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versão impressa ISSN 1415-8809

Psicol inf. vol.14 no.14 São Paulo out. 2010

 

Artigo

 

 

Traços de personalidade de estudantes de Psicologia

 

Personality traits of psychology students

 

 

Mirna Torres Figueiró*; José Carlos Souza**; Lucy Nunes Ratier Martins***; Lucas Rasi Cunha Leite****; Juliana Martimbianco Ziliotto*****; Mayara Mendes Bacha*****

* Graduanda em psicologia, Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Campo Grande, MS.
**
Psiquiatra, doutor em saúde mental pela Unicamp, PhD da Faculdade de Medicina de Lisboa e Professor da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) (josecarlossouza@uol.com.br)

***
Professora doutora da Universidade Católica Dom Bosco (lucy@gersonmartins).

****
Economista pela Universidade Estadual de Maringá e mestre em agronegócios da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS (lucas_rasi@hotmail.com).

*****
Graduandas em psicologia, Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).

 

 


RESUMO

A personalidade de um indivíduo pode ser definida como as causas subjacentes do comportamento e da experiência individual. Estando ainda relacionada com temperamento, envolvendo aspectos como emocionalidade, sociabilidade, reatividade, energia e interação com o meio ambiente. A presente pesquisa objetiva compreender a personalidade sob a perspectiva dos traços, pois para esta abordagem um traço de personalidade é a característica que distingue uma pessoa de outra, além de descrever uma dimensão básica da personalidade. Para isso, utilizou-se do instrumento Bateria Fatorial de Personalidade (BFP) em 310 acadêmicos de psicologia da Universidade Católica Dom Bosco e um questionário sociodemográfico, correlacionando-os. A Bateria Fatorial de Personalidade (BFP) é baseada no Modelo Fatorial dos Cinco Grandes Fatores (CGF), que inclui as dimensões extroversão, socialização, realização, neuroticismo e abertura a experiências. Os dados significantes em relação ao gênero revelaram escores mais altos de abertura para os homens e de socialização para as mulheres. Outros dados sociodemográficos também foram fatores determinantes na avaliação da personalidade dos acadêmicos.

Palavras-chave: traços de personalidade; sociodemográfico; acadêmicos.


ABSTRACT

The personality of an individual can be defined as the underlying cause of behavior and individual experience. It is still related to temper, involving aspects like emotionality, sociability, reactivity, energy and interaction with the environment. This research aims to understand personality under the traits perspective, since this approach to a personality trait is the characteristic that distinguishes one person from another, and describes a basic dimension of personality. For this we used the instrument ";Bateria Fatorial de Personalidade (BFP)" in 310 psychology students at Universidade Católica Dom Bosco and a socio-demographic questionnaire, correlating them. The ";Bateria Fatorial de Personalidade (BFP)" is based on a five factor model, the ";Modelo Fatorial dos Cinco Grandes Fatores (CGF)", which includes the dimensions extroversion, socialization, achievement, neuroticism and openness to experience. The significant data related to gender showed higher scores on openness for men and on socialization for women. Other socio-demographic data, including marital status, type of shift to university, parents' education and etc were determining factors in assessing the personality of the students.

Keywords: Adolescents; eating disorders; students.

 

Introdução

Compreender o homem subjetivamente e seu funcionamento psíquico é o cotidiano de um acadêmico de psicologia em seus primeiros anos de estudo; aplicar esses conhecimentos é o passo seguinte. Mas como é para esse estudante caminhar até aí? A vivência acadêmica em psicologia e a convivência com professoressupervisores revelam que problemas emocionais são frequentes, além de outros problemas com ansiedade, somatizações etc. Partindo dessa realidade, pode-se entender a necessidade de se conhecer a realidade psíquica desses universitários.

Reações emocionais, assim, podem resumir o funcionamento da personalidade. Ou então, como afirma Cloninger (2003, p. 3), ";pode ser definida como as causas subjacentes do comportamento e da experiência individual que existem dentro da pessoa". Essas causas subjacentes são discutidas por diversas Teorias da Personalidade. Várias seriam as respostas. Portanto a maneira como se caracteriza um indivíduo é descrita de diferentes formas e abordagens psicológicas (psicanalítica, humanista, psicossocial, dentre outras).

Desta forma, Pasquali (2003) se refere à personalidade como sendo também denominada temperamento e que ainda envolve aspectos como emocionalidade, sociabilidade, reatividade, energia e interação com o meio ambiente. Partindo da análise que este autor faz pode-se perceber que a personalidade não se resume a uma característica e sim a várias, justificando assim as várias teorias (e teóricos) da personalidade. Assim, quando nos deparamos com a mensuração de traços de personalidade, também verificamos vários estudos acerca desta temática.

Partindo do princípio de como vamos prosseguir a presente pesquisa, nos atemos aqui a discutir a partir da perspectiva dos traços. Porém, antes de canalizarmos nossa atenção a esta perspectiva, é preciso diferenciar que a personalidade, independentemente da teoria, é avaliada a partir das diferenças individuais, sendo categorizada em tipos ou traços. Os tipos são derivações de abordagens tradicionais, que propunham amplas categorias da personalidade – categorias de pessoas com características similares. Já os traços, podem ser medidos quantitativamente, pois um traço de personalidade é a característica que distingue uma pessoa de outra (CLONINGER, 2003).

Partindo dessa perspectiva – de comparar uma pessoa com a outra – é que se pode compreender a escolha de uma abordagem nomotética para esta pesquisa. E comparando os métodos de traços e tipos, pode se verificar, segundo Cloninger (2003, p. 5), que:

[...] os traços abarcam um leque menor de comportamentos. Os traços permitem uma descrição mais precisa da personalidade porque cada traço se refere a um conjunto mais focalizado de características. O fato de os traços poderem ser atribuídos a uma pessoa em vários graus também torna esse conceito mais preciso do que os tipos.

Seguindo ainda o raciocínio de que os traços seriam a melhor perspectiva para se aplicar nesta pesquisa, Cloninger (2003, p. 211) afirma ainda que ";um traço é um construto teórico que descreve uma dimensão básica da personalidade". Verifica-se ainda que essa abordagem que enfatiza as diferenças individuais é razoavelmente estável no tempo, e a mensuração é constituída de testes que, em sua maioria, são questionários autoavaliativos.

A Bateria Fatorial de Personalidade (BFP), baseada no Modelo dos Cinco Grandes Fatores (CGF), escolhida como instrumento nesta pesquisa, pode ser considerada moderna, visto que é o modelo mais utilizado ultimamente em pesquisas. Como afirma Hutz (HUTZ; NUNES; SERRA; SILVEIRA; ANTON, 1998), apesar de ter sua origem na década de 1930 e ter sido analisado por diversos estudiosos estrangeiros, entre os quais estão McDougall, Klages e Baumgarten, o CGF foi traduzido e validado para ser usado no Brasil em 1998. Pasquali (2003) afirma que essa Bateria, no entanto, não é baseada em uma teoria, mas empiricamente é de grande valor pragmático, pois é baseada em predominância de tipos reais. Já em 1980, Costa e McCrae (apud VASCONCELLOS; HUTZ, 2008) afirmavam que numa análise clínica dos cinco grandes fatores da personalidade, é possível retratar os estilos emocionais, interpessoais e motivacionais que caracterizam quadros distintos, favorecendo um melhor nível de compreensão sobre o indivíduo, bem como pode gerar um conjunto de informações suplementares relativas ao tratamento e ao prognóstico de cada caso em particular.

Muitos foram os estudos baseados na perspectiva dos fatores, como afirma Cloninger (2003). Os teóricos, porém, não chegaram a um acordo de quais são as melhores dimensões. Entretanto, Pasquali (2003) distinguiu dentro de cada fator algumas facetas que o caracterizam: neuroticismo (ansiedade, preocupação, raiva, hostilidade, depressão, desencorajamento, autoconsciência, impulsividade, vulnerabilidade), extroversão (calor, assertividade, atividade, procura de excitamento, emoções positivas), abertura (fantasia, estética, sentimentos, ações, ideias, valores), cordialidade ou socialização (confiança, franqueza, altruísmo, conformidade, modéstia, ternura), e conscienciosidade ou realização (competência, ordem, responsabilidade, motivação de desempenho, autodisciplina, deliberação).

Como afirmado anteriormente, a BFP, baseada no CGF, foi analisada por diversos autores e, por esse motivo, pode ser encontrada na literatura com outras denominações e explicações:

Vale salientar que embora a denominação dos fatores ainda não seja consensual, os traços de personalidade que os constituem e sua forma de agrupamento são equivalentes nas diferentes abordagens ao Modelo. O fator socialização, por exemplo, foi denominado nas escalas americanas como agreeableness, o que foi traduzido para as escalas portuguesas como ";agradabilidade" (NUNES; HUTZ, 2007, p. 20).

Em 2006, os mesmos autores definiram a extroversão como sendo a forma como as pessoas interagem (a qualidade e a quantidade que fazem isso), podendo ser caracterizadas como falantes, quietas, sociáveis, sóbrias, afetuosas, indiferentes etc. Esse fator é um bom exemplo para entendermos como essa Bateria analisa o indivíduo, mas temos que estar atentos, considerando que este é apenas um dos cinco fatores. Não podemos afirmar que um sujeito introvertido, por exemplo, seja infeliz ou pessimista. Costa e McCrae (1980 apud NUNES; HUTZ, 2006) afirmam que os cinco fatores podem ser úteis para que haja identificação de demandas de tratamento ou mesmo identificação de sintomas de transtornos da personalidade.

Apesar das variações de tradução da língua inglesa para a portuguesa o modelo CGF pode ser considerado universal, salvo as interpretações dos fatores, que devem ser cuidadosamente (e não fielmente) traduzidos para que o sentido da denominação do fator seja mantido. Embora os Cinco Grandes Fatores não se baseiem em uma teoria da personalidade – assim como 16-PF, o MMPI, a escala de Necessidades de Murray, o Califórnia Q-Set, as escalas de Comrey –, eles avaliam os traços de personalidade de maneira fidedigna, não deixando nada a desejar em relação a outros métodos de mensuração da personalidade.

Neste contexto, o objetivo da presente pesquisa foi o de avaliar traços de personalidade de estudantes de psicologia.

 

Método

O método utilizado neste estudo foi quantitativo de corte transversal. A pesquisa foi realizada no segundo semestre letivo de 2009, na Universidade Católica Dom Bosco – instituição de ensino superior particular e católica confessional, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul –, com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição referida.

Participantes

Foram 310 acadêmicos do curso de psicologia, dos turnos matutino e noturno, que aceitaram responder os questionários, assinando primeiramente um "termo de consentimento livre e esclarecido".

Instrumentos

O primeiro instrumento utilizado foi um questionário sociodemográfico contendo 14 itens como: data de nascimento, gênero, estado civil, semestre, tipo de deslocamento, tempo gasto no deslocamento, escolaridade do pai, escolaridade da mãe, tempo de conversa com o pai, tempo de conversa com a mãe, se trabalha, se possui registro no trabalho, carga horária de trabalho e renda familiar. Utilizou-se também a Bateria Fatorial de Personalidade (BFP), um instrumento psicológico construído para a avaliação da personalidade a partir do modelo dos Cinco Grandes Fatores (CGF), que inclui as dimensões extroversão, socialização, realização, neuroticismo e abertura a experiências. A bateria foi desenvolvida no Brasil, levando em conta a linguagem falada no país, os valores culturais, diversidades regionais e especificidades dos quadros clínicos na nossa realidade. Essas características diferenciam a BFP de outros instrumentos para a avaliação da personalidade desenvolvidos em outros países e adaptados para o Brasil. A Bateria é composta por 126 itens, que são respondidos em uma escala tipo Likert de sete pontos, a qual indica o nível de identificação das pessoas com características descritas nos mesmos.

A BFP foi elaborada a partir da seleção dos itens com as melhores propriedades psicométricas das escalas individuais para a avaliação dos cinco fatores, a saber: a Escala Fatorial de neuroticismo (HUTZ; NUNES, 2001), de extroversão, de socialização, de abertura e de realização (NUNES; HUTZ, 2007).

Procedimentos

Após a aprovação da pesquisa e autorização para entrar em sala de aula para a coleta de dados, o pesquisador – com os instrumentos em mãos – chegou à sala de aula, se apresentou, apresentou a pesquisa, pedindo consentimento para aplicação da mesma, dando ênfase à importância da mesma e esclarecendo que as identidades seriam mantidas em sigilo. Permaneceram em sala os alunos que concordaram em participar da pesquisa e se retiraram os que não aceitaram. Não foi estabelecido tempo limite para os acadêmicos responderem os questionários e foi dada a oportunidade de esclarecer dúvidas sem o pesquisador interferir nas respostas dos participantes. A duração média da coleta de dados em cada sala de aula foi de uma hora, variando para mais e para menos dependendo do número de alunos presente em cada sala. Foi necessária uma semana para o pesquisador aplicar os questionários em todas as turmas. Os dados tabulados envolveram todos os acadêmicos que aceitaram participar da pesquisa; no entanto, alguns questionários não foram respondidos por completo, podendo haver diferenças no número de participantes, de tabulação para tabulação. Os questionários incompletos não foram desconsiderados, visto que a pesquisa foi quantitativa e com objetivo de abarcar a maior quantidade possível de participantes.

 

Resultados e discussão

Os testes estatísticos foram realizados para analisar possíveis significâncias entre os dados sociodemográficos e os cinco domínios da Bateria Fatorial de Personalidade (BFP). Os dois testes estatísticos utilizados nas análises foram o teste de diferenças de médias (t-student) e o teste de Análise de Variância (ANOVA) com nível de confiabilidade de 95% para ambos os testes. A análise dos fatores obtidos na BFP foi feita a partir de seus conceitos. Através das informações colhidas nos questionários sociodemográficos pôde-se observar que 81,2% dos participantes eram do sexo feminino. Na amostra predominou ainda os com estado civil solteiro (79,3%), com o tipo de deslocamento com o carro próprio (46,9%), demorando até 30 minutos para chegar à faculdade (54,9%). Percebe-se ainda que 33,7% da amostra se deslocam de ônibus e que o tempo de deslocamento de 30 a 60 minutos também aparece com importância em relação ao número de participantes (29,4%). Bartholomeu, Nunes e Machado (2008) fizeram um estudo com 126 universitários utilizando o Inventário de Habilidades Sociais (IHS), para a mensuração de habilidades sociais, e a Escala Fatorial de Socialização (EFS), para a avaliação do nível de socialização; foram encontradas correlações significativas entre amabilidade, autoafirmação e o total do IHS; a pró-sociabilidade correlacionou-se com autoafirmação e autocontrole; a confiança nas pessoas apresentou correlações significativas com enfrentamento, autoafirmação e autocontrole. Estes autores concluíram que a personalidade pode influenciar diferentes aspectos da habilidade social.

A presente investigação também revelou que 169 dos amostrados trabalha, mas que apenas 83 possuem registro, sendo que a carga horária mais predominante é de 8h ou mais. 38,4% dos participantes possuem uma renda familiar de cinco a dez salários mínimos e o grau de instrução dos pais que prevalece é médio/ técnico. Os participantes revelaram ainda que o grau de conversa (diálogo) com os pais é satisfatório.

Ao cruzar os dados sociodemográficos com os resultados da Bateria Fatorial de Personalidade (BFP) demonstrado na Tabela 1, percebe-se que, em relação ao gênero dos acadêmicos amostrados, duas dimensões da BFP foram estatisticamente significativas: socialização (p = 0,010) e abertura (p = 0,001). No caso da socialização, os homens possuem menores escores do que as mulheres, ou seja, são menos sociáveis; já em relação à abertura, os homens apresentam maior propensão para novas experiências do que as mulheres. Um correlato desses dados pode ser encontrado nos estudos de Gambrill e Richey (1975) e Hollandsworth e Wall (1977) em que as mulheres manifestaram uma maior quantidade de sentimentos positivos, enquanto os homens, a seu turno, tiveram dificuldades de expressar sentimentos negativos e fazer pedidos, além de serem mais assertivos em situação de trabalho.

 

 

Com relação ao estado civil dos acadêmicos, duas dimensões foram estatisticamente significativas, como se observam a seguir na Tabela 2.

 

A Tabela 2 mostra que no caso dos acadêmicos casados, esses tendem a possuir média maior que os solteiros nas dimensões realização (p < 0,001) e neuroticismo (p = 0,019), ou seja, tendem a possuir maior competência, ordem, responsabilidade, motivação de desempenho, ou autodisciplina; no entanto, podem desenvolver mais ansiedade, preocupação, raiva, hostilidade, depressão, desencorajamento, ou impulsividade.

As dimensões realização e abertura relacionadas ao tipo de locomoção até o local de estudo são observados na Tabela 3 a seguir.

 

As dimensões significativas (apresentadas na Tabela 3) em relação ao tipo de locomoção à faculdade foram realização (p = 0,034) e abertura (p = 0,015) com escores maiores para os acadêmicos que se deslocam de carro próprio. Isso pode revelar que o fator carro próprio está ligado à motivação de desempenho, responsabilidade, fantasia ou valores. No entanto, nenhuma das dimensões do instrumento BFP foram estatisticamente significativas em relação ao tempo de deslocamento para faculdade.

Como pode ser observado na Tabela 4, o que se refere ao grau de instrução do pai, esse se mostrou significativo em relação ao domínio realização (p = 0,010), sendo que quanto menor for o grau de instrução do pai maior é o escore do domínio. Com relação ao grau de instrução da mãe, o domínio realização também foi significativo (p < 0,001) e quanto menor foi o grau de instrução da mãe maior será o escore nesse domínio. Portanto, podemos entender que a motivação de desempenho está intimamente ligada com o grau de instrução do pai e da mãe, verifica-se na Tabela 4 a seguir.

 

O grau de conversa com o pai não foi estatisticamente associado a nenhum domínio do instrumento BFP. Já em relação ao grau de conversa com a mãe, o mesmo é significativo com o domínio realização (p = 0,004) – como mostra a Tabela 5 – sendo que as pessoas que não conversam com a mãe possuem maior grau de realização.

 

Com relação ao fato do acadêmico amostrado trabalhar ou não, esse foi significativo nos domínios realização e neuroticismo, conforme apresenta a Tabela 6, a seguir.

 

 

Com relação ao fato do acadêmico amostrado trabalhar ou não, esse foi significativo nos domínios realização (p = 0,040) e neuroticismo (p = 0,034), sendo que, em ambos os domínios, os acadêmicos que trabalham possuem maiores escores nos domínios significativos, ou seja, maior probabilidade de terem competência, ordem, responsabilidade, motivação de desempenho e/ou autodisciplina. Por outro lado, aumenta também a possibilidade de traços de ansiedade, preocupação, raiva, hostilidade, depressão, desencorajamento, autoconsciência, impulsividade e/ou vulnerabilidade.

Quando analisados os acadêmicos que possuem registro (logo, trabalham), dois domínios foram estatisticamente significativos, a socialização e a realização, conforme pode ser observado na Tabela 7.

 

 

Observa-se na Tabela 7 que, quando analisados os acadêmicos que possuem registro de trabalho, os dois domínios estatisticamente significativos foram: socialização (p = 0,013) e realização (p = 0,038). Em ambos os casos, os acadêmicos que não possuem registro tiveram escores maiores que os que possuem, nos dois domínios significativos.

No que diz respeito a esses dados, é interessante destacar que a socialização é um importante componente da personalidade humana, que descreve a qualidade das relações interpessoais. O fator relaciona-se aos tipos de interações que se estendem da compaixão ao antagonismo. As tendências são agradabilidade social, amabilidade, altruísmo, cuidado com os demais, amor e apoio emocional. Já pessoas com baixos escores em socialização seriam cínicas, não cooperativas e irritáveis, vingativas e implacáveis (DIGMAN, 1990; NUNES; HUTZ, 2002).

Com relação à carga horária de trabalho do acadêmico, apenas o domínio realização foi significativo (p = 0,039) nos acadêmicos que possuem carga horária igual ou superior a 8 horas diárias com escores maiores que os demais grupos (6 horas e 4 horas), podendo refletir características de competência ou responsabilidade. Visualize esses dados na Tabela 8 que segue.

 

 

Por último, foi constatado que a renda familiar dos acadêmicos amostrados não possui associação significativa com nenhum dos domínios do instrumento BFP.

 

Conclusão

Observou-se que os traços de personalidade dos acadêmicos amostrados, ao ser relacionado com o questionário sociodemográfico, tiveram significância na maioria dos itens deste último. Apenas os traços relacionados com renda familiar, grau de conversa com o pai e tempo de deslocamento para universidade não apresentaram importância relacional significativa, ou seja, podemos afirmar que essas três variáveis não interferem na caracterização da personalidade dos acadêmicos de psicologia da Universidade Católica Dom Bosco.

Em relação ao gênero dos amostrados, percebemos que as mulheres são mais sociáveis e que os homens estão mais abertos a viverem novas situações. Outro dado interessante foi o resultado obtido em relação ao estado civil e ao trabalho; os sujeitos casados e os que trabalham tendem a possuir características de competência, ordem, responsabilidade, motivação de desempenho, ou autodisciplina, no entanto podem desenvolver mais ansiedade, preocupação, raiva, hostilidade, depressão, desencorajamento, ou impulsividade. Talvez pelo fato de terem mais responsabilidades financeiras com um lar, ou por já terem formado uma família.

Foi curioso identificar que o tipo de deslocamento para a universidade gerou significância nos resultados, no caso para os participantes que possuem carro para se locomover até a faculdade. O fator carro próprio pode estar ligado à motivação de desempenho, responsabilidade, fantasia ou valores.

Já as variáveis de grau de instrução dos pais e grau de conversa com mãe demonstraram importância no fator realização. Quanto menor o grau de instrução dos pais maior foi o escore de significância do fator realização e quanto menor o grau de conversa com a mãe também maior foi esse escore. Podemos entender que essas variáveis interferem na personalidade desses amostrados no sentido de lhes dar maior motivação de desempenho e responsabilidade.

Em relação à variável trabalho, identificamos que os domínios realização e neuroticismo aparecem com relevância. Os acadêmicos que trabalham possuem maior probabilidade de terem competência, ordem, responsabilidade, motivação de desempenho e/ou autodisciplina; por outro lado, aumenta também a possibilidade de traços de ansiedade, preocupação, raiva, hostilidade, depressão, desencorajamento, autoconsciência, impulsividade e/ou vulnerabilidade.

Além disso, as variáveis registro de trabalho e carga horária foram estatisticamente significativas nos fatores de socialização e realização para registro, e socialização para horas trabalhadas. Os participantes que não possuem registro refletem características de conformidade, autodisciplina e/ou motivação de desempenho; e, em carga horária igual ou superior a 8 horas diárias, os escores foram maiores que os demais grupos (6 horas e 4 horas), podendo refletir características de competência ou responsabilidade.

Era de se esperar que diversas variáveis fossem representar alguma importância na personalidade da amostra, já que os fatores externos são fundamentais para a construção da personalidade e que mudanças na vida social – como casar, trabalhar, se locomover com veículo próprio – podem alterar alguns fatores de personalidade trazendo novas características para o indivíduo, como, por exemplo, responsabilidade, motivação, comprometimento, franqueza, confiança, assertividade, ansiedade, preocupação, entre outras.

 

Referências

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Recebido em: 30/09/2010
Aceito em: 23/10/2010

 

 

Agradecimentos

Devemos agradecimentos aos participantes da pesquisa, que cederam parte de seu tempo de estudo para nos atender; aos professores do curso de psicologia da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) pela colaboração, nos deixando usar parte de sua aula para coletar os dados; e à UCDB, mais precisamente à coordenação do curso de psicologia, por nos permitir usar seu espaço físico (sala de aula). Agradecemos ainda ao CNPq pela contribuição orçamentária para o projeto, cedendo bolsa para pesquisadora discente da UCDB, e ao apoio técnico-científico da Profa. Dra. Lucy Nunes Ratier Martins.