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Print version ISSN 1415-8809

Psicol inf. vol.15 no.15 São Paulo Dec. 2011

 

Artigo

 

 

Produção científica sobre violência contra o idoso nas bases Scielo e Lilacs

 

Scientific productions on violence against the elderly: Scielo e Lilacs databases

 

 

Ana Lydia N. S. Micheletti*; Doralice Garcia*; Fernanda A. Melicchio*; Lucilena Vagostello**

 

 


RESUMO

O presente estudo objetivou conhecer e analisar a produção científica sobre a violência contra o idoso nas bases de dados Scientific Eletronic Library Online (SciELO) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs) nos últimos nove anos (2000-2008). Do total das 28 publicações encontradas, a maioria foi publicada nos anos de 2007 e 2008. Constatou-se a prevalência daqueles relacionados à área de Saúde, com o predomínio da revista Cadernos de Saúde Pública (17,86%). Os profissionais que mais estudaram esse fenômeno foram enfermeiros, médicos e psicólogos. As pesquisas, na maioria, originam- -se da região Sudeste (35,71%), 10,34% de São Paulo e 24,14% do Rio de Janeiro. Os artigos abordaram as mesmas formas de abuso contra a pessoa idosa: físico, psicológico, sexual, abandono, negligência, financeiro ou econômico e autonegligência. Alguns trabalhos de psicólogos em parceria com profissionais de outras áreas examinaram esse tema por meio de perspectiva multidisciplinar sem analisar, contudo, a violência psicológica. Destacam-se a importância e a necessidade de pesquisas, também com foco na prevenção, uma vez que a violência aumenta a mortalidade, reduz significativamente a qualidade de vida e produz graves sequelas em suas vítimas.

Palavras-chave:violência; idosos; envelhecimento.


ABSTRACT

The present study aims to identify and analyze the scientific production about the theme of violence against elderly people on Scientific Electronic Library Online (SciELO) and the Latin-American and Caribbean Literature in Health Sciences (Lilacs) databases in the period of nine years (2000-2008). The majority of the studies were published during 2007 and 2008 and those related to health were mainly published in Cadernos de Saúde Pública (17, 86%). It was verified that the professionals who studied elderly people mistreatment were nurses, medical doctors and psychologists. The majority of the researches proceed from the Brazilian southwest region (35, 71%), 10, 34% from São Paulo and 24,14% from Rio de Janeiro. These studies, in general, have described the same forms of abuse against senior citizens: physical, psychological, sexual, financial or economic, abandonment, neglecting, and self-neglecting. Some studies, led by psychologists and professionals from other fields of knowledge, examined the theme of mistreatment against the elderly through a multidisciplinary perspective. New researches emphasizing violence’s prevention are important and necessary, because the violence against the elderly increases mortality risks, reduces significantly the quality of life and generates serious sequels in the victims.

Keywords: violence; elderly; scientific literature.


 

 

Introdução

No Brasil, o fenômeno do envelhecimento teve início na década de 1960 e sua expansão ocorreu rapidamente, ao contrário da Europa, onde o crescimento da população idosa aconteceu de forma gradual, possibilitando o planejamento de intervenções nas esferas política, social e econômica (SILVA, 2005).

Assim, somente a partir da década de 1970 percebeu-se maior preocupação com a temática do envelhecimento no país, fato que gerou uma rápida expansão de atividades, eventos e projetos voltados para os idosos, destacando-se as Universidades para Terceira Idade, Programas de Saúde, Delegacias de Idosos, entre outros, notadamente nos últimos quarenta anos (SILVA, 2005)

A Constituição Federal de 1998, no artigo 230, assegurou os direitos da pessoa idosa e o Estatuto do Idoso (2003) abrangeu, entre outras disposições, os direitos fundamentais do idoso, as medidas de proteção, as políticas de atendimento, o acesso à justiça e o estabelecimento de penas para os crimes mais comuns praticados contra a pessoa idosa (Sanches , 2006). Entretanto, esses dispositivos legais não foram eficientes para solucionar os problemas da violência (SILVA, 2005).

O fenômeno da violência contra o idoso foi descrito pela primeira vez em 1975, em publicações britânicas, e em 1997 no Brasil (MINAYO, 2005).

Entretanto, ele acompanha a história da humanidade desde os seus primórdios, ainda que só recentemente tenha alcançado a popularidade no país e no mundo (SANCHES; LEBRÃO; DUARTE, 2008; ARAÚJO; LOBO FILHO, 2009).

A violência é considerada um problema de saúde pública na medida em que incide na saúde física e/ou psíquica das vítimas, daí o crescente número de pesquisas que visam obter conhecimentos específicos sobre a velhice e dos fatores de risco que tornam o idoso vulnerável à violência (MIMAYO, 2005).

Uma das maiores dificuldades no combate à violência contra o idoso é a subnotificação do fenômeno, sobretudo quando praticado no âmbito doméstico. Isso ocorre porque a violência doméstica costuma ser tratada como assunto privado pela família e porque a vítima geralmente mantém um vínculo de dependência com o seu agressor, temendo denunciá-lo (GONDIM; COSTA, 2006).

As formas de violência contra idosos mais comuns são o abuso físico, o abuso sexual, o abuso emocional ou psicológico, a exploração financeira ou material, o abandono e a negligência. Elas podem ocorrer isolada ou conjuntamente (SOUZA; FREITAS; QUEIROZ, 2007).É comum que idosos submetidos a constantes situações de violência no lar apresentem diminuição gradual de suas defesas físicas e psíquicas, resultando em aumento de problemas de saúde como doenças psicossomáticas, transtornos depressivos e fuga da realidade. Algumas vítimas reagem à situação abusiva com condutas autodestrutivas (autonegligência), normalmente associadas a quadros depressivos e a transtornos pós-traumáticos, que podem culminar em tentativas de suicídio (GODIM; COSTA, 2006).

A violência psicológica é a mais praticada contra os idosos e quase sempre aparece associada a outros tipos de maus-tratos. A sua manifestação mais comum é a agressão verbal, por meio da qual a pessoa idosa é desrespeitada, ridicularizada e depreciada. O tratamento impessoal ou infantilizado, comumente utilizado por familiares, empregados e profissionais da área da saúde também podem contribuir para a crise de identidade e para a diminuição da autoestima do idoso. Outras formas específicas de violência, como a violência financeira, intensificam o sofrimento psicológico do idoso, que tende a se sentir ainda mais oprimido e culpado diante da própria impotência (GONDIM; COSTA, 2006).

Estudos realizados em diversos países, inclusive no Brasil, revelam que as vítimas mais comuns de abuso e de negligência são mulheres pobres, viúvas e sem filhos. O abuso contra a mulher idosa geralmente ocorre na esfera familiar, enquanto que os homens são as principais vítimas da violência contra idosos nas ruas. A dependência da família é um dos principais fatores de risco para o idoso, uma vez que “pessoas mais velhas que se tornam cada vez mais dependentes de seus filhos adultos são mais vulneráveis às condutas abusivas tardiamente” (GONDIM; COSTA, 2006, p. 179).

A Coordenação de Desenvolvimento de Programas e Políticas de Saúde (CODEPPS, 2007) destaca alguns fatores de risco que podem predispor uma pessoa a agredir um idoso, como o isolamento social, dependência (física, psíquica e emocional), dificuldades financeiras, altos níveis de estresse por parte do cuidador, entre outros. Além disso, as modificações estruturais da família e da qualidade das relações familiares em razão de divórcios, instabilidade financeira e crescimento da população feminina no mercado de trabalho contribuem para possíveis situações de violência, especialmente contra os idosos (KARSCH, 2003).

Além dos fatores de risco associados à vítima e ao agressor, alguns fatores estruturais também podem colocar o idoso em situação de vulnerabilidade, como “pobreza absoluta; discriminação etária; estereótipos da velhice; relações intergeracionais desrespeitosas e descumprimento das leis que protegem os idosos” (CODEPPS, 2007, p. 32).

Nesta categoria também estão incluídas as instituições cuidado e o conforto do idoso.A violência estrutural é tão frequente que nem é percebida como violência, pois integra o cotidiano das pessoas que necessitam das instituições. As principais fontes de risco associadas à violência institucional relacionam-se à escassez de recursos humanos e materiais, sobrecarga de trabalho, falta de qualificação e baixa remuneração dos profissionais, controle e fiscalização inadequados. O idoso institucionalizado torna-se um alvo fácil de violência (CODEPPS, 2007; PORTO; KOLLER, 2008).

Segundo a CODEPPS (2007), evitar o isolamento social do idoso e mantê-lo em contato com redes sociais também são medidas importantes para a prevenção e notificação da violência. A responsabilidade dos profissionais de saúde é, portanto, significativa, uma vez que são eles que mantêm contato com as vítimas nas unidades de saúde, nas residências ou ainda nas equipes de saúde da família (GONDIM; COSTA, 2006; SOUZA et al., 2008).

Diante da relevância do tema e da necessidade de se obter uma sistematização do conhecimento produzido no Brasil, o presente estudo objetivou conhecer e analisar a produção científica sobre o tema da violência contra o idoso nas bases de dados Scientific Eletronic Library Online (SciELO) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), no período de 2000 a 2008.

 

Método

Considera-se produção científica toda produção documental que aborda determinado tema de interesse de uma comunidade científica específica, identificando a trajetória e o estado atual das pesquisas realizadas (LOURENÇO, 1997; WITTER, 2007).

Para a realização deste trabalho, foram consultados artigos publicados em formato eletrônico nas bases de dados SciELO (Scientific Electronic Library Online) e Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), no período de nove anos (2000 a 2008).

A SciELO é o resultado de um projeto de pesquisa da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), em parceria com a BIREME (Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde) e com o apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). A Lilacs é uma base de dados cooperativa do Sistema BIREME (Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciência da Saúde) desde 1982.

O levantamento de artigos científicos foi realizado por acesso à internet e pelo cruzamento das seguintes palavras-chave, nos buscadores de ambas as bases: violência e idoso(s), violência e velho(s), violência e ancião, abuso e idoso(s), abuso e velho(s), abuso e ancião, maus-tratos e idoso(s), maus-tratos e velho(s), maus-tratos e ancião, vitimização e idoso(s), vitimização e velho(s), vitimização e ancião.

Após o levantamento, foi feita uma leitura seletiva das publicações em português e foram escolhidas somente aquelas relacionadas aos objetivos da pesquisa. Os artigos selecionados foram impressos e lidos integralmente por todas as pesquisadoras e classificados de acordo com os seguintes critérios: número de artigos publicados anualmente, fontes de publicação (periódicos), formação acadêmica dos autores, delineamento de pesquisa dos estudos, região do país onde foi produzido. Posteriormente, realizou-se uma análise do objeto de estudo de cada trabalho.

 

Resultados e discussão

Na base de dados SciELO, após a inserção das palavras-chave, foram encontradas 90 publicações, das quais somente 11 atenderam aos objetivos do estudo. Na base de dados Lilacs foram encontradas 852 publicações, sendo que somente 17 corresponderam aos objetivos propostos.

Do total de publicações encontradas, 28, somente 15 encontravam- se integralmente disponíveis on-line para impressão e 13 apresentavam apenas os resumos.

Os resultados da presente pesquisa serão apresentados a seguir, de acordo com os objetivos específicos e estabelecidos nas tabelas seguintes.

A Tabela 1 mostra que no ano de 2000 foi encontrado apenas um artigo relativo ao tema violência contra o idoso, o que parece indicar que as pesquisas a respeito do assunto iniciaram por volta desse período. De fato, a literatura especializada referente à investigação científica sobre a violência contra a pessoa idosa no Brasil iniciou-se a partir da década de 1990 (FALEIROS, 2007; MACHADO; QUEIROZ, 2006; MINAYO, 2003).

A distribuição dos artigos por ano de publicação revela que 60,71% dos estudos foram publicados nos anos de 2007 e 2008. Esses resultados mostram-se de acordo com os dados apresentados pela literatura especializada, que revela um número escasso, embora crescente, de publicações sobre violência contra os idosos.

 

 

Os resultados encontrados indicam que no início do século XXI a produção científica relacionada ao tema ainda era incipiente e que o crescimento de publicações sobre violência contra idosos ocorreu em 2007. Pesquisadores como Gondim e Costa (2006) destacam que a subnotificação de denúncias pode distorcer o conhecimento da real situação do idoso exposto à violência. Essas autoras entendem que a baixa notificação dos casos de violência ocorre por diversos motivos, porém o mais comum é a relação de parentesco entre agressores e agredidos, o que leva a vítima a temer as consequências da denúncia. Além disso, muitos idosos sequer conhecem os seus direitos e não sabem a quem recorrer nessas situações.

Segundo dados da SIS – Síntese de Indicadores Sociais (SIS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2009), 41 mil mulheres relataram terem sido vítimas de violência, porém não houve registros específicos sobre casos de violência contra idosos (IBGE, 2010).

A violência contra a pessoa idosa ainda não recebeu a mesma atenção que outras formas de violência intrafamiliar já recebem, por exemplo, a violência contra a mulher, a criança e o adolescente. Assim, a maioria dos trabalhos científicos não prioriza o idoso como objeto de estudo no contexto da violência doméstica (GONDIM; COSTA, 2006).

De acordo com Espindola e Blay (2007), apesar de a violência ser inerente ao homem, ela não é suficientemente estudada como fenômeno social, principalmente quando dirigida ao idoso.

A Tabela 2 apresenta as fontes de publicação dos estudos sobre a violência contra o idoso. Verifica-se a prevalência de periódicos referentes à área de saúde, com o predomínio da revista Cadernos de Saúde Pública, que publicou 17,86% dos artigos estudados, seguida pela revista O Mundo Saúde, que apresentou 10,71% das publicações.

 

 

A revista Cadernos de Saúde Pública é uma publicação da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (Rio de Janeiro) e objetiva, por meio de suas publicações, contribuir para a melhoria das condições de saúde da população, bem como para a formulação de políticas públicas.

As estatísticas encontradas em 2002 mostraram que 73% dos idosos brasileiros dependiam exclusivamente do SUS, Sistema Público de Saúde, segundo o Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento (NESPE). Esse número parece justificar a maior porcentagem de publicações nos Cadernos de Saúde Pública e em outras revistas que divulgam trabalhos científicos interdisciplinares na área da saúde, uma vez que são os profissionais da saúde pública que mais têm contato com o idoso (GONDIM; COSTA, 2006).

A Tabela 3 mostra a formação acadêmica dos autores dos trabalhos analisados. Essas informações foram obtidas nos próprios artigos e por meio de consulta ao “currículo lates” dos pesquisadores, disponíveis no site do CNPq na internet. Os dados encontrados mostram que os profissionais que mais estudaram a violência contra o idoso, em diversos aspectos, foram enfermeiros (36%), médicos (25%) e psicólogos (14%).

 

 

O envelhecimento, no Brasil, começou a ser estudado pela medicina em meados do século XIX. Assim, a história do saber sobre a velhice coincide com a própria história da medicina, fato que, em princípio, parece explicar o destaque dos estudos médicos nessa questão. Posteriormente, os estudos foram ampliados para outras áreas das Ciências da Saúde (WITTER; BASSIT, 2006).

Assim, os resultados encontrados revelam-se de acordo com o esperado, considerando que o enfermeiro tem papel significativo no trato diário com os idosos usuários dos serviços de saúde. Contudo, é importante que esses profissionais estejam habilitados para identificar episódios de violência para abordar adequadamente o cliente e planejar, com outros profissionais, intervenções eficazes e estratégias educativas no combate aos maus-tratos (FLORÊNCIO; FERREIRA FILHA; SÁ, 2007).

A Tabela 4 mostra que 35,71% das pesquisas são provenientes da região Sudeste, 10,34% de São Paulo e 24,14% do Rio de Janeiro, ou seja, regiões com significativa concentração populacional e econômica do país. Além disso, a grande concentração de universidades no Sudeste pode concorrer para a supremacia dessa região na produção de pesquisas científicas.

Cabe ressaltar, contudo, que embora esses resultados possam corresponder à realidade (predominância de estudos no Sudeste), eles não podem ser considerados confiáveis. O presente estudo não encontrou a procedência de treze publicações, o que corresponde a 46,43% do total, uma vez que os estudos levantados na base de dados Lilacs não estão publicados na íntegra e não permitiram a identificação da origem da pesquisa.

 

 

É importante também mencionar que elevado número de estudos sobre a violência contra idosos publicados em periódicos do Rio de Janeiro (24,14%) pode ser justificado pelo fato de a capital carioca concentrar a proporção mais elevada de idosos do país (15%), segundo o IBGE (2009). Verificou-se apenas uma publicação procedente da região Sul, apesar de o Estado do Rio Grande do Sul apresentar a segunda maior população relativa de idosos do país (IBGE, 2009).

A Tabela 5 mostra que delineamento de pesquisa mais frequente dessas publicações foi o estudo de campo, contudo esses resultados também podem ser considerados imprecisos, pois não foi possível identificar o delineamento de treze publicações (46,43%), visto que os resumos não trouxeram informações suficientemente claras sobre o método empregado, o que impossibilitou a realização de uma classificação confiável do delineamento empregado.

 

 

Assim, desconsiderando esses treze artigos, verificou-se que o delineamento de estudo de campo foi utilizado em 21,43% das publicações. Trata-se de um delineamento que utiliza a realidade como fonte de coleta de dados, e permitiu aprofundar as questões sobre o objeto de estudo (CAMPOS, 2004).

Quanto ao conteúdo das publicações encontradas, foram analisados somente os quinze artigos que estavam integralmente disponíveis on-line para impressão, uma vez que os demais, por apresentarem apenas os resumos, não permitiram esse tipo de exame. Em sua maioria, esses trabalhos empregaram terminologias como “violência”, “abuso” e “maus-tratos” para abordar o fenômeno da violência contra o idoso e todos esses termos foram utilizados como sinônimos.

Segundo definição da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2002), a violência contra o idoso é “qualquer ato, único ou repetitivo, ou omissão, que ocorra em qualquer relação supostamente de confiança, que cause dano ou incômodo à pessoa idosa” (grifos dos autores).

Esse conceito pressupõe que a violência contra o idoso ocorre por meio de quebra de expectativas positivas dos idosos em relação às pessoas e instituições que os cercam e nas quais eles deveriam confiar (filhos, parentes, cuidadores, cônjuges e sociedade em geral).

Assim, a violência contra o idoso pode ocorrer nas esferas social, institucional e familiar. Porém, é no espaço doméstico que ocorre a grande maioria de casos de violência contra a pessoa idosa, perpetrada pelos próprios familiares e cuidadores. O alto índice de maus-tratos praticados por parentes contra o idoso faz que essa violência seja tratada como uma das faces da violência doméstica.

De acordo com Debert e Oliveira (2007), a quantidade de denúncias de casos de violência contra idosos cometida por parentes surpreende os agentes de polícia e é a queixa mais frequente nas delegacias do idoso, uma vez que a violência institucional raramente é denunciada. As autoras ressaltam que a família, ao invés de ser um espaço de proteção, tornou-se um cenário de relações de opressão e maus-tratos.

Os dezesseis trabalhos analisados, em geral, classificam as mesmas formas de violência contra a pessoa idosa: física, psicológica, sexual, abandono, negligência, violência financeira ou econômica e autonegligência. Apesar da subnotificação do fenômeno, a violência física e a negligência foram as ocorrências mais encontradas pelos autores, pois muitos idosos não denunciam os maus-tratos sofridos por medo de represálias dos familiares e dos cuidadores, receio de perderem o afeto dessas pessoas ou mesmo por vergonha de relatar as humilhações sofridas.

Muitos dos idosos, quando procuram uma delegacia, não esperam a punição de seus agressores (familiares), mas somente a resolução negociada dos conflitos domésticos. São poucas as queixas que se transformam em boletins de ocorrência e, menor ainda é o número de ocorrências que se transformam em inquéritos policiais.A falta de notificação também compromete a identificação e o estudo da violência contra a pessoa idosa (DEBERT; OLIVEIRA, 2007; MORAES; APRATTO JUNIOR; REICHENHEIM, 2008).

Os estudos, em geral, apontaram vários fatores de risco para os maus-tratos contra a pessoa idosa e destacam a dependência do idoso, em todas as suas formas (física, psíquica, emocional), como uma das situações que mais favorecem a prática da violência. As diversas situações que oferecem riscos podem estar relacionadas à vítima, ao agressor, às questões estruturais e institucionais. Dentre todas essas, as mais referidas foram o isolamento social, o estresse do cuidador, a instabilidade financeira, as relações intergeracionais desrespeitosas, os baixos salários e a má formação dos profissionais da saúde.

Apesar do escasso número de pesquisas a respeito da violência contra o idoso, a literatura traçou o perfil básico da vítima, que geralmente é mulher, pobre, com mais de 75 anos, dependente do cuidador para realizar suas tarefas diárias e em situação de fragilidade e vulnerabilidade física e emocional. O agressor habitualmente é filho, filha ou cônjuge da vítima (nesta ordem) que consome álcool ou droga e apresenta conflitos na relação com a pessoa idosa.

Um dos artigos analisados dedicou-se ao estudo das condições dos cuidadores de idosos e dos fatores de risco para a violência intrafamiliar, uma vez que o estresse decorrente da sobrecarga de trabalho do cuidador é uma das principais causas da violência contra o idoso (MEIRE; GONÇALVES; XAVIER, 2007).

Três publicações verificaram e estudaram instrumentos de rastreamento de violência contra o idoso. Duas delas referem-se à tradução e adaptação dos instrumentos CASE – Caregiver Abuse Screen e H-S/EAST – Hwalek-Sengstocki Elder Abuse Screening Test para o Brasil (PAIXÃO JUNIOR et al., 2007; REICHNHEIM; PAIXÃO JUNIOR E MORAES, 2008). Diante das dificuldades para identificar esse tipo de violência e do reduzido número de profissionais da saúde preparados para tal, Paixão Junior e Reichenheim (2006) consideram que esses instrumentos podem ser decisivos para o progresso da pesquisa sobre esse grave problema de saúde pública.

Os estudos analisados, de modo geral, ressaltam a importância da realização de pesquisas sobre os maus-tratos e abusos contra os idosos e advertem quanto à necessidade da participação de múltiplos setores da sociedade em campanhas de prevenção, desenvolvimento e treinamento dos profissionais da saúde e redes de proteção ao idoso.

Considerações finais

A violência contra o idoso é um fenômeno antigo, mas só recentemente se tornou uma preocupação pública, pois à medida que cresceu a população idosa, aumentou também a violência contra o idoso. O presente estudo encontrou um progressivo crescimento das pesquisas sobre esse tema, com prevalência de publicações em periódicos da área de saúde, fato que ratifica a violência como importante problema social e de saúde pública.

A formação acadêmica dos autores das publicações foi diversificada, com ênfase na área da saúde (enfermagem, medicina e psicologia) e a maior parte dos artigos selecionados procedeu do Sudeste, região do país onde se concentra o maior número de universidades. Essas pesquisas utilizaram, na maioria, o delineamento de estudo de campo, o qual possibilita um exame mais profundo das questões relativas à violência contra o idoso, pois ocorre por meio da observação direta do fenômeno, nos locais onde ele incide.

Observou-se que muitos dos artigos indexados na base de dados Lilacs não se encontram disponíveis on-line na íntegra e os resumos revelaram-se incompletos, sem dados suficientes para a realização de uma análise mais precisa e abrangente. Esse fato representa uma grande perda para o conhecimento e para a divulgação de um fenômeno ainda pouco reconhecido socialmente e pouco estudado academicamente.

Os estudos pesquisados, em consenso, entenderam que a violência contra o idoso pode ocorrer de diversas formas, como, abuso físico, psicológico, sexual, financeiro, abandono, negligência e autonegligência. A autonegligência é um fenômeno destacado pela literatura, pois consiste na autoagressão por parte do idoso e geralmente decorre da prática contínua de outros tipos de violência perpetrada por terceiros.

Os maus-tratos físicos foram os mais destacados pelos estudos em detrimento da violência psicológica. A última, embora frequente, é uma forma de violência de difícil identificação, que se processa de maneira silenciosa e continuada. O abuso psicológico, contudo, favorece a desvalorização do idoso e impacta em sua saúde mental por meio de transtornos psíquicos como depressão, síndrome do pânico, distúrbios alimentares e do sono, entre outros.

Esperava-se encontrar, nessas publicações estudos de casos ou relatos de experiência profissional, analisados por meio de uma perspectiva da psicologia clínica. Assim, temas relacionados ao atendimento psicoterápico, à intervenção na família e à terapia comunitária não foram contemplados como auxiliares no atendimento e na prevenção da violência contra a pessoa idosa.

O abuso contra o idoso deve ser objeto de estudo e de pesquisas de profissionais das diversas áreas do conhecimento, em especial dos psicólogos, na medida em que é difícil compreender a existência de qualquer tipo de violência sem a presença da violência psicológica, que é tão ou mais grave do que as demais, embora muitas publicações sequer a considerem.

Nesse sentido, a Psicologia Clínica e a Psicologia Comunitária, em interdisciplinaridade com outras áreas das ciências sociais e da saúde, podem contribuir significativamente para a compreensão e para a implantação de políticas públicas de combate e a prevenção da violência contra o idoso, que já se configura como um grave problema social e de saúde pública.

 

Referências

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Artigo recebido em: 10/05/2011
Aceito para publicação em: 02/07/2011

 

 

*Psicólogas, graduadas pela Universidade São Judas Tadeu.
**Doutora em Psicologia Clínica pela USP, professora Universidade São Judas Tadeu, SP – E-mail: vagostello@yahoo.com.br.
Endereço: Universidade São Judas Tadeu – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais / Curso de Psicologia – Rua Taquari, 546 – Mooca – São Paulo/SP – CEP 03166-000. Tel.: 27991767.