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Psicologo informacao

versão impressa ISSN 1415-8809

Psicol inf. vol.11 no.11 São Paulo dez. 2007

 

Artigo

 

 

Linguagem do pensamento e pensamento na linguagem: o ato de significação em Merleau-Ponty

 

Thought language and thought in language: the signification act in Merleau-Ponty

 

 

Ludmila Dantas Feitosa*; Thiago de Paula Cruz**; Suze de Oliveira Piza***; Dagmar Silva Pinto de Castro****

 

 


RESUMO

Trata-se de uma pesquisa teórica que teve por objetivo encontrar qual seria, para Merleau-Ponty, a relação entre linguagem e pensamento. Inspirados por um texto de Vygotsky no qual este afirma ser o significado algo difícil de ser definido como um fenômeno da linguagem ou do pensamento, pensou-se em ter como horizonte de discussão o ato da significação ao qual Merleau-Ponty também se refere. Pudemos observar que, no ato de atribuição de sentido, o pensamento e a linguagem estão em uma relação indissociável em que um não é causa do outro; enquanto a linguagem expressa o pensamento, o pensamento é apropriado pela linguagem.

Palavras-chave: Pensamento; Linguagem; Significação/Sentido; Merleau- Ponty; Psicologia Fenomenológica.


ABSTRACT

This paper presents a theoretical research whose goal is to find out the relation between language and thought in Merleau-Ponty's texts. Inspired by a writing by Vygotsky in which he affirms that it is hard to define the meaning as a phenomenon of language or of thought, we decided to approach the act of signification to which Merleau-Ponty also refers. We noticed that in the act of ascribing sense, thought and language are in a non-dissociable relationship in which one is not the cause of the other; while language expresses thought, thought is appropriated by language.

Keyword: Thought; Language;Signification/Meaning; Merleau-Ponty; Phenomenological Psychology.


 

 

 

Inicialmente, tínhamos como objeto de investigação um tema amplo que compreendia a explicitação da relação entre o pensamento e a linguagem. Pensávamos em como dar-se-ia a relação entre estes dois processos cognitivos. Em uma de nossas leituras, deparamo-nos com um texto de Vygotsky (1934, pp.150-151) no qual ele afirma que:

o significado de uma palavra representa um amálgama tão estreito do pensamento e da linguagem, que fica difícil dizer se se trata de um fenômeno da fala ou de um fenômeno do pensamento. […] Daí não decorre, entretanto, que o significado pertença formalmente a duas esferas diferentes da vida psíquica […] É um fenômeno do pensamento verbal, ou da fala significativa – uma união da palavra e do pensamento.

Daí surgiu a idéia de pesquisar a relação entre a linguagem e o pensamento tendo como horizonte um elemento que surge entre eles: o ato da significação.

Esta pesquisa poderia nos levar a investigar diversas teorias psicológicas acerca da relação entre linguagem e pensamento. Entretanto, observamos que poderia ser importante escolher, para aprofundamento no tema, uma corrente ou, de modo mais específico, um autor para que a pesquisa tivesse uma contribuição verdadeiramente científica. Optamos, então, por verificar como esta relação aparece na obra de um psicólogo e filósofo: Maurice Merleau-Ponty.

Este autor nasceu no dia 4 de março de 1908. Fez o curso secundário em liceus de Paris (Janson-le-Sally e Louis-le-Grand). De 1926 a 1930, estudou na École Normale Supérieure e, nessa época, conheceu aqueles que formariam com ele a geração existencialista das décadas de 1940 e 1950 (CHAUÍ, 1984).

Em 1938, concluiu sua tese complementar denominada A estrutura do comportamento. Após participar da resistência francesa na Segunda Guerra Mundial, voltou a lecionar e, em 1945, obteve o título de doutor em Filosofia com a tese Fenomenologia da percepção (CHAUÍ, 1984).

Em 1948 passou a lecionar na Universidade de Lyon, enquanto dividia com Sartre a direção da revista Les temps modernes. De 1949 a 1952 ocupou o cargo de professor titular da cadeira de Psicologia Infantil na Sorbonne. Foi eleito, em 1952, para a cátedra de Filosofia do Collège de France, pronunciando, como aula inaugural, o ensaio Elogio da filosofia (CHAUÍ, 1984). Faleceu subitamente a 3 de maio de 1961, vítima de embolia.

Outras de suas obras são: As aventuras da dialética; Humanismo e terror; Sentido e não-sentido; Sinais. Foram publicados postumamente alguns livros que permaneceram inconclusos; são eles: O visível e o invisível (ou A origem da verdade), Resumos dos cursos ministrados na Sorbonne e no Collège de France e A prosa do mundo.

A escolha deste autor deu-se devido ao pouco contato que tivemos com ele no decorrer de nossa graduação formal e sua constante preocupação com temas considerados psicológicos (tais como o comportamento e a percepção). Além disso, Merleau-Ponty propõe uma abordagem diferenciada da Psicologia e das ciências como um todo, isto porque baseia suas concepções na fenomenologia de Husserl (1859- 1938), que realiza uma crítica severa à concepção de ciência positivista e defende uma ciência que retorne ao mundo da vida.

Neste momento, cabem algumas considerações sobre Edmund Husserl e, mais especificamente, sobre o que vem a ser a teoria fenomenológica e alguns de seus principais conceitos: a consciência, a intencionalidade e a redução.

Fenomenologia, de acordo com Dartigues (1996), nada mais é do que a ciência do fenômeno. E, conforme aponta Heidegger (1926), a etimologia do termo "fenômeno" significa aquilo que se mostra a si mesmo; não há, portanto, algo escondido por detrás do fenômeno.

O fenômeno mostra-se à consciência (ZILLES, 2002). Ela não é uma substância denominada alma, mas uma atividade constituída de atos (tais como a percepção, a imaginação, a paixão, a volição, etc.) com os quais visa a algo; no caso, a um fenômeno. Portanto, a consciência é intencional, já que só existe como consciência de alguma coisa.

Zilles (2002) coloca que desde Descartes o conhecimento é uma relação de duas coisas: a idéia (representação) e aquela coisa que está fora e é representada. Husserl (apud ZILLES, 2002) propõe justamente a distinção entre o ato que conhece e que dota os fenômenos de sentido (a noese) e a coisa conhecida (o noema). O noema, que nada mais é que o fenômeno, está presente à consciência e não dentro dela, já que a consciência não é um recipiente no qual depositamos coisas reprimidas.

A redução é, de acordo com Zilles (2002), um desdobramento da intencionalidade. A redução é também chamada de époque ou redução eidética. Este processo nada mais é que o ato de colocar a realidade da atitude natural (senso comum) entre parênteses. Não é colocar em dúvida a existência do mundo, mas, sim, suspender o juízo em relação a essa existência. Este movimento é necessário para desvelar a essência dos fenômenos retirando-lhes tudo que não é essencial. A essência é o sentido ideal do noema produzido pela consciência, que é sempre intencional.

O movimento de retornar às coisas mesmas, proposto pela fenomenologia de Husserl, é absolutamente distinto do retorno idealista à consciência. Descartes e Kant desligaram, de acordo com Merleau- Ponty (1945), o sujeito (ou consciência) do mundo, fazendo ver que não se poderia apreender nenhuma coisa como existente se, primeiramente, não se experimentasse existente no ato de apreendê-la. Eles fizeram aparecer a consciência como a absoluta certeza de mim para mim. Mas as relações entre sujeito e mundo não são rigorosamente bilaterais: se fossem, a certeza do mundo, em Descartes, seria imediatamente dada com a certeza do Cogito, e Kant não falaria de "inversão copernicana".

Para Merleau-Ponty (1945), não há distinção entre a consciência e o mundo. Ambos se confundem tão constantemente numa relação ambígua que o próprio corpo, com sua linguagem e expressão, doa sentidos às coisas. Acrescentando aspectos à teoria husserliana, afirma que o corpo, em sua totalidade expressiva, é intencional e não somente o sujeito transcendental caracterizado por Husserl.

Assim, tendo em vista toda esta ligeira introdução ao autor e à sua posição, nosso problema inicial de pesquisa seria: Qual a relação entre linguagem e pensamento na teoria de Merleau-Ponty? Entretanto, este problema ainda se mostrava muito amplo. Optamos, então, por termos, como horizonte reflexivo, o ato de significação. Assim, nosso problema passou a ser: Qual é a relação entre a linguagem, o pensamento e o ato de significação para Merleau-Ponty?

Tendo em vista a presente problemática, surgiu como objetivo compreender e articular estes conceitos de acordo com a obra de Merleau- Ponty, tendo a significação como horizonte de reflexão. A inclusão da significação nesta discussão tornou-se importante, pois, como veremos a seguir, na filosofia de Merleau-Ponty estes três conceitos – pensamento, linguagem e significação – não podem ser dissociados.

Não é nosso objetivo discutir toda a obra merleau-pontyana e nem buscar verificar se houve, no decurso do tempo, diferenças em suas concepções; isso não seria possível num trabalho desta natureza. Basta-nos, neste primeiro momento, elucidar isto a que nos propomos e, para tanto, usaremos especificamente as obras Fenomenologia da percepção e A prosa do mundo.

 

1. Um diálogo com o autor: o corpo para além da dicotomia sujeito/objeto

Para encontrar a forma com que Merleau-Ponty apresenta os conceitos de linguagem e pensamento, focamos nossa atenção em dois de seus textos. Um é o capítulo "O corpo como expressão e a fala", de sua obra Fenomenologia da percepção, e o outro são escritos reunidos postumamente na obra intitulada O homem e a comunicação: a prosa do mundo.

Antes de principiar com a caracterização de ambos os conceitos devemos dizer que, para Paviani (1998), na leitura do capítulo "O corpo como expressão e a fala", da obra Fenomenologia da percepção, além de se levar em conta as categorias fenomenológicas da intencionalidade e da redução, reconceituadas por Merleau-Ponty (1974)1, também se deve prestar atenção aos conceitos de consciência, sujeito, cogito, corpo, mundo da vida ou mundo vivido, sob pena de não se entender os objetivos do capítulo e, mais especificamente, os objetivos de suas obras A estrutura do comportamento e Fenomenologia da percepção. Desse modo, não poderíamos ir adiante sem esclarecer estes conceitos merleau-pontyanos e, principalmente, sua concepção de corpo.

Pensando o corpo como expressão, Paviani (1998) afirma, a partir das concepções de Merleau-Ponty (1974), que o corpo próprio não possui as características de qualquer objeto nem a formalidade do objeto científico. Para Merleau-Ponty (1974), há um sentido inerente ao corpo, de forma que o corpo próprio é visto como uma ponte entre a consciência e o mundo, possuindo um sentido anterior a todo significado lingüístico. Há um sentido imanente/nascente no corpo vivo que se estende a todo o mundo sensível. Tudo reside no mundo, a começar pelo corpo próprio (MERLEAU-PONTY, 1945).

A descrição fenomenológica, ao visar ao fenômeno da fala como se encontra no mundo vivido, distingue-se da fala vista como objeto de pesquisa empírica, psicolingüística, neurolingüística. Não há distinção/ corte entre a ciência da expressão e a experiência da expressão: a ciência fala das coisas que vivemos já que habita também neste mundo (MERLEAU-PONTY, 1945).

De acordo com Maciel (1997), Descartes não trouxe respostas em seu sistema de filosofia, mas colocou uma questão importante acerca da fundamentação do conhecimento. Descartes, conforme afirma Maciel (1997), acentuou o poder do intelecto. Neste esquema, é fundamental que se estabeleça e se constitua um sistema. Estabeleceu (concordância) um que foi, de certa maneira, revolucionário por tentar abarcar tanto a filosofia como a ciência não distinguindo ambas as formas de saber.

Com esta alta consideração delegada ao intelecto, Descartes afirma que o conhecimento não repousa nas ilusões dos sentidos, mas no entendimento. Para ele, pensar é ser (cogito ergo sum) e é pelo pensamento que sou. O entendimento não é uma parte, uma faculdade da alma, mas, sim, ela por inteiro (MACIEL, 1997).

Propõe, então, uma divisão da realidade em duas vertentes: res cogitans e res extensa. Esta divisão direcionou toda a filosofia moderna ao paradigma dualista de representação. Para Descartes, o corpo surge como extensão (res extensa) e ligado à alma em sua totalidade (MACIEL, 1997). Apesar de terem uma união, eles nunca se confundem entre si e mantêm sua autonomia. O pensamento é distinto do mundo; e o corpo faz parte do mundo por possuir uma extensão. O corpo surge, portanto, como objeto de um pensamento.

A concepção merleau-pontyana de corpo é uma reação direta à concepção cartesiana de corpo. Para Descartes, o corpo não atribui significado, mas somente o intelecto; o corpo, enquanto res extensa, é passivo à ação do pensamento. Há somente dois sentidos para o termo existir sob o dualismo de Descartes: ou se existe como coisa ou como consciência; objeto é objeto até o fim e consciência é consciência até o fim. Segundo Merleau-Ponty (1945), a experiência do corpo próprio revela um modo de existência ambíguo: o corpo não é um objeto, nem uma consciência. O corpo humano (meu ou de outros) só é conhecido vivendo-o, retomando o drama que o transpassa e confundindo-se com ele (MERLEAU-PONTY, 1945). O corpo não é um mero objeto entre todos: ele resiste à reflexão abstrata e mantém-se colado ao sujeito – não é um objeto, uma coisa meramente extensa.

Até hoje, o cogito desvaloriza a percepção de um outro; ele me ensina que o Eu só é acessível a si mesmo, já que me define pelo pensamento que tenho de mim mesmo e que sou, evidentemente, o único a ter. Porém, segundo Merleau-Ponty (1945), o verdadeiro Cogito não define a existência do sujeito pelo pensamento de existir que ele tem, não converte a certeza do mundo em certeza do pensamento do mundo; enfim, não substitui o próprio mundo pela significação do mundo. De certo que ele reconhece, ao contrário, meu próprio pensamento como um fato inalienável e elimina qualquer espécie de idealismo revelando-me como ser-no-mundo.

Refletindo sobre as mesmas questões e comentando a teoria merleau-pontyana, Paviani (1998, p. 46) afirma que:

A unidade específica do corpo próprio, comparável à da obra de arte, traduz-se em seu poder de significação, no sentido de ultrapassagem da mera soma das partes, pois precede a relação entre função e os órgãos. Essa unidade consiste na impossibilidade de distinguir entre expressão e o exprimido.

Por isso, a unidade do corpo, no horizonte do vivido, é necessariamente aberta e inacabada, é uma espécie de "nó de significações" e não a lei de certo número de termos co-variantes. Assim, descobre-se nele, até em sua função sexual, uma intencionalidade e um poder de significação que fornece sentido a todos os atos, relações e objetos. "A sexualidade dimensiona existencialmente toda a atividade humana, não no sentido freudiano de que tudo se reduz ao sexo, mas na condição de doadora de significação" (PAVIANI, 1998, p. 47).

A fala e a sexualidade são duas dimensões profundas e universais que se originam no corpo do corpo-sujeito, matrizes de todas as potencialidades da comunicação e significação. Não se pode pensar tais "funções" como ligadas entre si e ao mundo por relações de causalidade, já que o corpo não é um objeto; além disso, o corpo não pode ser analisado e, em seguida, sintetizado pelo pensamento, já que sua unidade é, como dissemos, ambígua, confusa e implícita. Desta forma, o corpo é a possibilidade pré-verbal da palavra, o gesto que tende a ser palavra, a palavra que busca o outro. Enfim, as condições de expressividade do corpo tornam a fala uma permanente realização do ato de significação

Com estas considerações sobre o sentido do corpo para Merleau- Ponty, podemos partir para uma segunda etapa na qual buscaremos esclarecer o que vem a ser, para ele, a linguagem e o pensamento.

 

2. A indissociação entre a linguagem e o pensamento

Em seus textos, Merleau-Ponty (1945; 1974) não faz uma distinção entre a linguagem e o pensamento. Por esta razão, ambos aparecem constantemente juntos em sua forma de escrever, não havendo uma distinção clara entre eles. Desta maneira, optamos por não dividir artificialmente ambos os fenômenos, mas, sim, mantê-los juntos em um mesmo tópico, ainda que isso o tornasse extenso e desproporcional em relação aos outros do presente artigo.

Um ponto que deve ficar claro no decorrer do artigo é que, devido às traduções diversas que existem da obra de Merleau-Ponty, alguns termos devem ser tomados como sinônimos. Linguagem (parole) é o termo adotado na tradução da obra Fenomenologia da percepção enquanto fala (parole) é o termo adotado na tradução da obra A prosa do mundo. Sendo assim, quando falamos em linguagem e/ou fala, estamos nos referindo à mesma coisa. Merleau-Ponty adotou os termos utilizados por Saussure e, por esta razão, utiliza os termos parole e langue como distintos; o primeiro refere-se à fala e à linguagem, enquanto o segundo remete à língua enquanto sistema.

Merleau-Ponty (1945) afirma existirem duas formas de psicologia (ou vertentes) que se ocupam dos estudos da linguagem: uma delas segue determinada tendência mecanicista e outra é intelectualista. A primeira forma declara que a reprodução da palavra é o essencial e que ela é evocada de acordo com leis mecânicas e associativas. Já a segunda tendência afirma ser a fala uma operação interior, sendo que a denominação de um objeto é uma operação categorial.

Em ambas estas formas de psicologia a palavra não tem significação. Na perspectiva intelectualista, a palavra não tem sentido, mas, sim, o pensamento; a palavra vazia é um mero acompanhamento exterior do pensamento. Já na perspectiva mecanicista, não há quem fale: há um sujeito pensante (e não falante). Ao contrário do que ambas professam, declara Merleau-Ponty (1945), a palavra tem, sim, um sentido.

O sentido deve ser induzido pelas próprias palavras: sua significação deve se formar antecipadamente por uma significação gestual que é imanente à fala. A linguagem, seja ela musical ou mesmo plástica, diz algo. Apesar de não ser compreendida de início, ela secreta sua significação que não é o sentido comum das palavras, dos sons, ou das imagens pictóricas. Isso leva Merleau-Ponty (1945) a afirmar que há um pensamento na fala.

A fala não é signo do pensamento, pois não é como o pensamento dado tematicamente: o sentido enraíza-se na fala que é a existência exterior do sentido. A palavra e a fala são a presença do pensamento no mundo sensível (e não sua vestimenta). Ela possui uma camada de significação existencial antes do enunciado conceitual que habita as palavras de modo que a linguagem é significação; ela não tem significação (MERLEAU-PONTY, 1945; 1974). Tanto é que um dos resultados da linguagem é o fazer esquecer: quando alguém sabe exprimir-se, os sinais são esquecidos e permanece apenas o sentido.

Portanto, de acordo com Merleau-Ponty (1945), a fala é um gesto e contém seu sentido. Não é pelo pensamento que eu comunico, mas como um sujeito falante. A intenção significativa (que moveu a fala) do outro é por mim retomada por uma operação de meu ser, de minha existência e não pelo pensamento. Não parece ser assim, pois a fala está instituída e com uma série de significações já formadas que nos dão pensamentos secundários. E este problema não nos espanta: o mundo lingüístico e intersubjetivo não é distinguido do mundo dentro do qual refletimos. Segundo afirma Merleau-Ponty (1945), é preciso reencontrar o silêncio primordial e descrever o gesto que rompe esse silêncio: a fala é esse gesto.

E na descrição não se percebe um fato psíquico escondido atrás do gesto: o gesto é esse fato (MERLEAU-PONTY, 1945). Entretanto, o sentido do gesto não é percebido como se percebe uma cor: ele não é dado, mas compreendido, ou seja, retomado por um ato que não é uma operação de conhecimento. E, não obstante, geralmente é limitado a gestos humanos que posso compreender. O gesto que percebo desenha um objeto intencional que se torna atual (presente) e é compreendido; o gesto convida-me a encontrá-lo pela questão que é. É pelo meu corpo que compreendo o outro e percebo coisas: o sentido do gesto se confunde com a estrutura do mundo que ele desenha – ele se expõe no próprio gesto. Assim também o gesto lingüístico: ele desenha seu próprio sentido. As significações disponíveis (i.e., atos de expressão anteriores) estabelecem um mundo comum entre sujeitos falantes ao qual a fala atual se refere. O sentido da fala é o modo como ela, a linguagem, maneja esse mundo lingüístico comum, as significações adquiridas, apreendidas em um ato indiviso, breve. A linguagem não exprime pensamentos; ela é tomada de posição do sujeito no mundo de suas significações (MERLEAU-PONTY, 1974).

A linguagem só diz a si mesma: seu sentido não é separável dela. Não há signos naturais já que isso nos levaria à pressuposição de que a anatomia do nosso corpo corresponderia a gestos definidos (Merleau- Ponty, 1945). O que importa é a forma como as pessoas usam seu corpo; esse uso é transcendente ao corpo enquanto ser puramente biológico. Sentimentos e condutas passionais são inventados como as palavras: não são instintos inscritos no corpo. Não há camadas naturais e culturais; no homem tudo é natural (não há gesto que não deva algo ao corpo biológico) e tudo é construído. Um ser vivo transforma o mundo físico dando aos estímulos um sentido que eles não tinham.

Os comportamentos criam significações que transcendem o dispositivo anatômico estando, entretanto, imanentes ao comportamento (que se ensina e se compreende). É uma potência irracional que cria e comunica significações: a fala é um caso particular dela (Merleau-Ponty, 1945). A linguagem não é, portanto, no instante que funciona, o resultado do passado que arrasta atrás de si; não é a etimologia que me dirá o que o pensamento significa no momento presente (MERLEAUPONTY, 1974). Afirmar que a fala e a escrita têm o germe de todas as significações possíveis e que todo pensamento está destinado a ser dito pela língua é senso comum.

A condição para o milagre da fala não basta (MERLEAU-PONTY, 1945). Adquirir um alfabeto de significações e querer que o gesto verbal se execute em um panorama comum não é suficiente. A fala autêntica faz nascer um sentido novo; é preciso que as significações adquiridas tenham significações novas. Mas devemos observar que não deve ser um sentido figurado, já que ele significa fora de nós. Essa potência aberta e indefinida de significar (i.e., de apreender e de comunicar um sentido) é o fato último (i.e., o fundamento) da transcendência em direção a um novo comportamento e ao outro, ao seu próprio pensamento através de seu corpo e de sua fala. O gesto fonético realiza uma experiência assim como um comportamento de meu corpo investe aos objetos certa significação. O sentido do gesto não está no gesto enquanto fenômeno físico, fisiológico ou sonoro; há um ato de transcendência em que há uma ultrapassagem disso tanto na aquisição de um comportamento como na comunicação muda do gesto. Ou seja, a mesma potência que o corpo abre para uma conduta nova existe na expressão de testemunhos exteriores.

Segundo Merleau-Ponty (1945), a fala não é uma operação da inteligência nem um fenômeno motor: ela é motricidade e inteligência integralmente. É impossível encontrar, para citar um exemplo, algum distúrbio de linguagem que seja puramente motor e escape de questões sobre o sentido da linguagem. Existem diversas camadas de significação: vaise desde a visual da palavra, passando pela conceitual. Toda operação lingüística supõe a apreensão de um sentido. É preciso pensar numa noção que integre motricidade e inteligência. Tal noção pode ser percebida quando nem um e nem o outro estão com "problemas", mas a vida da linguagem está alterada. Por exemplo, uma pessoa que só fale quando questionada diretamente, o uso de questões estereotipadas, a não utilização da linguagem para exprimir situações possíveis, proposições falsas que não têm sentido para alguém, uma pessoa que só fale se puder preparar antes as suas frases. Não há aqui uma linguagem automática nem sinais de enfraquecimento da inteligência (pela qual as palavras são organizadas pelo seu sentido), mas sim o próprio sentido que está imobilizado. A pessoa não sente necessidade de falar, nunca se lhe vem uma questão, sua experiência não tende para a fala; abafa toda interrogação, toda referência ao possível, toda surpresa, toda improvisação.

A intenção de falar só se encontra na experiência aberta, quando a linguagem passa a ser usada para estabelecer uma relação viva consigo mesmo e com os semelhantes. É quando ela deixa de ser um instrumento (um meio) para ser uma manifestação, revelação do ser íntimo e do elo psíquico que nos une ao mundo e aos nossos semelhantes; a essência mais profunda do homem que se revela na criação da própria linguagem (MERLEAU-PONTY, 1945). Essa é, segundo Merleau-Ponty (1974), a virtude da linguagem: ela nos atira ao que significa, dando-nos acesso, além das palavras, ao pensamento do outro.

Ao falar, não represento os movimentos a fazer; assim como a mão e o corpo se mobilizam para pegar alguma coisa, assim também ao se dizer a palavra. E, ao enunciar algo não é à palavra ou à frase que viso, mas à pessoa, sendo que utilizo palavras para que ela possa me compreender. Ao ouvir, o discurso fala em mim – não sei o que é de mim e o que é do outro. Há uma projeção no outro, uma introdução dele em mim. O eu instalado num corpo-linguagem não está numa prisão, mas em algo que nos transporta na perspectiva do outro (MERLEAU-PONTY, 1974). Pela palavra sou colocado na presença de um outro eu mesmo. Não há palavra e, em última instância, personalidade que não sejam para um eu que tenha em si o germe da despersonalização. A linguagem é o pulsar de minhas relações comigo mesmo e com outrem, e não o desenrolar de imagens ou o produto de um puro poder de pensar.

A linguagem compreende a si mesma. Ela não é objeto e é suscetível de uma retomada acessível pelo interior. Falo e depois apreendo, com outros sujeitos falantes, qual é o sentido de uma linguagem. "A objetividade pura conduzia à dúvida. A consciência radical da subjetividade me faz redescobrir outras subjetividades" (MERLEAU-PONTY, 1974, p. 40).

Cada língua estabelecida não é uma convenção arbitrária, mas uma das muitas formas de o corpo humano viver o mundo (Merleau-Ponty, 1945). Daí decorre o fato de que o sentido pleno de uma língua nunca é traduzível a outra. Se por alguma razão falamos várias línguas, permanecemos naquela em que vivemos, ou teríamos dois mundos distintos. É este mundo lingüístico que possibilita a comunicação: é preciso que o vocabulário e a sintaxe do outro sejam conhecidos.

E estes sistemas de vocabulário e sintaxe (meios de expressão que existem empiricamente) são o depósito e a sedimentação de atos de fala cujo sentido não formulado encontra meio de traduzir-se no exterior e adquire a existência para si mesmo, e é verdadeiramente criado como sentido. É a gramática oficial que atribui significações a sinais. Neste ponto, Merleau-Ponty (1945; 1974) distingue entre duas falas (linguagens): uma fala falante e uma fala falada.

A fala falante é aquela em que a intenção significativa está em estado nascente; sua existência tem um "sentido" que não pode ser definido por nenhum objeto natural – vai além do ser que ela procura alcançar; daí a criação da fala como apoio empírico ao seu não-ser. Ou seja, é aquela que, na expressão, me faz deslizar dos sinais ao sentido, secretando uma significação nova que ultrapassa estes sinais e significações disponíveis.

Já a fala falada refere-se àquela que desfruta somente das significações disponíveis e, a partir delas, outros atos de expressão autêntica tornam-se impossíveis. É, portanto, aquela que é adquirida e que desaparece diante do sentido que carrega, uma massa de sinais estabelecidos com significações disponíveis. Contentar-se com esta linguagem pronta e não criar ou desenhar novas significações é uma forma de se calar, já que, desta maneira, não falo verdadeiramente a alguém (MERLEAU-PONTY, 1974).

Aqui cabe um apontamento sobre a expressão, o ato de exprimir-se do qual viemos falando até agora. Para Merleau-Ponty (1974), o exprimir-se é um paradoxo: requer um fundo de expressões já estabelecidas e deve permanecer novo. Quando a palavra torna-se viva, a língua artificial se enche de exceções. As línguas anseiam por mudanças para que possam se tornar novamente expressivas. A linguagem tem um interior, uma intenção de significar que anima acidentes lingüísticos; é preciso pensar inclusive a própria consciência nos acasos da linguagem. Para ficar somente em um exemplo, podemos citar os neologismos.

A análise da fala nos permite conhecer a natureza enigmática do corpo próprio (MERLEAU-PONTY, 1945). Sabia-se que o gesto (ou a fala) desenvolvia e/ou manifestava uma outra potência, que seria o pensamento ou a alma. Mas não se sabia que, para exprimir o pensamento, o corpo tinha que se tornar naquele pensamento/intenção que ele nos significa: é ele (o corpo) que mostra e que fala.

Segundo Merleau-Ponty (1945), pensar é uma experiência, pois nos damos o nosso pensamento pela fala interior ou exterior. Ele progride, mas precisamos nos apropriar dele. E essa apropriação somente acontece, o pensamento somente se torna de fato nosso por intermédio da expressão. A denominação de objetos é o próprio reconhecimento deles. O objeto só é conhecido quando nomeado: o nome é a essência do objeto e reside nele. Pré-cientificamente, nomear um objeto é fazê-lo existir, modificá-lo. A fala não traduz um pensamento já feito, mas o consuma. Ou seja, somente pela fala, pela linguagem, podemos nos apropriar de nosso pensamento, fazendo as coisas existirem pela denominação que damos aos objetos.

A compreensão que podemos experienciar vai além daquilo que nós mesmos pensamos (MERLEAU-PONTY, 1945). Na compreensão do outro, o problema da compreensão é indeterminado; se não fosse assim, teríamos somente uma incógnita e outros termos conhecidos. Há uma retomada do pensamento do outro pela fala, um poder de pensar segundo o outro que enriquece nossos próprios pensamentos.

No sujeito falante, o pensamento não é uma representação. Não há pensamento antes de falar e nem mesmo enquanto se fala, já que sua fala é seu pensamento. Ele não pensa o sentido do que diz e não representa as palavras empregadas; só se representam palavras ao pronunciálas. Para isso, basta ter sua essência articular e sonora para usar meu corpo nisso – é preciso usá-la. A palavra é um equipamento do meu mundo lingüístico (MERLEAU-PONTY, 1945).

O pensamento não será interior se entendermos este conceito como algo oposto ao mundo e fechado sobre si mesmo. Ele não existe fora do mundo e/ou das palavras. O silêncio, a vida interior, é uma linguagem interior. Uma nova intenção significativa conhece a si mesma recobrindo-se de significações já disponíveis provenientes de atos de expressão anteriores e instituídos na sintaxe do mundo lingüístico do qual nascemos que se misturam por uma lei desconhecida. O pensamento e a expressão constituem-se simultaneamente (MERLEAU-PONTY, 1945). Há uma significação gestual e existencial da fala em que a linguagem tem um interior, mas este não é um pensamento fechado sobre si e consciente de si.

Como dissemos anteriormente, a expressão, o ato de exprimir-se é um paradoxo. A operação expressiva realiza ou, em outras palavras, efetua a significação, arrancando os signos de sua existência empírica, e os arrebata a um outro mundo, não se limitando a uma simples tradução (Merleau-Ponty, 1974).

O pensamento não pode se fechar sobre significações prontas e nem fazer delas a medida de sentido (MERLEAU-PONTY, 1974). A linguagem não é um impedimento à consciência, mas um gesto que me reúne a mim mesmo e a outrem não havendo diferença entre o ato de se atingir e o de se exprimir.

O pensamento não é um efeito da linguagem (MERLEAU-PONTY, 1945). Na afasia amnésica, não é a palavra que se perde, mas algo que lhe pertence. Se fosse o conceito abstrato, o pensamento seria causa da linguagem. Mas a palavra, quando perde seu sentido, modifica-se até em seu aspecto sensível: ela se esvazia. A palavra não diz mais nada, é estranha e absurda; assim são, para nós, aqueles nomes que repetimos por muito tempo. Pode-se ter palavras vazias e manter o poder de associar idéias, mas o elo entre a palavra e seu sentido vivo não é de associação. Conforme afirma Merleau-Ponty (1945), o sentido habita a palavra.

Os atos de falar e de compreender não supõem só o pensamento, mas, mais essencialmente (como fundamento do próprio pensamento), o poder de se deixar desfazer e refazer por um outro atual, vários outros possíveis e por todos. A comunicação não ocorre depositando todo meu pensamento em palavras, mas, sim, pela minha entonação, pelo tempo, pelo ritmo, etc. "O sentido está além da letra, o sentido é sempre irônico" (MERLEAU-PONTY, 1974, p. 44). A significação não é um pensamento puro sem qualquer vestígio de linguagem; o sinal é uma manifestação exterior do pensamento e se aproxima da significação se considerado como funcionando em uma língua viva (MERLEAUPONTY, 1974). A lei que funda a significação é praticada por sujeitos falantes e não apanhados e capturados por sujeitos pensantes.

 

3. O ato de significação como elucidador da relação entre linguagem e pensamento para Merleau-Ponty

Neste tópico traremos as considerações sobre a relação propriamente dita, tendo como horizonte reflexivo o conceito de significação. Merleau-Ponty (1945; 1974) utiliza este termo como sinônimo de sentido. Assim, trataremos dele como pedra de toque na discussão que se segue.

De acordo com Merleau-Ponty (1945), descrever a fala e o ato expresso de significação permite ultrapassar a dicotomia sujeito-objeto. O próprio Vygotsky (1934) afirma algo semelhante ao dizer que não podemos saber se o significado é um fenômeno da fala ou do pensamento. Isto sugere que, na atribuição de sentido, há uma união indissociável entre ambos e não algo que ocorre em duas esferas da vida psíquica.

O corpo próprio, de acordo com Merleau-Ponty, é ambíguo. Não é nem objeto e nem mesmo pura consciência. O pensamento e a fala parecem estar ligados no ato da significação, na atribuição de sentido. Ou seja, a fala não diz sobre o pensamento ou é referência a ele; ela própria é o pensamento e ambos são a significação.

O gesto – e, de modo mais específico, a fala – é compreendido e não explicado. É ele próprio que desenha seu sentido, sua significação. O sentido não está e não pode ser separado da linguagem. E, neste processo, o pensamento também não pode ser colocado a distância.

Todos nós vivemos em determinados mundos lingüísticos que possuem uma série de significações instituídas. A sintaxe e o vocabulário nada mais são que significações previamente atribuídas a sinais. Entretanto, podemos ultrapassá-las pelo ato de significação que, em uma indissociação entre linguagem e pensamento, transformamos estímulos dando-lhes um novo sentido. Merleau-Ponty diz que isso acontece com qualquer comportamento (que para ele é entendido como gesto). Minha língua não é uma mera soma de fatos, mas um instrumento para uma vontade de expressão total. Por esta razão, podemos entrar em outros sistemas de expressão que seriam sempre variantes daquele mundo lingüístico no qual nascemos.

Se nos fiássemos somente nestas significações instituídas sem transformá-las, seria como se estivéssemos calados. A criação de novos sentidos pelo ato de significação (que são atos de expressão autêntica) presume esta transformação daquilo que é dado, a união entre a linguagem e o pensamento e a comunicação com os outros.

A fala autêntica é justamente aquela que perpassa os sinais e as significações disponíveis secretando novas significações. Nesse processo, apropriamo-nos de nosso pensamento expressando-o. Ou seja, no ato da significação aparecem juntos os fundamentos da linguagem e do pensamento: em primeiro lugar a comunicação (que implica um outro eu para compreender o que digo) e quando o nosso pensamento se torna de fato nosso.

No sujeito que fala autenticamente, sua fala é seu pensamento. Sua linguagem é espontânea e constrói novos sentidos e significações, tendo por pano de fundo aquelas que foram instituídas e devidamente inseridas no mundo lingüístico (vocabulário e sintaxe) no qual estamos inseridos. O pensamento não é uma consciência, uma substância encapsulada em si mesma, mas, ao contrário da tradição cartesiana, está no mundo.

Há a possibilidade de se falar com palavras vazias de sentido apesar de sua conceituação estar correta; ou seja, é possível pensar que o sentido não está nela, mas que sua conceituação (que é abstrata) está correta. Aquilo que é expresso nunca é totalmente expresso: as coisas percebidas são inesgotáveis, pois nunca se dão inteiramente. A lógica da linguagem não se pode pôr em conceitos e tanto ela como a língua são concebidas na dimensão da existência e não do conceito ou da essência.

 

4. Desafios: o que emerge

No decorrer deste trabalho observamos que, no ato de significação, a linguagem aparece claramente ligada ao pensamento. Ao significarmos, ao atribuirmos um sentido às coisas e aos estímulos que nos aparecem, não é mais o conceito sobre o qual refletimos que conta, mas a apropriação significativa que fizemos deste pensamento pela expressão espontânea dele na fala. Ou seja, no ato de significação apropriamonos do nosso pensamento ao falarmos e, enquanto falamos, damos sentido ao nosso pensamento que se torna cada vez mais nosso. Por esta razão, Merleau-Ponty afirma que para compreender a origem da linguagem é preciso vê-la como arte muda, já que ela, quando falada autenticamente, emerge do silêncio.

Após todo o caminho percorrido tendo em vista o objetivo da presente pesquisa, alguns questionamentos surgem e gostaríamos de apontá-los aqui para que sirvam de referência mais concreta a novos aspectos a serem investigados.

A relação entre a linguagem e o pensamento no ato de significação de um sujeito que cria novos sentidos dá vazão a uma série de pesquisas. Tanto é que, ao fim desta, diversos questionamentos surgiram.

Se a relação entre ambos os fenômenos ocorre no ato de significação (no qual se torna difícil distingui-los), podem eles acontecer isoladamente? E, se puderem, seria uma fala ou um pensamento genuinamente autêntico?

Outra questão que surge é a relação do pensamento merleaupontyano sobre a expressão e aspectos da criatividade. Parece-nos que o ato de significação é criativo, mas seria possível utilizar este termo na estrutura de sua obra?

Podemos nos questionar ainda se é possível pensar que a psicologia deva estudar ambos os fenômenos distinguindo-os ou somente explicando, por A mais B, como eles são aprendidos? Não seria mais necessária uma compreensão destes fenômenos que uma explicação? Esta pergunta fundamenta-se na própria obra de Merleau-Ponty, já que ele afirma que a fala deve ser compreendida e não meramente traduzida ou explicada; para que a ciência possa prosperar neste campo, não deveria tal consideração ser levada em conta?

Parece-nos importante o aprofundamento em teorias que possuam uma concepção coerente com este retorno ao mundo vivido. As ciências em geral (e a psicologia de um modo mais específico) têm muito a aprender com o solo originário de onde surgiram. As ciências e as questões científicas não devem flutuar no ar e distanciar-se do solo da existência concreta; não é possível uma objetividade total, já que sujeito e objeto são indissociáveis em uma relação intencional. E no estudo da linguagem e do pensamento, a mesma atitude dever ser utilizada: não devemos estudálos como se não fizessem parte de nós ou como se fossem passíveis de uma análise que os retirasse da nossa experiência cotidiana.

Uma última questão que fica e que, de certa maneira, vai além do escopo do presente trabalho, é se é possível pensar uma pessoa que não seja criadora de mundo, mas somente sua reprodutora. Merleau-Ponty fala sobre a pessoa que não ultrapassa as instituições lingüísticas dando um sentido novo às significações correntes; será que isso se aplica a todas as formas de expressão humana, a todo gesto? Será que podemos, por meio de um movimento pessoal, escolher se nos basta sermos guiados pelo que é dado e pelo que é mais provável ou pela criatividade, a atribuição de novos sentidos sobre este mundo no qual nascemos e que já está constituído no momento em que fomos concebidos?

 

Referências bibliográficas

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Recebido em: 10.02.2007 Primeira revisão: 10.10.2007 Aceito em: 20.11.2007

 

 

*Graduada em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo e mestranda em Psicologia da Saúde pela Universidade Metodista de São Paulo. E-mail: lud_psico@yahoo.com.br. **Bacharel em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo e mestrando em Psicologia pela Universidade de São Paulo. E-mail: tpc_psico@yahoo.com.br. ***Mestre e docente da Universidade Metodista de São Paulo. Orientadora do presente estudo. E-mail: suze.piza@ metodista.br. ****Psicóloga, mestre em Psicologia da Saúde pela Universidade Metodista de São Paulo e doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento pela Universidade de São Paulo. Coordenadora da Cátedra Celso Daniel de Gestão de Cidades. Co-orientadora do presente estudo. E-mail: dagmar.castro@metodista.br.