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versão impressa ISSN 1415-8809

Psicol inf. vol.12 no.12 São Paulo out. 2008

 

Análise clínica da avaliação cognitiva de crianças com inibição intelectual

 

The Clinical Analysis of the Cognitive Assessment in Children with Intellectual Inhibition

 

 

Maria Salete Legname de Paulo*

Universidade Metodista de São Paulo (Umesp).

 

 



RESUMO

O objetivo principal deste estudo foi investigar a relação dos distúrbios emocionais com as dificuldades de aprendizagem escolar em crianças com inteligência normal, por meio de uma avaliação compreensiva integrando o funcionamento intelectual e a organização da personalidade. A fundamentação teórica psicanalítica sustenta que processos psíquicos patológicos podem diminuir a função da curiosidade e causar sintomas de inibição intelectual. O presente estudo utilizou o WISC III e o CAT-A em cinco crianças, de 8 a 10 anos, encaminhadas à avaliação psicológica devido a dificuldades de aprendizagem escolar. O resultado do WISC-III revelou nível intelectual médio-superior. A avaliação qualitativa mostrou oscilação interna entre os subtestes e desempenho instável indicando a presença de fatores emocionais interferindo nos processos cognitivos. A análise do CAT revelou principalmente produção empobrecida, fragilidade das funções egóicas, mecanismos de defesa imaturos e dificuldades na elaboração de conflitos. Os distúrbios presentes indicam um bloqueio temporário que interfere em sua habilidade de utilizar o potencial intelectual na aprendizagem. A produção do CAT também foi utilizada como procedimento facilitador das intervenções do psicodiagnóstico interventivo.

Palavras-chave: Psicodiagnóstico compreensivo. Inteligência. WISC II. Técnicas projetivas. Psicanálise.


Abstract

The purpose of this research was to investigate the emotional disturbances of normal intelligence children who suffer from learning disabilities. The psychoanalytical approach sustains that psychopathology can reduce curiosity and the intellect. Through a comprehensive assessment of intellectual functioning and personality organization, this study used the WISC III and the CAT-A to assess five children, with their age ranging from 8 to 10, and all referred to be psychologically evaluated due to difficulties in leaning at school. The WISC III results revealed intellectual level high average, with sufficient learning resources. The qualitative evaluation showed oscillation between the subtests and unstable performance, indicating interference of the emotional aspects in the cognitive processes. The analysis of the CAT-A showed diminished production, frailties of the ego’s functions, immature defense mechanisms and incapability of solving conflicts. The emotional disturbances indicate a temporary inefficiency of mental functions that interfere with the children’s academic capacity and achievement. The histories obtained by CAT-A were also used as contact facilitators and mediators of the intervening work.

Keywords: Comprehensive assessment. Intelligence. WISC-III. Projectives techniques. Psychoanalysis.


 

 

Estudos derivados da prática clínica mostram uma elevada demanda de atendimento psicológico em escolares com dificuldades de aprendizagem, a despeito de contarem com nível intelectual normal, que deram origem a várias contribuições teóricas e pesquisas sobre a dinâmica emocional dessas crianças.

Tarnopolsky (1995) expôs um histórico sobre o tema, ressaltando que inicialmente o fracasso escolar era explicado por uma associação direta a um déficit intelectual, ou seja, que os fracassos na aprendizagem eram devido a um baixo Q.I. e que, portanto, para uma adequada aprendizagem escolar bastava apenas um nível normal de inteligência. Segundo a mesma autora, esta visão da problemática alterou-se principalmente a partir das contribuições de abordagem psicanalítica, entre elas, os trabalhos de Melanie Klein (1981) sobre os efeitos da inibição da curiosidade no desenvolvimento intelectual da criança.

Assim, em relação às contribuições clássicas sobre a influência dos aspectos emocionais nos processos cognitivos destacavam-se, já na década de 1930, os trabalhos de Klein, nos quais a autora desenvolve a teoria de que os processos intelectuais dependem de experiências emocionais muito precoces na vida da criança. Sua teoria ofereceu uma nova visão a respeito das referidas dificuldades.

Há algum tempo, sabe-se que não é suficiente considerar apenas o potencial intelectual da criança, mas também aspectos de ordem emocional que possibilitam ou não que a criança se utilize do potencial que possui, como é citado por vários autores clássicos e atuais, entre eles, Arzeno (1995), Benczik (2005), Fernandez (1991), Oliveira e Santiago (1987), Pain (1985), Souza (1993), Tarnopolsky (1995), Verthelyi (1993).

Na visão de Safra (1987), a capacidade do sujeito para tolerar a angústia é um fator essencial no processo de conhecimento da realidade interna e externa, e ele considera a influência do aspecto emocional como algo que favorece o desenvolvimento da criança e a capacidade de pensar. Baseado em sua experiência clínica, o autor afirmou que nas situações em que a angústia é intolerável, a criança tende a atacar uma ou mais funções mentais que permitiriam o contato com esses sentimentos penosos. As mesmas funções mentais alteradas pelos mecanismos emocionais prejudicam a capacidade de aprender dessa criança, tornando-a inibida ou bloqueada.

A clínica da atualidade evidencia crianças que são trazidas para atendimento psicológico porque sentem uma sobrecarga de exigência quanto à eficiência, rapidez, produtividade e bom desempenho escolar, à custa de muito desgaste de energia. Algumas vezes, a suspeita é de deficiência do desenvolvimento intelectual. Em consequência, dificuldades naturais se avolumam e, nessas circunstâncias, o sofrimento da subjetividade mostra-se acentuado e agravado.

Essas consequências são facilmente observadas nos relatos de pais que procuram atendimento psicológico para seu filho devido a problemas na aprendizagem. A extrema exigência externa, associada à fragilidade interna, estimula as pessoas a uma dissociação, ou seja, podem ser aparentemente adaptadas e esforçadas e conseguir realizar um mínimo esperado delas, mas essa capacidade refere-se a um falso self que permite uma aprendizagem mínima com máximo de esforço, encobrindo grande sofrimento emocional.

No desenvolvimento de seu trabalho, Winnicott (1984, 1990) reconheceu crianças com incapacidades porque sofreram privação no desenvolvimento emocional precoce. Para ele, saúde mental significava maturidade emocional. Nesse sentido, a capacidade da mãe para compreender e atender as necessidades do bebê tem importância fundamental como causa dos principais distúrbios posteriores.

A contribuição inovadora de Winnicott (1984) leva em conta o desenvolvimento emocional infantil e as possíveis consequências da falha ambiental precoce como uma quebra na continuidade natural do curso da vida mental. Porém, algumas crianças tentam superar tal carência mantendo a estrutura de vida apoiadas em um falso self que encobre um temor de voltar às experiências frustrantes iniciais, encobre angústia e, algumas vezes, um terror sem nome

Apoiadas nessa base teórica para compreender a subjetividade de crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem escolar, utilizamos o Teste de Apercepção Temática Infantil (CAT-A), em dois trabalhos anteriores, para investigar a psicodinâmica e a influência dos distúrbios emocionais nesse quadro clínico (PAULO, 1998; TARDIVO; PAULO, 1992). Os resultados obtidos evidenciaram crianças com dificuldade em tolerar frustrações, fragilidade das funções egóicas, organização defensiva imatura, impossibilidade de solucionar conflitos, tendência à introversão, sentimentos de insatisfação, insegurança e inadequação. Os psicodinamismos emocionais ligados à dificuldade em lidar com a agressividade geram ansiedade e tensão internas, levando, por sua vez, a uma ineficiência temporária das funções mentais desenvolvidas e empobrecendo a produção dessas crianças.

Em trabalho recente, Benczik (2005) utilizou o CAT-A para investigar os aspectos psicodinâmicos envolvidos no Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) em meninos com inteligência normal. Também usou a teoria das Relações Objetais, de Klein, como suporte de entendimento. A autora afirmou que o CAT-A foi eficiente para diferenciar as crianças com e sem TDAH. Os resultados principais da análise feita às cegas identificou, entre os meninos com o transtorno: negação maníaca onipotente, trapaça, sentimentos derivados do instinto de morte, como raiva e inveja, e tendências destrutivas.

A conclusão de seu estudo assemelha-se aos resultados que encontramos em trabalho anterior (PAULO, 1998), ou seja, que o CAT-A é um instrumento projetivo útil no diagnóstico psicológico de crianças com dificuldades associadas à aprendizagem, principalmente ao detectar a influência dos impulsos destrutivos, interferindo em sua produtividade. A compreensão dos aspectos psicodinâmicos salientou intenso sofrimento psíquico desses meninos como problemática psicológica prioritária.

Importante ressaltar que a avaliação intelectual é um aspecto fundamental nos estudos desta natureza, na medida em que a exclusão dos sujeitos com hipótese de deficiência mental deve ser um critério considerado nas variáveis de seleção do grupo. Nesse sentido, as Escalas Weschler têm se constituído no principal instrumento para avaliação do nível mental, bem como para identificação de indicadores diagnósticos das incapacidades de aprendizagem, aspecto confirmado por diversos estudos, como o de Miranda et al. (2004).

No interesse de continuar pesquisando o tema, elaboramos neste estudo uma atualização de pesquisa anterior (PAULO, 1998), utilizando agora o WISC III padronizado para a nossa população. O primeiro estudo identificou distúrbios emocionais condicionantes às dificuldades de aprendizagem escolar em crianças com inteligência normal. A abordagem tem fundamentação teórica psicanalítica das relações objetais que sustenta a interpretação de que processos psíquicos patológicos podem diminuir a função da curiosidade e causar sintomas de inibição intelectual.

 

MÉTODO

O método utilizado nesta pesquisa é qualitativo, do tipo estudos de caso, a partir do método clínico, no contexto de atendimento de crianças com queixas de dificuldades de aprendizagem em psicodiagnóstico interventivo. Optamos pelo método clínico de investigação da personalidade, cientificamente fundamentado por Trinca (1983, 1984) como um processo diagnóstico de tipo compreensivo. O método clínico, associado às técnicas de investigação psicológica, pode aprofundar a compreensão e elucidação dos determinantes das perturbações, e suas conclusões permitem especificar os pontos principais de desajustamento e seus significados, facilitando o direcionamento das intervenções

As técnicas de investigação clínica da personalidade são utilizadas no diagnóstico psicológico, com a finalidade de exploração ampla da personalidade e da dinâmica emocional dos processos inconscientes. Segundo Trinca (1984), e de acordo com nossa prática clínica, os testes psicológicos são instrumentos auxiliares no diagnóstico de tipo compreensivo em que prevalece a investigação da vida psíquica e não a submissão a padrões estabelecidos por teorias.

O atendimento de psicodiagnóstico foi realizado em consultório particular e o material clínico utilizado na pesquisa foi cuidadosamente sintetizado, de modo a não identificar os participantes. Sabe-se que em atendimento de clínica particular não é hábito solicitar autorização dos pais ou do paciente para utilização dos resultados em pesquisa e publicações, principalmente porque tal solicitação, bem como a gravação ou filmagem das sessões, interfere nos resultados obtidos. Por esse motivo, selecionamos apenas os dados relevantes das avaliações, a fim de preservar o absoluto anonimato dos pacientes e suas famílias.

Tomamos o cuidado de adotar como referência trabalhos anteriormente realizados por colegas na área clínica, que nos transmitiram sua experiência por meio de relatos precisos sobre os pontos relevantes de uma pesquisa clínica, bem como nos direcionaram quanto ao cuidado com o sigilo e anonimato dos participantes. Entre eles, Yoshida (2008). De acordo com a autora, método, tipo de pesquisa e ética estão profundamente relacionados.

Na prática clínica, não se pode prescindir da possibilidade de beneficiar os colegas e a comunidade científica com os resultados empiricamente provados e calcados nas evidências, como atividade de apreensão dos fenômenos, e que permitirá alcançar a compreensão dos achados. Nesse processo, a metodologia de abordagem do fenômeno e a ética dessa abordagem são inseparáveis.

Segundo Yoshida (2008), no exterior – Alemanha e Estados Unidos – é prática comum gravar o atendimento em vídeo para levá-lo à supervisão. Essas gravações, depois, pertencem a um banco de dados disponível para futuras pesquisas.

Outro aspecto interessante ressaltado por Yoshida no referido trabalho é o fato de que, mesmo com o termo de consentimento, o mais importante é a maneira como o pesquisador vai tratar os dados e nunca revelar aspectos que possa expor a intimidade da pessoa desnecessariamente. Ressalta ainda que uma questão é o registro e outra é o que o pesquisador vai fazer com o registro. Ou seja, salienta que a formação ética do profissional é fundamental e mais importante do que estar de posse de um termo de consentimento para utilização dos registros.

Dessa forma, acreditamos que o termo de consentimento assinado pelo paciente não garante a forma ética de tratar os resultados confiados ao terapeuta. Assim, apesar de não utilizarmos um termo de livre consentimento dos responsáveis, consideramos que o trabalho foi realizado dentro de normas éticas, no sentido de atender as recomendações de trabalhos de pesquisa com seres humanos, pois tomamos o cuidado de omitir e alterar alguns dados que pudessem levar à identificação dessas pessoas, de maneira tal que não interferissem na dinâmica do caso. Utilizamos apenas os resultados relevantes para o objetivo do estudo, voltados para a produção de conhecimento, garantindo que os procedimentos e divulgação dos resultados não implicam em riscos aos envolvidos.

Participantes

Selecionamos o estudo de caso de cinco crianças, quatro meninas e um menino, de 8 a 10 anos, cursando da 2ª à 4ª série do Ensino Fundamental, atendidas em psicodiagnóstico, devido a dificuldades de aprendizagem escolar, como motivo principal de consulta.

Os casos foram escolhidos a partir de critérios que tornassem a amostra homogênea quanto às principais variáveis intervenientes. Todos os sujeitos vieram encaminhados da escola para avaliação psicológica por apresentarem problemas e dificuldades na aprendizagem. As cinco crianças são de nível socioeconômico médio e estudam em diferentes escolas da rede particular da cidade de São Paulo. Os pais têm curso superior completo.

Instrumentos

A investigação psicológica incluiu entrevistas com os pais, ludodiagnóstico como primeiro recurso de contato com a criança, o WISC III (Escala Wechsler de Inteligência para Crianças, 3ª edição, padronizada para a população brasileira por Figueiredo, 2002), para avaliação do nível mental, e o CAT-A (Children Aperception Test), para investigação dos aspectos psicodinâmicos das crianças.

A avaliação qualitativa do WISC III foi baseada em Cooper (1995) e em nosso trabalho anterior (PAULO, 1998).

Sabe-se que as crianças se identificam melhor com figuras de animais do que com pessoas, facilitando, portanto, o mecanismo de projeção. Nesse sentido, o CAT-A foi escolhido como técnica projetiva para investigar os psicodinamismos e os possíveis distúrbios emocionais envolvidos no quadro apresentado.

Para avaliação e interpretação dos protocolos foram utilizados os critérios sustentados por Hirsch (1995) e Hirsch et al. (1984). Essa versão apresenta uma ampliação e reorganização das possibilidades de análise mais próximas e pertinentes aos objetivos deste estudo. Os critérios de análise adotados foram propostos por Tardivo (1992), trabalho que ainda é uma importante contribuição sobre estudos normativos do CAT-A e Fábulas de Düss e suas aplicações no contexto das técnicas projetivas no Brasil. Algumas adaptações foram feitas pela autora deste estudo, tendo como suporte a Teoria das Relações Objetais, de Melanie Klein.

A atualização dos dados desta pesquisa refere-se principalmente à utilização do WISC III, padronizado para a população brasileira, pois no trabalho anterior utilizamos o WISC com tabelas da população americana. A avaliação do WISC III permite uma análise qualitativa mais rica, quando comparado ao anterior, pois possui um subteste a mais, denominado procurar símbolos e quatro novos índices fatoriais específicos, a saber: compreensão verbal, organização perceptual, resistência à distração e velocidade de processamento.

Os resultados parciais obtidos em cada instrumento foram integrados de maneira a descrever a dinâmica emocional e o momento evolutivo da criança em estudo, procurando estabelecer relação entre os aspectos e distúrbios emocionais detectados e as dificuldades de aprendizagem apresentadas.

 

RESULTADOS

A avaliação do WISC III demonstrou que os cinco sujeitos apresentam bom potencial intelectual, com nível de inteligência superior à média de crianças da sua idade. Ou seja, possuem a capacidade para a aprendizagem, e as dificuldades encontradas na escola não são decorrentes de limitação intelectual.

As cinco crianças apresentaram discrepância entre o QI Verbal e o de Execução e três delas obtiveram desempenho verbal superior, como está demonstrado na Tabela 1.

 

 

Os resultados foram satisfatórios, porém todas as crianças apresentaram grande oscilação interna nos escores dos subtestes. A maior oscilação encontrada foi uma diferença de 15 pontos ponderados entre os subtestes de semelhanças (escore 19) e labirinto (escore 4), efetuados por uma das meninas, de 10 anos de idade (Sujeito 1 na tabela), que obteve QI total 113, nível de inteligência médio-superior.

Vale ressaltar que o subteste labirinto não possui padronização para nossa população, o que pode ter contribuído para que fosse a menor média obtida pelos sujeitos, pois nos outros subtestes as tabelas americanas têm resultado de desempenho mais alto em comparação com a padronização para a população brasileira. Considerando então apenas os subtestes com avaliação padronizada, ainda é a mesma menina de 10 anos que apresentou a maior oscilação interna de 12 pontos entre semelhanças (escore ponderado 19) e arranjo de figuras (escore 7).

O resultado do potencial intelectual médio superior para crianças de sua idade comprova que as dificuldades de aprendizagem escolar apresentadas por elas são decorrência de uma inibição intelectual.

Os outros sujeitos também tiveram uma oscilação interna na contagem ponderada em um intervalo de pelo menos seis pontos (sujeito 3, o único menino), que pode ser constatado na Tabela 2.

 

 

Segundo os autores consultados e nossa pesquisa anterior, essa dispersão de resultados entre os subtestes do WISC III indica a presença de fatores emocionais interferindo em determinadas funções mentais, como a ansiedade que normalmente prejudica a capacidade de atenção e o desempenho da criança em alguns dos subtestes. A larga variabilidade de respostas, incluindo falhas para responder itens simples, enquanto há sucesso em questões mais difíceis, indica que o seu funcionamento atual está limitado e, sob outras circunstâncias, poderia funcionar num nível melhor.

A avaliação dos escores específicos revelou que os pacientes apresentaram compreensão verbal e organização perceptual superior à média; porém os índices de resistência à distração e velocidade de processamento estão abaixo de sua média geral, apesar de estarem normal para sua idade. Os resultados quantitativos estão indicados na Tabela 3 para facilitar a visualização dos escores.

 

 

Este resultado confirma os achados de Cooper (1995), de revisão da literatura. Apesar de haver muita discussão sobre o tema, o autor afirmou que não há um perfil característico de desempenho de crianças com dificuldades de aprendizagem escolar no WISC-III. Porém, em sua amostra, essas crianças obtiveram os resultados dos índices de compreensão verbal (média 97,25) e organização perceptual (102,42) superiores aos de resistência à distração (média 89,66) e velocidade de processamento (92,05).

A análise desses índices fatoriais comprovou que as crianças têm dificuldade em manter a atenção concentrada, pois qualquer estímulo externo ou interno excessivo pode favorecer sua tendência à dispersão, impedindo a necessária concentração nas tarefas. Comprovamos também velocidade de processamento do pensamento mais lento do que seria esperado para sua idade, fator que não corresponde ao nível intelectual superior à média, demonstrado pelas crianças em estudo. Além disso, a análise dos subtestes revelou oscilação interna e desempenho instável, indicando a presença de fatores emocionais interferindo nos processos cognitivos.

Na presente pesquisa, o WISC III registrou uma incapacidade temporária no desempenho intelectual dos sujeitos, cuja hipótese principal é que pode ser devida a fatores emocionais que interferem nas funções mentais já desenvolvidas e prejudicam o desempenho da criança em algumas provas, já que em outras o rendimento é satisfatório. Essa dificuldade momentânea constatada nos examinandos pode estar relacionada ao que Fernandez (1991) denominou por inteligência bloqueada ou encapsulada, em crianças que possuem as possibilidades para a aprendizagem, mas o desejo de aprender está comprometido.

Relacionamos o mesmo aspecto ao que Winnicott (1990) denominou de falso self, que permite o desenvolvimento racional e forçado de uma parte da personalidade apoiada sobre uma fragilidade interna que não sustenta as exigências da realidade.

O presente estudo confirma os principais dados da literatura consultada, principalmente no diz respeito à discrepância entre o QI Verbal e o de Execução, sendo a média de desempenho verbal superior.

 

RESULTADOS DA AVALIAÇÃO PSICODINÂMICA

A análise do CAT-A evidenciou produção descritiva com bloqueio e inibição da fantasia, demonstrando a utilização de mecanismos de defesa racionais para evitar a ansiedade.

Quanto aos aspectos emocionais, as crianças revelaram sentimento de insatisfação, necessidades afetivas primitivas com sensação de desamparo, insegurança, sentimento de inadequação e agressividade voltada para si mesmo com sentimento de perseguição.

Na análise de conteúdo, todos os sujeitos demonstraram conflitos entre impulsos opostos, conflito entre amor e ódio; entre submissão e rebeldia e entre desejo de crescimento ou manter-se regredido. As cinco crianças estudadas revelaram em suas histórias conflitos entre a expressão ou controle de impulsos destrutivos, demonstrando ambivalência, com predominância de sentimentos de inveja e raiva, advindos da pulsão de morte.

Na medida em que o impulso natural de curiosidade está intimamente ligado ao desejo de conhecimento, a análise do CAT-A comprova a hipótese de que nas crianças com dificuldades de aprendizagem tal impulso estaria inibido devido à impossibilidade da criança lidar com conflitos agressivos, pois todos os sujeitos revelaram dificuldades em elaborá-los, apresentando tendência à autodestrutividade. Nesse quadro, configura-se uma inibição do impulso ligado à curiosidade e ao conhecimento que provavelmente estende-se à aprendizagem escolar, impedindo que a criança possa se utilizar da capacidade intelectual de que dispõe.

Esses impulsos voltam-se como atitudes agressivas contra si mesmo, gerando sentimentos de perseguição e, provavelmente, como afirma Tarnopolsky (1995), ocorre um retorno da agressão contra si mesmo, que se manifesta na forma de “contrainteligência” (p. 417), impossibilitando-o, em alguns momentos, de utilizar sua capacidade de pensar. Esse processo resulta em lacunas de pensamento, o que ocasiona uma atenção em ondas, ou criança distraída. Aspecto que é confirmado também pelas observações dos pais e pelo resultado da análise qualitativa do WISC III, que detectou oscilação, variabilidade interna nos resultados, dificuldades de atenção e concentração.

A análise do conteúdo das histórias revelou que a ansiedade manifesta interfere na motivação para realizar a tarefa e na capacidade de concentração, empobrecendo sua produção. A ansiedade também interfere na capacidade de verbalização e processos de pensamento, prejudicando e inibindo a produção verbal da criança.

A ansiedade e a dificuldade apresentada pelos sujeitos em encontrar um desenlace satisfatório para suas histórias e conflitos confirmam achados da literatura sobre o tema. De forma semelhante, em estudo anterior, já havíamos detectado no CAT-A o uso de mecanismos defensivos regredidos e muita exigência interna num ego frágil, que fica sem muitas possibilidades para solucionar conflitos, entre meninos com inibição na aprendizagem (TARDIVO; PAULO, 1992).

No presente estudo, detectamos uma tentativa de solução que essas crianças apresentaram para o desenlace: elas recorreram frequentemente à submissão com desfecho descritivo e estereotipado, como recurso do falso self, ou então utilizaram soluções mágicas com fuga dos problemas ou desejo de manter-se regredido, o que não é uma alternativa satisfatória para o bom desempenho escolar. Esses mecanismos regredidos interferem na capacidade intelectual que a criança possui, inibe seus recursos e prejudica seu desenvolvimento e aproveitamento escolar.~

 

DISCUSSÃO

Os resultados obtidos na avaliação demonstraram que os sujeitos não apresentam problemas intelectuais ou sensoriais que justifiquem as limitações apresentadas na aprendizagem. Ao contrário, a produção nos testes, principalmente no WISC III, revelou nível intelectual superior à média, com recursos suficientes ao aprendizado, a saber: habilidade verbal, possibilidade de abstrair e compreender informações, coordenação visiomotora, capacidade de atenção, concentração e memória preservadas. Porém, a avaliação qualitativa demonstrou que a curiosidade natural, motivação para o conhecimento do novo e capacidade de concentração nas tarefas são funções psíquicas suscetíveis ao efeito de ansiedade prejudicial.

A interpretação do CAT-A revelou ansiedade proveniente da má elaboração dos impulsos destrutivos devido à fragilidade das funções egóicas e organização defensiva imatura, portanto, inadequada para dar conta das necessidades da realidade interna e, consequentemente, também ineficaz nas exigências da realidade na escola.

A inteligência fica inibida devido a um círculo vicioso de angústia e aumento de impulsos internos que lhe consomem a energia, pois esta acaba sendo desperdiçada em mecanismos inadequados para propiciar seu bem-estar. Nesse sentido, passa a ocorrer uma busca constante de um sentimento de satisfação que leva a uma verdadeira batalha interna mal sucedida para atingir o alívio de angústia proveniente de conflitos mal elaborados. Como não há elaboração adequada, a ansiedade interna tende a se intensificar e interfere nos processos de pensamento, prejudicando a capacidade de atenção e concentração. Da mesma forma, a ansiedade invade os processos de pensamento, tornando-o mais lento, como se a mente da criança estivesse repleta de entulho que obstrui o curso natural do raciocínio.

As exigências externas aumentam e a criança passa a se sentir insegura, inadequada, com intensa sensação de fracasso que afeta sua autoestima; consequentemente, seu interesse e motivação para a aprendizagem diminuem, intensificando suas dificuldades.

A ansiedade verificada é decorrente da dificuldade na elaboração de conflitos, principalmente aqueles ligados à pulsão destrutiva, que tendem a se voltar para o próprio sujeito como mecanismos autoagressivos que atacam os processos de pensamento, inibindo suas funções, cujo reflexo na aprendizagem é facilmente observado como falhas de atenção e memória ou raciocínio lento e prejudicado.

O mecanismo defensivo mais utilizado na tentativa de lidar com esses impulsos é a repressão, que leva a uma pseudoadaptação de tipo adulto, apoiada num falso self (WINNICOTT, 1984, 1990). Isso só é possível por meio da submissão estereotipada de normas disciplinares rigidamente impostas, mas que resulta também num bloqueio da curiosidade natural, com empobrecimento da criatividade, associado a intensos sentimentos de fracasso e insatisfação.

Pôde-se verificar também conflito entre impulsos opostos, ou seja, entre o desejo de crescimento e o de manter-se regredido. A sensação de desamparo leva à regressão como tentativa de solucionar os conflitos, ocasionando dificuldade em tolerar frustrações e adiar a satisfação de necessidades. O desejo de manter-se dependente, associado à fantasia de ser plenamente satisfeito, dificulta a adaptação ao ambiente escolar, pois a realidade tende a exigir uma crescente autonomia.

O resultado observado é um frequente sentimento de inadequação, que ocasiona tendência à introversão e retraimento acompanhados de dificuldades de relacionamento interpessoal e ausência de troca afetiva entre os personagens das histórias relatadas, expandindo-se como impossibilidade de recebimento e troca de informações e conhecimentos acadêmicos que agrava as inibições já apresentadas.

Verificamos que essas crianças não são indiferentes às dificuldades que vivem; ao contrário, apresentam preocupação com o aprendizado, mas estão temporariamente impossibilitadas de atender às exigências da realidade externa, devido aos mecanismos emocionais intervenientes. Essa preocupação incrementa o alto grau de exigência interna, proveniente de uma figura de autoridade rígida e punitiva introjetada, intensifica a ansiedade e tensão que, não encontrando canais adequados de expressão, retornam ao sujeito, levando a um círculo vicioso extremamente desgastante.

Nossa experiência clínica de avaliação psicológica compreensiva, integrando aspectos intelectuais e emocionais, tem mostrado que sentimentos derivados da pulsão de morte, como raiva e inveja, geram ansiedade interna com tendências destrutivas que afetam negativamente as funções cognitivas, principalmente, bloqueiam a curiosidade, prejudicam a concentração e inibem o potencial criativo.

Além da possibilidade diagnóstica, temos trabalhado o psicodiagnóstico de modo interventivo (PAULO, 2005), como uma forma de avaliação psicológica, subordinada ao pensamento clínico, para compreensão da dinâmica e da problemática do indivíduo e intervenção nos aspectos emergentes e determinantes dos desajustamentos responsáveis por seu sofrimento psíquico. Nesse sentido, utilizamos os dados do teste projetivo CAT-A de modo flexível, como mediadores do contato terapêutico, aplicando os dados, as histórias, as reações emocionais da criança às figuras como ponto de partida para a intervenção terapêutica.

 

CONCLUSÃO

Consideramos atingidos os principais objetivos propostos na investigação dos psicodinamismos que interferem negativamente no processo de aprendizagem escolar. Os distúrbios emocionais detectados caracterizam todos os sujeitos estudados, e as dificuldades escolares apresentadas podem ser compreendidas em função da dinâmica emocional, tal como se apresenta, pois os mecanismos utilizados na tentativa de aliviar a ansiedade interferem nas funções mentais, ocasionando a inibição intelectual da qual decorrem as dificuldades de aprendizagem.

As técnicas psicológicas aplicadas, entrevistas, ludodiagnóstico, WISC III e CAT-A mostraram-se úteis e complementares na compreensão dinâmica da criança com distúrbios na aprendizagem escolar.

Esta pesquisa confirmou e atualizou estudos anteriores, principalmente relativos ao WISC III, e confirmou achados anteriores quando utilizamos o WISC para avaliação das crianças. A nova versão do teste, padronizada à população brasileira, manteve o mesmo padrão de oscilação interna nas notas ponderadas dos subtestes, evidenciando um funcionamento mental em ondas.

Acreditamos ter apresentado uma contribuição de valor científico que ressalta a importância da percepção dos sentimentos e interpretação da subjetividade para melhor entendimento do desempenho acadêmico da criança e que pode ser útil ao psicólogo clínico e ao pesquisador interessado em aprofundar a compreensão dos mecanismos envolvidos nos quadros de inibição intelectual.

Finalmente, a experiência deste trabalho evidenciou que o teste projetivo adquiriu um caráter lúdico, intermediando a devolutiva e o trabalho terapêutico com as crianças, que se mostraram muito interessadas nos resultados. Considerando novas alternativas de atendimento, os resultados dos testes podem ser facilitadores das intervenções em um contexto que expande a avaliação psicológica para o que hoje denominamos psicodiagnóstico interventivo.

Finalmente, esperamos que esta pesquisa estimule outros trabalhos, que continuem na expansão de novos conhecimentos, e sugerimos novos estudos sobre o tema com uma população maior, a fim de ampliar a compreensão dos mecanismos subjetivos envolvidos na atividade intelectual.

 

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Recebido em: 30/1/2008
Aprovado em: 3/3/2008

 

 

* Psicóloga, doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), docente do Curso de Graduação em Psicologia da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp).