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Psicologo informacao

Print version ISSN 1415-8809

Psicol inf. vol.11 no.11 São Paulo Dec. 2007

 

Artigo

 

 

O trabalho comunitário sustentável: sua influência na qualidade de vida do trabalhador*

 

Work at sustainable community: its influence on the quality of life of workers

 

 

Ana Clara de Araújo Lopes**; Eunice Ediria Almeida Dias***; Marli da Silva Cruz****; Thiago Seixas Barbosa*****; Eda Marconi Custódio******

 


RESUMO

Considerando-se o conceito de sustentabilidade e a aproximação do homem à natureza e ao trabalho com a terra, esta pesquisa objetivou verificar a influência do trabalho comunitário sustentável sobre a qualidade de vida do trabalhador. Foi entrevistado um grupo de vinte trabalhadores da horta comunitária da Associação Global de Desenvolvimento Sustentável (AGDS), localizada no bairro Rudge Ramos, em São Bernardo do Campo / SP. Como instrumentos foram utilizados uma entrevista de estrutura semi-aberta e o WHOQOL- -BREF. Verificou-se que o grupo considera o meio ambiente não satisfatório, atingindo elevados escores de pontuação nos domínios físico, psicológico e de relações sociais. Estes resultados suscitam a necessidade de novos estudos sobre o assunto e a divulgação dos possíveis benefícios do trabalho em hortas comunitárias sustentáveis na vida dos trabalhadores.

Palavras-chave: Sustentabilidade; Qualidade de vida; Horta comunitária; WHOQOL-BREF.


ABSTRACT

Considering the concept of sustainability and people’s approach to nature and agricultural activities, the present study aimed to identify the sustainable community work’s influence on the worker’s quality of life. An interview was performed with a group of 20 workers belonging to a community vegetable garden from the Sustainable Development Global Association (AGDS), located in the district of Rudge Ramos, São Bernardo do Campo/SP. The instruments used in this study were a semi-structured interview and the WHOQOL-BREF. The results indicated that the group sees the environment as unsatisfactory, reaching high scores in the physical, psychological, and social-relational areas. Such results reveal the need of further studies on this matter and the publication of the possible benefits of the work in sustainable community vegetable gardens on the life of workers.

Keyword: Sustainability; Quality of life; Vegetable garden; Merleau-Ponty; WHOQOL-BREF.


 

 

 

A princípio, o trabalho foi uma resposta do homem às suas necessidades. Quando teve fome, procurou comida. Quando sentiu frio, procurou abrigo e vestimentas para não morrer. Tais iniciativas foram naturais para a sobrevivência da espécie. O homem diferenciava-se dos outros animais por sua capacidade de transformar a matéria existente na natureza em objetos para suprir suas necessidades. A primeira intervenção executada pelo homem foi a transformação de um objeto em seu estado natural em ferramenta. Tanto a haste que apanhou a fruta quanto o porrete que abateu o animal foram extensões das mãos do homem. A haste alongou o braço e o porrete tornou-se instrumento que fez o braço mais forte. O fêmur, portanto, tornou-se um porrete para abater a caça. Tanto um quanto o outro se transformaram, de sua condição natural, em ferramentas. O ser humano modificou a natureza e por ela foi modificado (BARBOSA; NASCIMENTO, 2003).

Segundo os mesmos autores, portanto, o homem se transformou porque potencializou sua capacidade de intervenção na natureza e a cada nova necessidade transforma vários outros elementos dela.

Para Barbosa e Nascimento (2003), o homem faz-se a si mesmo e sua consciência por meio da atividade prática no mundo, atividade que precisa necessariamente da presença de outros, já que utiliza a linguagem. Quando transforma o mundo, o homem é transformado em si mesmo e altera sua relação com os outros. Essa dialética inicia-se na produção, uma vez que, no processo de satisfação de suas necessidades, o homem produz novas necessidades. Ele altera as condições materiais de sua atividade e, alterando seus objetivos e condições, altera suas concepções. Pelo desenvolvimento de novas forças produtivas e de relação de produções correspondentes, o homem desenvolve uma natureza histórica que determina, para ele, o caráter da natureza viva, o caráter espiritual e político da sociedade. A natureza torna-se, então, uma natureza humanizada, ligada à constituição da sociedade, tanto nos efeitos como na concepção.

O trabalho pode causar doenças físicas ou sofrimento mental. Para Selligmann-Silva (1995), a organização do trabalho e as condições deste contribuem para o desenvolvimento dessas doenças e sofrimentos.

A organização do trabalho exerce sobre o homem uma ação específica, que tem impacto sobre o aparelho psíquico. Em certas condições emerge um sofrimento que pode ser atribuído ao choque entre uma história individual, portadora de projetos, de esperanças e de desejos, e uma organização do trabalho que os ignora (DEJOURS, 1987 apud MENDES, 1995).

A saúde e o adoecimento no trabalho são o resultado de aspectos que envolvem contradições e conflitos. Segundo Tamayo (2004), surgem confrontos entre as necessidades e os desejos dos trabalhadores e os diferentes contextos nos quais o trabalho é realizado, e assim se retrata a articulação entre o físico, o psíquico e o social.

O trabalho exerce um duplo papel que o autor caracterizou como desencadeador ou colaborador da saúde-adoecimento do trabalhador. O sofrimento ocupa uma posição central na vida do trabalhador. Para Dejours (1999), sempre há sofrimento; é preciso transformá-lo, pois sua eliminação é impossível. O trabalho pode agravar o sofrimento, levando a pessoa paulatinamente à loucura, ou pode contribuir para subverter o sofrimento e transformá-lo em prazer, podendo, em algumas situações, ser mais fácil para a pessoa que trabalha defender sua saúde mental do que aquela que não trabalha.

Na psicodinâmica do trabalho, o sofrimento é um estado mental que implica um movimento reflexivo da pessoa sobre seu "estar no mundo". Dejours (1999) salienta que o sofrimento é, antes de tudo, um sofrimento do corpo, engajado no mundo e nas relações com os outros. A reflexão sozinha não basta para se compreender o sofrimento e, assim, torná-lo totalmente consciente; é preciso vivenciá-lo. O sofrimento é uma experiência individual e única.

A causa de angústia, ressalta Dejours (2003), pode se tornar, no trabalhador, uma forma de medo da incompetência. O sofrimento no trabalho, segundo o mesmo autor, surge com freqüência em questões diferentes de competências e de habilidades. Os trabalhadores estão cada vez mais tolerantes a esse sofrimento para manterem seu lugar no trabalho, conservar seu cargo, sua posição, seu salário, suas vantagens, e não comprometer seu futuro e até sua carreira. O trabalhador evita a exclusão social, exclusão essa que causou a epidemia do desemprego.

A saúde no trabalho está relacionada à cultura nas organizações e, para Tamayo (2004), é preciso admitir que o ambiente organizacional pode ser um dos principais responsáveis pela saúde dos trabalhadores e pela qualidade de vida no trabalho.

Na relação homem-trabalho existe um aparte subjetivo com efeitos reais e concretos. Pode-se perceber que os trabalhadores não vivenciam bem-estar individual no trabalho. Para Tamayo (2004), este bem-estar consiste na satisfação de necessidades, na realização de desejos individuais e no desempenho de seu papel organizacional.

Segundo Tamayo (2004), é preciso elaborar estratégias de ação, com o objetivo de transformar a qualidade de vida das pessoas nos diferentes contextos de trabalho, desenvolvendo práticas corretivas para aliviar a dor dos que estão adoecendo e práticas preventivas que assegurem a saúde dos trabalhadores.

Antunes (2002) aponta que uma vida cheia de sentido em todas as esferas do ser social só será possível por meio da demolição de barreiras existentes entre tempo de trabalho e tempo de não-trabalho, de maneira que, a partir de uma atividade vital repleta de sentido, autodeterminada, além da divisão hierárquica que subordina o trabalho ao capital hoje vigente, seja possível desenvolver uma nova sociabilidade, tecida por homens e mulheres sociais e livremente associados, na qual ética, filosofia, arte, tempo verdadeiramente livre e ócio (em conformidade com as aspirações mais autênticas, suscitadas no interior da vida cotidiana) abram caminho para as condições de efetivação de identidade entre indivíduo e gênero humano, na multilateralidade de suas dimensões, em formas inteiramente novas de sociabilidade, em que necessidade e liberdade se realizem mutuamente. Se o trabalho é dotado de sentido, também por meio da arte, da poesia, da pintura, do tempo livre, do ócio poderá o ser social emancipar-se e humanizar-se profundamente.

Essas considerações permitem ao autor fazer duas afirmações importantes: primeira, trata-se da luta pela redução da jornada ou tempo de trabalho, que deve estar no centro das ações do mundo do trabalho hoje; a segunda diz respeito ao direito ao emprego. Todavia, essa luta pelo trabalho em tempo reduzido e pela ampliação do tempo fora do trabalho (o chamado "tempo livre"), sem redução de salário, deve estar intimamente articulada à luta contra o sistema de capital que converte o tempo livre em tempo de consumo para o capital, em que o indivíduo é impelido a "capacitar-se" para melhor "competir" no mercado de trabalho, ou a exaurir-se num consumo coisificado e fetichizado, desprovido de sentido. E o empreendimento societário por um trabalho repleto de sentido e pela vida autêntica fora dele, por um tempo disponível para o trabalho e por um tempo livre e autônomo fora dele (ambos, portanto, fora do controle do capital opressivo) tornam- se elementos essenciais na construção de uma sociedade não mais regulada pelo sistema de capital e seus mecanismos de subordinação.

A satisfação no trabalho influencia na satisfação com a vida por meio da generalização das emoções do trabalho para a vida fora dele e atitudes decorrentes, que também podem afetar, especificamente, as relações sociofamiliares (ALBERTO, 2000). Desta forma, conforme o autor, a satisfação global no trabalho é um dos principais componentes da satisfação geral com a vida, ou de uma avaliação de bem-estar subjetivo.

Ao considerar o trabalho uma das mais importantes maneiras de o homem se posicionar como indivíduo único, tem-se que é algo que complementa e dá sentido à vida (ALBERTO, 2000; LUNARDI FILHO, 1997). Desta forma, ele é visto como um dos componentes da felicidade humana; a felicidade no trabalho é tida como resultante da satisfação plena de necessidades psicossociais, do sentimento de prazer e do sentido de contribuição no exercício da atividade profissional (ALBERTO, 2000).

É possível perceber que uma ideologia do consumo tem conformado uma ideologia do trabalho-moeda, estando em formação uma concepção de que o trabalho-que-se-troca não é somente mais uma obrigação – ainda que mantenha seu caráter obrigatório, porque este lhe é inerente –, mas uma opção racionalizada, condicionada a priori pelo desejo de consumir. A busca voluntária por trabalhar mais, característica da contemporaneidade, é compreendida por possibilitar aquilo que tem sido vendido para a sociedade como elemento justificador de sua existência, diferenciador entre as pessoas, e passível de aplacar uma das maiores necessidades humanas atuais: o consumo (GIUBERTTI, 2004).

Destaca-se que ao longo da história houve um momento importante da relação do homem com o trabalho. No período feudal, o trabalho era com a terra. Os camponeses lidavam com a terra de seus senhores. Huberman (1969) discorre sobre a sociedade feudal. No século X – Idade Média – havia três classes: os sacerdotes, os guerreiros e os trabalhadores. Nessa divisão de classes havia uma relação pela qual o homem que trabalhava produzia para abastecer as outras duas classes dessa época. O trabalho era com a terra, cultivando o grão ou guardando o rebanho para extrair a lã para confecção de roupas. As terras eram divididas em feudos, que consistiam em aldeias e várias centenas de acres de terras aráveis que circundavam o lugar onde trabalhava o povo, pertencente à classe trabalhadora. É importante salientar que cada propriedade feudal tinha um senhor. O senhor feudal residia em um castelo ou em uma casa fortificada. Por vezes só permanecia na casa em visita, para acompanhar a produção da terra.

A terra era dividida em duas partes, uma pertencente ao senhor feudal e cultivada para ele, e outra dividida entre muitos arrendatários. As terras eram cultivadas diferentemente dos dias de hoje. Em vez de campos, eram divididas em faixas espalhadas ao longo da propriedade. Outra característica importante era que os arrendatários trabalhavam não só suas terras arrendadas, mas também a do senhor feudal (HUBERMAN, 1969).

O trabalho do camponês nas faixas arrendadas era longo e árduo, e ele só conseguia obter com este trabalho o suficiente para levar uma vida miserável. Trabalhava gratuitamente de dois a três dias na semana nas terras do senhor feudal. Nesta organização de trabalho, a terra do senhor feudal era a primeira a ser cuidada, plantada, colhida, preparada e protegida de alguma praga ou chuva que pudesse ameaçar a colheita (HUBERMAN, 1969).

Esta realidade anterior sofreu mudanças no final da Idade Média. A organização feudal presenciou forte migração de trabalhadores do campo para as cidades. De forma conceitual, encontra-se a sustentabilidade, que propõe uma maneira diferente de tratar a terra e as relações que a partir dela se constroem.

Pode-se identificar questões importantes sobre a maneira como se utiliza a natureza. O desenvolvimento tecnológico expõe o meio ambiente a sérios problemas, afetando a vida do ser humano contemporâneo.

A noção de sustentabilidade surge através do reconhecimento da função de suporte da natureza, potencial e condição de produção da natureza (LEFF, 2001).

Conforme o relatório Brundtland "o desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz as necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades". O Relatório Brundtland foi elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (DINIZ; SILVA; VIANA, 2001). O relatório aponta para a incompatibilidade entre o desenvolvimento sustentável e os padrões de produção e consumo vigentes.

No final das décadas de 1960 e 1970, a crítica ambiental fez com que a teoria econômica vigente percebesse a necessidade de incorporar a problemática ambiental e o desenvolvimento sustentável (DS) em seus arcabouços teóricos. Esta necessidade deveu-se ao fato de que a crítica ambiental se estendeu à análise do funcionamento do sistema econômico por ser o causador dos problemas ambientais (AMAZONAS; NOBRE, 2001).

O autor descreve que nesse período surgiu a chamada Economia Ecológica (EE), buscando as influências mútuas na interface entre conceitos econômicos e não-econômicos, com forte correlação com o DS. O que define a EE, dentre muitas variantes e divergências, é o propósito comum de analisar o sistema econômico focando as condições do mundo biofísico sobre o qual este se realiza. A EE reconhece a importância da conexão entre sistema econômico e ambiente natural, pois deste derivam a energia e as matérias-primas para o funcionamento da economia. Um processo econômico é também físico, portanto as relações físicas e suas correlações com os recursos ambientais não podem estar de fora da análise do sistema econômico.

Para o mesmo autor, a sustentabilidade e o DS são o próprio ponto de partida da EE. Na EE, o sistema econômico não pode ser compreendido sem se considerar sua base biofísica. Implica, portanto, integração entre as disciplinas da economia e da ecologia. Economia e ecologia desenvolveram-se separadamente em suas histórias no século XX. Partindo de princípios distintos, trataram de questões separadas e forneceram suporte a diferentes interesses políticos. A reintegração das ciências naturais e sociais levou à chamada economia ecológica.

O interesse da EE não é apenas analítico, mas concentra-se fundamentalmente na sustentabilidade desse sistema. O problema central da economia ecológica é a sustentabilidade da ligação entre os sistemas econômicos e ecológicos. A EE toma como aspectos fundamentais os elementos que compõem o DS: equilíbrio ecológico, eqüidade social e eficiência econômica. Ao fazê-lo, propõe uma hierarquia a ser considerada e revela o teor de sua visão. Primeiramente, encontra-se uma precedência dos fatores ambientais sobre os fatores sociais e econômicos, no sentido de que os fatores ambientais determinam as bases biofísicas sobre as quais os outros fatores deverão operar. Assim, não será possível uma sustentabilidade social e econômica caso sejam violadas as condições biofísicas (AMAZONAS; NOBRE, 2001).

Ao longo desse texto têm sido retratadas questões como a história do trabalho e a sustentabilidade e, retomando a qualidade de vida no trabalho, é necessário comentar a higiene mental.

Quanto aos objetivos específicos da higiene mental, historicamente, o primeiro deles seria o de modificar a assistência psiquiátrica, melhorando as condições humanas e as proporções de cura. O segundo objetivo seria o de diagnóstico precoce das doenças mentais com taxas maiores de cura e diminuição do tempo de sofrimento. Um terceiro objetivo é a profilaxia ou prevenção das doenças mentais. Outro objetivo seria levar mais adiante o nível da profilaxia e chegar à promoção de um maior equilíbrio, um melhor nível de saúde da população. Se houver atuação no nível da profilaxia, isto será inseparável do melhoramento do nível da comunidade. Em se tratando da investigação no campo da higiene mental, esta deve envolver questionamento e ação. A partir das descobertas, as ações devem ser postas sucessivamente à prova para novos questionamentos (BLEGER, 1984).

NDentro da higiene mental encontra-se o campo da psico-higiene, não porque busque a saúde psíquica, mas porque age sobre o nível psicológico humano, com métodos e técnicas procedentes do campo da psicologia e da psicologia social. A psico-higiene não se reduz à terapia de neuroses e psicoses. Ela consiste em não esperar que a pessoa doente ou com suspeita de doença venha a se consultar, e sim em intervir nos processos psicológicos que gravitam e afetam a estrutura da personalidade, e, portanto, nas relações entre os seres humanos, com isto motivando o público a solicitar seus serviços em condições que não impliquem doença (BLEGER, 1984).

Um objetivo historicamente mais recente na higiene-mental já não se refere tão-somente à doença ou sua profilaxia mas à promoção de um maior equilíbrio, de um melhor nível de saúde na população. Desta maneira, já não interessa somente a ausência de doença e, sim, o desenvolvimento pleno dos indivíduos e da comunidade total. A ênfase da higiene mental translada-se, assim, da doença à saúde e, com isto, à atenção da vida cotidiana dos seres humanos. E isto, para nós, é de vital importância e interesse (BLEGER, 1984, p. 22).

Com relação à promoção de saúde, conforme a Carta de Ottawa (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007), a saúde não vem como um objetivo, mas como a fonte de riqueza da vida cotidiana.

Trata-se de um conceito positivo que acentua os recursos sociais e pessoais, assim como as aptidões físicas. Portanto, dado que o conceito de saúde enquanto bem-estar transcende a idéia de formas de vida sadias, a promoção da saúde não concerne, exclusivamente, ao setor sanitário (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007, p. 1).

Tem-se que as condições e requisitos para a saúde são: paz, educação, moradia, alimentação, renda, ecossistema estável, justiça social e eqüidade. Os laços que unem intrinsecamente o indivíduo e seu meio constituem a base de uma aproximação socioecológica à saúde. O princípio que deve guiar o mundo, as nações e as comunidades deve fomentar o apoio recíproco, de proteção mútua entre as pessoas, as comunidades e o meio natural. É necessário colocar em destaque a conservação dos recursos naturais do mundo todo como responsabilidade mundial (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007).

Quanto à qualidade de vida, este é um conceito genérico que reflete uma preocupação com a modificação e a intensificação de componentes da vida tais como: ambiente social, físico, político e moral, e foi definido pelo Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde (OMS) como "a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações" (OMS, 1998).

Segundo informações da OMS, as condições de vida e saúde têm melhorado de forma contínua e sustentada na maioria dos países no último século. Isso graças aos progressos políticos, econômicos, sociais e ambientais, bem como aos avanços na saúde pública e na medicina. A expectativa de vida cresceu de 50 anos, após a II Guerra Mundial, para 67 anos, em 1990, e para 69 anos, em 1995. Entretanto, as mesmas organizações são taxativas ao informar que ainda que tal melhoria seja incontestável, também o é a permanência de profundas desigualdades nas condições de vida e saúde entre os países e, dentro deles, entre regiões e grupos sociais.

A saúde e a qualidade de vida influenciam-se constantemente e ambas têm ocupado políticos e pensadores ao longo da história. Já no século XVIII, quando ocupava as funções de diretor geral de saúde pública da Lombardia austríaca e de professor da Faculdade de Medicina, Johann Peter Frank afirmou, em seu livro A miséria do povo, mãe das enfermidades, que a pobreza e as más condições de vida, trabalho, nutrição, etc. eram as principais causas das doenças, preconizando, mais que reformas sanitárias, amplas reformas sociais e econômicas (SIGERIST, 1990).

O debate sobre qualidade (condições) de vida e saúde tem também razoável tradição tanto no Brasil quanto na América Latina. Paim (1995) publicou um artigo de revisão sobre estudos que relacionam condições de vida e saúde desenvolvidos nas últimas décadas, no âmbito das correntes da medicina e da epidemiologia social. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) realizou, não faz muito tempo, um seminário sobre condições de vida e situação de saúde em que vários autores latino-americanos discutem, a partir de diversos ângulos, o tema da saúde e qualidade de vida. Uma revisão recente (MINAYO, 1995) explora diversas dimensões do tema saúde e qualidade de vida no Brasil.

Em um amplo estudo sobre as tendências da situação de saúde na Região das Américas, publicado em 1996, a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) mostra, de forma inequívoca, que os diferenciais econômicos entre os países são determinantes para as variações nas tendências dos indicadores básicos de saúde e desenvolvimento humano. A redução na mortalidade infantil, o incremento na esperança de vida, o acesso a água e saneamento básico, os gastos em saúde, a fecundidade global e o incremento na alfabetização de adultos são função direta do Produto Nacional Bruto dos países.

Entretanto, demonstrar que a qualidade/condição de vida afeta a saúde e vice-versa não é o único desafio. Embora muitas questões tenham sido demonstradas, restam outras a serem resolvidas e respondidas neste campo de investigação, inclusive no que diz respeito às intervenções que, a partir do setor saúde, possam, mais eficazmente, influenciar de forma favorável a qualidade de vida.

Nessa articulação entre saúde e condições/qualidade de vida, pode-se identificar – inspirados nos pensadores e nos movimentos pioneiros da saúde pública e da medicina social já mencionados – o desenvolvimento da promoção da saúde como campo conceitual e de prática que busca explicações e respostas pretensamente integradoras para esta questão.

Mruck (1998) sugere que podem-se relacionar pelo menos cinco razões que justificam a necessidade de um enfoque científico para o estudo da auto-estima: 1) é um constructo complexo, pois está associado a outros aspectos da personalidade; 2) está relacionada à saúde mental ou bem-estar psicológico; 3) sua falta relaciona-se com certos fenômenos mentais negativos, como a depressão e o suicídio. Segundo Gobitta e Guzzo (2002), as pessoas que buscam ajuda psicológica expressam, freqüentemente, sentimentos de inadequação, pouco valor e ansiedade associados à baixa auto-estima; 4) é um conceito relevante para as ciências sociais. Gobitta e Guzzo (2002) constatam que a auto- -estima surge como um dos indicadores sociais de primordial análise de crescimento e progresso social; 5) tem grande relevância social hoje.

Os autores citados definem do seguinte modo a auto-estima: a forma como o indivíduo elege suas metas passa pela compreensão do conceito de si mesmo e a auto-estima é o aspecto valorativo e afetivo deste conceito. Ela é um juízo de valor que se expressa mediante as atitudes que o indivíduo mantém diante de si mesmo. É uma experiência subjetiva que o indivíduo expõe aos outros por meio de relatos verbais e expressões públicas de comportamentos.

Uma das estratégias para se desenvolver a auto-estima das pessoas pode ser observada em exemplos de trabalho em hortas comunitárias. Gallo, Martins e Spavorek (2004) desenvolveram uma experiência no bairro Oriente, em Piracicaba/SP, comos seguintes objetivos: a) promover a saúde da população como um todo, por meio de ações educativas (ambientais, alimentares e comportamentais); b) trabalhar de forma prazerosa aspectos ambientais e sociais; c) criar vínculos afetivos e solidários entre o grupo envolvido e a comunidade; d) promover a segurança alimentar do público-alvo e da comunidade local; e) gerar trabalho e renda por meio da produção de alimento sadio (sem defensivos agrícolas) e com baixo custo, uma vez que o custo do transporte do produto foi eliminado do sistema de produção; f) tornar os participantes capazes de gerenciar o empreendimento (horta comunitária); g) elevar a auto-estima, pois o trabalho diário dedicado à produção do próprio alimento ajuda a criar a consciência das atividades cotidianas e do sentimento de identificação com o processo de construção das identidades, resgatando, deste modo, a alegria de viver e de se sentir incluído na sociedade como um todo.

O propósito do trabalho em questão era que as famílias adquirissem aprendizado inicialmente por meio das hortas domésticas e, depois, objetivassem elas mesmas a construção da horta comunitária. Nesse caso, algumas famílias sentiram-se estimuladas pelo aprendizado adquirido nas hortas domésticas e pela perspectiva da melhoria da renda, optando, então, pela construção de uma horta comunitária.

Gallo, Martins e Spavorek (2004) destacam que os objetivos serão plenamente atingidos desde que as famílias envolvam-se no projeto desde o início, conscientizando-se de que o espaço que está sendo criado realmente lhes pertence. Desta forma, os vínculos criados entre os participantes tornam-se mais fortes. Assim, frisam-se aqui alguns resultados positivos obtidos no desenvolvimento desse trabalho: a) formação do grupo de trabalho; b) conscientização sobre o trabalho comunitário, em que os resultados serão repartidos segundo as horas de dedicação de cada um, o que implica a necessidade de organização e controle das horas trabalhadas; c) definição de que as decisões serão tomadas em grupo e em consenso; d) mutirão realizado para a limpeza do terreno adquirido; e) envolvimento do público-alvo com o espaço criado, permitindo a conscientização de que o empreendimento lhes pertence realmente.

A presente pesquisa foi realizada na Associação Global de Desenvolvimento Sustentado (AGDS), uma organização não-governamental (ONG), ambientalista e do desenvolvimento sustentado em forma de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP. Foi fundada em 19 de junho de 1984, declarada organização de utilidade pública pelo município de São Bernardo do Campo e está sediada à Avenida Vivaldi, n. 1421 – Bairro Rudge Ramos, município de São Bernardo do Campo.

O projeto de hortas comunitárias existe há 21 anos. O programa foi implantado pela AGDS, que antes era a Associação de Ex-Alunos do Instituto Metodista de Ensino Superior, hoje Universidade Metodista de São Paulo – Umesp, tendo como parceiros a Eletropaulo e a Prefeitura do Município de São Bernardo do Campo (até 1998). O projeto beneficia 300 famílias.

O objetivo do presente estudo é pesquisar a influência das atividades realizadas na horta comunitária da AGDS sobre a qualidade de vida do trabalhador.

 

Método

Participantes O projeto desenvolvido na Horta Comunitária da AGDS, unidade do bairro Rudge Ramos, São Bernardo do Campo, possui 96 membros. A coleta de dados foi realizada conforme a disponibilidade de participantes trabalhando na horta no período da pesquisa, o que possibilitou a entrevista de vinte (20) membros, que correspondem a 20,83% dos membros existentes.

Local Horta Comunitária da AGDS de uma cidade do ABC paulista.

Instrumentos Para a coleta de dados foi utilizado o WHOQOL-BREF e uma entrevista semidirigida conduzida a partir de um roteiro contendo quatro tópicos: nome, idade, tempo de trabalho na horta, por que trabalha na horta. Os comentários dos participantes ao longo da aplicação do WHOQOL-BREF foram registrados para complementação das informações.

O WHOQOL surgiu a partir da busca de um instrumento para avaliação da qualidade de vida numa perspectiva internacional. Isto fez com que a Organização Mundial da Saúde organizasse um projeto colaborativo multicêntrico que permitiu a elaboração do WHOQOL- 100, um instrumento de avaliação de qualidade de vida formulado com 100 itens. A versão em português (Brasil) do WHOQOL-100 e WHOQOL-BREF foi realizada conforme a metodologia preconizada para a versão deste instrumento, tendo sido realizado o teste de campo em 300 indivíduos para cada um dos instrumentos. As características psicométricas preencheram os critérios de desempenho exigidos: consistência interna, validade discriminante, validade convergente, validade de critério, fidedignidade de teste-reteste. A versão em português dos instrumentos WHOQOL foi desenvolvida no Centro WHOQOL para o Brasil, no Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob a coordenação do Dr. Marcelo Pio de Almeida Fleck (OMS, 1998).

Quanto ao WHOQOL-BREF especificamente, este surgiu pela necessidade de instrumentos curtos que demandassem pouco tempo para seu preenchimento, mas com características psicométricas satisfatórias, o que culminou em sua elaboração pelo Grupo de Qualidade de Vida da OMS, tratando-se de uma versão abreviada do WHOQOL-100. Este instrumento possui 26 questões, sendo duas gerais e as demais 24 representando cada uma das 24 facetas que formam o instrumento original. No WHOQOL-100, cada uma das 24 facetas é avaliada a partir de quatro questões; já no WHOQOL-BREF, é avaliada por apenas uma questão. Os dados que deram origem à versão abreviada foram extraídos do teste de campo de 20 centros em 18 países diferentes (OMS, 1998).

Uma análise fatorial confirmatória foi executada para uma solução a quatro domínios. Assim, o WHOQOL-BREF é composto por quatro domínios: físico, psicológico, relações socias e meio ambiente (OMS, 1998).

Procedimento Os dados foram coletados em quatro dias. No primeiro dia, das 8h às 12h; no segundo, das 8h às 13h; no terceiro, das 10h às 15h e no quarto dia, das 9h às 13h. Todos os trabalhadores presentes nestes dias e horários foram convidados a participar da pesquisa. Aqueles que consentiram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido fizeram parte do grupo de participantes. Respeitaram-se os preceitos éticos da World Medical Association e da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. O trabalho foi aprovado pela comissão de ética da Universidade Metodista de São Paulo.

Tratamento de dados Analisaram-se as correlações entre os domínios e as médias do grupo em cada domínio, a partir do programa estatístico SPSS, e as médias do grupo em cada resposta. As médias do grupo em cada domínio e as médias do grupo em cada resposta foram analisadas descritivamente. Para uma análise mais qualitativa, também foram consideradas, as respostas dos sujeitos na entrevista semidirigida e comentários durante a coleta de dados.

Resultados e descussão A seguir apresentam-se os resultados obtidos da avaliação da qualidade de vida dos trabalhadores de horta comunitária de uma cidade do ABC paulista. Os resultados são distribuídos segundo a avaliação dos domínios de qualidade de vida, conforme preconiza a escala de medida WHOQOL. Em seguida, são considerados os comentários dos participantes ao longo das entrevistas para uma análise qualitativa.

 

 

A partir da tabela 1 pode-se observar que os trabalhadores da horta comunitária apresentam uma percepção positiva elevada nos domínios 1 (físico), 2 (psicológico) e 3 (relações sociais), sendo que o domínio 4 (meio ambiente) é visto por eles de maneira não-satisfatória, conforme as médias apresentadas na tabela 1.

É importante ressaltar que estas análises foram feitas isolando-se os domínios, o que mostra que o meio ambiente é percebido por estas pessoas como não satisfatório. Em contrapartida, os outros domínios analisados de maneira isolada apresentam alto nível de satisfação com uma média alta de valores (acima de 68 pontos), o que pode ser identificado juntamente a tabela 1.

 

 

Observa-se na tabela 2 significativa correlação entre os domínios 1 (físico) e 4 (meio ambiente); e entre os domínios 2 (psicológico) e 4 (meio ambiente).

Calcularam-se também as médias das respostas com escala de valores de 1 a 5; obtiveram-se os valores que descrevem a média do grupo em cada questão para identificar o que contribuiu para a média do grupo em cada domínio, conforme mostra o quadro 3. O valor 3 é médio. As médias acima do valor 3 foram consideradas satisfatórias e abaixo de 3, insatisfatórias.

 

 

Com relação ao domínio 4, analisando-se descritivamente cada questão, percebe-se que o grupo se apresenta abaixo da média (2,65) quanto à suficiência de dinheiro para satisfação das necessidades pessoais. Apresenta-se também abaixo da média (2,60) no que se refere às oportunidades de atividades de lazer. Já com relação à moradia, o grupo está satisfeito com as condições do local de moradia, com média 4,15.

No que se refere ao domínio 2, o grupo está acima da média (4,15) na aceitação da aparência física e também na auto-estima (4,00). Já com relação ao proveito da vida, percebem-se mais prejudicados que nas demais questões, mas o resultado está muito próximo da média (2,95).

Analisando-se as respostas referentes ao domínio 1, tem-se que o grupo está acima da média (4,05) na questão da qualidade do sono e na capacidade de trabalho (4,10).

E finalmente, analisando o domínio 3, verifica-se que o grupo está acima da média no que diz respeito à satisfação com as relações pessoais (4,15) e com relação ao apoio recebido dos amigos (4,00).

No início, o trabalho foi uma resposta do homem às suas necessidades. A primeira intervenção executada pelo homem foi a transformação de um objeto de seu estado natural em ferramenta (BARBOSA; NASCIMENTO, 2003). Sendo assim, o homem inicia sua atividade laboral juntamente com suas necessidades particulares na horta comunitária, local de pesquisa, onde podem ser observadas essas necessidades e a busca de seu saneamento. Este fato fica claro nas falas abaixo:

"Ah, o que a gente consegue aqui é pouco, mas dá para se alimentar. Eu uso os alimentos que planto aqui para o sustento da minha família e vendo, às vezes…". e vendo, às vezes…" "O que planto aqui só dá para uso próprio, não vale a pena vender, tem concorrência de feiras na região e não vale a pena… fica o dia todo para vender um ou dois reais…" "A gente tem alguns gastos… mas dá para comercializar. Eu vendo o que planto; consigo pelo menos manter os gastos da própria horta."

Nas falas acima, fica claro que cada integrante da horta comunitária tem objetivos distintos: alguns a utilizam para sustento familiar, outros para a comercialização. Isso demonstra que este trabalho vai de encontro às necessidades de cada integrante da horta.

Autores como Barbosa e Nascimento (2003) relatam que o homem se faz a si mesmo e também sua consciência por meio da atividade prática no mundo. Assim, necessita da presença do outro. Partindo desse princípio, o homem exerce suas atividades conjuntamente, seja em sociedade, nas organizações ou em uma horta comunitária. No local de aplicação do estudo, os membros da horta relatam essa necessidade da presença do outro; seja na horta, local de labor, seja em casa ou em outro ambiente informal. Nas falas abaixo, essa afirmação proposta pelos autores fica em destaque:

"É importante que as pessoas das outras hortas estejam presentes para explicar para quem não sabe. Quando eu cheguei aqui, não sabia nada de horta e fui aprendendo com quem já sabia…" "As informações poderiam ser mais claras, tanto aqui como em outro lugar. Às vezes, a gente fica sem saber por não ter quem nos explique as coisas, e assim vai passando… uns não querem explicar, e a gente fica sem jeito de perguntar…"

O trabalho exerce sobre o homem uma ação que tem impacto sobre o aparelho psíquico […] em certas condições emerge um sofrimento que pode ser atribuído ao choque entre uma história individual, portadora de projetos e desejos, e uma organização do trabalho que os ignoram (DEJOURS, 1987 apud MENDES, 1995).

O impacto causado no aparelho psíquico do trabalhador vai de encontro a seus desejos e necessidades. Na horta comunitária, alguns trabalhadores afirmaram que estavam ali por uma questão de qualidade de vida, no sentido de que o ambiente poderia promover saúde (BLEGER, 1984), porém, não tinham condições de realizar seus desejos, pois gostariam de ter mais tempo de lazer e trabalhar menos e não tinham condições por dificuldades financeiras.

Estar na horta comunitária pode ser uma orientação médica, uma escolha de vida ou até mesmo um meio de subsistência; esses motivos se relacionam com a qualidade de vida de cada pessoa. Quando essas pessoas se deparam com a realidade na qual estão inseridas, pode ocorrer o sofrimento psíquico citado no tópico anterior e, assim, a qualidade de vida para alguns pode não estar de acordo com seus desejos subjetivos.

Saúde no trabalho também se relaciona à cultura nas organizações. Segundo Tamayo (2004), é preciso admitir que o ambiente organizacional pode ser um dos principais fatores que influenciam na saúde dos trabalhadores e na qualidade de vida no trabalho. No local de estudo em questão, constata-se essa afirmação pelos relatos de alguns trabalhadores:

"Aqui é bom, eu me distraio e acabo levando os alimentos daqui para casa, tudo fresquinho." "Quando eu venho para cá, não sinto dores. Quando fico em casa, começa a doer as pernas. O médico disse para eu fazer uma atividade física, aí eu vim para cá…".

Há que se considerar aqui o lazer e o proveito da vida como fatores importantes na qualidade de vida do indivíduo. Lembramos que o grupo pesquisado apresentou valor abaixo da média com relação a esses mesmos fatores, sendo que o lazer refere-se ao domínio do meio ambiente e o proveito à vida refere-se ao domínio psicológico. Em contrapartida, lembramos também que o grupo apresentou valor acima da média no que se refere à auto-estima, que corresponde ao domínio psicológico. Com esses dados em mãos, pode-se questionar: "Como é possível um grupo de pessoas não ter bom proveito da vida e nem mesmo ter lazer suficiente e, ainda assim, apresentar auto-estima elevada?" As falas dos sujeitos pesquisados foram necessárias para se obter possível elucidação dessa questão. Como exemplo, cita-se o Sujeito 6, que apresenta baixo proveito da vida (2), lazer na média (3), mas auto-estima elevada (4). Na verdade, o exemplo citado exige análise mais minuciosa, pois o sujeito em questão afirma não aproveitar bem a vida pelo fato de trabalhar por longos períodos na horta e não se dedicar a atividades de lazer, tais como viagens. Mas também afirma trabalhar na horta porque sente prazer em fazê-lo, gosta de mexer na terra. Nesse ponto, levanta-se a hipótese de o sujeito referir que aproveita pouco a vida, apesar de se dedicar bastante a uma atividade que lhe dá prazer, que é a horta. Em nossa sociedade há um consenso geral segundo o qual a dedicação de grande parte do tempo do indivíduo ao trabalho e uma pequena parte dele ao lazer é sinal de pouco aproveitamento da vida.

Portanto, o sujeito 6 afirma que, apesar de dedicar grande parte de seu tempo à horta comunitária, que lhe dá prazer, considera que não aproveita a vida. Mas essa breve análise não é suficiente para responder totalmente ao questionamento feito anteriormente, ou seja, como o sujeito tem pouco aproveitamento da vida e ainda assim tem auto-estima elevada? Ainda analisando o sujeito 6, verifica-se por suas respostas e falas que ele considera sua situação financeira média; não trabalha na horta por necessidade. Ainda, não deixa de desempenhar suas atividades por problemas de saúde, aceita sua aparência física completamente e possui relações sociais satisfatórias. Nesse último item, observou-se que o sujeito em questão chegou a esboçar um sorriso quando perguntado sobre a qualidade de suas relações sociais.

É de posse desses resultados que se fala de qualidade de vida. Lembremos que qualidade de vida é um conceito genérico que reflete uma preocupação com a modificação e a intensificação de componentes da vida tais como: ambiente social, físico, político e moral, e foi definida pelo Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde como "a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações". Referindo-se à saúde dos ingleses, Sigerist (1990) afirma que a saúde é afetada para melhor ou para pior pelo estado dos ambientes social e físico.

Aqui também cabe falar de auto-estima. Segundo Mruck (1998), a auto-estima está relacionada à saúde mental ou bem-estar psicológico. Gobitta e Guzzo (2002) definem auto-estima como a forma que o indivíduo utiliza para eleger suas metas, constituindo-se num juízo de valor que se expressa mediante as atitudes que ele mantém em face de si mesmo. É com base na teoria trazida até então que se verifica que o sujeito 6 parece possuir indicadores positivos de qualidade de vida, pois, apesar de achar que não aproveita bem a vida, indica ter um bom ambiente social, com boas relações sociais desenvolvidas, e ainda estar satisfeito com sua saúde a ponto de afirmar que não precisa de nenhum tratamento médico para realizar seu trabalho na horta e que está satisfeito com sua capacidade de trabalho. Assim, também afirma estar satisfeito consigo mesmo, o que indica boa auto-estima.

Para o grupo, o conceito de proveito da vida parece estar ligado intrinsecamente à realização de viagens e passeios, tendo como base as falas de alguns sujeitos:

"Aproveitar a vida eu aproveito pouco, minha mulher tá viajando e eu tô aqui." "Eu não aproveito muito a vida, não. Eu quase não passeio…" "Eu não viajo. Trabalho muito, quase não aproveito a vida." "Eu aproveito muito a vida: vou a muitas festas."

Quanto à aparência física, supõe-se que a boa aceitação do grupo diz respeito ao fato de serem, em sua maioria, homens (19 homens em um grupo de 20 pessoas), considerando-se que a sociedade cobra menos do homem a boa aparência física, e mais da mulher, principalmente no que se refere a um corpo magro e quase perfeito. Segundo Paim e Strey (2005), o corpo ideal é imposto às mulheres e, em menor escala, aos homens.

A qualidade do sono e a capacidade para o trabalho, estando acima da média, refletem sobre o exercício físico exigido no trabalho na horta, deixando os indivíduos dispostos para o trabalho e cansados no momento do sono, o que os faz dormir bem, já que, conforme Caro e Moretti (2006), a melhora do sono está intimamente ligada à prática regular de atividade física.

Em se tratando de satisfação nas relações pessoais e de apoio dos amigos, o grupo está satisfeito. Quanto à influência do trabalho na horta nesses fatores, ter-se-ia de pesquisar especificamente como as amizades se desenvolvem no local, o que não foi tema da presente pesquisa.

Quanto à correlação entre os domínios, está aparente entre meio ambiente / psicológico; meio ambiente / físico dos participantes. Pressupõe-se que o meio ambiente seja visto de modo não positivo pelo medo da violência urbana manifestado pelos participantes, conforme relatos ouvidos:

"Aqui onde a gente está, por exemplo, é perigoso; já aconteceram alguns assaltos aqui, sua sorte é que eu estou aqui com você." "Eu me sinto ‘zero’ seguro. Semana passada eu e meu filho fomos assaltados, colocaram uma arma na cabeça dele e levaram todo o dinheiro do caminhão."

Retomando o domínio físico e fazendo uso das falas trazidas pelos trabalhadores pesquisados, percebe-se que algo desenvolvido por estas pessoas reflete de maneira significativa em seu físico:

"Eu faço muita coisa aqui na horta que tem muita gente mais nova que não faz…". "Eu trabalho aqui quase o dia inteiro; nem imaginava que conseguiria fazer isto…". "Me faz tão bem estas atividades físicas que é como se fosse uma prescrição médica…". "Eu fico limpando, capinando, molhando este terreno que eu planto… é um trabalho duro, mas melhor que eu consigo fazer tudo isto e no fim do dia vou para casa e durmo tranqüilo…".

O domínio físico tem uma média alta no grupo em virtude das capacidades desenvolvidas no trabalho na horta, da diminuição de dores, da disposição para o trabalho e do aumento da força física.

A percepção que os indivíduos têm de estarem bem ao desenvolver atividades físicas ao longo do dia na horta denota que essas atividades os fazem sentir-se psiquicamente bem e trazem uma visão não-negativa do ambiente, visão que poderia ser pior caso não houvesse bem-estar psicológico e físico. Este bem-estar poderia explicar a alta correlação entre os domínios físico e do meio ambiente.

O grupo apresenta um escore acima da média no domínio meio ambiente (não satisfatório), porém não insatisfatório. A falta de dinheiro e a falta de atividades de lazer parecem não pesar tanto na parte psicológica dos sujeitos, pois estão bem em questão de auto-estima. Assim, explicar-se-ia a correlação encontrada entre os domínios.

 

Considerações finais

O trabalho comunitário sustentável desenvolvido pelo grupo pesquisado revelou possibilitar qualidade de vida aos indivíduos que dele participam. A condição de ser pesquisado, por outro lado, permitiu aos participantes repensar as atividades desenvolvidas dentro do projeto de horta comunitária. Conseguimos nos apropriar do imaginário dos entrevistados acerca da qualidade de vida, por exemplo, conhecer sua concepção sobre "aproveitar a vida", que é identificado com o não trabalho, com o lazer, com o sair da rotina.

Seria útil realizar pesquisas com outros grupos para identificar a diferença entre a qualidade de vida de trabalhadores de hortas comunitárias e a daqueles que participam de diferentes trabalhos comunitários e dos que não participam deles.

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Recebido em: 22.06.2007 Primeira revisão: 11.12.2007 Aceito em: 25.03.2008

 

 

*Baseado no trabalho de conclusão do curso de graduação em Psicologia da Universidade Metodista de São Paulo – Bacharelado. **Graduada em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo. ***Graduada em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo. ****Graduada em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo. *****Graduado em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo e mestrando em Psicologia da Saúde pela Universidade Metodista de São Paulo. E-mail: thiseixas@gmail.com. ******Psicóloga, doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Docente supervisora da Faculdade de Psicologia e Fonoaudiologia da Universidade Metodista de São Paulo e docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Co-orientadora do presente estudo. E-mail: edamc@cebinet.com.br.