e não de traços representativos. Diferentemente do traço, a impressão não pressupõe uma inscrição, configurando um tipo diferenciado de memória, mais próxima dos elementos sensoriais (Cidade & Zornig, 2016).

A partir desse esquema, diversos autores equivalem o processo de simbolização à passagem das representações-coisa às representações-palavra. Mais recentemente, tem havido um movimento que propõe ampliar a compreensão dos processos de simbolização, pondo a ênfase não apenas na passagem das representações-coisa às representações-palavra, mas incluindo também a transformação dos índices de percepção em representações-coisa. Baseado neste movimento de ampliação, Roussillon (1999) divide os processos de simbolização em primários e secundários. As experiências próprias a um primeiro tempo de simbolização, o autor chamou de processos de simbolização primária, contribuição à Psicanálise que surge como tentativa de ampliar teoricamente os alcances da teoria da simbolização e da representação.

Visando à construção do conceito, Roussillon (1999), baseado no esquema de memória apresentado por Freud na Carta 52, aponta que existem dois níveis de trabalho de simbolização ocorrendo entre os três registros mnêmicos: uma primeira transformação dos índices de percepção em representação-coisa; e uma segunda, das representações-coisa em representações-palavra. Os processos de simbolização demonstram como as diferentes experiências vividas pelo sujeito são registradas e evocadas – seja no corpo, seja no psiquismo, seja em ambos. Enquanto as experiências próprias aos processos de simbolização secundária teriam sido registradas também no psiquismo, as experiências próprias aos processos de simbolização primária teriam sido prioritariamente registradas, sobretudo, no corpo, como memória perceptiva.

Em seu artigo sobre as lembranças encobridoras, Freud (1899/1996b) aponta que as experiências vividas nos primeiros anos da infância deixam marcas indeléveis em nós, apesar de não conseguirmos ter acesso exato a elas. O autor se refere a estas experiências como "impressões precoces" e diz que este efeito enigmático do que se passou é justamente o infantil que perdura em cada um de nós e que os vividos não necessariamente deixarão uma imagem mnemônica guardada em nossa memória. Sendo assim, não seria o registro na dimensão do corpo que Freud estaria evocando nessa passagem?

Em Moisés e o monoteísmo, Freud (1939[1934-38]/1996g) retoma a noção de impressões precoces e ressalta que as primeiras experiências são as que mais nos marcam, aquelas que remontam a um tempo bastante inicial da infância. Destas, só podemos guardar impressões, uma vez que nem sempre temos acesso ao aparelho de linguagem quando elas acontecem. Porém, estas impressões podem ser bastante fortes e ficariam atreladas ao corpo próprio ou às percepções sensoriais vividas pelo sujeito, em especial aquelas de ordem visual e auditiva. Complementando, Fontes (2010) aponta que o conceito freudiano de impressões precoces diz respeito à receptividade do dispositivo pulsional e psíquico em relação ao que foi vivido, de forma que a impressão seria uma consequência direta da experiência vivida.

Após esta breve exposição teórica, podemos afirmar que as experiências vivenciadas precocemente deixam marcas em níveis diferentes daqueles da vida adulta, se inscrevendo em formato pré-verbal, da ordem do arcaico e do sensorial. Gostaríamos de sublinhar que estas produzem efeitos no desenvolvimento de todo sujeito, de modo que não se tratam de experiências estanques, com começo, meio e fim, mas de formas de se relacionar e de estar no mundo que se encontram presentes ao longo de toda a vida.

 

Considerações finais

A importância atribuída ao corpo como local privilegiado de sofrimento traz um ponto de contato importante na Psicanálise entre os fenômenos automutilatórios e o período da adolescência, momento de prevalência de aparição destas práticas. Abordamos a relação existente entre as automutilações na adolescência e as diversas ressignificações próprias a este momento da vida, na qual o corpo púbere e as novas correntes pulsionais vêm à tona e exigem um árduo trabalho de mudanças. Dificuldades em lidar com os remanejamentos próprios da adolescência (corporais, psíquicos e sociais) podem se configurar como uma ameaça de perda da integridade narcísica mediante tantas transformações no processo de construção identitária. Diante desse cenário, encontramos a automutilação como uma saída radical de recurso ao corpo diante de um psiquismo que não dá conta do excesso pulsional que o invade, na tentativa de conter e de dar destinos a essa carga.

Todavia, se, na adolescência, encontramos uma exigência de trabalho psíquico com o intuito de ressignificar o corpo e o sexual que surgem com uma novidade, ressaltamos que as automutilações encontradas na adolescência também nos dão notícias de um sofrimento psíquico que é anterior a esse momento, mas que está sendo ressignificado junto com o trabalho da adolescência. Sublinhamos que fenômenos clínicos que passam pelo corpo ou pelo ato podem ser testemunhos de um arcaico ainda vivo e sempre atuante na vida psíquica dos sujeitos.

Dessa forma, as automutilações na adolescência também comportam uma dimensão arcaica, de vivências relacionadas a problemáticas narcísicas e a construção da subjetividade. Essa dimensão faz referência a períodos anteriores à aquisição de linguagem pela criança, quando a operação de diferenciação eu/não-eu está em pleno desenvolvimento. Apostamos na ideia de que os fenômenos automutilatórios, apesar de causarem dor e sofrimento, também constituem o sujeito, em sua maneira mais primitiva de ser. Estas autoferidas sustentam algo de suas vivências precoces, auxiliando-os a manterem-se vivos, a sentirem que existem e são contínuos ao longo do tempo e do espaço. Esta aposta esteve na base da construção do presente trabalho como um todo, entremeando o diálogo entre os fenômenos de automutilação e o estudo da constituição psíquica.

 

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Recebido em setembro de 2020 – Aceito em março de 2021.

 

 

Revisão gramatical: André Luiz Alexandre do Vale.
E-mail: alavale88@gmail.com

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