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Psicologo informacao

Print version ISSN 1415-8809

Psicol inf. vol.10 no.10 São Paulo Dec. 2006

 

Artigo

 

 

Relação mãe-bebê logo após o parto e na amamentação: a identificação projetiva realista, pelos sentimentos e sensações do observador*

 

The mother-child relationship right after labor and during breastfeeding: the realistic projective identification through observer’s feelings and sensations

 

 

Cíntia Helena Bulgarelli Freitas**; Mirian Ângulo***

Universidade Metodista de São Paulo

 

 


RESUMO

Este trabalho apresenta a aplicação de um recorte do método de observação mãebebê (ORMB), de Esther Bick, no contexto hospitalar. Teve por objetivos verificar como se dá a comunicação entre mães e seus bebês logo após o parto e em situação de amamentação, ainda no ambiente da maternidade e se há um padrão nessa comunicação. Para isso, foram observadas duas díades (mãe-bebê). A análise dos dados coletados indicou que, já em seu início, a relação extra-uterina de cada díade tem uma qualidade única e que cada criança possui um jeito muito próprio de desenvolver uma comunicação com sua mãe. Entretanto, alguns sentimentos e sensações da observadora foram comuns nos dois relatos, o que pode evidenciar, de acordo com o método preconizado por Bick, que algumas experiências foram comuns às duas díades. De um lado, os desagradáveis, originados da interferência direta negativa de terceiros na relação da díade e pelas tentativas "frustradas" da mãe de encaixar o bico do seio na boca do bebê e deste, de pegá-lo. De outro, os agradáveis como bem-estar e tranqüilidade, traduzidos pelo "torpor", sonolência experienciados pela observadora (que poderiam ser os do bebê), pela influência direta positiva de terceiros e pelos sentimentos de fascinação e de encantamento nas situações de cumplicidade da mãe-observadora.

Palavras-chave: observação da relação mãe-bebê; Bick; identificação projetiva realista.


ABSTRACT

This article presents an outline’s application of Esther Bick’s infants observation method, in a hospital context. The purposes were to verify how the communication takes place among mothers and their babies rigth after labor and during breast-feeding, still in the maternity ambient, and try to find out standards in this type of communication. For those aims, two dyads (motherbaby) were observed. The data analysis indicated that, right in the beginning, the extra-uterine relationship between mother and her baby has a singular quality and each infant has a very particular way to develop this communication with his mother. Nevertheless, some observer’s feelings and sensations were common to both reports, which becomes evident, according to the method preconized by Bick, that some common experiences occoured among both dyads. On one hand, the unpleasant ones, derived from the external negative direct interventions in the dyads relationship, from the mother’s frustrated attempts to fit her brest nipple into the baby’s mouth or from the baby’s attempts to take it. On the other hand, the pleasant ones like confort and peace manifested by the observer’s torpor and sleepiness (which could be the baby’s ones), by the external positive direct interventions and by the fascination and enchantment during the situations of complicity between mother and observer.

Keyword: mother-child relationship observation; Bick; realistic projective identification.


 

 

Tudo acertado para o estágio no hospital e, finalmente, chega o momento de conhecer o local. Na enfermaria da maternidade, a percepção torna- se mais aguçada e tudo parece bem característico: choros de bebês, alguns mais estridentes, outros mais discretos, sobressaltos silenciosos durante o sono, bocas que sugam, olhares de mães que contemplam sua criação, andares vagarosos de quem trabalhou muito para dar à luz e trazer para a concretude do real a criança antes idealizada, o "entra e sai" de profissionais cumprindo suas rotinas. A percepção torna-se aguçada e, nesse momento, delineia-se o caminho do psicólogo-investigador, que se pergunta: Esses bebês podem se comunicar? Parecem tão frágeis... Mãe e bebê conseguirão se entender? Como se dá esse processo, uma vez que o mundo simbólico ainda não se constituiu e a comunicação por palavras ainda não se faz presente? De fato, houve um tempo na história em que os bebês eram considerados apenas pequenos seres inanimados.

Esses questionamentos e muitos outros "fervilham" na cabeça, e o primeiro passo é observar. Mas como fazê-lo? Nesse momento, é necessário escolher uma única pergunta, cuja busca por respostas será, como aprendemos, apenas um recorte da realidade que permitirá o trabalho de pesquisa: como se dão os contatos entre o bebê e sua mãe, após o parto e em situação de amamentação, ainda no hospital?

Buscando fontes relacionadas ao assunto, o psicólogo-investigador se depara com os estudos sobre observação de bebês e surpreende-se ao saber que sua percepção e seus questionamentos já foram também de outras pessoas, que muito contribuíram para a ampliação desse conhecimento. Conforme Spitz (2004), Darwin, no ano de 1872, relatou a primeira observação dessa natureza ao classificar as depressões que afetam os bebês.

Além disso, é fato que psicanalistas como Melanie Klein (1969), Esther Bick (1964), Martha Harris e Donald Meltzer apud Amorim (2004), entre outros, têm se voltado para a pesquisa nesse campo ao longo do tempo. Freud (1909) acreditava que a observação direta de crianças, enquanto método investigativo, poderia fornecer informações sobre suas primeiras relações objetais e esse tipo de observação foi reconhecido por Anna Freud (1987) como método científico.

Esther Bick desenvolveu o método de observação da relação mãe-bebê (ORMB) a partir de 1948. No início, foi aplicado na clínica Tavistock, em Londres, para propiciar ao aluno em formação psicanalítica o contato com a observação e desencadear um processo de aprendizagem. Amorim (2004) enfatiza que, ao se colocar à mercê de suas sensações, sentimentos e, até mesmo, no lugar do sujeito observado, o observador pode disponibilizar, internamente, recursos para seu próprio processo analítico.

De acordo com Amorim (2004) a divulgação posterior do método deveu- se a Martha Harris e Donald Meltzer, supervisionandos de Bick. Sua descrição detalhada encontra-se no artigo "Notes on infant observation in psychoanalitic training", de 1964. No Brasil, o método foi divulgado por Ligia Alcântara Amaral.

Para fundamentar este trabalho, além da técnica da observação propriamente dita (a partir do material observado, os sentimentos contratransferenciais desencadeados no observador serão base para possíveis discussões em supervisão), recorreu-se à base teórica kleiniana, no que diz respeito à formação do ego, já que a própria ORMB tem suas raízes nessa teoria (Bick foi supervisionada por Melanie Klein) e ao conceito de identificação projetiva realista, formulado por Bion (1988).

Sabe-se que o desenvolvimento corporal aliado a fatores ambientais constitui a realidade psíquica do ser humano. Ao contrário das outras espécies, o ser humano é completamente dependente ao nascer, não dispondo de aparatos suficientes que lhe permitam sobreviver. A mãe, na categoria de objeto externo, é, portanto, fator fundamental para sua sobrevivência e para a constituição dessa realidade psíquica.

Klein (1969) preconiza que, logo ao nascer, o bebê entra em contato com suas primeiras necessidades físicas e orgânicas e esse contato suscita no bebê um medo de desintegração (ansiedade de morte). Diante desta necessidade orgânica, instala-se no bebê uma luta psíquica entre os instintos de vida e de morte, onde ele se organiza tanto para satisfazê-las como para negá-las. Neste sentido, a autora esclarece que o bebê possui forças pulsionais (de amor e de ódio) que, ao ameaçarem sua integridade, geram a ansiedade de aniquilamento e suscitam a projeção e introjeção de fantasias e o fenômeno da identificação projetiva.

Para essa autora, a existência do ego é anterior àquela proposta por Freud (1923) e as relações objetais, mesmo que parciais, ocorrem logo nas primeiras situações de amamentação. A mãe, mesmo enquanto objeto parcial (seio) é o primeiro objeto interno do bebê. A estruturação psíquica se dá a partir de um interjogo de fantasias. Essas, conforme Segal (1993), são a expressão da satisfação das pulsões tanto de vida como de morte, assim como de aspectos defensivos contra realidades dolorosas. Elas constituem, ainda, a base da estrutura da personalidade (ego, superego e personalidade narcísica), já que o objeto, para ser internalizado, depende de suas projeções e introjeções e das identificações projetivas. Quanto mais nova a criança, maior o predomínio de fantasias.

O desenvolvimento da personalidade é diretamente proporcional à evolução e às mudanças na vida de fantasia. Conforme Segal (1993), deve haver, ao longo do processo, uma diferenciação entre percepções de fantasia e de realidade e a superação da onipotência primitiva, com a redução e alteração em conteúdo e intensidade das identificações projetivas (passando da posição esquizoparanóide para a depressiva). Essa evolução, que torna as fantasias mais complexas, dependerá da capacidade do indivíduo em tolerar as discrepâncias entre a realidade e as fantasias onipotentes e do meio externo em aceitar as oscilações que ocorrem devido a essas discrepâncias. Quando na posição depressiva, é possível ver-se separado do objeto e sentir culpa pelos impulsos e fantasias de destruição desse objeto. Nesse momento, impulsos e fantasias são reprimidos, tornando-se inconscientes e dando origem à sublimação. O pensar é uma atividade mental superior decorrente dessa capacidade de sublimação, é um interjogo entre fantasia e realidade, onde as fantasias são hipóteses testadas na realidade.

A idéia da identificação projetiva como fenômeno realístico, de Bion (1988), vem enriquecer este trabalho:

Quando sob forma de atividade realista, a identificação projetiva manifesta-se como conduta que premeditadamente visa a despertar na mãe sensações das quais o bebê deseja livrar-se. Se o bebê sente que está morrendo, pode despertar na mãe o receio de que ele esteja morrendo. A mãe equilibrada consegue aceitar esse temor e reagir terapeuticamente; isto é, de modo a fazer com que o bebê sinta estar recebendo de volta a sua própria personalidade amedrontada, mas de uma forma tolerável. Os temores passam a ser manejáveis pela personalidade do bebê. Se a mãe não puder tolerar tais projeções, o bebê não terá outra alternativa senão o recurso à contínua identificação projetiva, levada a cabo com força e freqüência crescentes (p. 105).

Conforme Perestrello et al. (1979), com ela, a fantasia onipotente do bebê, proposta por Klein, torna-se mais ampla: a onipotência ocorre, de fato, no contato com a realidade, ou seja, na relação com a mãe.

Entendemos que a ORMB é um meio, pelo mundo objetivo, de buscar a apreensão de importantes aspectos no mundo intrapsíquico. Além disso, segundo Bion apud Amorim (2004), por meio desse método de observação é possível intuir e reconhecer a presença da identificação projetiva. Meltzer apud Perestrello et al. (1979), também precursor de Klein, definiu a identificação projetiva como o nome de uma fantasia inconsciente onipotente que afeta as relações entre as partes do self e dos objetos tanto no mundo interno como no mundo externo.

Por esses motivos, este trabalho busca compreender como se dá a comunicação entre mães e seus bebês, logo após o parto e em situação de amamentação, ainda no ambiente da maternidade, e se há um padrão nessa comunicação, por meio da aplicação de um recorte do método de observação da relação mãe-bebê (ORMB).

 

Método

Por ser uma pequena experiência em que se aplica o método de Bick (1964), foram observadas apenas duas díades (mãe-bebê). O número de sujeitos e a situação foram reduzidos por se tratar de um recorte do método, já que ele preconiza, originalmente, uma observação semanal em ambiente familiar, por dois anos para os objetivos originais para os quais foram propostos, ou seja, para a aprendizagem e a formação de analistas.

Participantes
As duas mães foram escolhidas, aleatoriamente, na enfermaria da maternidade e comunicadas de nossa intenção de observar. Ao concordarem em participar, assinaram o termo de consentimento esclarecido, cujo teor deixava claro os objetivos da observação: a aprendizagem da autora, a pesquisa, a não interferência direta na situação e a manutenção do sigilo.

Local
As observações ocorreram ainda na sala de parto e na enfermaria de alojamento conjunto de uma maternidade.

Procedimento
A técnica consistiu em descrever, por meio de um relato escrito, de preferência imediatamente após o contato com cada díade, o que se observou, sentiu e percebeu em termos de comportamentos verbais e não-verbais da mãe para com seu bebê e para com a observadora, de movimentos e reações do bebê e de interferências externas à díade (mãe-bebê) ou tríade (mãebebê- observadora), a fim de compreendê-los à luz das teorias nas quais o trabalho se fundamentou.

As anotações foram vedadas durante a observação para que a observadora pudesse ficar mais livre e sentir o impacto da experiência. Amorim (2004) associa tal atividade ao conceito de atenção flutuante, o que implica, ao mesmo tempo, em observar o externo e mergulhar na situação. Foi a partir dos sentimentos e sensações da observadora, ora de um lado (bebê), ora de outro (mãe), que o relato pôde ser descrito.

Uma vez que as situações aflitivas e angustiantes são vivenciadas intensamente durante as observações e que, para descrevê-las na íntegra é necessário que as compreenda, o trabalho analítico torna-se pré-requisito para a observadora.

A observadora não esteve, de forma alguma, isenta de sentimentos e ansiedades ao observar as duplas. Sabe-se ser impossível tal isenção neste tipo de observação, já que em muitos momentos tanto as situações aflitivas da mãe como as experiências angustiantes do bebê são indubitavelmente vividas pela observadora. Houve, portanto, o que Kompinsky (2000) chamou de uma relação observador-dupla-mãe-bebê, que teve de ser levada em consideração, mesmo sem a interferência direta dessa observadora. Cabe ressaltar que, embora a interferência não seja direta (objetivo antes almejado pelas correntes teóricas empiristas comportamentalistas no processo de observação), a simples presença da observadora no ambiente já interfere com o objeto de observação. Segundo Minayo (2004), a observadora interfere dinamicamente no conhecimento da realidade, mesmo que cuide dos aspectos teóricos e práticos envolvidos em sua pesquisa.

Uma outra questão bastante significativa foi considerada ao cogitar-se sobre a observação ainda em ambiente hospitalar: se, de um lado, a maternidade é uma experiência única para a mãe, de outro se trata de um conceito muito idealizado pelo meio social. Este exige da mãe um saber que supera sua realidade concreta e a mobiliza para a assertividade a qualquer custo. Acrescente-se a isso sua situação de interna (hospital), suas dores, seus medos e suas angústias, especialmente as de castração, esvaziamento e lactação e o resultado será algo que ela não dá conta e que pode, inclusive, levá-la a um processo depressivo, trazendo conseqüências negativas, em curto prazo, para o vínculo mãe-bebê (especialmente no que se refere à amamentação) ou até mesmo a uma psicose puerperal.

 

Resultados e discussão

Participante D. 38 anos, terceiro filho (JF), parto normal.
Dr. S – obstetra
Dra. AC – neonatologista
enfermeira
observadora

1ª OBSERVAÇÃO, AINDA NA SALA DE PARTO.

Ao ser chamada pela Dra. AC desço ao centro cirúrgico e coloco a roupa especial para entrar na sala. A preocupação com a assepsia no hospital é muito grande e, nesse instante, procuro fazer tudo corretamente, sentindo medo de fazer algo errado, de ser inconveniente ou intrusiva, tanto com a equipe como com a parturiente. Entro na sala de parto e a paciente já está na fase de expulsão. Dr. S. solicita que D faça força para que o bebê saia. Ela, por sua vez, diz: "Me ajuda, não vou agüentar". A Dra. AC diz que falta pouco, que o bebê já está nascendo e que é para que ela faça força. D faz força e solta um gemido alto, falando em seguida: "Me ajuda". A Dra. AC avisa para que ela não gaste energia à toa e jogue o ar para a barriga. O Dr. S informa que só falta um pouco e que a cabeça já saiu.

Na sala, não sei onde me colocar e fico a uma distância "ótima", de onde posso ver a mãe. Meu medo é, ainda, de ser intrusiva, afinal, estou em um local que não é o meu espaço e a situação é completamente nova para mim.

O bebê nasce e o Dr. S comenta com a Dra. AC, em jargão médico, que o cordão umbilical estava enrolado no bebê e que havia mecônio misturado ao líquido amniótico. O mecônio é um material fecal de cor esverdeada e escura, normalmente expelido nas primeiras 12 horas após o parto. Se for expelido durante o parto, pode indicar sofrimento fetal. A Dra. AC faz um sinal para mim e eu entendo que não posso olhar o médico enquanto ele faz o parto. Estou numa posição onde vejo ambos: a mãe fazendo força e o bebê saindo. Ao ver seu sinal, vou para o lado em que posso observar mais a mãe (mais tarde, ao perguntar sobre o que ela havia me sinalizado naquela hora, fui informada de que o que estava querendo me comunicar é que talvez o bebê não fosse colocado para mamar por ter nascido em meio ao mecônio).

Dr. S informa à mãe que ele é um "prematurinho", mas que está muito bem. D pergunta se ele é pequeno e o médico responde que não. A Dra. AC completa: "Não, ele é grande. Vou levá-lo para limpar e já te trago, tá?". Ela leva o bebê para a sala ao lado.

D começa a conversar enquanto o Dr. S. faz os procedimentos:

D – Mas agora vocês avisam o A (marido), né? Achei esse parto mais difícil.
Dr. S – É mesmo?
D – Demorou prá passar, senti muitas dores. O Sr. vai fazer a laqueadura agora, não vai?
Dr. S – Vou, vou te dar a anestesia e daqui a pouco já faço.

A Dra. AC traz o bebê e o coloca no peito da mãe, que ainda está na posição obstétrica (deitada) e as duas iniciam um diálogo:

Dra. AC – Você achou que ele fosse pequeno. Que nada! Ele é grande. Eu estou colocando ele aqui para que vocês tenham esse primeiro contato. Às vezes, ele não vai sugar, vai só ficar "namorando" você.
D – (olha para o bebê e acaricia sua cabeça) Ele ainda tá com sangue?
Dra. AC – Não, é sujeira do parto. Depois ele vai ficar mais limpo.
D – Oh, bebê, vou ter que começar tudo de novo, né, meu filho? (volta- se para a Dra. AC) Eu tenho uma de 15 anos e outro de cinco.
Dra. AC – Olha a mão dele, que "mãozona"!

O bebê chora e a Dra. AC tenta direcionar a boca dele para o peito da mãe, virando a cabeça. Ele abre a boca pega o bico e se acalma. Algumas vezes, solta o bico e a Dra. AC direciona a cabeça dele novamente.

Essa tentativa de encaixe me traz uma certa angústia e eu torço para que o "encaixe" ocorra. Mesmo não sugando, o bebê se acalma. Essa sensação de calma do bebê pode ser compartilhada comigo: vendo-o se acalmar, eu também me acalmo. A mãe passa a mão dela na "mãozinha" do filho, que repousa sobre o peito dela.

Percebo que a mãe tem necessidade de falar: da experiência do momento, de seus outros filhos que deixou em casa e daquilo que observa no bebê (primeiras impressões):

– Fala sobre seu filho mais novo, de cinco anos, que vem fazendo cocô na calça todos os dias, o que é prontamente interpretado como ciúmes por ela e pela enfermeira assistente.
– Fala, também sobre a cor do cabelo, que esperava ser mais claro e que, no entanto, percebe mais escuro.

O último diálogo antes do término da observação:

D - Já sei porque é que vocês fazem isso (refere-se a colocar o bebê no peito da mãe ainda na sala de parto): é para aliviar...
Dra. AC – A dor?
D – É. Depois de alguns segundos, a Dra. AC leva o bebê novamente para a sala ao lado, informando à mãe que ela estaria com ele em breve. Enquanto isso, o Dr. S insiste para que D não se mexa, pois assim, está atrapalhando.
Vários pensamentos transitam pela minha cabeça. Revivo uma forte lembrança do meu primeiro parto, quando senti uma grande necessidade de falar, de tornar aquele momento único. Um desejo de falar "tudo de uma vez". Como se isso fosse possível!

 

Comentários

O sentimento de angústia suscitado na observadora, durante a tentativa de encaixe da boca no peito, pode estar relacionado a uma sensação de desproteção do bebê por não conseguir concretizá-lo (encaixe), mesmo que momentaneamente. A observadora, por meio de um sentimento contratransferencial, sente-se no lugar do bebê muito mais do que no da mãe. Isso pôde ser administrado emocionalmente por ela no momento em que ocorreu.

A mãe apresenta um estado racional ao falar dos outros filhos, que remetem a observadora a um sentimento de indignação: "Como ela pode estar falando dos outros num momento tão único?"

A mãe, por sua vez, menciona o filho de cinco anos que está "regredindo". E a culpa por ter agora outro para cuidar, dar atenção? O que fazer sobre isso? Essas sensações e esses sentimentos podem, muitas vezes, estar misturados, pertencendo à observadora, à mãe e ao bebê.

A pediatra facilita o contato da mãe com o bebê e a mãe que, agradecida, verbaliza seu alívio. Alívio que parece dela e não do bebê. Ela sofre, pois no momento do contato íntimo com seu filho, volta-se para ela mesma, como se não pudesse pensar outra coisa. A dor. Qual? Não seria dos sentimentos, das emoções, das queixas, da culpa em relação aos outros filhos? Ou ainda, da dor da separação deste que acaba de nascer? Afinal, que dor? O "é", como resposta, serve para não entrar em detalhes sobre essa dor e deixar tudo como está.

A necessidade de falar da mãe remete a observadora à vivência de um de seus partos. A identificação com essa mãe, mais uma vez se faz presente. Sabe-se que não há como falar tudo, nem de uma vez, nem em várias vezes! O que ocorre aqui é uma necessidade da observadora de integrar esse momento, tão singular e subjetivo, em palavras que jamais poderão ser ditas a alguém. Talvez porque sejam únicas e expressem um momento de intensa emoção. Escrever a emoção é algo absolutamente complicado.

2ª OBSERVAÇÃO, NA ENFERMARIA DA MATERNIDADE.

Chego à enfermaria, na ala da maternidade, onde há três mães com seus bebês; entre elas, D, que me diz: "você chegou bem na hora". Ela está em pé, com o filho no peito, próxima à janela, pois o calor é intenso. Ao entrar, minha sensação é de que estou invadindo um espaço que não é meu.

D senta-se na poltrona e eu na escada da cama. Ela passa um lenço umedecido na cabeça do bebê, enquanto ele suga o peito com bastante avidez. Primeiro, D oferece o seio esquerdo. Ele suga, enquanto D acaricia uma de suas mãos e a coloca sobre seu seio.

Ao observar, me impressiono: "Nossa! Como suga! Parece um bezerrinho!". Fico fascinada com aquele sugar vigoroso. A boca dele se encaixa perfeitamente no seio da mãe. De vez em quando, dá uma parada, descansa, voltando a sugar intensamente. Há momentos em que meus olhos parecem "embassar", como se eu estivesse com sono. Nesse estado, me pergunto: "O que está acontecendo?" Parece um "torpor" que só se dissipa quando o olhar de D cruza o meu e sorrimos uma para a outra.

A televisão está ligada (ouço o som, mas não a vejo). D olha, de vez em quando, para a tela. Posso ouvir, ao longe, diálogos, murmúrios. Minha atenção está totalmente voltada para o mamar; mantenho meu olhar sobre o encaixe boca-seio, que me fascina.

Depois, o momento de D colocá-lo para arrotar. Ela se levanta e o mantém na posição vertical por alguns segundos. O bebê começa a mexer sua boca e tenta "sugar" a fraldinha que está no ombro da mãe. D verbaliza: "Você quer mais, é?". Ao falar isso, oferece o seio direito a ele que, de pronto, suga com avidez. Mais uma vez, o encaixe boca-seio e aquele torpor. Uma sensação, misto de tranqüilidade e fascinação. O tempo para por mais alguns segundos. De vez em quando, ele para de sugar (percebo isso pelo movimento de suas bochechas) e respira, parece dormir. D mexe em seu seio e ele volta a sugar. Seu corpo corado, sua boca mexendo, saboreando o peito e o leite e sua concentração na tarefa me deixam maravilhada! De vez em quando, uma troca de sorrisos entre a mãe e eu.

O bebê adormece. D o coloca na cama e diz: "Olha como suga! Parece que vai esvaziar tudo".

A mãe anuncia que o horário de visita está próximo e que deseja tomar um banho para ficar "cheirosinha". Despeço-me ali. A mãe consegue captar coisas que talvez não me desse conta de comentá-las em apenas um encontro!

Por conta de sua perspicácia e sensibilidade materna, essa mãe recebeu alta antes do previsto, o que me proporcionou apenas a possibilidade de duas observações, certamente ricas em detalhes.

 

Comentários

O primeiro comentário da mãe: "você chegou bem na hora" reflete a permissão que ela dá à observadora para observá-los (mãe e bebê) e "sentir a mamada acontecendo"..

Embora a observadora tenha "se convidado" para esse encontro, obteve autorização da mãe para tal, ganhando o espaço. A sensação de intrusão pode ter sido decorrente da presença de outras mães na enfermaria.

O sorriso, no encontro de olhares entre mãe e observadora, confirma a autorização para observá-los. Além disso, ao olharem-se confirmam uma cumplicidade "materna". Isso garante um sentimento de acolhimento de ambos os lados.

Dentro deste estado de torpor relatado, é provável que a observadora identifique-se muitas vezes com o bebê e isso a faz ter sonolência e entrar em uma espécie de estado "anestésico" por conta das sensações e do processo regressivo em que se coloca (satisfação das pulsões). Isso pode ser prontamente resolvido quando a mãe olha para ela e sorri! Nesse momento, ela volta a ser a observadora e também a mãe de seus filhos!

Para Farias apud Kompinsky (2000), o observador precisa lidar com as ansiedades que a relação lhe desperta sem, no entanto, interferir nela, procurando ser continente dele mesmo e, assim, poder ser continente da mãe.

Participante T. 19 anos, primeiro filho (C), parto normal
Dr. A e Dra. C– obstetras
Dra. AC – neonatologista
Enfermeiros (três)
observadora

1ª OBSERVAÇÃO AINDA NA SALA DE PARTO

No momento em que estou na sala de pré-parto para me informar sobre a evolução do trabalho de parto de T, percebo que já se encontra na fase de expulsão. Vou até o vestiário e troco rapidamente a roupa, dirigindo- me à sala de parto. Lá, já estão A Dra. C, o Dr. A e mais três enfermeiros, que preparam T para a anestesia raquidiana. Fico lá por alguns segundos e saio, aguardando a Dra. AC.

As conversas na sala são as mais diversas, há muita alegria e excitação por parte da equipe: fazem piadinhas, riem, enquanto trabalham. Enquanto aguardo a Dra. AC que está ao telefone, fico do lado de fora da porta. Entro quando ela me sinaliza que posso fazer isso.

C nasce rapidamente, com o incentivo da Dra. C e de todos da sala, sendo levado para a sala ao lado.

Ao trazê-lo de volta, a Dra. AC o coloca no peito da mãe para o primeiro contato. A mãe fica em silêncio e, à volta dela, todos falam. O Dr. A e a Dra. AC tentam encaixar o bico do seio da mãe na boca do bebê, que resmunga. Fica uma fração de segundo e resmunga. O foco ali não é o bebê, mas as conversas, as risadas: "Olha, você está aprovada como parturiente. Vou pegar seu telefone para que volte o ano que vem". Enquanto falam, o Dr. A literalmente enfia o bico do seio na boca de C, de forma abrupta.

Minha sensação é a de que o bebê está se engasgando com aquela investida do seio em sua boca. Ele resmunga e eu tenho vontade de dizer: "Não afoga a criança com o bico desse jeito". Enquanto isso, o Dr. A fala: "Pega aí, bebê, pega". Eu me pergunto: "Essa mãe não vai tocar o seu bebê?". Quando o Dr. A se desvia de sua "tarefa" é que me emociono: a Dra. AC ajeita o bebê no peito da mãe para que ela possa acariciá-lo. Fico fascinada! A mãe, até então passiva na situação, acaricia e beija seu filho em várias partes do corpo, tocando sua cabeça e suas costas. Sou tomada por uma sensação de bem-estar "indizível". Nesse momento, T demonstra sua paixão por C. Agora me vem aquela sensação gostosa de quando estava apaixonada, dava o primeiro beijo, o primeiro olhar enamorado em quem, de certa forma, já sabia que existia, mas ainda não havia tocado, acariciado (a definição de um encontro amoroso). Um silêncio se instala entre mãe, filho, a Dra. AC e eu.

Logo depois, C é levado.

 

Comentários

O silêncio ao qual se refere a observadora se dá no momento em que, como uma imagem, a cena presenciada de afeto entre mãe e filho, o encontro (figura), se sobressai do que acontece na sala (fundo). A observadora se percebe parte da cena, sentindo-se receptiva aos carinhos da mãe, identificando-se com o bebê, também receptivo. Ao ver a cena, o sentimento é de fascinação.

Nesse caso, a médica é preparada para esse "tipo de trabalho" e sua postura, entendendo as necessidades da díade, toma o bebê para si, tirandoo da situação em que se encontra (vulnerável, à mercê das brincadeiras e comentários do Dr. A) e o devolve para a mãe.

A mãe, enquanto não toca seu bebê, não se apropria dele, ficando numa situação passiva, como expectadora. A partir da "permissão" dada pela Dra. AC, pela sua atitude e preparo para a entrega do bebê à mãe, esta pode efetivamente tomá-lo como seu, tocando-o, acariciando-o.

O ato do nascimento traz momentos dolorosos e a mãe (parturiente) fica regredida, precisando de uma "suposta mãe" (Dra. AC), continente, que prontamente faz o papel protetor e , ao mesmo tempo, parece dar à mãe um reasseguramento do tipo: "Esse filho é seu e é você quem deve amamentá-lo".

2ª OBSERVAÇÃO, NA ENFERMARIA DA MATERNIDADE

Cumprimento a mãe e sento-me próxima ela, que segura seu bebê. A posição em que me encontro não parece a ideal, mas temo modificá-la, aproximando- me, com receio de ser intrusiva ou de perturbar a relação dos dois.

Quando C começa a resmungar e a mexer sua boca, T interpreta que ele está chorando pelo peito, mas não tem fome. Abre a camisola e oferece o seio ao bebê. Seu peito está enorme e eu me impressiono com o tamanho. C, ao tentar encaixar a boca no bico, agita-se, buscando-o sofregamente, funga, movimentando mãos e pés.

Depois de encaixar, alterna entre o sugar e o descansar. Enquanto isso, a mãe passa a mão em seus pés, por cima do macacão, acariciando-os. Quando nossos olhos se encontram, sorrimos uma para a outra.

Em determinado momento, durante a mamada, a fonoaudióloga avisa que fará o teste de audição e coloca o fone do aparelho de oto-emissões acústicas no ouvido de C. A boca do bebê estava encaixada no seio da mãe e S (fono) orienta para que T apóie o peito com seus quatro dedos, por baixo da mama, para que o encaixe se faça mais efetivo. Quando a mãe faz o que lhe foi orientado, C resmunga e se agita (o desencaixe se fez naquele momento), buscando o bico ansiosamente e fungando.

Nessa hora, me pergunto: "Por que interferir desse jeito?". Um sentimento de indignação, de inconformismo. Racionalmente, procurava justificar: "É o trabalho dela, deve ser assim mesmo que se procede, interferindo no aqui e agora para que a mãe aprenda".

Ao encaixar a boca novamente, C suga por alguns minutos alternando com descanso. A fono sai e fico observando por mais um tempo, em silêncio. Sinto um "leve torpor", uma tranqüilidade. Logo em seguida, o bebê adormece. A mãe verbaliza: "É, ele dormiu". Coloca-o no berço com cuidado, ajeita-o para que fique de lado, enrolando uma manta para colocar de apoio em suas costas.

C se espreguiça, franze o rosto, de olhos fechados.

3ª OBSERVAÇÃO, NA ENFERMARIA DA MATERNIDADE

De volta à enfermaria onde estão T e C. Agora, tudo parece silencioso, já que são os únicos no local. Ao chegar, pergunto se posso observar mais uma mamada. Com o consentimento dela, sento-me próxima, em um banco, de forma a vê-los (mãe e bebê). C suga, descansa e, de vez em quando, abre seus olhos, fixando-os nos da mãe, que também o fita. Nesse instante, fica difícil descrever a sensação e a única palavra que me vem ao escrever este relato é "cumplicidade". Enquanto o bebê fecha os olhos e suga, T passa delicadamente a mão pelo corpo de C (orelha, cabeça, cabelos, pés e costas) ou segura as mãozinhas dele, abrindo seus dedos retesados.

A televisão ligada fala sozinha e não afeta T, não lhe tira a atenção. Enquanto amamenta C, nem sequer dá uma olhadela para a "telinha".

De vez em quando, os olhares deles se cruzam, assim como o da mãe e o meu. Agora, por um instante, me parece que C está sorrindo: solta a boca do bico e ensaia algo que interpreto como um sorriso.

De repente, algo acontece: C começa a se contorcer e, ao mesmo tempo em que procura o bico, abrindo a boca, resmunga e mexe a cabeça. Tenho a impressão que ali se instala uma ambigüidade, pois queria, mas não queria se desvencilhar do "grande peito". T, por sua vez, coloca, insistentemente, o bico na boca dele, aperta seu seio de um lado, de outro, tentando a melhor forma de fazê-lo pegar. C se contorce. Parece que um som como "mã, mã" sai de sua boca ao contato com o bico, como um lamento. Eu fico incomodada com a situação, imaginando que aquele mesmo seio (enorme) que alimenta também pode afogar, deixar sem ar.

Depois de alguns segundos nessa situação, C desiste de lutar e pega o bico, suga um pouco e se acalma. A mãe verbaliza: "Que ansiedade". Eu me pergunto naquela hora: "De quem? Dela, dele ou minha?". Ao escutar o barulho da persiana balançando com a brisa que vem de fora, ele abre os olhos e seu olhar, mais uma vez, vai de encontro ao da mãe.

T troca C de peito e, novamente, se instala a luta para acoplar a boca no bico: mãos que direcionam o peito, boca que abre e não consegue abarcar o quanto deseja, troca de olhares enamorados entre mãe e filho.

Nesse instante, uma vontade enorme de ter um bebê e experimentar novamente a sensação de ser sugada, abocanhada, enfim, acariciada. C dorme. Despeço-me de T, agradecendo-lhe e desejando-lhe o melhor em sua relação com o filho.

 

Comentários

A observadora, em diversos momentos menciona a cumplicidade que se instala entre ela e a mãe. Kompinsky (2000) ressalta que no método ORMB, há uma troca na relação observador-mãe à medida que: a mãe se sente recebendo ao ser ouvida pela atenção e interesse do primeiro. Além disso, devido à neutralidade na atitude da observadora (discreta), ela pode ir percebendo a importância de sua relação com seu bebê.

A interferência da fono fazendo o bico se desencaixar da boca traz angústia à observadora. Há uma indignação por parte dela, que pode ser colocada em termos de identificação com o bebê. Este também apresenta sensação de incômodo, externada por seu comportamento (resmungos, agitação motora e busca pelo bico). Amorin (2004) aponta para a necessidade de despertar os técnicos na área da saúde para "a importância de um ser que sente e é afetado pelo entorno" (p. 37).

O medo foi outro sentimento que emergiu na observadora ao perceber o seio no rosto do bebê, como se fosse afogá-lo. Mais uma vez, a identificação com o bebê que resmunga e chora com essa situação.

O "leve torpor" sentido pela observadora também pode ser considerado outra identificação dela com o bebê. A sensação de bem-estar está relacionada à segurança fornecida pela mãe, que permite que o bebê, saciado, adormeça.

Houve um momento em que a observadora identificou-se com a mãe, desejando ter um bebê, querendo ser sugada por ele. Em termos de identificação projetiva, poderíamos supor que a observadora sentiu o próprio desejo da mãe (que estava sendo observada) pelo seu bebê.

Situações de cumplicidade e de um verdadeiro encontro da díade, que poderíamos supor como o início da relação vincular, são descritos pela observadora a partir de sentimentos de encantamento e de fascinação. Nesse momento, a observadora enxerga a relação como expectadora, identificandose com ambos: mãe e bebê ao mesmo tempo.

 

Conclusões

A partir da análise das observações, pode-se verificar que, já em seu início, a relação extra-uterina de cada díade tem uma qualidade única e que cada criança possui um jeito muito próprio de desenvolver uma comunicação com sua mãe e vice-versa.

Entretanto, alguns sentimentos e sensações da observadora foram comuns nos dois relatos, o que pode evidenciar experiências comuns das duas díades.

As experiências tidas como desagradáveis pela observadora, decorrentes de interferências diretas negativas de terceiros na relação da díade (durante o parto e na amamentação), ficaram evidentes. Estas se mostraram inoportunas, não condizentes com a importância que deve ser atribuída às primeiras relações da mãe com seu bebê, imprescindíveis para o estabelecimento de um vínculo saudável entre eles. O meio social e, principalmente os profissionais de saúde, devem e podem atuar como facilitadores do estabelecimento desse vínculo, utilizando-se, para isso, além de seus conhecimentos técnicos específicos, aqueles do campo da psicologia científica existentes até o momento.

As tentativas "frustradas" da mãe de encaixar o bico do seio na boca do bebê, e deste de pegá-lo, fazem parte das primeiras experiências da díade e são essenciais para o desenvolvimento psíquico do recém-nascido. Um meio social consciente ou não da importância do contato físico entre a mãe e seu bebê ao nascer, as informações adquiridas pela mãe sobre a técnica de amamentação (uma das áreas de conhecimento da enfermagem), assim como o estado físico e psicológico em que se encontra a mãe logo após o parto também podem influenciar essa experiência. Contudo, a partir das observações percebe-se que a particularidade do vínculo de amamentação estabelecido pela díade parece depender não só da disposição do meio em permiti-lo, mas também do grau de tolerância à frustração da díade durante o próprio processo de amamentação, além da capacidade da mãe de exercitar e insistir no intento de amamentar, que pode ter relação com o desejo pelo filho antes idealizado, agora real.

As sensações agradáveis como bem-estar e tranqüilidade, traduzidas pelo "torpor" e pela sonolência vividos pela observadora e que, de acordo com o aporte teórico utilizado neste trabalho poderiam ser as do bebê, denotam a importância da satisfação das necessidades pulsionais no início da vida extra- uterina, seja pela mãe, que toca o bebê, que conversa com ele, que se questiona sobre o que ele está lhe requisitando ou, de forma indireta, pela influência positiva de terceiros na relação, permitindo que a mãe exerça plenamente seu papel, que se "aproprie de sua cria" e dê a ela aquilo que deseja dar, à sua maneira.

Já os sentimentos de fascinação e de encantamento nas situações de cumplicidade mãe-observadora caracterizam a intensidade de envolvimento requerida na observação, mesmo que por um curto período de tempo, como foi o caso. Vale salientar que o psicólogo inserido na área hospitalar, ao identificar essas peculiaridades de comunicação entre a mãe e seu bebê na situação de amamentação por meio da observação e, ao verificar os sentimentos e sensações que lhe despertam, adquire subsídios para melhor intervir, quando necessário, a fim de facilitar o estabelecimento do vínculo entre ambos. Esta tarefa não é tão simples quanto sugere a escrita, afinal estão em jogo relações importantes mãe/bebê e bebê/mãe, bem como as peculiaridades do ambiente hospitalar, especialmente no que se refere aos procedimentos e intervenções dos diversos profissionais de saúde envolvidos. A sensibilidade, a disponibilidade da observadora e um olhar clínico podem assegurar esse encontro único, rico em detalhes.

Já os sentimentos de fascinação e de encantamento nas situações de cumplicidade mãe-observadora caracterizam a intensidade de envolvimento requerida na observação, mesmo que por um curto período de tempo, como foi o caso. Vale salientar que o psicólogo inserido na área hospitalar, ao identificar essas peculiaridades de comunicação entre a mãe e seu bebê na situação de amamentação por meio da observação e, ao verificar os sentimentos e sensações que lhe despertam, adquire subsídios para melhor intervir, quando necessário, a fim de facilitar o estabelecimento do vínculo entre ambos. Esta tarefa não é tão simples quanto sugere a escrita, afinal estão em jogo relações importantes mãe/bebê e bebê/mãe, bem como as peculiaridades do ambiente hospitalar, especialmente no que se refere aos procedimentos e intervenções dos diversos profissionais de saúde envolvidos. A sensibilidade, a disponibilidade da observadora e um olhar clínico podem assegurar esse encontro único, rico em detalhes.

A partir dessas observações, ficam para a observadora a experiência do intenso processo de comunicação inconsciente que se dá entre ela, a mãe e o bebê, a descoberta da riqueza dessa relação inicial. Suas reações são de surpresa e ao descrevê-las no relato e pensar sobre elas, conscientiza-se também das intensas vivências emocionais que o trabalho lhe suscita, e é com base nessas reações e emoções que se faz necessário um acompanhamento psicológico da observadora, bem como supervisão de cada observação, já que, por se tratarem de emoções e sentimentos (dificuldades a partir destes), devem ser compartilhadas a fim de não criarem distorções ou confusões do que se observou.

Deve-se, com esse método, ter para si a certeza de honestidade de sentimentos para que as observações não tenham um caráter apenas descritivo, mas que sirvam de base para futuras intervenções das díades. É isso que preconiza o método Bick, e é isso que pode proporcionar ao observador a necessidade de continuar o trabalho, dentro dos aspectos mais desenvolvimentistas e profiláticos.

 

Referências

AMORIM, M.L.G. A observação de bebês segundo Esther Bick: uma contribuição à formação e à clínica psicanalítica. 2004. Tese (Mestrado em Psicologia). Departamento de Psicologia, Universidade São Marcos, São Paulo, 2004.

BICK, E. Notes on infant observation in psychoanalytic training. International Journal of Psychoanalysis, v. 45, p. 558-566, 1964.

BION, W.R. Estudos psicanalíticos revisados. Rio de Janeiro: Imago, 1988.

FREUD, A. Infância normal e patológica: determinantes do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

FREUD, S. Análise de uma fobia em um menino de cinco anos. In: ______. Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976, v. 10, p. 15-153. (Original de 1909).

FREUD, S. O ego e o id. In: ______. Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. v. 19, p. 32-41. Rio de Janeiro: Imago, 1974. (Original de 1923).

KLEIN, M. A psicanálise da criança. São Paulo: Mestre Jou, 1969.

KOMPINSKY, E. Observação de bebês: método e sentimentos do observador. In: CARON, N.A. (Org.). A relação pais-bebê: da observação à clínica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.

MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 2004.

PERESTRELLO, M.; et al. Evolução do conceito de identificação projetiva e contribuições teóricas e clínicas. Rio de Janeiro: SBPRJ, 1979.

SEGAL, H. Sonho, fantasia e arte. Rio de Janeiro: Imago, 1993.

SPITZ, R.A. O primeiro ano de vida. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

 

Recebido em: 02/08/2005
Aceito em: 07/04/2006

 

 

*Trabalho realizado para obtenção do título de Bacharel em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo.
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Graduanda em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo.

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Psicóloga e Mestre em Psicologia da Saúde pela Universidade Metodista de São Paulo. Professora do Curso de Graduação em Psicologia da Universidade Metodista de São Paulo. Orientadora do presente estudo.
Email: cbulga@terra.com.br; miriangulo@uol.com.br