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versão impressa ISSN 1415-8809

Psicol inf. vol.11 no.11 São Paulo dez. 2007

 

Artigo

 

 

Invasão do espaço pessoal: um estudo observacional em uma biblioteca universitária*

 

Personal space invasion: an observational study at a university library

 

 

Ana Rosa Gliber**; Mariantonia Chippari***

 

 


RESUMO

As pessoas mantêm entre si um espaço que pode ser classificado como íntimo, pessoal, social e público; o espaço pessoal é definido como a área ao redor do corpo que normalmente só permitimos que certas pessoas ultrapassem (ARGYLE; TROWER, 1981; HALL, 1989). Quando este espaço é invadido, sem permissão, as pessoas geralmente reagem de maneira típica, principalmente por comportamentos não-verbais. Este estudo teve por objetivo observar comportamentos de pessoas em situação de invasão de seu espaço pessoal. Participaram do estudo 22 universitárias com idades aparentes entre 18 e 30 anos e ser estranhas ao invasor e aos observadores. Utilizou-se o registro de eventos para a coleta de dados. A pesquisa foi realizada na biblioteca de uma universidade, com esta parcialmente vazia. O invasor sentou-se à mesa ao lado do participante, em silêncio. Dois observadores independentes registraram os comportamentos ocorridos. Os resultados apontaram maior freqüência das seguintes respostas: olhar em direção ao material didático, folheá-lo e manusear objetos, indicando dispersão da atividade anteriormente realizada e tensão ante a invasão. Também ocorreu tentativa de demarcação de território. As respostas diferiram entre os participantes.

Palavras-chave: Espaço pessoal; Invasão; comportamento.


ABSTRACT

People keep a physical space between themselves. This space can be classified as intimate, personal, social, and public; the personal space is defined as the area around the body that only some people are allowed to come into (ARGYLE; TROWER, 1981; HALL, 1989). When this space is invaded without permission, people usually react in a typical way, mainly through non-verbal behaviors. The objective of this study was to observe people's behaviors when their personal space was invaded. Twenty two university students took part in this study. Their ages apparently ranged from 18 to 30 years old and they were unknown to the invader and the observers. The data collection was performed through event data recording. The research was carried on at a partially empty university library. The invader silently sat down beside the subject. Two independent observers recorded the behaviors. The most frequent responses of the subjects were: to look at their study materials, open books and pick any objects, avaiable. These behaviour indicated dispersion of the activity previously accomplished and tension when being invaded. There were also some attempts of territory limitation. Responses differed from one participant to another.

Keyword: Personal space; Invasion; Behavior.


 

 

 

Cada vez mais se dá destaque à questão do espaço usado, reivindicado e até defendido pelas pessoas. A invasão do espaço pessoal é um importante elemento de estudo, já que este espaço não é apenas físico, mas também psicológico. De acordo com Argyle e Trower (1981), ele pode representar uma importante via de comunicação entre as pessoas.

As pessoas têm uma área ao redor do corpo que pode ser classificada como íntima, pessoal, social ou pública dependendo da distância entre seus corpos e o do próximo. Quando essas áreas ao redor do corpo são ultrapassadas sem permissão, ocorre a invasão desses espaços (HALL, 1989; SOMMER, 1973).

Segundo Hall, o espaço íntimo é a distância na qual é possível praticar o amor, lutar, confrontar e proteger-se. Neste espaço, a possibilidade de contato físico é predominante na percepção das pessoas e estas se comunicam não apenas por meio das palavras, mas também do tato, cheiro e calor do corpo, sendo a ultrapassagem deste espaço permitida somente a familiares, filhos e namorados.

O espaço pessoal é definido por Hall (1989) como uma espécie de "bolha" que as pessoas criam em torno de si que apresenta uma distância de 50 cm a 1,20 m. Nessa distância, a visão do rosto fica totalmente nítida, há possibilidade de segurar ou agarrar outra pessoa e é possível notar alguns detalhes fisionômicos. É limitada pela extensão do braço e apropriada para tratar de assuntos pessoais. Normalmente só os amigos ficam dentro do espaço pessoal.

Outro espaço citado por Hall (1989) é o público, que é totalmente impessoal. Nele a acuidade visual diminui consideravelmente, abrangendo, no máximo, o rosto todo; outros detalhes tornam-se imperceptíveis. Esta distância pode ser usada por qualquer pessoa em ocasiões públicas para discursos ou alguma outra forma solene de conversa.

Hall (1989) aponta que temos "personalidades" situacionais aprendidas. Estas personalidades estão associadas às distâncias acima descritas. Assim, as pessoas que não desenvolveram a fase pública de sua personalidade não costumam ocupar espaços públicos, não sendo bons oradores ou árbitros. Por outro lado, as pessoas que não desenvolveram as distâncias íntimas e pessoais não podem suportar a proximidade.

Para Sommer (1973, p. 34), "a violação da distância individual é a violação das expectativas da sociedade; a invasão do espaço pessoal é uma intrusão nas fronteiras do eu da pessoa". Hall (1989) também utiliza o mesmo conceito, afirmando que a percepção do eu está associada so processo de delimitar fronteiras; deste modo, quando alguém se aproxima demais, ocorre uma invasão do eu. Segundo Sommer (1973), o espaço pessoal é uma área carregada de conteúdos emocionais; assim, esta área é interpretada pelas pessoas como sua, seu espaço.

Quando somos invadidos em nosso espaço pessoal, normalmente nos sentimos instigados a apresentar certos comportamentos, muitas vezes não-verbais, que indicam incômodo, tais como: afastamento, desvios de olhar, bater os dedos em algum lugar, etc. (SOMMER, 1973). Segundo Heimstra e Mc Farling (1978), os indivíduos apresentam vários comportamentos para se ajustar a determinadas condições ambientais; estes comportamentos podem ser de aproximação, de fuga ou esquiva ou adaptação às situações ambientais. Allekian (1973, apud SAWADA et al., 1998) afirma que a invasão do espaço pessoal ou territorial pode levar a algumas reações como ansiedade ou inquietação, sendo que estas reações dependem de como a pessoa percebe essa situação e quais são suas necessidades individuais, experiências anteriores e pressões culturais. Sabendo-se que existe uma relação entre as características do ambiente e o comportamento, este estudo levanta a seguinte questão: "Como o indivíduo se comporta de maneira não-verbal num ambiente em que seu espaço pessoal é violado?"

Sommer (1973) aponta que o espaço pessoal é uma área com limites invisíveis que cercam nosso corpo; é um território portátil, pois pode ser levado para qualquer lugar, sendo que, dependendo da concentração de pessoas ou da densidade do local, este território pode se ampliar, diminuir ou até desaparecer. Por exemplo, em um restaurante vazio, o espaço tende a ampliar-se, pois as pessoas geralmente se sentam a mesas diferentes e afastadas; se o restaurante estiver lotado, no entanto, o espaço tenderá a diminuir, considerando que pessoas desconhecidas vão se sentar à mesma mesa. Por outro lado, se a pessoa entrar em um trem superlotado, seu espaço pessoal provavelmente desaparecerá, pois as pessoas não só estarão próximas como haverá contato físico entre elas.

Considerando que apresentamos certos comportamentos quando somos invadidos em nosso espaço, Argyle e Trower (1981) entendem que a linguagem do corpo expressa muito mais sentimentos e atitudes do que a linguagem verbal. Cada pessoa age de uma determinada maneira numa dada situação, podendo algumas vezes expressar os sentimentos e atitudes de forma pouco ou muito intensa e por meio de sinais bastante sutis. A disposição ambiental também é um fator relevante, considerando que a distância entre as pessoas, bem como a quantidade delas presentes num determinado local, pode afetar o comportamento. Apesar de algumas reações ou comportamentos serem universais, a cultura pode interferir nestes comportamentos, pois culturas diferentes podem ter formas particulares de expressar sentimentos ou emoções e de usar a distância do espaço.

Myers (1999) relata que o espaço pessoal é diferente quando observamos diferentes culturas: algumas preferem mais espaço, como a dos escandinavos, norte-americanos e britânicos, e outras preferem menos, como os latino-americanos, árabes e franceses. Por este motivo, Hall (1989) dá ênfase aos desentendimentos que podem ocorrer entre pessoas de culturas diferentes, já que a utilização do espaço difere.

Sommer (1973) diz que as culturas também variam em expressividade e ritmo de vida, mas, de qualquer forma, quando nos aproximamos de uma pessoa, ela, a certa altura, sente-se irritada ou involuntariamente começa a se afastar. Da mesma maneira, quando num ambiente lotado, somos obrigados a ficar muito perto de alguém, procuramos desviar o olhar, dar-lhe as costas ou ainda, em caso de contato físico, enrijecemos completamente o músculo em que se dá o contato. O espaço pessoal representa uma margem de segurança, ou seja, no momento em que um estranho penetra este local, surge imediatamente uma reação de esquiva ou de enfrentamento, sendo que a intensidade da reação pode depender da relação de domínio que o invasor possui sobre o invadido na hierarquia social e também do tipo de pessoa que é invadida em seu espaço. Segundo Hall (1989), isto ocorre porque todos os animais, incluindo os seres humanos, têm uma exigência mínima de espaço, sendo a sobrevivência impossível sem ele.

As pessoas normalmente demarcam seu território utilizando aspectos existentes em seu ambiente ou modificando-o para indicar um limite; o que ocorre, na maioria das vezes, é que os outros respeitam esta demarcação. No entanto, isto ocorre com sucesso quando temos um número pequeno ou moderado de pessoas no ambiente. Quando este número se eleva, o território demarcado pode vir a ser utilizado por outro, com maior probabilidade e maior compreensão de quem o demarcou (HEIMSTRA; MC FARLING, 1978; SOMMER, 1973).

Como se pode observar, o conceito de espaço pessoal está relacionado com os conceitos de territorialidade, privacidade e densidade. Lee (1977) faz uma distinção entre espaço pessoal e territorial. O espaço pessoal é tido como a área espacial que circunda o corpo de uma pessoa, cujos limites existem apenas na "mente"; o espaço territorial, por sua vez, é uma "estruturação do espaço estático (através do qual se movimenta o espaço pessoal), a cujo respeito uma pessoa experimenta um certo sentimento de posse" (LEE, 1977, p. 47). Altman (1975 apud GÜNTHER, 2003) define privacidade como o controle que o indivíduo tem sobre si mesmo; o segundo autor considera a invasão do espaço pessoal como a perda de controle sobre si ou a perda da privacidade. Quanto ao conceito de densidade, o mesmo autor expõe que se refere ao número de indivíduos distribuídos em determinado espaço. Os conceitos de espaço pessoal, territorialidade e densidade podem ser verificados tanto de maneira objetiva, pois se referem a espaços físicos, quanto de maneira subjetiva, pois podem se constituir numa avaliação pessoal ou social; além disso, estes três conceitos, como também o de privacidade, estão relacionados ao de mobilidade, na medida em que o movimento de uma pessoa afeta o espaço pessoal, privacidade, tamanho do território e densidade do seu espaço e de outros, pois o movimento pode aumentar ou diminuir estes elementos bem como implicar maior ou menor controle sobre eles (GÜNTHER, 2003).

Alguns estudos têm surgido com a intenção de estudar os modos pelos quais as pessoas utilizam seu espaço e como este pode influenciar o relacionamento social. Observou-se que a alta densidade populacional, por exemplo, que provoca a falta de espaço, está correlacionada com o crime e a violência. Hall (1989) aponta que a superpopulação pode produzir alguns comportamentos como a agressão. Além disso, Heimstra e Mc Farling (1978) mencionam que é preciso que a pessoa sinta que seu espaço pessoal e privacidade estão resguardados para sentir satisfação quanto ao ambiente em que mora; caso contrário, pode ocorrer estresse.

Em seu trabalho sobre a influência do contexto ambiental nos trabalhadores off-shore de uma plataforma petrolífera, Pena (2002) identificou que quanto maior a escolaridade e a hierarquia organizacional dos trabalhadores, maior era o espaço que tinham disponível e maior era a sensação subjetiva de invasão espacial nos alojamentos da plataforma. Por outro lado, quanto mais baixo o nível de escolaridade e de hierarquia organizacional, menor era o espaço físico disponível nos alojamentos para estes trabalhadores e menor era a sensação de invasão do seu espaço.

Russo (s.d., apud SOMMER, 1973) realizou observações na sala de leitura de uma biblioteca de uma universidade para estudar a invasão do espaço pessoal. O local escolhido é bastante adequado, segundo Sommer (1973), pois, no geral, a interação entre as pessoas na biblioteca é desestimulada, até mesmo por regulamentos oficiais, como, por exemplo, manter-se em silêncio. Deste modo, a biblioteca talvez fosse o lugar onde a probabilidade de ocorrer reações de incômodo ante a invasão do espaço pessoal seria maior. Durante as sessões de observação sistemática, que duraram dois anos, empregou cinco métodos diferentes de invasão. Às vezes sentava-se ao lado de uma pessoa, outras vezes à sua frente e assim por diante. Observou a existência de uma norma implícita, que era a de o recém-chegado sentar-se a uma considerável distância dos que já estavam sentados, a menos que a sala estivesse cheia. Em seu estudo, houve violação desta norma em todos os casos. As observações feitas pelo autor mostraram que os primeiros ocupantes da sala geralmente se sentavam sozinhos com pelo menos um livro à sua frente e cadeiras vazias por toda a volta da mesa (segundo o autor, indicando preferência pela solidão); as diferentes localizações de invasão representaram uma pequena, mas significativa diferença quanto às reações; houve grandes diferenças individuais nas formas de reação das pessoas, ocorrendo tanto reações ofensivas quanto defensivas, que pareceram visar à proteção da intimidade; se os gestos do invadido fossem ignorados pelo invasor ou se este também mudasse de posição, o invadido finalmente optava pela fuga; não houve respostas verbais diretas às invasões.

A fim de medir o espaço pessoal e observar os comportamentos de reação à invasão de tal espaço, Silva et al. (1991) realizaram um estudo com 25 homens e 24 mulheres, com idades entre 17 e 37 anos, que consistia numa aproximação frontal excessiva a um dos sujeitos por parte de um dos experimentadores durante uma conversa informal, enquanto outros experimentadores observavam e/ou filmavam a reação dos sujeitos à invasão. Assim, obteve-se como resultado uma distância média de 52,9 cm de onde as pessoas podiam conversar sem se sentirem incomodadas. Quando esta distância era invadida, as reações dos sujeitos consistiram principalmente no afastamento, na mudança de orientação do corpo, no cruzamento dos braços e no adiantamento ou recuo de uma das pernas. Isto indicou alguns comportamentos utilizados na preservação do espaço pessoal. O estudo constatou que a distância interpessoal usada pelos brasileiros é menor que a usada pelos nórdicos.

Chippari et al. (1987) também realizaram um experimento cujo objetivo era verificar as reações à invasão do espaço em função do gênero. O estudo consistiu na abordagem feita por experimentadores a pessoas desconhecidas, em locais públicos, com o pretexto de solicitar uma informação, enquanto dois observadores, simultaneamente, registravam seis categorias de comportamentos emitidos pelos sujeitos: 1) tocar os próprios braços; 2) cruzar os braços; 3) impor barreira com as pernas; 4) mudar a orientação do corpo; 5) mudar a inclinação do corpo; e 6) afastar-se. Os resultados revelaram não haver diferença estatisticamente significativa nas seqüências de reações apresentadas por homens e mulheres; houve diferença estatisticamente significativa entre as freqüências de uso das categorias de reação à invasão, havendo preponderância da mudança de orientação do corpo.

Outro estudo sobre espaço pessoal foi realizado com a finalidade de verificar a relação entre esse espaço e a utilização do telefone celular. Na pesquisa de Duarte, Sozo e Rosa (2002) com 102 participantes, 34 homens e 68 mulheres, com idade média de 32 anos, utilizou-se um questionário que visava identificar quatro fatores: nível de incômodo dos participantes ao falar no celular de acordo com as características do invasor; nível de incômodo dos participantes de acordo com as características físicas do ambiente; nível de incômodo de acordo com o contexto interacional e nível de incômodo das pessoas ao falar no celular em espaços com densidade elevada. Os resultados apontaram maior freqüência de incômodo (52,9% das respostas) em relação à alta densidade em lugares fechados e menor freqüência de incômodo (33,4% das respostas) em relação às características do invasor. Duarte (2002) constatou que a maioria dos participantes sempre se sentia incomodada ao falar no celular em lugares fechados com alta densidade; os participantes pouco se incomodaram se o invasor de seu espaço pessoal era uma criança ou um idoso e sentiam-se bastante incomodados quando a pessoa sentada a seu lado os encarava.

Pode-se ainda citar o estudo de Sawada et al. (1998) para adaptação do instrumento "Anxiety due to territory and space intrusion questionaire" para a população brasileira, mais especificamente para o paciente hospitalizado; o estudo aborda a importância de os profissionais de saúde procurarem evitar a invasão do espaço pessoal e territorial do paciente, a fim de não causar uma impressão de indiferença por seu conforto e dignidade.

Na maioria dos estudos citados acima, notou-se a utilização da observação como um dos instrumentos de coleta de dados. Segundo Sommer (1973), a observação é o método mais viável para identificar as reações das pessoas (como gestos e expressões faciais) quando ocorre a invasão de seu espaço pessoal, pois normalmente os comportamentos são não-verbais.

Segundo Hutt e Hutt (1974), sem uma observação direta do repertório comportamental tanto de humanos quanto de animais, os resultados de experimentos poderiam ser errôneos, uma vez que é importante observar como os sujeitos se relacionam com o ambiente para, depois, planejar um experimento. A observação também é insubstituível quando se pretende investigar como as pessoas se comportam em situações reais de seu dia-a-dia, considerando que se for usado um teste ou questionário para investigar o comportamento, pode haver grande diferença entre o que é dito/escrito e o que realmente é feito. Por outro lado, Alves (1974) ressalta que não há possibilidade de o observador registrar todos os comportamentos emitidos pelo sujeito, pois há um limite em sua percepção e registro; além disso, alguns comportamentos são concomitantes, o que dificulta seu registro. A partir das considerações da autora, ressalta-se a importância da presença de mais de um observador, quando possível, para que os dados possam ser comparados ou complementados, conquistando, assim, uma maior fidedignidade quanto aos eventos ocorridos.

De acordo com Cavanha (2004), a observação é fundamental para que a ciência alcance a previsão de determinados fenômenos, pois é através dela que se podem obter dados a respeito do comportamento e dos eventos ambientais que a ele se relacionam.

Deste modo, a observação torna-se um instrumento imprescindível do psicólogo em qualquer esfera de atuação, visto que é por excelência o instrumento que dá informações acerca dos comportamentos, verbais ou não, emitidos pelos indivíduos, comportamentos estes foco da análise psicológica (DANNA; MATOS, 1999).

A invasão do espaço pessoal e suas conseqüências refletem a complexidade das relações humanas, pois o espaço do indivíduo vai muito além do que enxergamos, uma vez que além do corpo humano e de uma distância física, há uma "capa" invisível que o reveste, podendo variar de pessoa para pessoa; e é importante considerar esta "capa" ou dimensão oculta, visto que pode afetar o comportamento dos indivíduos e também o processo de comunicação (HALL, 1989). Moser (1997) relata que as transformações ocorridas no ambiente têm influência direta sobre as relações entre as pessoas e consideráveis implicações sobre o comportamento humano, uma vez que os indivíduos agem sobre o ambiente e este, por sua vez, modifica e influencia as condutas humanas.

Deste modo, o objetivo desta pesquisa foi observar comportamentos de estudantes universitárias em uma biblioteca numa situação de invasão de seu espaço pessoal.

 

Método

Participantes Participaram da pesquisa 22 universitárias do sexo feminino, com idades aparentes entre 18 e 30 anos.

Local A pesquisa foi realizada na biblioteca central do campus Rudge Ramos da Universidade Metodista de São Paulo, na qual havia dois andares. No andar de entrada ficava a recepção, com quatro atendentes, sendo que uma delas circulava constantemente pela biblioteca; cinco computadores para consulta bibliográfica; um banheiro feminino e um masculino; uma sala de xerox e um guichê com uma atendente. Neste andar havia 13 mesas com 1,34 m de largura por 0,64 m de comprimento e diante de cada uma havia quatro cadeiras. No andar inferior situavamse os livros distribuídos em 15 estantes; três cabines fechadas para estudo dentro do ambiente da biblioteca e uma sala cuja entrada era pelo lado exterior e que possuía algumas mesas para estudos. Neste andar estavam distribuídas 18 mesas com a mesma medida das anteriores e dois computadores para consulta bibliográfica. A observação foi realizada ora no andar de cima da biblioteca, ora no de baixo.

Instrumento / Material A coleta de dados foi feita por meio do registro de eventos (registro cumulativo) das categorias observadas e um relógio com cronômetro.

Procedimento Para a coleta de dados era necessário que a biblioteca estivesse parcialmente vazia, com cerca de 70% das mesas desocupadas. No andar de baixo, esta porcentagem corresponde a aproximadamente 12 mesas desocupadas e, no andar acima, a aproximadamente nove mesas vazias.

 

 

O indivíduo a ser invadido em seu espaço pessoal deveria estar sentado sozinho, ser do sexo feminino, não estar posicionado de forma a ficar de costas para o invasor (deveria estar de lado para o invasor) e a cadeira a seu lado, na qual o invasor se sentaria, não poderia estar ocupada por objetos, assim como este lado da mesa. Para que uma segunda observação fosse realizada, o participante anteriormente observado não poderia estar mais presente na biblioteca.

A invasão do espaço pessoal foi provocada, ocorrendo da seguinte maneira: dois observadores independentes se posicionavam em mesas próximas à do indivíduo e o observavam por cerca de um minuto, anotando seus comportamentos e utilizando-se das categorias comportamentais. Em seguida, o invasor se aproximava e sentava à mesa do participante, a seu lado, sem se dirigir a ele e sem trocar olhares. A partir desse momento iniciava-se a segunda fase da observação, utilizando- se o registro de eventos (com categorias preestabelecidas), pelos dois observadores durante dez minutos (subdivididos em dois blocos de 5 minutos, inicial e final) ou durante o tempo que o indivíduo permanecesse sentado à mesa. O invasor, durante o período de observação, ficava sentado a seu lado, lendo uma revista de caráter informal. Após o invasor levantar-se e retirar-se da biblioteca, os observadores registravam o comportamento do participante de acordo com as categorias preestabelecidas, por aproximadamente um minuto.

Participaram dois observadores independentes coletando os dados. Posteriormente, verificou-se a fidedignidade entre os observadores em relação às categorias. Colaboraram com este estudo cinco estudantes de psicologia do primeiro ano que foram devidamente treinados para observar os participantes da pesquisa e foram feitas observações de estudo-piloto.

Ao longo da coleta de dados, algumas variáveis foram mantidas constantes, tais como: o invasor foi o mesmo em todas as sessões de observação, bem como sua aparência, o que incluiu o uso de roupas de cores neutras e nenhum acessório, como brinco, colar ou calçado, que chamasse a atenção, visto que essas variáveis, se não controladas, poderiam, talvez, vir a interferir nas reações dos indivíduos. Além disso, sendo o invasor do sexo feminino, o invadido seria do mesmo sexo, dada a possibilidade da diferença de gênero também interferir nas reações das pessoas.

Aos quatro últimos participantes da pesquisa (observados no mesmo dia) foi entregue o termo de consentimento após as observações. O termo foi entregue aos últimos porque o trabalho poderia ficar comprometido caso se disseminasse a informação sobre o procedimento da pesquisa, pois a biblioteca foi a mesma em todas as observações.

 

Resultados

A tabela a seguir mostra, de forma geral, a freqüência dos indicadores emitidos por todos os participantes ante a invasão de seu espaço pessoal.

 

 

De acordo com a Tabela 1, pode-se verificar que as reações mais freqüentes foram olhar em direção ao material didático (200 respostas, o que representa 17,66%) e folhear o material didático (141, 12,44% das respostas). Também se obteve uma freqüência significativa para as reações de manusear objetos (125 respostas – 11,03%), coçar alguma parte do rosto/braço (110 respostas – 9,71%) e balançar a perna ou pé (94 respostas, o que corresponde a 8,30%). As reações menos freqüentes foram bocejar (10 respostas, 0,88%) e tilintar os dedos sobre a mesa (7 respostas, 0,62%).

A partir da tabela 1, optou-se por expor uma figura que representasse as maiores e menores freqüências dos indicadores observados nos 22 participantes antes, durante e após a invasão do espaço pessoal.

 

 

Pode-se observar, a partir da Tabela 2, que ocorreram, ao todo, 625 respostas nos cinco primeiros minutos de observação e 508 respostas nos cinco últimos. Também se pode notar que o número de respostas observadas antes da invasão do espaço pessoal (125) é maior do que após (73). Tanto bocejar quanto mudança de semblante não ocorreram antes da invasão, mas sim durante. Bocejar ocorreu cinco vezes do 1° ao 10º minuto de observação e uma vez após. Mudança de semblante ocorreu 18 vezes até o 5° minuto; cinco vezes do 5° ao 10° minuto e após a observação.

Além dos resultados apresentados, algumas observações merecem ser destacadas, pois dão margem a discussões.

O participante cinco, aos sete minutos de observação durante a invasão, levantou-se, pediu uma folha a uma estudante localizada atrás de sua mesa e, depois, sentou-se novamente à mesa, de costas para o invasor.

O participante 14, nos primeiros cinco minutos de observação durante a invasão, rasgou uma folha de fichário, pegou outra folha, amassou-a, jogou as duas no lixo que estava ao lado de sua mesa, levantou- se e sentou-se em outra mesa no andar de cima da biblioteca (a invasão ocorreu no andar de baixo).

Os participantes 18, 19, 21 e 22, ao receberem, após o término da invasão, o termo de consentimento livre e esclarecido, fizeram alguns comentários dignos de menção: o participante 18 relatou que pretendia fazer um resumo da matéria que estava estudando, mas que, ao ser invadido, perdeu a concentração e nem mais tentou fazê-lo. Os participantes 19, 21 e 22 também relataram perda de concentração.

Sete participantes – 31,81% dos participantes – abandonaram seus lugares antes do término do período de invasão (10 minutos); entre eles, cinco o fizeram até o quarto minuto após o início e os dois restantes retiraram-se nos dois últimos minutos.

Outro dado verificado a partir das observações foi o fato de não haver verbalizações em nenhuma das observações dos 22 participantes.

 

Discussão

Os dados mostraram que os indivíduos diferiram quanto à maneira de reagir à invasão do espaço pessoal. Um exemplo claro disto é o fato de alguns (15 participantes) continuarem sentados à mesa e outros (sete participantes) se levantarem. Esta diferença na forma de reação também ocorreu no estudo de Russo (apud SOMMER, 1973) que observou não haver uma reação única ao fato de alguém se sentar perto; as pessoas apresentaram diferentes formas de reação, que foram de natureza ofensiva ou defensiva. Isto pode ser explicado, segundo Allekian (1973 apud Sawada et al., 1998), pois estas reações dependem de como o indivíduo percebe esta situação e quais são suas necessidades individuais, experiências anteriores e pressões culturais. Argyle e Trower (1981) também abordam a diferença de reações e afirmam que cada pessoa expressa seus sentimentos e atitudes de forma muito ou pouco intensa e através de sinais sutis. Neste estudo, consideram-se menos intensas as reações físicas sem mudança de lugar (aquelas que se incomodaram menos com a invasão: por exemplo, balançar a perna/pé), e mais intensas as reações com mudança de lugar, como abandonar o local em que o indivíduo estava sentado.

Pode-se levantar a hipótese de que os participantes sentiram-se incomodados com a invasão (como relatado pelos quatro participantes que não conseguiram se concentrar), principalmente pelo fato de a biblioteca encontrar-se parcialmente vazia, com cerca de 70% das mesas desocupadas. Argyle e Trower (1981) parecem comprovar esta afirmação, relatando que a disposição ambiental é um fator relevante, considerando que a distância entre as pessoas, bem como sua quantidade num determinado local, pode afetar o comportamento.

Ainda explorando um pouco mais os diferentes tipos de reação, Heimstra e Mc Farling (1978) afirmam que os indivíduos apresentam vários comportamentos para se ajustar a determinadas condições ambientais; estes comportamentos podem ser de aproximação, de fuga ou esquiva ou de adaptação às situações ambientais. Neste estudo, verificou-se uma tentativa de o indivíduo ajustar-se à situação de invasão de seu espaço pessoal, visto que alguns apresentaram comportamento de fuga (levantar-se – sete participantes; virar de costas para o invasor – um participante) e outros pareceram adaptar-se à invasão, pois a freqüência de reações indicativas de incômodo diminui ao final da observação, dos cinco aos dez minutos finais comparativamente aos cinco minutos iniciais. Infere-se também que os cinco dos sete participantes que abandonaram seu lugar, fazendo-o até o quarto minuto de observação, demonstraram que o incômodo ocorre em maior intensidade nos minutos iniciais de observação.

De acordo com Sommer (1973), o espaço pessoal é uma área carregada de conteúdos emocionais e é interpretado pelas pessoas como seu; assim, o espaço pessoal representa uma margem de segurança. No momento em que um estranho penetra este local, surge imediatamente uma reação de escape. Os resultados mostraram que alguns apresentaram comportamentos de enfrentamento do invasor, como olhar diretamente para ele, inspirar e expirar de maneira audível e tilintar os dedos sobre a mesa, comportamentos estes que poderiam ser claramente percebidos pelo invasor; outros participantes apresentaram comportamentos mais sutis que podem indicar uma tentativa de se esquivar ou se adaptar à situação que causa incômodo, como procurar olhar para o material didático e escrever.

O comportamento que apresentou maior freqüência foi o de olhar em direção ao material didático (200 ocorrências), seguido de folhear o material didático (141 ocorrências). A partir deste dado, chega-se à hipótese de que houve uma tentativa de os participantes manterem-se "aparentemente estudando"; por outro lado, por alguns comportamentos como bocejar e mudar o semblante terem sido emitidos apenas durante a invasão, sugere-se uma dispersão na atividade que estava sendo anteriormente realizada. Observou-se também que as reações de coçar alguma parte do rosto/braço (110 respostas) e manusear objetos (125 respostas) tiveram uma freqüência considerável, o que parece demonstrar a presença de uma reação típica de tensão.

Como no estudo de Russo (apud Sommer, 1973), não houve respostas verbais diretas às invasões.

Outro dado encontrado foi o fato de uma das participantes se levantar, retornar à mesa e sentar-se de costas para o invasor. Este comportamento parece ser uma tentativa de colocar uma barreira entre invadido-invasor, bem como deixar clara a fronteira entre eu-outro. Sommer (1973) relata que a invasão do espaço pessoal é uma invasão ao eu da pessoa e que há formas de reagir a isso. Hemistra e Mc Farling (1978) tratam da necessidade de demarcação do território e afirmam que as pessoas normalmente demarcam seu território utilizando aspectos existentes em seu ambiente ou modificando-o para indicar um limite. O fato de o indivíduo virar-se de costas para o invasor parece uma tentativa de demarcar seu território.

As reações mais significativas, como as de fuga e enfrentamento – levantar-se, ficar de costas para o invasor e olhar para ele diretamente –, podem indicar uma tentativa dos participantes de separar o eu-não eu, uma vez que a invasão do espaço pessoal fere o limite que deve ser respeitado. Segundo Hall (1989), todos nós temos uma área invisível ao redor do nosso corpo que só permitimos que algumas pessoas ultrapassem e preservar esta área é como preservar nossa sobrevivência. Talvez por isso quase sempre apresentemos reações que indicam incômodo, expressando- o às pessoas que ultrapassam a área permitida por meio de comportamentos não-verbais.

Com base nas observações feitas, seria importante a realização de outros estudos sobre o tema, estudos mais exaustivos e com maior número de participantes, visando, além da observação das reações das pessoas ante a invasão do espaço pessoal, correlacioná-las a características de personalidade ou à história de vida do indivíduo.

Destaca-se, desta forma, que o perfil da vítima de Homicídio como o apontado acima, não faz parte do imaginário social. Ratifica-se, portanto, que para o "nosso grupo" – o grupo das vítimas, a avaliação é efetivamente mais positiva.

 

Referências bibliográficas

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Recebido em: 20.10.2007 Primeira revisão: 23.11.2007 Aceito em: 10.01.2008

 

 

*Baseado no trabalho de conclusão de curso de graduação em Psicologia da Universidade Metodista de São Paulo. **Graduada em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo e especialista em transtornos alimentares e obesidade pela Universidade Metodista de São Paulo. ***Psicóloga e mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e docente da Universidade Metodista de São Paulo. Orientadora do presente estudo. Email: anagliber@yahoo.com.br e mariantonia.chippari@gmail.com