SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.15 issue15Quality of life of chronic renal patient treatment hemodialítico in Dourados CityQuality of life in students of psychology author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Psicologo informacao

Print version ISSN 1415-8809

Psicol inf. vol.15 no.15 São Paulo Dec. 2011

 

Artigo

 

 

Avaliação do trabalho do psicólogo em unidades de saúde pública

 

Evaluation of the Work Psychologist in Public Health Units

 

 

Marília Martins Vizzotto; Shirley M. Coga; Tania Elena Bonfim; Maria Geralda Viana Heleno

 

 

 


RESUMO

A partir da reforma psiquiátrica e da implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), houve reestruturações no modelo assistencial no que se refere aos cuidados de pessoas portadoras de doença mental. Profissionais atuantes no campo de saúde pública têm se deparado com uma alta demanda advinda deste processo de reestruturação. Dessa forma, compreender as intervenções, e como é medida a sua eficácia, é de extrema importância. Assim, o presente trabalho teve como objetivos pesquisar os principais tipos de intervenção realizada pelos psicólogos atuantes nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e investigar como estes profissionais avaliam a eficácia e a efetividade de suas intervenções. Foram sujeitos desta investigação 31 psicólogos atuantes nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que se dispuseram responder a um Roteiro de Entrevista elaborado especialmente para o presente estudo e cuja técnica foi a entrevista semidirigida. Os resultados indicaram que os profissionais avaliam a eficiência de suas intervenções a partir da observação dos recursos empreendidos pelos pacientes; pelo cumprimento do planejamento do terapeuta, pelas respostas do meio social e também pelas discussões em equipe. Porém, não apresentam critérios ou sistemática de avaliação consistente. Sugerem-se mais estudos nessa área.

Palavras-chave: psicoterapia; intervenção psicológica; saúde pública; medidas de eficácia; efetividade.


ABSTRACT

The new procedures in psychiatric treatment and the creation of the Sistema Único de Saúde (SUS) has changed the patterns related to mental health care. Investigation on how one can ensure that appropriate care is delivered is necessary. So, the present study aims to present the interventions held by psychologists working at Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) and how they measure the impact of treatments on population mental health. Thirty one psychologists were interviewed and the results indicated that they use, as indicators, the internal resources of the patient, acceptance of the treatment, social responses and group discussion. But no consistent criteria were found among the professionals and further studies are needed to establish them.

Keywords: psychological treatment, mental health; measurement of mental illness treatment.


 

 

Com o advento da reforma psiquiátrica, bem como a reforma sanitária brasileira, houve a tentativa de definir estratégias que visassem ao fortalecimento da rede de assistência pública no Brasil. Foi nesta tentativa que começou a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) e fez avançar, em grande extensão territorial, uma série de experiências na área de saúde mental, fundamentadas na práxis do tratamento e reabilitação psicossocial. E foi também em decorrência disso que os profissionais se deparam com uma grande demanda em saúde mental; de modo que surgiu também a necessidade de realizar intervenções com foco não só na doença, mas na melhoria da qualidade de vida desses indivíduos e seus familiares. Assim é que as contribuições da psicologia para a saúde pública tornaram-se apropriadas tanto em âmbito preventivo como curativo.

Os conceitos sobre os níveis de prevenção foram muito bem sistematizados por Caplan (1964/1980) no âmbito da psiquiatria social comunitária e a psicologia tem se apropriado dessas concepções para subsidiar sua prática clínica comunitária e em saúde pública. Na concepção desse autor, a prevenção divide-se em três grupos ou níveis: primário, secundário e terciário. É possível conceber que a prevenção primária, diferentemente da prevenção secundária, destina-se a "reduzir a duração de um número significativo daqueles distúrbios que efetivamente ocorrem", e da terciária, que executa e planeja a redução da deterioração e a reabilitação do doente. A proposta de intervenção primária ainda é uma inovação e seguramente a mais importante das ações em saúde mental. Caracterizando-se pelo corpo de conhecimento teórico e prático utilizado para planejar e executar projetos destinados a "reduzir a incidência de distúrbios mentais de todos os tipos em uma comunidade", grande parte dos problemas apresentados no âmbito mental poderia ser resolvida se os profissionais compreendessem e valorizassem a proposta de atenção primária. O mesmo pode-se dizer das ações promotoras de saúde, como propõe Bleger (1970/1984), ao conceituar a Psico-higiene.

Todavia, a atuação do psicólogo na saúde pública no Brasil vem sendo marcada pelo atendimento clínico de modelo curativo. Isso se dá tanto pela formação do psicólogo quanto pelo próprio status que o modelo médico curativo tem socialmente, ou mesmo pelo "compromisso" com uma clientela já doente que chega às unidades de saúde. Assim, a psicoterapia, como proposta secundária, parece vigorar.

Mesmo com esse investimento em psicoterapias na saúde pública, é interessante retomarmos a posição de Neno (2004), quando afirmou que o terapeuta nunca está preparado para lidar de modo efetivo com a variedade da demanda clínica que se estampa à sua frente. De forma que o profissional dependerá de uma ampla interlocução continuada com outros profissionais qualificados, além de sua inserção no contexto da pesquisa para que se obtenha a validação do conhecimento psicológico.

Também Kerbauy (2003) já afirmara que a intervenção do psicólogo, além da adesão do paciente ao tratamento, são temáticas que vêm sendo discutidas nas duas últimas décadas por profissionais médicos e psicólogos de várias concepções teóricas; fato que interfere inclusive nas questões de ordem econômica para o país.

É nesse contexto que no presente estudo julgou-se relevante conhecer as principais intervenções psicológicas utilizadas e, por conseguinte, conhecer e compreender como esses profissionais avaliam a eficácia e a efetividade de suas intervenções; pois são questionamentos ainda pouco explorados.

Sobre o aspecto da eficácia da psicoterapia e também das questões econômicas envolvidas, Amaro (1996, p. 181) afirma:

... a avaliação da eficácia, ou não, é de capital importância no que se refere ao fator sócio, político e econômico. Se a psicoterapia for ineficiente, haverá um desperdício do dinheiro do Estado ou do cliente, bem como uma perda de tempo no que se refere à busca de outros tratamentos alternativos. Se for eficiente, seria necessário aprimorar os médicos do centro de saúde, de ambulatórios estaduais, federais e municipais para poder melhor usar a psicoterapia com as suas diferentes técnicas e meios psicológicos.

Gomes (2001) faz uma reflexão das medidas de eficácia e traz como base da discussão a medicina baseada em evidência (MBE), na qual se fundamenta na crítica ao conhecimento adquirido, ao mesmo tempo em que valoriza os melhores recursos que poderão ser oferecidos ao paciente a partir de pesquisas consistentes no âmbito clínico. Para tal, o autor utiliza como base metodológica a epidemiologia clínica; e isso nos parece um importante caminho, pois tanto os clínicos se afastam da epidemiologia quanto os epidemiologistas criticam a clínica e seus estudos qualitativos. É nesse viés que Almeida Filho (1993) mostra a importância de que compreendamos o fato de que:

a clínica e a epidemiologia encontram-se vinculadas epistemologicamente. Ambas tratam de corpos sociais: enquanto a Clínica trata do sujeito considerado em suas particularidades, o caso, o um, a Epidemiologia aborda o coletivo, busca a generalidade, o grupo de casos, o todos (ALMEIDA FILHO, 1993, p. 210).

Com isso, é possível entender que tanto a clínica quanto a epidemiologia se interagem metodologicamente, pois ambas servem como fontes de problemas no âmbito da ciência e dão origem a modelos explicativos, além de dar condições ao pesquisador para a elaboração de hipóteses de pesquisa, haja vista que os instrumentos de investigação epidemiológicos são construídos, muitas vezes, a partir da observação clínica (ALMEIDA FILHO, 2003).

Tal como Amaro (1996), Yoshida (1998) ressalta que a produção de pesquisa em psicoterapia ainda continua a ser um desafio para a compreensão dos aspectos que contribuem para a mudança no processo terapêutico, apesar de haver evidências fornecidas de que as psicoterapias são efetivas. Mas, segundo Gomes, (2001), os textos oriundos de livros e artigos publicados, além de serem desatualizados, costumam ser pouco críticos no que se refere às evidências apresentadas.

Dessa forma, este processo de avaliação da psicoterapia vem sofrendo uma avaliação crítica, uma vez que, os problemas psicológicos assumem para cada indivíduo um caráter idiossincrático, não sendo possível delegar formas individualizadas de psicoterapia (NENO, 2004).

Portanto, Gomes (op.cit.) adverte-nos para a importância de avaliar a qualidade de um artigo, já que o clínico deverá reconhecer a validade, a importância e a aplicabilidade do resultado que for encontrado, e o quanto este resultado implicará na melhora dos cuidados com o paciente, pois:

o processo da MBE reduz as taxas de incerteza e de condutas aleatórias na clínica, tornando a prática do médico mais segura e custo – efetiva, isto é, a MBE se propõe a reduzir as taxas de erros e aumentar a qualidade do atendimento (GOMES, 2001, p. 03).

Spence (1993 apud YOSHIDA, 1998) faz uma crítica ao afirmar que ainda prevalecem entre os psicólogos as pesquisas que se enquadram no modelo de estudo de caso tradicional, em que são realizadas transcrições das sessões a partir da memória do terapeuta que é responsável pela análise e interpretação dos resultados obtidos e, muitas vezes, se limita a corroborar premissas teóricas preexistentes. E, a visão do terapeuta é o único parâmetro utilizado para a avaliação.

Entretanto, de acordo com Gomes (op.cit.,), os ensaios clínicos são uma das modalidades de estudo sobre intervenção de maior interesse para a investigação clínica, pois a intervenção ou o tratamento é individual, de forma a alocar aleatoriamente os pacientes nos grupos de intervenção e de controle. No entanto, afirma o autor, apesar deste desenho de estudo ser considerado o mais eficaz na investigação causal, por assegurar que determinada causa preceda o efeito em questão, sua utilização acaba por ser limitada, sobretudo quando deparamos com as questões éticas, já que não podemos privar um grupo de indivíduos de algum benefício já conhecido nem submeter indivíduos a algum fator de risco. Soares (2001), ao compartilhar esta ideia também afirma que o emprego do método experimental para o estudo das associações causais em seres humanos é de difícil aplicabilidade, justamente por questões éticas.

Tal como Amaro (1996), Yoshida (1998) ressalta que a produção de pesquisa em psicoterapia ainda continua a ser um desafio para a compreensão dos aspectos que contribuem para a mudança no processo terapêutico, apesar de haver evidências fornecidas de que as psicoterapias são efetivas. Mas, segundo Gomes, (2001), os textos oriundos de livros e artigos publicados, além de serem desatualizados, costumam ser pouco críticos no que se refere às evidências apresentadas.

Esta reflexão também pode ser equiparada com as afirmações de Amaro (1996), ao ressaltar que:

Podemos entender que em psicoterapia o controle das variáveis é praticamente impossível, não só pelas inúmeras variáveis não controláveis como pela dificuldade prática deste controle. Não há possibilidade de artificialmente manipular variáveis. Portanto, o método experimental, em sentido restrito de sua concepção, não é aplicável em psicoterapia, por não se poder confiar no controle das variáveis, bem como não se poder manipular variáveis independentes (AMARO, 1996, p. 182).

Yoshida (1998) propõe procedimento metodológico que visa a garantir maior objetividade no momento da coleta e registros dos dados, de modo a ampliar a confiança nos resultados e nas conclusões das pesquisas. Tal procedimento inclui, como apontam Greenberg e Newman (1996, apud YOSHIDA (1998), o processo de observação, de descrição e de medida, capazes de permitir as identificações de fatores que contenham valor preditivo e que possam ser generalizados. A observação consiste na utilização de registros objetivos como áudio ou vídeo para que seja possível o registro de tudo que ocorre na sessão terapêutica, já que estes recursos possibilitam uma compreensão mais acurada do que efetivamente ocorreu na sessão, e propiciam que o terapeuta e os juízes independentes possam estudar a sessão de maneira exaustiva.

Porém, continua a autora, nem todos os instrumentos de avaliação em pesquisa podem ou devem ser utilizados para a avaliação dos juízes independentes. Todavia, alguns instrumentos de medidas têm sido desenvolvidos para a avaliação do processo terapêutico e garantem um grau de acordo estatisticamente significante. Dentre estes instrumentos Yoshida (1998) cita: Rutgers Psychotherapy Progress Scale – RPPS de Holland, Messer & Roberts, (1996 apud YOSHIDA, 1998). Segundo a autora, esse instrumento tem como finalidade avaliar o progresso do paciente em psicoterapias psicodinâmicas. Defense Mechanisms Rating Scales, de Perry (1990 apud YOSHIDA, 1998), é um instrumento que fornece ao terapeuta uma medida precisa e válida no que concerne às manifestações dos mecanismos de defesa. Outro instrumento brasileiro, a Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada – EDAO-R, elaborada por Ryad Simon (SIMON, 1996 apud YOSHIDA, 1998). A autora comenta que, apesar desta escala ter sido criada com o intuito de orientar o clínico para o psicodiagnóstico, a EDAO-R também permite que o terapeuta a utilize em diferentes momentos do processo terapêutico, de modo a fornecer-lhe indicações sobre as eventuais mudanças ou não que ocorreram na eficácia adaptativa do paciente. Essa escala é uma ferramenta auxiliar ao clínico na sua tarefa de avaliar e propor determinado tipo de intervenção. Outro modelo de avaliação é a Avaliação Autoadministrada (self-report) e trata-se daquela em que os próprios pacientes fornecem as evidências obtidas; permitindo investigar a percepção do sujeito quanto à remissão dos sintomas, o grau de satisfação com o processo psicoterápico a que submeteu-se, a adequação dos serviços prestados pelo terapeuta em relação ao motivo da consulta.

Todos esses instrumentos, segundo Yoshida (1998), são teoricamente orientados e permitem a compreensão de determinados aspectos do processo terapêutico; além disso, esses instrumentos valorizam o contexto em que o paciente está inserido.

Apesar de esses fatores descritos parecerem indicar que os resultados de uma terapia dependem muito dos recursos do paciente, é necessário que o profissional tenha claro que todos esses fatores se atualizam dentro do contexto representado pelo paciente em relação ao terapeuta, de forma que é preciso considerar a dinâmica que se estabelece entre terapeuta versus paciente (YOSHIDA, 1998). Além disso, Amaro (1996) afirma que as mesmas técnicas e métodos psicoterápicos utilizados por diferentes terapeutas darão resultados diferentes, haja vista que na relação estabelecida, tanto a personalidade do terapeuta quanto a sua habilidade terão forte influência no processo terapêutico.

Deste modo, é possível perceber a necessidade de se estudar mais a avaliação dos processos psicoterapêuticos e como os psicólogos compreendem a questão. Diante disso, o presente estudo procurou investigar os seguintes objetivos:

• Levantar as patologias mais frequentemente atendidas por psicólogos atuantes em centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e Centro de Atenção Psicossocial a Álcool e Drogas (CAPS ad)

• Investigar os tipos de intervenção realizada por esses profissionais

• Investigar como esses profissionais avaliam a eficácia e a efetividade de suas intervenções.

 

Método

Amostra – participaram desta investigação 31 psicólogos, sendo 64,5% do sexo feminino e 36,5% masculino, com faixa etária que variou entre 30 e 56 anos, com período de experiência profissional que variou de 12 até 15 anos de atuação como funcionários do serviço de Saúde Pública. Desses, 32,3% eram atuantes em centro de referência para substâncias psicoativas, 22,6% atuantes em Núcleo de Atendimento Psicossocial (NAPS I). Tais participantes foram selecionados mediante consentimento próprio, assinando TCLE; portanto, contou-se com amostra por conveniência. Esses profissionais cumpriam uma jornada de trabalho que variava de seis até oito horas diárias. Suas formações eram, predominantemente, em escolas particulares de ensino superior do Estado de São Paulo, sendo que apenas 9,7% tinham formação em escolas públicas.

Local – as entrevistas, foram realizadas nos próprios locais de trabalho desses profissionais – Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) na região metropolitana de São Paulo, sendo três ambulatórios situados na região do ABCD Paulista e três em bairro periférico da cidade de São Paulo.

Instrumentos -para a coleta de dados foi utilizado um Roteiro de Entrevistas, elaborado especialmente para o presente estudo e que abordou questões sobre tempo de formação, pós-graduação, anos de trabalho na saúde pública, horas de dedicação semanal, tipos de patologias mais atendidas, tipos de intervenção realizada, avaliação da eficácia da intervenção, e tipo de avaliação desta eficácia.

Procedimento – as entrevistas foram realizadas individualmente, nas dependências das respectivas unidades de saúde. No contato com o participante, foi-lhe esclarecido o anonimato e solicitado seu livre consentimento para trabalharmos com os dados coletados. A duração de cada entrevista aproximou-se de duas horas. Os dados foram tratados de modo que, a partir das respostas dos participantes foram montadas categorias a posteriori, além daquelas categorias a priori constadas no instrumento. Os dados foram analisados por estatística descritiva, simples, e por análise qualitativa do conteúdo verbal de acordo com os objetivos desta pesquisa.

 

Resultados

Os resultados são apresentados seguindo-se as grandes categorias de análise.

As principais patologias apresentadas pela demanda

Referente às principais psicopatologias atendidas por esses profissionais nestes dois locais de atenção secundária/terciária em que se deu a presente investigação, verificou-se que 76,7% dos psicólogos realizavam atendimento para pessoas que sofrem de Depressão, seguido de 73,3% de psicólogos que atendem a pacientes com Transtorno Afetivo Bipolar e Transtornos Comportamentais decorrentes do uso abusivo de álcool.

A demanda envolvida com os Transtornos Comportamentais decorrentes do uso de cocaína e de solventes voláteis também foi significativa, pois 70% dos profissionais afirmaram atender tais casos. É importante salientar que este alto número de atendimentos de pacientes dependentes de álcool e drogas deve-se também ao fato de que os profissionais entrevistados eram atuantes em centros especializados para este fim; de modo que dos 31 profissionais que participaram deste estudo, 58,1% realizavam atendimento específico às pessoas dependentes de álcool e drogas. Os pacientes diagnosticados com Transtornos de Personalidade, Psicoses (Esquizofrenias) e de Ajustamento social, também eram atendidos por 66,7% dos profissionais.

Os Profissionais e o Tipo de Intervenção

Nesta categoria sobre os tipos de intervenção, o intento foi o de conhecer as técnicas utilizadas e se havia mudanças de técnicas de acordo com as patologias apresentadas; também investigamos o fato de haver ou não algum plano já estabelecido pela própria Secretaria de Saúde Pública sobre modelos preferenciais (como o predomínio ou preferências para intervenções grupais sobre o individual; emprego de orientação ou de psicoterapia, entre outros).

Esses resultados revelaram que um profissional realizava atendimento às crianças com técnica de psicoterapia individual independente da patologia; a maioria dos profissionais, 66,7%, realizava psicoterapia individual aliada à medicação (dada pelo psiquiatra) em casos de neurose em adultos; 80% dos profissionais utilizavam as psicoterapias de grupo aliadas aos casos de psicoses em adultos. Salienta-se que 3,2% dos profissionais se recusaram a responder a esta questão.

Os Profissionais e a Eficácia da Intervenção

Esta categoria refere-se à consideração feita pelo próprio profissional sobre o seu trabalho.

 

 

Observa-se pela Tabela 1 que 28 participantes (90,3%) consideraram o seu trabalho eficaz; o que nos faz considerar que a grande maioria acredita no trabalho que realiza. Em contrapartida, 9,7% da amostra apresentaram respostas evasivas (afirmaram não saber, não quiseram responder).

Medida de Eficácia ou Evidência Clínica da Intervenção Psicológica

A partir das respostas dos participantes foram montadas categorias que identificam a estratégia utilizada pelos profissionais para medir a eficácia de suas intervenções. A partir destas estratégias identificamos cada categoria e seus indicadores. Estes aspectos são demonstrados a seguir.

 

 

Os profissionais afirmaram avaliar a eficácia de suas intervenções a partir das evidências apresentadas pela "remissão dos sintomas", a partir da "Capacidade vincular do paciente", da "capacidade de comunicação e reflexão", da "Autonomia do paciente" ou pelo "Acompanhamento terapêutico que dava indicativos de melhora do quadro geral". Ou seja, havia uma insistência por parte dos profissionais na afirmação de que a avaliação de seu trabalho era necessariamente vista longitudinalmente pela via observacional.

 

 

Com relação ao Quadro II, Cumprimento do propósito terapêutico, de seus objetivos traçados para o tratamento a partir de um diagnóstico foi que se diferenciaram essas respostas de outras. Houve, nessas respostas, uma preocupação do profissional em verificar as suas técnicas e seu cumprimento.

 

 

Com relação ao Quadro III, em que separamos a qualidade das relações interpessoais categoria por representar aquilo que é avaliado por uma observacional, porém externa; ou seja, a eficácia do trabalho do terapeuta é evidenciada pelas informações obtidas fora do âmbito do tratamento em si.

 

 

Nessa categoria, incluem-se as respostas que privilegiam sempre a discussão do trabalho em equipe e só se avalia a eficácia do trabalho nessas oportunidades.

 

 

Nesse quadro estão as respostas de profissionais que afirmaram não avaliar e não empregar qualquer tipo de estratégia para tal feito. Aqui se encontram respostas que giram em torno de críticas e de indicadores de expressão de falta de conhecimento para avaliar esse tipo de trabalho.

Destaca-se que alguns profissionais recusaram-se em responder ao tema abordado e emitiram as seguintes respostas de negação: Prefiro não responder esta questão (sic); Se eu não acreditar no meu trabalho, não tem sentido ser um psicólogo (sic); Esta pergunta está fora do nosso contexto social (sic); Esta questão não confere com a nossa realidade profissional, pois quando o profissional tem um caso em mãos, é garantia de que o trabalho é eficaz. Ao contrário, não existiria a profissão de psicólogo (sic). Ou ainda o que consideramos como respostas vagas: Avaliação Pessoal (sic); No dia a dia do trabalho (sic); Projeto de vida (sic); Retomada da Cidadania (sic).

 

Discussão

Podemos observar que muitas das respostas dos profissionais que participaram deste estudo apontaram a efetividade da sua intervenção a partir dos recursos do paciente. Esse aspecto chama- -nos a atenção, pois, como apontou Yoshida (1998), é importante considerar-se num trabalho clínico a díade da relação paciente versus terapeuta. Também Grenberg (1994 apud YOSHIDA, 1998) afirma que a compreensão das circunstâncias em que a relação terapêutica leva à mudança e como ela ocorre em diferentes tratamentos, surge quase sempre como uma decorrência natural de um processo de investigação; porém, pouco ou quase nada desse aspecto fora levantado pelos psicólogos.

Outro ponto que pudemos observar é que os profissionais que participaram deste estudo medem a eficácia de seu trabalho a partir da sua memória que advém de impressões pessoais observadas nas mudanças ocorridas nos casos atendidos. Tal metodologia se aproxima no que Yoshida (1998) denomina de "Estudo de Caso Tradicional" no qual segundo Spence (1993, apud YOSHIDA, 1998) se encontra desprestigiado, já que na atualidade é possível dar maior ênfase à identificação de mecanismos subjacentes que estão em ação a partir do uso de escalas e instrumentos de medida baseado em análises intensivas de processos terapêuticos. Entretanto, nenhum dos profissionais se referiu a tal metodologia. Nem mesmo o que relata Cordioli, (1998) que os resultados eficazes das psicoterapias se devem às técnicas específicas utilizadas em cada abordagem, como interpretações, confrontações, correção de crenças errôneas, dessensibilizações, reformulação de conceitos.

Ainda com relação aos recursos do paciente, observamos nas respostas em que os profissionais citam as remissões dos sintomas como um critério, esse parece até vir ao encontro da proposta do instrumental de avaliação autoadministrado (self-report), em que os pacientes fornecem as evidências obtidas; o que permite verificar a percepção do sujeito sobre remissão dos sintomas, o grau de satisfação quanto ao processo psicoterápico que se submeteu (YOSHIDA, 1998).

É interessante também observar que na categoria em que os profissionais afirmaram avaliar seu trabalho a partir das discussões com a equipe, as suas respostas pareceram comungar, em parte, com as ideias de Neno (2004) que acredita que a avaliação só é possível na interlocução continuada com outros profissionais qualificados, já que entende que o terapeuta nunca está preparado para lidar com a variedade da demanda clínica que busca atendimento.

O interessante é retomar aqui os dizeres de Amaro (1996), que já nos anos noventa do século passado chamava à atenção para a avaliação da eficácia como sendo de suma importância, mesmo de um ponto de vista social, político e econômico; pois, se a psicoterapia é ineficiente, há desperdício de recursos do Estado ou do cliente. Todavia, se ela é eficiente, há necessidade do aprimoramento de profissionais atuantes em unidades de saúde para uso adequado da psicoterapia com as suas diferentes técnicas e meios psicológicos. De modo que, como se observa nos resultados apresentados na presente investigação, essa necessidade parece urgente, pois não parece haver uma sistemática para essa questão da avaliação.

Com este estudo, podemos concluir que as intervenções realizadas pelos profissionais atuantes na saúde pública seguem o modelo clínico tradicional e os profissionais atendem a patologias variadas em suas respectivas unidades de saúde. Avaliam a eficácia de suas intervenções a partir da observação dos recursos do paciente e utilizam estratégias para observação, como o feedback da família ou do próprio grupo de profissionais em discussão de casos.

Aqueles que afirmaram não avaliar, já que faltam instrumentos para tal, apresentaram, por um lado, certo desconhecimento de estudos e investigações já realizados e que abordam tais questões; mas, por outro lado, há mesmo uma carência de estudos sobre avaliação em psicoterapia ou outros métodos psicológicos para tratamentos na área. Pois, como bem o disseram Amaro (1996) e Yoshida (1998), as pesquisas em psicoterapia são ainda um desafio para a compreensão das variáveis que circundam o processo terapêutico, apesar de haver evidências de que as psicoterapias são efetivas. Além de que, no âmbito da pesquisa e conceituação sólida a esse respeito, os textos publicados sobre o assunto (GOMES, 2001), além de serem desatualizados, também são pouco críticos no que tange às evidências em psicoterapia.

Foi também possível verificar que esses profissionais estudados não apresentaram um parâmetro ou uma sistematização em sua avaliação, tal como é proposto pela literatura, pois não apresentam nenhuma metodologia para avaliar a eficácia de suas intervenções.

Acreditamos que seja de suma importância realizar mais estudos sobre o tema a fim de abrir e fomentar novas discussões acerca das condições de avaliação e o êxito da atuação psicológica em saúde pública. É pertinente também lembrarmos a terceira revolução da saúde, relatada por Ribeiro (1997), agora urgente nas últimas décadas, preocupando-se com a avaliação dos resultados, já que o controle econômico induz a um raciocínio de avaliação dos desperdícios em saúde e uma preocupação de caráter ecológico.

 

Referências

AMARO, J. W. Psicoterapia e religião. São Paulo: Lemos Editorial, 1996.         [ Links ]

BLEGER, J. Psico-higiene e psicologia institucional. 2a. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984 (original Paidós, s/d).         [ Links ]

CAPLAN, G. Princípios de psiquiatria preventiva. Rio de Janeiro: Zahar, 1980 (original de 1964).         [ Links ]

CORDIOLLI, A. V. Como atuam as psicoterapias. In: CORDIOLI, A. V. (org.). Psicoterapias: abordagens atuais. Artmed: Porto Alegre, 1998, p. 35-45.

DIMENSTEIN, M. (Des) Caminhos da formação profissional do psicólogo no Brasil para a sua atuação no campo da saúde pública. Rev. Dep. Psicol. UFF. v. 11, n. 01, p. 17-25, 1999. Disponível em: http://www.bireme.br. Acesso em: 25 nov. 2003.         [ Links ]

GOMES, M. M. Medicina baseada em evidências: princípio e práticas. Rio de Janeiro: Reichmann & Affonso Editores, 2001.         [ Links ]

KERBAUY, R. R. Indicadores para avaliar intervenções psicológicas na área da saúde. In: TRINDADE, Z. A.; ANDRADE, A. N de (org.) Psicologia da saúde: um campo em construção. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. p. 33-44.         [ Links ]

MINISTÉRIO DA SAÚDE. 2002. Disponível em: http: // www.saude.gov.br, acesso em 20 set. 2003.         [ Links ]

RIBEIRO, J. L. Psicologia e saúde. Lisboa: ISPA, 1997.         [ Links ]

SCHECHTMAN, A. et al. O Ministério da Saúde e a Saúde Mental no Brasil: Panorama da última década. Cadernos de textos. Brasília. Ministério da Saúde. 2001, p. 9-15.         [ Links ]

VELASQUES, M. B. Intervenções de psicólogos nas unidades básicas de saúde do Grande ABC. 2003. 101s. Dissertação (Mestrado Psicologia da Saúde) - Faculdade de Psicologia, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2003.         [ Links ]

VIZZOTTO, M. M. O método clínico e as intervenções na saúde psicológica da comunidade. In: OLIVEIRA, V. B. de. YAMAMOTO, K. (org.) Psicologia da saúde: temas de reflexão e prática. São Bernardo do Campo: Umesp, 2003. p. 137-152.         [ Links ]

YOSHIDA, E. M. P. Avaliação de mudança em processos terapêuticos. Psicologia escolar e educacional. v. 2, n. 02, p. 115-127, 1998.         [ Links ]

YUNES. J. et al. A Batalha da saúde no Governo Montoro. São Paulo: Governo do Estado, 1987.         [ Links ]

 

Recebido em: 30/04/2010
Aceito em: 13/05/2011

 

 

Universidade Metodista de São Paulo