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Psicologo informacao

versão impressa ISSN 1415-8809

Psicol inf. vol.14 no.14 São Paulo out. 2010

 

Artigo

 

 

Perfil de personalidade do médico cirurgião e do médico pronto-socorrista: um estudo exploratório

 

Psychological characteristics of surgeons and emergency room's medical doctors: an exploratory study

 

 

Fabiana Feba*; Sonia Marques**

* Graduanda em psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo.
**
Mestre em psicologia da saúde e professora do Curso de Psicologia da Universidade Metodista de São Paulo.

 

 


RESUMO

O presente estudo teve como objetivo identificar diferenças no perfil de personalidade do médico que escolhe cirurgia e o médico que escolhe pronto-socorro. Como base teórica para a discussão, foi utilizada a proposta apresentada por Kersey e Bates (1984) na definição de temperamentos que define os diferentes tipos de personalidades e sua forma de atuar no mundo. Participaram deste estudo 50 médicos, sendo 25 cirurgiões e 25 prontos-socorristas. Os médicos responderam a um questionário de identificação pessoal contendo algumas questões sobre motivos de escolha da profissão. Também responderam ao questionário de inclinações pessoais para identificação de seus temperamentos. O índice de médicos cirurgiões com temperamento SJ foi superior aos demais temperamentos, assim como o de prontos-socorristas com temperamento SP. Conclui-se que, pelo menos nesta amostra, a imagem profissional do médico condiz com os atributos valorizados e desejados por indivíduos com temperamento realista judicativo para os cirurgiões, e realista perceptível para os prontos-socorristas.

Palavras-chave: temperamentos; escolha profissional; medicina.


ABSTRACT

The aim of this study was to identify differences of psychological characteristics between surgeons and medical doctors that belong to emergency rooms (ER). It was chosen the Kersey and Bates (1984)'s proposal of temperaments as the theoretical base to discuss the finds. Fifty medical doctors were contacted, 25 surgeons and 25 ER's doctors. They answered questions about their motifs for choosing their areas of actuation. Afterwards they answered a Personal Inclinations Indicator, based on Kersey and Bates' instrument. As was theoretically expected, it was possible to identify that the temperament most frequent among the surgeons was sensation/judgement - SJ and the temperament most frequent among the ER's doctors was sensation/ perception.

Key-words: temperaments; professional choice; medical doctors.


 

 

Desde criança temos a necessidade de fazer escolhas, seja pelo brinquedo, pelo desenho, pelas roupas... E entre as muitas que faremos ao longo da vida, existe a escolha profissional. Será no início da vida adulta que as escolhas se fortificarão e muitos se sentirão impulsionados a escolher uma profissão que satisfaça seus anseios. A escolha profissional (GARCIA; SILVA, 2006) não é determinada apenas por um ou dois fatores, mas sim influenciada tanto pelo mundo em que a pessoa vive como pelo modo como ela o compreende. Há fatores subjetivos, emocionais e pessoais, que estão envolvidos na escolha da futura profissão, determinada pela relação entre o homem e o mundo.

Com relação ao exercício profissional, Macedo (1998 apud MARQUES, 2000) entende que são necessários competência, capacidade de aprender, autocontrole, iniciativa, capacidade para gestão do aleatório, capacidade de ação, raciocínio, capacidade de diagnóstico, atenção, busca contínua de formação, coletivismo e habilidades de comunicação. Além dessas habilidades citadas, Garcia e Silva (2006) consideram que, para uma boa escolha profissional, também são necessários o desejo, o que se espera do futuro, além de que também se escolhe em função da condição social, das competências e habilidades do indivíduo, das influências familiares, sociais, acadêmicas etc. De modo que a melhor escolha é aquela que é realizada de forma mais consciente, considerando-se o que se quer e o que se pode.

A escolha profissional tem significativa importância para o indivíduo, pois seu futuro será, em grande parte, construído em torno do seu trabalho; durante anos ele deverá desenvolver uma atividade profissional na qual sobreviverá social, física e psicologicamente, dedicando o melhor de si, de seus esforços físicos e mentais, de sua energia, de seu tempo e seu empenho. O escolher dependerá também da qualidade de vida e certamente dos que vivem ao seu redor, sua família e meio social. Sua capacidade para realizar uma boa escolha determinará, em grande parte, a realização de seus potenciais criativos, sua utilidade no mundo e sua autorrealização enquanto pessoa. Em seu cotidiano, as pessoas apresentam diferentes formas de se relacionar. Observamos essas diferenças quanto ao modo de relacionamento consigo mesmo, com os outros e com a vida. (MAIORINO, 1999).

De acordo com Bohoslavsky (1998, p. 30), a identidade ocupacional não é vista como algo definido, mas "como um momento de um processo submetido às mesmas leis e dificuldades daquele que conduz à conquista da identidade pessoal". Apesar de a identidade ocupacional se desenvolver como um aspecto da identidade pessoal, pode-se dizer que são dois processos que caminham juntos em determinado momento de transição – a adolescência – da vida do indivíduo.

A direção do desenvolvimento não envolve apenas o desejo de ser um indivíduo produtivo, mas o de receber a recompensa adequada à sua produção, ter respeito próprio e de seus pares e estes aspectos poderão influenciar sua opção. Segundo Penteado (1976), será nestas circunstâncias que a escolha profissional trará para o indivíduo status em relação à comunidade a que pertence, adquirindo respeito próprio e valorização do meio. Diferentes grupos sociais, juntamente com a família, pressionarão o indivíduo para que se torne consciente da necessidade de executar uma tarefa bem-sucedida ao longo da vida.

Ferreti (1976) indica que as escolhas de uma carreira não são realizadas somente com base em prestígio social, mas em fatores como aptidões, habilidades, disponibilidade econômica, necessidades pessoais, oportunidades de estudo, conhecimento das profissões, valores morais e sociais que auxiliarão, em maior ou menor grau, o processo de escolha, seja ela consciente ou inconsciente.

Para todos, é fundamental descobrir habilidades pessoais que podem auxiliar numa futura carreira profissional. Algumas habilidades já existem em cada um de nós, esperando ser reveladas através do autoconhecimento e da aprendizagem de como usá-las em proveito próprio e na atuação profissional. Entre as diferentes propostas para conhecimento de características psicológicas, escolhemos trabalhar com a teoria dos temperamentos, proposta por Kersey e Bates (1984 apud MARQUES, 2000).

Com relação à carreira médica, Millan e Arruda (1999) afirmam que a medicina sempre foi considerada eminentemente como uma arte, um conjunto de conhecimentos pragmáticos e de receitas. Uma posição idealizada por todos, sendo sempre colocada como uma profissão de status, que daria àquele que recebe a denominação de Doutor uma imagem socialmente muito valorizada. O médico tem a imagem de um sábio, um super-homem, com poderes de curar.

Quando se fala em vocação médica, faz-se referência principalmente às atividades clínicas e cirúrgicas, não a todas as áreas abrangentes que envolvem a medicina hoje. Segundo Millan e Arruda (1999), o médico ideal deve se constituir na vontade de socorrer, no amor ao próximo e no espírito de sacrifício. Hoje, o médico não pode mais se limitar a cuidar somente do indivíduo, ele está comprometido a participar mais ativamente da vida coletiva, ou seja, da multidisciplinaridade, daí a necessidade de alargar seus conhecimentos para abranger os problemas da comunidade.

Para Zimerman (1992), o médico precisa exercer sua profissão satisfatoriamente, estabelecendo uma boa relação com o seu paciente e para isso ele aponta alguns atributos desejáveis, como, por exemplo: o médico deve possuir um esquema referencial que consiste no conjunto de conhecimentos, afetos e experiências, com os quais ele pensa, age e se comunica; o médico deve ter capacidade de intuição e empatia; o médico deve ser continente; o médico deve ter a capacidade para se deprimir e, ainda, afirma o autor que é fundamental a capacidade de comunicação.

Dificilmente um médico não reclama do desgaste físico e mental que a profissão provoca, ao mesmo tempo em que desfruta do prazer de exercê-la. Como conhecedor das funções de cada órgão do corpo humano, ele diagnostica doenças e escolhe o melhor procedimento para combatê-las. Prevenir também faz parte de suas tarefas, principalmente se for especializado na área de saúde pública.

As possibilidades de atuação são inúmeras e cada uma delas necessita, além do conhecimento específico, um conjunto particular de habilidades e competências. Será que a escolha que um médico faz de uma determinada forma de atuação está ligada apenas à oportunidade de trabalho ou ao status que tem no mundo médico? Em que medida as competências e habilidades pessoais influenciam na escolha de ser médico ou na própria especialidade?

Buscando responder a estas questões, o objetivo do presente estudo é verificar se existem diferenças no perfil de personalidade do médico que escolhe cirurgia e do médico que escolhe pronto-socorro.

 

Apontamentos sobre a proposta da tipologia junguiana

Jung (1920) afirmou que as pessoas são diferentes em maneiras fundamentais, mesmo quando têm vários instintos impulsionandoas de dentro para fora. Assim, um instinto não é mais importante do que o outro. O que realmente importa é a preferência pela qual a pessoa os organiza e o modo como eles atuam.

Para Jung, as pessoas possuem diferentes formas de se relacionar com o mundo. Ele teve uma preocupação, um interesse pelas relações dos homens com o meio exterior; se interessou, então, pela comunicação entre as pessoas e a partir de suas observações percebeu que os homens apresentam características combinadas entre si e a essas combinações ele chamou de tipos psicológicos (SILVEIRA, 2001).

Jung (1920, p. 495) chama de disposição uma conjunção de fatores que predispõe o indivíduo a agir ou reagir numa ou noutra direção: "Disposição geral é o resultado de todos os fatores capazes de influir essencialmente na psique, isto é, aptidões genéticas, educação, influências no meio, experiências de vida, intelecções e convicções obtidas por diferenciação e representações coletivas, etc.". Ele identifica dois tipos gerais de disposição – a introversão e a extroversão – que se distinguem pela direção do interesse e pelo movimento da libido do indivíduo. Para o autor, a energia que o indivíduo destina para si ou para o mundo a sua volta definirá sua disposição. Segundo Marques (2000) e Zacharias (1994), a diferença entre o extrovertido e o introvertido é marcada por oposições; quando um elabora as experiências recebidas de uma determinada maneira, o outro reage da forma oposta. Características comuns a indivíduos introvertidos geralmente são opostas, ou estão ausentes, entre os indivíduos extrovertidos. Todos têm as duas atitudes, mas por algum motivo, desenvolvemos mais uma do que a outra.

Os tipos gerais de disposição (introversão e extroversão), para Silveira (2001), estão relacionados à maneira como se processa o movimento da libido em relação ao objeto. Na extroversão, a libido vai em direção ao objeto, sem medo; já na introversão, a libido recua frente ao objeto, pois este parece ter algo que ameaça o indivíduo.

O indivíduo com disposição extrovertida acaba por ter maior facilidade para se relacionar com outras pessoas, visto que apresenta facilidade para adaptar-se às condições que lhe são dadas pelo meio. Assim, o indivíduo extrovertido possui uma natureza aberta e acessível a todos e acaba por sempre estabelecer relações com os outros, influenciando alguns e se deixando ser influenciado por outros. Pode-se dizer então que um indivíduo extrovertido se caracteriza por ser altamente sociável, expansivo, mantendo relações diferentes com cada pessoa e, assim, acabando por dissipar mais energia (RAMOS DA SILVA, 1992).

A mesma autora comenta que o indivíduo introvertido acaba por ser caracterizado como uma pessoa mais fechada, muitas vezes ficando isolada do restante de um grupo; seus relacionamentos são mais profundos, mas suas relações são limitadas e conserva mais a energia e gosta de manter uma territorialidade em seus relacionamentos.

Segundo Zacharias (1994) a introversão e a extroversão são atitudes naturais humanas e não significam qualquer traço de patologia; representam uma preferência natural de cada indivíduo e sua maneira de relacionar-se com o mundo. Para Jung (1921), as duas disposições são complementares entre si, ou seja, temos dentro de nós as duas disposições, visto que necessitamos de ambas para nos relacionarmos com a realidade de forma adequada. Ocorre que, geralmente, utilizamos mais uma do que a outra, nos aperfeiçoando em uma delas e deixando a outra pouco diferenciada pelo pouco uso que dela fazemos.

Além dos tipos gerais de atitude introversão e extroversão, Jung (1921) identificou quatro funções psicológicas para completar sua descrição dos tipos psicológicos, pois constatou que indivíduos do mesmo tipo geral de atitude não se comportam de forma exatamente semelhante. São quatro as funções psicológicas básicas: sensação (S), intuição (N), pensamento (T) e sentimento (F). Jung (1920) indica ainda que essas quatro funções seriam divididas em racionais e irracionais. As funções irracionais estariam ligadas ao recebimento das informações (percepção) e seriam as funções sensação e intuição; já as funções racionais, o pensamento e o sentimento, estariam relacionados com a tomada de decisão a partir do que é recebido, ou seja, por assim dizer, a função racional é uma organizadora das funções recebidas (KERSEY; BATES, 1984 apud RAMOS DA SILVA, 1992).

Segundo Marques (2000) o indivíduo pode receber as informações de duas maneiras: através da sensação, na qual elas são adquiridas através dos órgãos dos sentidos (tato, olfato, audição, gustação e visão), ou através da intuição, no qual o recebimento da informação é feito a partir do recebimento de imagens por insights sobre seus significados.

Para Jung (1921), a função intuitiva representa uma visão futura do que ainda está por vir e que só depois dos acontecimentos podemos perceber o que haveria no objeto. Jung (1921) comenta ainda que a função intuitiva relaciona-se com uma atitude de expectativa, visto que o indivíduo com preferência por essa função acabará por intuir um significado para uma dada situação; ele vive na antecipação: tudo o que é, é percebido apenas como um ponto de referência e, por essa razão, experimenta frequentemente uma vaga sensação de insatisfação e de inquietude, já que está sempre voltado para as possibilidades de mudança ou de aperfeiçoamento do real. Assim, a função intuitiva permite que o indivíduo que tenha preferência por esta função não apenas reaja ao significado aparente de situação, ou de um objeto, mas que também tenha uma ação de apreender e configurar tal situação (RAMOS DA SILVA, 1992).

Já os indivíduos, com as funções pensamento e sentimento, pensam antes de tomar as suas decisões e assim fazem uso das suas faculdades mentais, só que um tem um raciocínio mais lógico (pensamento) e o outro tem um raciocínio que leva mais em consideração o sentimento. Tanto o pensamento como o sentimento apreendem fatos por meio da avaliação objetiva (JUNG, 1921).

Conforme Marques (2000), o pensamento e o sentimento são maneiras alternativas de elaborar julgamentos e tomar decisões, por isso são chamadas funções racionais. Pensamento, no entanto, está relacionado com a verdade, com julgamentos derivados de critérios impessoais, lógicos e objetivos. As pessoas nas quais predomina a função pensamento são chamadas de reflexivas. Esses tipos reflexivos são grandes planejadores e tendem a se agarrar a seus planos e teorias, ainda que sejam confrontados com contraditória evidência. Os tipos sentimentais são orientados para o aspecto emocional da experiência. Eles preferem emoções fortes e intensas, ainda que negativas. A consciência e princípios abstratos são altamente valorizados pela pessoa sentimental. Para eles, as decisões devem ser tomadas de acordo com julgamentos de valores próprios, como, por exemplo, valores do bom ou do mau, agradável ou desagradável, ao invés de julgar em termos de lógica ou eficiência, como faz o reflexivo. Pode-se assim resumir as quatro funções:

A sensação é responsável por nos dizer que algo existe, o pensamento é responsável por nos mostrar como é esta coisa, o sentimento é responsável por nos revelar se tal coisa nos é agradável ou não e a intuição é responsável por nos dizer de onde tal coisa vem e para onde ela irá (JUNG, 1921, p. 61).

Todos os indivíduos usam as quatro funções, mas uma delas sempre se apresenta de maneira mais desenvolvida que as outras. Tem-se aí a função principal do indivíduo, ou função dominante, que é aquela que vai dar a marca característica ao tipo psicológico do indivíduo e que é usada de maneira consciente. A segunda função mais desenvolvida serve de auxiliar à primeira, por isso é chamada de função auxiliar; a terceira, em grau de desenvolvimento, é muito rudimentar, e a quarta quase não é desenvolvida, permanece no inconsciente e assim é denominada de função inferior (SILVEIRA, 2001).

A proposta de Jung é que, a partir da combinação das atitudes e funções, surgiriam oito tipos. Assim, com as combinações entre atitudes e funções podem-se ter tipos extrovertidos e introvertidos com a predominância de uma das quatro funções: pensamento, sentimento, sensação e intuição. É justamente essa combinação entre as atitudes e funções, na ordem de preferência de cada indivíduo, que definiria o tipo psicológico (MARQUES, 2000).

Isabel Briggs Mayers e sua mãe Katharine Cook Briggs, depois de anos de estudos, acrescentaram à teoria tipológica de Jung um quarto fator, também composto por um par de opostos, que elas denominaram de julgamento (J) e percepção (P), que tem como função conduzir a vida dos indivíduos no mundo exterior (MARQUES, 2000).

Apesar de todas as funções serem necessárias, todos usamos mais naturalmente uma forma de operação dentro de cada categoria. Porém, para um equilíbrio nesse processo, uma função é vivida mais de maneira extrovertida e a outra de maneira mais introvertida. E a combinação entre as atitudes e funções, na ordem preferida de cada um, definiria o tipo psicológico do indivíduo, caracterizado por interesses, valores, hábitos mentais que provém naturalmente dessa combinação (MARQUES, 2000).

 

Sobre temperamentos

Marques (2000) informa que, com base na estrutura tipológica junguiana e no desenvolvimento teórico de Myers Briggs, e procurando facilitar a utilização da teoria, Kersey e Bates propuseram certos padrões psicológicos que chamaram de temperamento.

Ramos da Silva (1992) cita que, de acordo com Kersey e Bates, existiriam quatro inclinações temperamentais, baseadas em aspectos dominantes, que possuiriam um alcance mais abrangente e útil para se entender o comportamento em geral, e mais especificamente o comportamento vocacional, que possibilitam estudos sobre os diversos campos profissionais em que pessoas com determinado temperamento teriam maiores possibilidades de desenvolvimento: perfil realista perceptivo, perfil realista judicativo, perfil intuitivo racional e perfil intuitivo sensível. Esses quatro perfis, combinados a algumas variáveis, resultam em 16 subtipos, com modos dominantes de compreender, agir e avaliar frente às diversas situações de vida.

Segundo Ramos da Silva (1992), para adaptar-se à teoria dos temperamentos, a teoria junguiana sofreu algumas modificações. Enquanto para Jung, a extroversão e a introversão exerciam uma importância diferenciadora, para Kersey e Bates elas tornam-se um par de dimensões no mesmo grau de igualdade das outras dimensões.

Dessa forma, o aspecto característico da abordagem dos temperamentos é a combinação base de quatro temperamentos básicos (realista perceptivo, realista judicativo, intuitivo racional e intuitivo sensível), sobre o qual se diferenciam as dimensões da extroversão (E) e da introversão (I). Ainda, conforme o temperamento, distinguem-se as dimensões julgamento/percepção (J/P) para os temperamentos intuitivo racional e intuitivo sensível e as dimensões razão/sentimento (T/F), para os temperamentos realista-perceptivo e realista-judicativo.

De acordo com Marques (2000), o essencial para se compreender o conceito de temperamento formulado por Kersey e Bates estaria na importância dada pelos autores à diferença entre sensação e intuição. Para os autores, a identificação das diferenças na forma como as pessoas coletam informações permitiria a compreensão da maior parte das interações humanas. O temperamento, então, seria definido a partir das preferências que o indivíduo tem pela sensação ou pela intuição.

 

Temperamento realista perceptivo (SP)

O essencial para o indivíduo com temperamento realista perceptivo é a liberdade de ação. Sente-se pleno ao trabalhar de forma independente, uma vez que seu ideal, também na área profissional, é uma situação que lhe permite agir quando e como gosta (RAMOS DA SILVA, 1992). Segundo esta autora, ele trabalha essencialmente sob o impulso da ação. Responsabilidade, dever e poder mostramse como valores secundários, pois o que realmente importa é viver o momento presente plenamente.

A autora coloca que a pessoa que tem esse temperamento é, geralmente, bem aceita socialmente, demonstrando grande facilidade de fazer amizades, pois está sempre animada e é essencialmente otimista em relação à vida. Realista perceptível: ação; impulsividade; realismo; senso de oportunidade; insubordinação; fraternidade – solidariedade; otimismo. Profissões: diplomata, piloto, empresário, administrador, detetive, engenheiro civil, mecânico, todas que valorizam a liberdade de expressão, compositor, pintor.

 

Temperamento realista judicativo (SJ)

Segundo Ramos da Silva (1992), a dedicação e a persistência são as características marcantes deste temperamento. Pessoas com este temperamento voltam-se essencialmente para o trabalho e para o cumprimento de seus deveres, procurando viver de forma paternal, responsável e hierárquica.

Esses aspectos se revertem em um aprimoramento das responsabilidades em relação à família, ao emprego, à nação. Ser útil aos demais naquilo que está ao seu alcance, semear a harmonia e a felicidade junto àqueles com quem convive, são finalidades que perseguem incansavelmente, mesmo que as adversidades os tornem pessimistas e desanimados. Mas rapidamente, a partir de um pequeno gesto de cordialidade e de reconhecimento, reerguem-se e continuam na perseguição de seus valores existenciais (RAMOS DA SILVA, 1992).

Os indivíduos com temperamento realista judicativo inclinam-se mais a profissões ou ocupações que envolvam serviços aos demais ou que façam parte de uma organização estabelecida e reconhecida. Geralmente vai para elas com o objetivo de estabilizá-las, de mantê-las, pois é fundamental para estes indivíduos haver continuidade em seu trabalho. Por esta razão, todas as ocupações envolvendo serviços aos demais e reconhecimento atraem as pessoas que possuem este temperamento, como é o caso da medicina, entre outras profissões (RAMOS DA SILVA, 1992). Portanto, o temperamento realista judicativo é traduzido como: sentido de dever; responsabilidade; conservadorismo; doação; vínculos a instituições; sentido hierárquico. As profissões mais apropriadas são: biólogo, historiador, economista, administrador, secretário, advogado, juiz, professor, enfermeiro, comerciante.

 

Temperamento intuitivo racional (NT)

O que caracteriza esse temperamento é o desejo de compreender e de controlar a natureza, tanto física como social. Este temperamento persegue a capacidade, habilidade, eficiência e, por julgar-se o único capaz de avaliar a própria competência, é portador de uma crítica impiedosa (RAMOS DA SILVA, 1992).

A autora indica que pessoas que têm esse temperamento possuem desejo pela competência que tanto os impulsiona a progredir e a dedicar-se continuamente à sua opção profissional. Porém, são frequentemente perseguidos pelo medo do fracasso, tendo um grau de insegurança pessoal que muitas vezes dificulta o empreendimento da ação.

Estas pessoas vivem em função do trabalho, tendo em vista que para elas o aprender é uma preocupação sem pautas, e que deve ser levado a sério, assim como seu trabalho.

O intuitivo racional apresenta poder; competência; controle da natureza; autocrítica; resistência à autoridade; dirige-se para o futuro. Aprender é uma preocupação contínua. Campos profissionais: ciências, matemática e lógica. Profissões: engenheiro, pesquisador, físico, militar, administrador, filósofo, matemático, arquiteto de ideias, professor.

 

Temperamento intuitivo sensível (NF)

O indivíduo intuitivo sensível não gosta de ser igual aos outros, ele quer ter algo em especial que o diferencie da multidão. Ramos da Silva (1992) enfatiza que a vida para esta pessoa é uma busca constante, sendo este seu objetivo máximo. Tem necessidade compulsiva de encontrar sua própria autenticidade, seu próprio eu, porém este objetivo pode lhe causar culpa, pelo seu eu (self) real, não ser o seu eu (self) imaginado, idealizado. Assim, pode-se dizer que o indivíduo intuitivo sensível não gosta de ser igual aos outros, ele quer ter algo em especial que o diferencie da multidão.

Segundo a autora, possui um forte sentimento de missão, sendo que muitas vezes se esforça para ganhar discípulos e seguidores. Porém, embora possa ficar por algum tempo arrebatado por determinada causa, pode desistir facilmente se esta não apresentar suficiente profundidade e possibilidades de melhorar as condições das pessoas do mundo. Sua meta é ter uma meta. Esses sujeitos expressam-se através de comportamentos verbais e não verbais, e a sua linguagem verbal ou não verbal acaba por atingir um expoente máximo, por isso tem uma enorme facilidade em escrever (RAMOS DA SILVA, 1992).

Intuitivo sensível indica: individualidade; autorrealização; unidade; comunicação não verbal; sentido de missão; dramatização das experiências de vida; orientação para o futuro e possibilidades das pessoas; busca de interação interpessoal. As profissões mais comuns: escritor, psiquiatra, poeta, jornalista, biógrafo, psicólogo, professor universitário.

A partir do referencial teórico apresentado, o presente trabalho tem por objetivo identificar o perfil de personalidade do médico que escolhe cirurgia e o médico que escolhe pronto-socorro; verificar como as características de personalidade podem influenciar na escolha da área de atuação desses médicos.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 25 cirurgiões e 25 prontos-socorristas, dos gêneros masculino e feminino, trabalhadores em oito hospitais públicos e particulares, locais em que os instrumentos foram aplicados.

Instrumentos

Foram utilizados: a) Questionário de identificação de gênero e idade e que continha questões sobre a carreira médica; b) Questionário de Inclinações Pessoais: versão utilizada por Ramos da Silva, baseada no teste apresentado por Kersey e Bates (1984 apud RAMOS DA SILVA, 1992).

Procedimento

A aplicação foi feita em centros cirúrgicos e prontos-socorros dos hospitais. Pela facilidade da aplicadora ter acesso aos centros cirúrgicos (devido ao seu trabalho), contatou os cirurgiões, explicando e pedindo autorização para aplicação do questionário. Para aplicação em prontos-socorristas, a aplicadora foi aos prontos-socorros dos hospitais e também unidades de resgate. Após o primeiro contato, foi entregue a cada participante o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Logo após o preenchimento do termo, foi entregue o questionário de identificação de gênero e idade e com questões da carreira. Em seguida, os participantes receberam o Questionário de Inclinações Pessoais. Após a coleta dos dados, foi feita uma análise quantitativa dos dados obtidos. Para o estudo comparativo das atitudes e funções, tipos e temperamentos existentes nas amostras foi utilizada a Taxa de Autosseleção (SSR – Self Selection Rate), que indica o grau de autosseleção de um determinado tipo na amostra considerada. Esta taxa é obtida através da divisão da frequência do tipo psicológico na amostra pela frequência desse mesmo tipo na população base. Valores acima de 1,00 indicam autosseleção positiva, ou seja, a frequência encontrada na amostra apresenta-se acima do que seria esperado se a escolha fosse devida apenas ao acaso. Valores abaixo de 1,00 indicam certo grau de evitação (MYERS, 1997 apud MARQUES 2000). Os dados de autosseleção são apresentados através da tabela de tipos, que é a forma padronizada por Isabel Myers para a apresentação da distribuição da frequência dos tipos dentro de um grupo específico, bem como para as apresentações das taxas de autosseleção. Segundo McDaid (1991 apud MARQUES, 2000), a validade da comparação entre populações depende da seleção apropriada da população de referência, que deve estar diretamente relacionada à hipótese que está sendo testada. Para este estudo, foi utilizada como base a frequência esperada para cada temperamento na população em geral, usada por Ramos da Silva (1992).

 

Resultados e discussão

Os dados apresentados a seguir referem-se à caracterização dos participantes (50 médicos, sendo 25 cirurgiões e 25 prontossocorristas). Entre os prontos-socorristas, as mulheres representam 32% e entre os cirurgiões representam 48%, estabelecendo uma média entre todos os médicos de 40% da atuação feminina. Trata-se de uma amostra de profissionais jovens, pois a maioria dos médicos tem menos de 40 anos.

Com relação ao tempo de formação e atuação na área, observouse que a maioria (46 = 92%) dos médicos tinham entre 1 e 10 anos de formado, e 4 (8%) médicos tinham mais de 30 anos de atuação na área. Nas duas especialidades, a maioria dos médicos tinha menos de 10 anos de atuação, sendo 68% entre os prontos-socorristas e 80% entre os cirurgiões. Portanto, são mais jovens na área, mas não menos experientes.

A seguir, são apresentados dados referentes à identificação dos temperamentos desses médicos e a comparação dos temperamentos em relação aos atributos escolhidos.

 

 

Observa-se na Tabela 1 que, com relação à preferência por um dos termos dos pares de opostos de atitude ou função, é maior o número de extrovertidos entre prontos-socorristas comparando-se com os cirurgiões. Entretanto, em ambos (76% dos prontos-socorristas e 84% dos cirurgiões) há preferência, como função de coleta e assimilação de informação, pela sensação (S); aparece em ambos uma nítida preferência por critérios objetivos para tomada de decisão (T), e a maior parte da amostra de médicos-cirurgiões prefere levar sua vida de forma organizada (J).

A presença da atitude extrovertida em número considerável entre os prontos-socorristas indica que sejam pessoas mais sociáveis e mais interessadas na interação e convivência com outras pessoas, objetos e fatos que encontram no mundo exterior; têm uma tendência a empenhar mais energia para conseguir seus objetivos e possuem uma vasta gama de interesse. A frequência maior da função sensação (S) em ambos indica que focalizam mais a sua atenção no que está presente, no que está ao seu redor, e há uma preferência pelos aspectos práticos e concretos da situação; interessam-se mais pelos detalhes. Há uma preferência pela amostra em tomar decisões através de critérios universais e objetivos, visto que a presença da função pensamento (T) aparece em número considerável entre os médicos das duas especialidades.

Percebe-se também que, apesar de pensamento (T) ser a função racional predominante entre os prontos-socorristas, existem mais prontos-socorristas sentimento (F) do que cirurgiões sentimento. Talvez o fato de lidar com o sofrimento humano mais diretamente, de maneira inesperada, seja facilitado pelo predomínio do sentimento, diferente dos cirurgiões que geralmente programam cirurgias de maneira mais objetiva; também são menos pressionados pelo pouco tempo que têm para uma ação que pode representar a diferença entre a vida e a morte, como é o caso dos prontossocorristas.

Com isso, é possível entender, conforme Marques (2000, p. 50), que pessoas com diferentes tipos psicológicos têm diferentes atitudes, necessidades e valores, sendo atraídos por profissões que "acreditam ser aquelas que melhor atenderiam a suas necessidades e valores". Sendo assim, todos os tipos são encontrados em qualquer ocupação, uns com maiores frequências que os outros. Dessa forma, seria esperado que as frequências de cada tipo ou temperamento fossem diferentes entre os prontos-socorristas e cirurgiões, pois mesmo sendo médicos, as áreas de atuação são diferentes e exigem atitudes diversas. Essa especificidade seria indicada pelas taxas de autos seleção.

Sobre a taxa de autosseleção (SSR – Self Selection Rate), essa indica o grau de autosseleção de um determinado tipo na amostra considerada (MARQUES, 2000). Para se obter essa taxa é feita a divisão da frequência do tipo psicológico na amostra pela frequência desse mesmo tipo na população base. Valores acima de 1,00 indicam autosseleção positiva, ou seja, a frequência encontrada na amostra apresenta-se acima do que seria esperado se a escolha fosse devida apenas ao acaso. Já valores abaixo de 1,00 indicam certo grau de evitação.

Os dados da autosseleção são apresentados através da tabela de tipos, forma padronizada por Isabel Myers para a apresentação da distribuição da frequência dos tipos dentro de um grupo específico (MARQUES 2000).

As taxas de autosseleção (SSR) de cada temperamento foram calculadas tendo como base a distribuição esperada na população em geral. Segundo a distribuição de temperamentos, indicada por Ramos da Silva (1992), baseada em estudos realizados por Kersey e Bates (1984 apud RAMOS DA SILVA, 1992), seria esperado que 38% da população possuíssem o temperamento SJ e 38% o temperamento SP. Os temperamentos NF e NT corresponderiam ao restante, sendo 12% cada um.

 

 

Observa-se na Tabela 2 que, entre os prontos-socorristas, o temperamento mais frequente é o intuitivo sensível (NF, com SSR = 2), seguido do realista perceptivo (SP, com SSR = 1,36).

Pode-se com isso dizer que os médicos que possuem temperamento SP têm habilidades de atuação rápida em momentos de crises (emergência, pronto-socorro). No campo da medicina, poder-se-ia dizer que um médico de temperamento realista perceptivo (SP) poderá se sentir inclinado a trabalhar no pronto-socorro, onde é obrigado a tomar decisões imediatas e imprevisíveis, de acordo com as circunstâncias, no trabalho com o inesperado, com a improvisação e adaptação rápida ao momento presente.

Uma atuação médica necessita de pessoas que busquem a estabilização do paciente e mantenham sua saúde de forma desejável, em momentos de crise. Podemos supor que este fator poderia justificar termos muitos prontos-socorristas com temperamento NF, que, com sua persuasão, articulação, necessidade de perfeição e suas aptidões em explorar emoções em dimensões verbais e não verbais e seu bom desempenho em situações de emergência, exerçam sua função em meio ao impacto do pronto-socorro. O que há em comum entre os temperamentos SP e NF desta amostra é que eles são predominantemente P (percepção). Ou seja, mais flexíveis, sem apego à rotina, o que auxilia na função que exercem, já que rotina não é característica de um pronto-socorrista.

Não houve nenhum pronto-socorrista com temperamento NT. As características de um NT o impulsionariam a dedicar-se continuamente à sua escolha profissional e com sua habilidade em buscar o conhecimento, teria maior interesse por trabalhos na área acadêmica ou de pesquisas. Com isso, não mostraria muito interesse por atuações como pronto-socorro, emergência, já que o intuitivo racional (RAMOS DA SILVA, 1992) projeta e executa o produto, com tudo esquematizado.

 

 

Percebe-se que o temperamento mais encontrado entre os cirurgiões é o SJ, em 72% dos casos; SP com 12% e os temperamentos NF e NT com 8% cada um.

É observado na Tabela 3 que o temperamento realista judicativo (SJ) foi o mais encontrado entre os cirurgiões (72%, com SSR = 1,89). Esse é considerado um temperamento estabilizador; há preferência por situações organizadas, sendo determinado e persistente. Segundo Ramos da Silva (1992), as pessoas com esse tipo de temperamento preferem adquirir informações de forma prática, planejam suas atividades, com objetivos definidos. O percentual dos temperamentos NF e NT apresentou-se abaixo do esperado para a população geral (pois cada um teve o índice de 8%) e o temperamento SP (realista perceptivo) também esteve abaixo do esperado (12%). O índice percentual SJ (realista judicativo) foi acima do esperado na população em geral, indicando que esta seja uma área dentro da medicina que possivelmente atraia as pessoas com tal temperamento. Como colocado por Ramos da Silva (1992), os indivíduos com temperamento SJ têm uma preferência por situações comuns, como tarefas rotineiras. E assim é um cirurgião que tem de ter tudo organizado, esquematizado antes do início da cirurgia, bem como atendimentos na clínica, cirurgias programadas, pré e pós-cirúrgico. Parece então que tais tarefas justificam o aparecimento mais elevado deste temperamento.

As taxas de autosseleção para os temperamentos NT, NF e SP estão abaixo das esperadas na população (RAMOS DA SILVA, 1992). Isto pode indicar que a imagem profissional que se tem de um médico-cirurgião não atraia os médicos que possuem um destes temperamentos.

Os próximos resultados dizem respeito aos motivos de escolha pelo curso de medicina e as competências que os médicos consideraram necessárias para a atuação profissional, tanto em pronto-socorro quanto em centro cirúrgico.

 

 

A análise deste quadro permite verificar quais motivos são vistos pela amostra como os mais citados entre eles e quais menos citados. É importante ressaltar que a vocação, como apontaram Millan e Arruda (1999), é uma inclinação para um trabalho, um conjunto de características de uma personalidade, em virtude das quais uma pessoa é mais apta a exercer uma função e não outra. E, na presente amostra, foi interessante observar que justamente entre as características menos citadas foram: aptidão (uma escolha – cirurgião), cura e curiosidade (uma escolha em ambos). Já os motivos mais escolhidos foram gosto pessoal e influências familiares. Esse aspecto foi apontado por Garcia e Silva (2006), os quais consideraram que para uma boa escolha profissional, além do desejo, competências e habilidades, também se escolhe em função das influências familiares.

É interessante também observar que o mais escolhido entre os cirurgiões foi o status. Esse aspecto corrobora com Millan e Arruda (1999), os quais afirmaram que o status é uma das razões da escolha pela medicina. No entanto, Ferreti (1976) apontou que as escolhas de uma carreira não são feitas somente com base no prestígio social, mas em aptidões, habilidades, necessidades pessoais, oportunidades de estudo, conhecimento das profissões, valores morais – fatores esses relacionados ao que explica Ramos da Silva (1992) com relação aos temperamentos. A autora aponta para o fato de que para o temperamento SJ é muito importante o status, pois é algo que deve ser conquistado, tornando-se responsável pelo que está sob seu controle – tornando-se um estabilizador da ordem social –, enquanto que os SP são mais aventureiros e podem ignorar os laços sociais, especialmente os institucionais, podendo abandonar tanto uma atividade como um padrão de vida, mudando abruptamente de rumo. Para aqueles NF, o status também tem pouca importância, pois pensam sempre sobre possibilidades das pessoas e as desfrutam, a fim de atualizar seus potenciais, e têm dificuldades em seguir regras, rotinas, padrões, não se preocupando com limites de tempo.

 

 

Entre as competências necessárias citadas pelos médicos, conforme Quadro 2, verifica-se que há um grande número de características citadas por cirurgiões que não foram citadas pelos prontos-socorristas. Através desses parâmetros, levantamos as características mais importantes para cada temperamento, indicando assim a imagem profissional por grupo de temperamento.

Entre os cirurgiões, as que mais se destacaram foram: atenção, objetividade, disciplina e disponibilidade. Já as menos importantes foram: ética e responsabilidade. Como a maioria dos cirurgiões da amostra possuía temperamento SJ, seria esperado que responsabilidade fosse a competência mais escolhida. Pode-se hipotetizar com isso que essa omissão tenha ocorrido porque, para as pessoas SJ, ter responsabilidade não é igual a ter competência, mas sim valor pessoal, visão de mundo inerente a sua forma de ser e, portanto, não precisaria ser indicada. Para os prontos-socorristas, as competências mais importantes foram: atenção, disciplina e responsabilidade e a menos importante foi abertura. Para os prontos-socorristas, pode ser que disciplina signifique dever cumprido, ação realizada a qualquer custo. Para ambos os grupos – prontos-socorristas e cirurgiões –, a atenção foi a mais importante para os dois, mostrando que independentemente da área da medicina, a atenção tem de estar em primeiro plano. Porém, percebeu-se que os prontos-socorristas mostram ser mais ágeis e prontos ao inesperado, para uma ação improvisada, recuperando-se facilmente das situações mais difíceis.

 

 

A leitura do Quadro 3 permite observar diferenças na qualidade das competências necessárias, indicadas pelos médicos para o exercício da profissão, que compõem cada um dos quatro temperamentos; porém, características como objetividade, prontidão e agilidade são escolhidas pelos quatro temperamentos.

A escolha de competências como atenção, objetividade e disponibilidade seriam esperadas para os indivíduos com temperamento realista judicativo (SJ), pois são pessoas com sentido aprimorado de responsabilidade, voltadas para o mundo e dedicadas às tarefas rotineiras. A presença da função sensação nesses indivíduos permite que estes tenham uma constatação de tudo que os cercam, adaptando-os à realidade objetiva e concreta (SILVEIRA, 2001); assim, não é de se estranhar que uma das características mais importantes para este temperamento tenha sido a atenção, essencial para a medicina.

Outra competência importante para as pessoas com o temperamento SJ é a disciplina, visto que os indivíduos SJ doam-se de forma a honrar os compromissos. Esses indivíduos são extremamente sensíveis à realidade das pessoas, com seus problemas e injustiças (MARQUES, 2000; RAMOS DA SILVA, 1992), o que nos faz compreender por que competências como atenção, prontidão, disponibilidade, disciplina e objetividade foram os mais citados entre as pessoas SJ.

Os indivíduos de temperamento realista perceptível (SP) consideraram agilidade, disponibilidade, atenção como sendo as competências mais importantes para o exercício da profissão. Para agir em situações de crise, precisa-se tomar decisões rápidas, algo que é muito importante para o realista perceptível e que é mais acentuado nas escolhas dos prontos-socorristas.

Segundo Ramos da Silva (1992), a função sensação possibilita aos indivíduos que tenham preferência por esta função acreditarem nos fatos e na realidade, não tolerando a falta de bom senso. Provavelmente, é por essa característica que os médicos realistas perceptíveis consideram a característica agilidade, segurança e atenção como sendo características importantes para o exercício da profissão. Para esses indivíduos, a realidade é aquilo que é e não aquilo que possam desejar ou planejar.

Analisando ainda o Quadro 3, verifica-se que nenhum dos indivíduos com temperamento realista perceptível considerou a organização como uma característica importante para o exercício da profissão. Isso pode estar relacionado ao comentário de Ramos da Silva (1992), quando indica que uma das principais características desse temperamento é o gosto pela liberdade de ação, e seu trabalho é feito pelo impulso da ação; com isso, os indivíduos realistas perceptíveis (SP) se tornam imbatíveis em situações de crise, que exigem uma ação improvisada, como no caso dos prontos-socorristas. Deste modo, seguir um plano de atendimento não faz sentido para esses indivíduos, já que não suportam procedimentos predeterminados e não gostam de seguir uma rotina, reforçando a ideia de que a liberdade de ação seja fundamental para os indivíduos SPs. No mesmo quadro, verifica-se que, das seis características que foram escolhidas pelos indivíduos com temperamento intuitivo racional (NT), três delas estão entre as mais escolhidas pelos cirurgiões e prontossocorristas. Essas três foram: atenção, agilidade e objetividade.

A indicação de objetividade entre as características mais importantes nesta amostra, possivelmente ocorreu porque a maioria tem preferência pela função pensamento (T). Para o indivíduo com preferência por essa função, objetividade é sempre critério de tomada de decisão.

A presença da função pensamento é que dá objetividade ao indivíduo intuitivo racional, visto que indivíduos com preferência por esta função têm uma tendência a tomar decisões baseadas em critérios universais e objetivos; a avaliação da situação é feita a partir de um ponto de vista objetivo, por isso há certa dificuldade nos indivíduos intuitivos racionais em lidar com sentimentos, tanto é que frieza é citada pelo indivíduo NT como algo importante e necessário para a profissão. Os médicos com esse temperamento foram os cirurgiões, já que nenhum pronto-socorrista da amostra teve perfil NT.

Também é importante ressaltar que alguns indivíduos intuitivos sensíveis (NF) escolheram, como competência necessária para a profissão, amor pelo que faz, gosto, paciência, entre outros. Isso seria esperado, visto que uma das principais características de um indivíduo NF é justamente a capacidade de se colocar no lugar do outro. Para esses indivíduos, cada caso é um caso, que deve ser analisado conforme as particularidades dele; assim, mesmo indicando objetividade, sua análise acaba por estar mais atrelada aos aspectos subjetivos da situação. A maior preocupação com os aspectos subjetivos de uma situação não significa que os NFs não tenham, ou não considerem importantes o bom senso. Tanto que a maioria dos médicos NFs da amostra são prontos-socorristas.

 

Conclusão

O presente estudo buscou identificar as diferenças no perfil de personalidade do médico que escolheu cirurgia e do médico que escolheu pronto-socorro como área de atuação médica. Como base teórica para a discussão, foi utilizada a proposta desenvolvida por Carl Gustav Jung, que define os diferentes tipos de personalidades e sua forma de atuar no mundo, como apresentada por Kersey e Bates (1984) na definição de temperamentos.

Este trabalho mostrou congruência entre as competências necessárias indicadas por eles como as mais importantes para o exercício das profissões (cirurgião e pronto-socorrista), com seus respectivos temperamentos. Os médicos-cirurgiões apresentaram temperamento SJ (realista judicativo) e a maioria dos prontos-socorristas o temperamento SP (realista perceptível). As competências consideradas pelos próprios médicos envolvem características valorizadas por pessoas com temperamento SJ e SP. Ao que os resultados indicaram, as atuações em centro cirúrgico e pronto-socorro teriam a propriedade de atrair pessoas com diferentes temperamentos.

As pessoas com temperamento SJ (realista judicativo) buscam a estabilidade, tanto dentro da organização quanto fora dela, tendo uma imagem de responsabilidade social, institucional e familiar. Portanto, não foi por acaso que competências como atenção, disponibilidade e disciplina estiveram presentes dentre os mais escolhidos, tanto pela amostra em geral como pelos indivíduos com temperamento SJ.

Com relação aos indivíduos realistas perceptíveis (SP), uma das principais características desse temperamento é o gosto pela liberdade de ação e, com isso, os indivíduos com esse temperamento são hábeis em situações de crise, que exigem ação improvisada, como no caso dos prontos-socorristas que citaram agilidade como sendo uma competência necessária para a atuação.

Este trabalho se baseou na ideia de que os padrões de escolha profissional são manifestações práticas e características básicas de personalidade. Ao final deste estudo, foi possível verificar como as características de personalidade parecem se refletir na escolha da área de atuação entre os médicos.

 

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Recebido em: 23/11/2009
Aceito em: 04/05/2010