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Psicologo informacao

Print version ISSN 1415-8809

Psicol inf. vol.13 no.13 São Paulo Oct. 2009

 

A história e a identidade dos nisseis em construção

 

The Nisseis' history and identity under construction

 

 

*Roberto Yutaka SagawaI; **Lílian Cerquetani SousaII

IInstituto de Psicologia da Universidade de São Paulo

IIUniversidade do Estado São Paulo

 

 


RESUMO

Ao estudar nisseis (filhos de imigrantes japoneses) residentes na cidade de Presidente Prudente/SP, localizada no Oeste Paulista, região de intensa colonização japonesa, foi possível estabelecer as particularidades de sua cultura e identidade. Este estud, para assim facilitar a compreensão de sua trajetória, bem como a construção de sua identidade, revelando questõeso teve como objetivo conhecer brevemente a história de vida de nisseis nascidos nas décadas de 1930 e 1940 como individualidade, estereótipos, angústias, preconceitos e frustrações sofridos ao longo de sua vida. Foram utilizados 60 questionários com questões abertas e fechadas, 20 entrevistas semiestruturadas e observação participante, obtendo dados consistentes para a compreensão da formação do perfil destes nisseis, como seu nascimento, o conflito interno entre as duas culturas presentes, religiosidade, costumes que mantiveram dos isseis e que adquiriram dos brasileiros não descendentes. Com isso se pretende contribuir científica e socialmente para a relação dos descendentes de japoneses com a sociedade brasileira, de modo que as diferenças entre grupos e culturas sejam percebidas de forma tolerante e enriquecedora para ambos.

Palavras-chave: Nissei; Identidade; Presidente Prudente.


ABSTRACT

By studying the Nisseis (children of Japanese immigrants) living in the city of Presidente Prudente / SP, an area of intense Japanese colonization, it was possible to establish the particularities of their culture and identity. This research aimed at briefly understanding the history of life of Nisseis born in the 30s and 40s so as to facilitate the understanding of their trajectory, as well as the construction of their identity, disclosing possible problems such as individuality, stereotypes, fears, prejudices, and frustrations suffered throughout their lives. The study made use of 60 questionnaires with open and closed questions, 20 semi-structured interviews, and participant observation, collecting consistent data which allowed for the understanding of their profile, such as birth, internal conflicts between these two cultures, religion, and customs they kept from the isseis and those acquired from native Brazilians. The study aims at contributing scientific and socially to the relationship of the Japanese descendants with the Brazilian society, so that differences between groups and cultures are perceived in a tolerant and enriching way for both.

Keyword: Nissei; Identity; Presidente Prudente.


 

 

INTRODUÇÃO

Este estudo foi realizado utilizando-se uma amostra de pessoas conhecidas como "nisseis", os filhos de imigrantes japoneses nascidos no Brasil. Mais especificamente, optou-se por estudar aqueles nascidos nas décadas de 1930 e 1940 na cidade de Presidente Prudente, localizada no Oeste Paulista (região de intensa colonização japonesa, onde havia, no início do século XX, grandes lavouras cafeeiras).

O presente estudo buscou contribuir científica e socialmente para o conhecimento sobre a relação estabelecida entre descendentes de japoneses e a sociedade brasileira e a relação entre a antiga colônia japonesa e seu contexto brasileiro, observando as questões de construção de sua identidade num contexto miscigenado de etnias, culturas e religiões. Com isso foi possível resgatar a dupla direção de influências: descendentes e contexto brasileiro. A história de vida dos nisseis foi influenciada pelo contexto brasileiro da época, refletindo na construção de sua identidade. Mas a presença destes imigrantes e descendentes também influenciou a história brasileira, em episódios como a Segunda Guerra Mundial. Entre tantas outras contribuições, sua presença repercutiu também dentro da colônia, como no episódio da Shindo-Renmei entre katigumis e makegumis, nas religiões como o budismo e o xintó, na agricultura etc.

O objetivo desta pesquisa foi conhecer a história de vida do nissei por meio de questionários, entrevistas e observação participante realizados com pessoas (nisseis) na cidade de Presidente Prudente, tendo em vista que estudos anteriores abrangeram somente a história do imigrante japonês e não de seus descendentes. Com isso, foi abordada a trajetória do nissei ao longo de períodos e situações marcantes em suas vidas como: ser descendente e ao mesmo tempo brasileiro, a mudança do rural para o urbano, preconceitos vividos, Segunda Guerra Mundial e as repercussões em suas vidas, ascensão econômica por meio da educação. Esta pesquisa também teve como objetivo conhecer a identidade destes nisseis e seus conflitos, bem como a cultura local da cidade, a religião e a língua japonesa, se praticada.

Pelo fato de a pesquisa focar nisseis nascidos nas décadas de 1930 e 1940, pode-se observar as influências e determinações que os episódios do contexto brasileiro tiveram na história de vida destas pessoas, bem como suas influências na História do Brasil, com isso resgatando um recorte da história com um viés nikkei.

Este estudo foi fundamentado em livros que tratam da história de vida dos imigrantes japoneses, como Uma epopéia moderna (CEHOAIJB, 1992), e outros que tratam dos conflitos sofridos pelos nisseis, envolvendo religiosidade, perseguições e preconceitos, como Corações sujos (MORAIS, 2000), assuntos fundamentais para se dar continuidade a esta pesquisa.

Enquanto a história de vida tem a fundamentação teórica bem estabelecida nas ciências humanas, o recorte da identidade é o da psicologia, mais particularmente o da psicanálise. Nesta, a identidade não é dada pelo sujeito da consciência, mas resulta de um processo de formação psíquica em suas internalizações das imagens primárias. Isto significa que nos propusemos a entrecruzar estes dois recortes em um mesmo processo de pesquisa, de forma a nos possibilitar alcançar resultados sobredeterminados.

 

MÉTODOS

Para se atingir um grande número de pessoas e não expor os participantes à influência das opiniões e do aspecto pessoal do entrevistador, foram utilizados questionários. Estes questionários continham 42 questões, fechadas e abertas.

O questionário também tinha a função de estabelecer o contato inicial, para que posteriormente seja possível a aplicação da entrevista. Com isso, é possível construir o rapport (quebra de gelo) entre o entrevistado e o entrevistador.

A entrevista era semiestruturada, apresentando certo grau de estruturação. Esta é a técnica mais eficiente para a obtenção de dados em profundidade acerca da história de vida dos nisseis e exposição de sua identidade latente. As entrevistas foram gravadas em dispositivo digita1 com o consentimento do entrevistado, lembrando que foi mantido o sigilo de seus dados pessoais.

Foram aplicados 60 questionários e 20 entrevistas na cidade de Presidente Prudente (esta com um número maior em virtude do número elevado de sua população), ocorridas no clube de campo ACAE (Associação Cultural, Agrícola e Esportiva de Presidente Prudente), em suas residências no bairro Cidade Universitária e no Templo Budista localizado na Avenida da Saudade.

Utilizou-se a observação participante, uma técnica pela qual se chega ao conhecimento da vida de um grupo a partir de seu interior. A técnica muito útil para esta pesquisa, cujo objetivo era conhecer a vida dos entrevistados.

Documentos, como livros, arquivos históricos, registros estatísticos, jornais e revistas, possibilitaram o conhecimento do passado e a investigação dos processos de mudança social e cultural.

Foram sujeitos da pesquisa nisseis (filhos de imigrantes) nascidos nas décadas de 1930 e 1940, que residem na cidade de Presidente Prudente. Embora não se tenha adotado rigidamente o critério de cotas (para sexo), tomaram-se cuidados para que não aparecessem na amostragem final números discrepantes entre os sexos.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Por meio dos dados coletados nos questionários foi possível elaborar resultados quantitativos, apresentados a seguir.

 

 

Pode-se observar, pela tabela 1, que um número elevado de participantes estudou a língua japonesa (78%), pois frequentaram escola de língua e e cultura japonesas.

A seguir, apresentam-se os resultados referentes à relação entre falar e escrever a língua japonesa.

 

 

Ao se observar as tabelas 1 e 2, pode-se verificar que, apesar de o número de nisseis que frequentaram o nihongo-gakko (escola de língua e cultura japonesa) ter sido elevado, ou seja, 78% das pessoas estudadas, conforme a tabela 1, não há uma associação direta entre saber falar "muito", que representou 50%, e saber escrever "muito", que representou 25%, como percebido na tabela 2. O elevado número de pessoas que declararam "falar muito"pode ser atribuído ao convívio familiar, no qual os nisseis estavam constantemente em contato com a língua japonesa. Já o baixo número de pessoas que declararam "escrever muito"é atribuído ao fato de que, apesar de muitos terem frequentado o nihongo-gakko, a falta de uso frequente da escrita causou-lhes esquecimento. Destaca-se o fato de que 30% dos nisseis responderam não saber escrever em japonês: nem katakana, nem hiragana e muito menos kanji; e somente 3% dos nisseis responderam "não saber falar".

A seguir, apresentam-se os resultados referentes à religião praticada pelos participantes do estudo.

 

 

Pode-se notar, pela tabela 3, que há uma preponderância de nisseis que se dizem católicos e/ou budistas, sendo 28% deles católicos e 28% budistas. Destaca-se que 22% dos nisseis se dizem católicos e budistas, mostrando assim um conflito religioso formado pela influência da cultura japonesa (recebida dos pais) e da sociedade brasileira. Pode-se perceber que grande parte deles hoje se declara católica, indicando a perda da tradição religiosa.

Com relação ao modo como os participantes se consideram (japoneses ou brasileiros), os resultados são apresentados na tabela 4.

 

 

A tabela acima (tabela 4) apresenta as respostas dos nisseis quando indagados sobre como se consideravam, japoneses ou brasileiros; 77% responderam que se consideram "brasileiros"e 18% responderam "japoneses". Destaca-se que 5% sentem-se tanto brasileiros como japoneses, o que denota um conflito de identidade: afinal, os nisseis em sua infância eram tratados e se sentiam como japoneses e ao saírem de casa e terem mais contato com os brasileiros, percebem sua nacionalidade brasileira. Vale ressaltar que há uma porcentagem considerável de nisseis que se dizem japoneses, apesar de terem nascido no Brasil e viverem como brasileiros.

Com relação aos dados sobre o seu conhecimento do xintó – filosofia praticada pelos japoneses antes da imigração –, esses são apresentados na tabela 5 a seguir.

 

 

Quando indagados sobre seu conhecimento do xintó – religião, mitologia e filosofia do Japão, que grande parte dos japoneses praticava antes de virem para o Brasil –, pode-se ver pela tabela 5 que apenas 30% responderam que sim e 70% responderam que não. Por meio destes dados pode-se perceber que a maioria dos nisseis desconhece esta filosofia ou religião, apesar de muitos a praticarem sem saber: na comemoração do primeiro dia do ano (oshoogatsu), no aniversário do imperador e em diversas outras cerimônias. Estes dados comprovam ainda mais o desconhecimento e desinteresse dos nisseis pela cultura japonesa.

Por meio dos dados se pode notar que, por mais que a maioria dos nisseis (78%) tenha frequentado o nihongo-gakko, sendo que 97% falam de muito a pouco, observamos que 75% deles escrevem de pouco a nada, em virtude da falta do uso frequente da escrita, revelando o desinteresse pela cultura letrada japonesa. Já quando o assunto é religião, 28% afirmam-se católicos, mostrando a perda da cultura, e 22% dizem-se católicos e budistas, mostrando claramente o choque entre as culturas que influenciaram sua vida.

Este conflito também parece presente em sua identidade, mostrando ainda sua "transição"entre as culturas japonesa e brasileira, principalmente quando indagados se eles se sentiam japoneses ou brasileiros.

Reforçando e completando estes dados, pode-se ver que o xintó hoje caiu em esquecimento pelos nisseis, sendo que apenas 30% afirmam conhecê-lo, mesmo tendo participado de alguns rituais.

 

CONCLUSÃO

Pode-se concluir que esses nisseis estavam em choque com sua identidade e cultura, pois a todo o momento eram influenciados pelos costumes familiares e também pelos hábitos ocidentais, oscilando entre sua identificação como japoneses e como brasileiros. Apesar da cidade de Presidente Prudente, possuir um grande número populacional nikkei, poucos nisseis mantêm a tradição e muitos pareceram desinteressados em conhecê-la e passá-la adiante. A língua, a religião e as lendas estão desaparecendo gradativamente por não serem mais praticadas. Percebe-se que estas tradições, ao invés de serem englobadas pela sociedade brasileira, estão acabando com o tempo em virtude do falecimento dos isseis, pois a segunda geração parece não se comprometer em recriá-las.

 

REFERÊNCIAS

CEHOAIJB. Uma epopéia moderna: 80 anos da imigração japonesa no Brasil. São Paulo: Hucitec/Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, 1992.         [ Links ]

DEMARTINI, Z. B. F. Relatos orais de famílias de imigrantes japoneses: elementos para a história da educação brasileira. Educ. Soc., Campinas, v. 21, n. 12, ago. 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101- 73302000000300004&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 24 abr. 2009. doi: 10.1590/ S0101-73302000000300004        [ Links ]

DEZEM, R. Inventário Deops: módulo III, japoneses: Shindô Renmei: terrorismo e repressão. São Paulo: Arquivo do Estado, Imprensa Oficial, 2000.         [ Links ]

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Recebido em: 19 maio de 2009.
Aceito em: 29 julho de 2009.

 

 

* Doutor em psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP; membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise, SP, e professor da Universidade Estadual Paulista – Unesp, Campus de Assis
** Aluna de graduação do curso de Psicologia da Unesp, Campus de Assis. Bolsista do PIBIC/CNPq, em 2009