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Psicologo informacao

versión impresa ISSN 1415-8809

Psicol inf. vol.16 no.16 São Paulo dic. 2012

 

Artigo

 

 

O luto antecipatório dos pais de uma criança com doença crônica: uma análise fenomenológica do filme Em busca da luz*

 

The anticipatory grief lived by the parents of a child with a chronic disease: a phenomenological analysis of the film Go toward the light

 

 

Bruna Sena Gaino*; Candido Jeronimo Flauzino**; Danieli Rieli Miranda da Silva***; Thais da Silva Teixeira****

*Psicóloga graduada pela Universidade Metodista de São Paulo (brubfs@yahoo.com.br).
**Psicólogo pós-graduado em Psicologia Hospitalar e mestre em Psicologia pelo Ipusp. Atua nas áreas acadêmica, hospitalar e clínica (candidoj.f@bol.com.br).
***Psicóloga graduada pela Universidade Metodista de São Paulo (dani_rieli@ yahoo.com.br).
****Psicóloga graduada pela Universidade Metodista de São Paulo (thaisteixeira_ psi@yahoo.com.br).


 


RESUMO

Com base em cenas do filme Em busca da luz (1988), o presente estudo teve por objetivo compreender a vivência do luto antecipatório pelos pais de uma criança acometida por uma doença crônica. Para tanto, formulou-se uma pergunta norteadora: O que significa o luto antecipatório para os pais de uma criança que vivencia uma doença crônica? Com enfoque na abordagem qualitativa, embasada no método fenomenológico existencial, recortes de cenas foram feitos para apresentaros sentidos atribuídos por pais na vivência da doença crônica de um filho. A partir da seleção das cenas foram levantadas três categorias de análise: a perda do filho – o modo como os pais vivenciam esta situação; existência, temporalidade e finitude – o ser lidando com o tempo após o diagnóstico de uma doença crônica; finitude – ideia de morte e o possível amparo religioso desta vivência. Estas categorias possibilitaram uma compreensão do fenômeno investigado e, mediante a análise da vivência desses pais, desvelou-se a experiência do luto antecipatório como uma preparação para o enfrentamento da morte do filho, com toda a complexidade envolvida nesta vivência.

Palavras-chave: finitude; luto antecipatório; religiosidade; experiência da temporalidade.


ABSTRACT

Based on scenes from the film Go toward the light (1988), this study aimed at understanding the experience of anticipatory grief lived by the parents of a child affected by a chronic disease. With such proposal, a guiding question was made: What does anticipatory grief mean for the parents of a child with a chronic disease? With a qualitative approach and based on the existential-phenomenological method, some scenes were selected to present the parents' feelings when dealing with their child's chronic disease. After the scenes' selection, three categories of analysis were raised: the child's death - how his parents experience this fact; existence, temporality, and finitude – how people deal with time after the diagnosis of a chronic disease; finitude - the idea of death and the possible religious support to go through the experience. These categories enabled an understanding of the investigated phenomenon and through the analysis of these parents' experiences, anticipatory grief is seen as a preparation to face the child's death, with all the complexities involved in this experience.

Keywords: finitude; anticipatory grief; religiosity; the experience of temporality.


 

 

Introdução

 

O presente estudo trata de uma reflexão fenomenológica existencial sobre a vivência do luto antecipatório na compreensão dos pais de uma criança com doença crônica, observado a partir de recortes de cenas do filme Em busca da luz (1988).

Na busca por uma abordagem que olhasse para o homem em sua totalidade, levando em consideração a natureza do tema a partir do sujeito que vivencia e significa suas vivências, optou-se pelo método fenomenológico de pesquisa, que permite compreender o "ser" na relação com o mundo, com as pessoas e em seus questionamentos sobre o que é o viver, o que é o existir e o que é ele mesmo.

A relevância deste trabalho dá-se pelo fato de a morte estar presente no cotidiano das pessoas, sendo ideal que elas estivessem preparadas para vivenciar o luto, não somente pela perda de alguém, mas também pela possibilidade de este fato acontecer a qualquer momento de suas vidas. Estas possibilidades podem ser desenvolvidas por psicólogos e profissionais da saúde em geral, de modo a ampliar o referencial teórico acerca do tema e a abordagem dos aspectos psicológicos envolvidos neste processo.

 

Alguns apontamentos sobre a fenomenologia e a fenomenologia existencial

A fenomenologia tem suas raízes na filosofia, e esta se propõe a buscar o sentido das coisas que se mostram a nós, seja de ordem física, cultural, religiosa etc. A fenomenologia tem como fundador Edmund Husserl, que a define como uma "ciência do vivido" e considera que não interessa o fato de existir, mas o sentido desse fato ( BELLO, 2006). Para Martins e Bicudo,

A fenomenologia surge como uma filosofia interessada em estudar os procedimentos conscientes dependentes de objetivos universais, tais como aqueles na matemática e na lógica. Inicia-se com a tentativa de descobrir um modo verdadeiramente filosófico de estudar a consciência que era redutível à Psicologia. […] Husserl e Merleau- -Ponty chegaram à constatação de que havia nesta fenomenologia, essencialmente filosófica, grandes possibilidades para práticas nas Ciências Humanas, especificamente na Psicologia. (1994, p. 91).

Para entender o significado da palavra "fenomenologia", Bello (2006) aponta que é necessário dividi-la em duas partes: o fenômeno, que significa aquilo que se mostra e não somente aquilo que aparece ou parece e; logia, que deriva da palavra grega logos, que significa palavra, pensamento e capacidade de refletir. Portanto, é possível considerar a fenomenologia como uma reflexão sobre um fenômeno ou sobre aquilo que se mostra.

Dartigues (2008) ressalta que a fenomenologia defende o retorno às coisas mesmas, em contraposição às teorias explicativas das ciências positivas e os sistemas especulativos. O retorno às coisas mesmas seria retornar a um ponto de partida que fosse verdadeiramente primeiro, ter uma intuição direta dos fenômenos e, portanto, captá-lo de maneira mais completa, mas nunca definitiva, pois o fenômeno é inesgotável e constitui-se numa relação intencional.

Por intencionalidade entende-se que consciência sempre é consciência de alguma coisa, que ela só é consciência estando dirigida a um objeto (sentido de intentio). Por sua vez, o objeto só pode ser definido em sua relação com a consciência (objeto-para-um-sujeito). Isso significa que as essências não têm existência alguma fora do ato de consciência que as visa e do modo pelo qual ela os apreende na intuição.

A correlação sujeito-objeto dá-se na intuição originária da vivência (Erleibnis) de consciência, que é a fonte do verdadeiro conhecimento. Husserl definiu a fenomenologia como "a ciência descritiva das essências da consciência e de seus atos" (DARTIGUES, 2008, p. 24).

A fenomenologia, como método, é analítica, dialética, estrutural e descritiva, pois trata de relações estruturais de consciência e de essência, porque a consciência intencional é um entrelaçamento dialético com o mundo e com tudo o que se dá a conhecer, atém-se à manifestação do sentido e da essência das coisas dadas em intuição originária, procurando descrevê-las, significá-las, enquanto se mostram, e na medida em que se mostram (CASTRO, 2000).

Na fenomenologia, a objetividade e a subjetividade estão entrelaçadas de modo que a compreensão do sentido de uma só é possível pela compreensão da outra. Com isto, é possível considerar a fenomenologia como ciência da subjetividade e como método, uma ciência que mostra a objetivação do sujeito mesmo (CASTRO, 2000).

No mundo da vida, que é a vivência do sujeito, há toda sua experiência que é permanente e possível com base num sujeito com um "eu" absoluto transcendental. Esta subjetividade é transcendental por possuir uma intersubjetividade implícita, pois a percepção do eu implica, ao mesmo tempo, a percepção do outro, ou seja, quando eu, sujeito, intenciono outro sujeito e o outro me intenciona, eu e o outro somos uma intersubjetividade, um nós, mas, ao mesmo tempo, somos homens concretos, sem partes (MARTINS; DICHTCHEKENIAN, 1984).

Atrelados a esta percepção, Martins e Dichtchekenian (1984) definem que a intencionalidade são os homens e, no caso de uma constituição intersubjetiva, a ideal subjetividade humana é o significado de verdade da humanidade.

A fenomenologia é dirigida por significados, que são sentidos e expressos de forma clara sobre as percepções que o sujeito tem de algo. Para a constituição de dados na fenomenologia, o importante é o significado expresso pelo sujeito sobre sua experiência. Descobre- -se, a partir daí, determinantes sobre as situações e sobre o sujeito MARTINS; DICHTCHEKENIAN, 1984).

A fenomenologia existencial possibilitou desenvolver a temática sobre o luto antecipatório dos pais de uma criança com doença crônica, numa dimensão compreensiva, baseada na relação sujeito e mundo.

 

Ideia de morte, luto e luto antecipatório

Pensar na morte, para muitas pessoas, é algo que assombra, assusta e, muitas vezes, é um assunto do qual se evita falar. O ser humano dribla seu saber diante da finitude e concebe o tempo como infinito, eterno, contínuo e quantificável.

Em sua obra Ser e tempo, Heidegger fez considerações sobre a existência humana, colocando, como uma de suas principais características, o ser-para-morte, ou seja, a angústia diante da possibilidade de uma impossibilidade de existir. Angústia que representa a consciência de si e a relevância do tempo, da finitude e da existência humana que é experimentada como uma liberdade para encontrar-se com sua própria morte, um "estar preparado para" e um contínuo "estar relacionado com" sua própria morte (HEIDEGGER, 2002).

O sentido do ser, para a morte, é o de chegar à individualidade própria, o que denota, na terminologia de Heidegger, o futuro. Segundo Heidegger (2002), o futuro, autêntico e temporalizado primariamente pela temporalidade constitui o sentido da decisão antecipatória; desvela-se, assim, também ele, como finito.

Na concepção de Kovács (1992) não há só uma morte, mas várias, durante todo o processo evolutivo, pois pode ser vista como perda, ruptura, desintegração, degeneração, mas, também, como fascínio, sedução, uma grande viagem, entrega, descanso ou alívio. A seu ver, "o homem desafia e tenta vencer a morte […] e o homem é um ser mortal, cuja principal característica é a consciência de sua finitude" (p. 2).

Durante a vida, os sentimentos gerados diante do luto irão variar conforme as experiências vividas por cada um; a maneira de lidar com o luto também pode variar segundo a vivência de perdas no passado e a capacidade de dominá-las, pois pode causar conflito com uma perda atual, dificultando uma possível movimentação em busca de uma resolução deste luto (CARTER; McGOLDRICK, 1995).

De acordo com Bromberg (1996), a morte vem sempre acompanhada de um processo de luto, e entender o processo de formação dos vínculos é importante para a compreensão dos rompimentos. Dependendo de como a perda acontece, o luto pode se desenvolver de diferentes maneiras, pois diante da morte é provável que diversos sentimentos surjam. Dentre eles, pode ocorrer um ao qual Kovács (2009) denomina "luto antecipatório". Por definição, este é um processo de luto que pode acontecer antes da morte, quando um processo de doença e/ou perdas já está sendo vivido. O luto antecipatório pode ser vivenciado tanto pela pessoa doente quanto por seus familiares.

Segundo Fonseca (2004), este termo foi utilizado pela primeira vez por Lindemann, em 1944, quando publicou um artigo intitulado The symptomatology and management of acute grief, no qual observou que acontecia um fenômeno com esposas de soldados que iam para guerra: elas tinham reações de luto na separação física de seus maridos e diante da perspectiva de sua morte em batalha.

O tipo de relacionamento da família com o paciente com prognóstico reservado também influencia no processo de luto. Seria desesperador se houvesse sentimentos de ressentimento e mágoa entre o familiar e o paciente terminal, pois, após a morte, eles poderiam causar, ao familiar, sofrimento acompanhado de sentimento de culpa.

Em Sobre a morte e o morrer, Kübler-Ross (1998) afirma que o morrer é um processo contínuo e que pode ser dividido em cinco estágios pelos quais o doente grave geralmente passa na luta que trava contra a doença e a morte. Os cinco estágios são: negação, revolta, barganha, depressão e aceitação.

A família, segundo Kovács (1992), passa pelos mesmos estágios que o paciente de prognóstico reservado; sua forma de enfrentamento vai depender da estrutura de cada um dos indivíduos e da relação estabelecida entre eles. Podem surgir processos ligados à perda em vida, ao luto antecipatório com ambivalência de sentimentos, medo de ver o sofrimento e a decadência da pessoa amada e, muitas vezes, impotência por não poder aliviar seu sofrimento. Souza (2006) diz serem muito frequentes a culpa e a tentativa de reparação.

Para que ocorra o momento de despedida, é necessário que os pacientes com prognóstico reservado e membros de sua família saibam da possibilidade da morte e permitam-se vivenciar o luto antecipatório, pois, com esta vivência, experimentam uma série de perdas que são elaboradas durante o processo do adoecimento. Entre outras perdas, as principais são perdas de papéis, como o de pai, filho, marido, irmão, entre outros. É importante ressaltar que, para os familiares, este processo de luto antecipatório ocorre com o paciente ainda vivo (SOUZA, 2006).

É através dos pacientes com prognóstico reservado que melhor se podem visualizar estes momentos de luto antecipatório, que sucedem à crise do conhecimento da morte e antecedem a fase terminal. No paciente, este processo de luto não começa na fase em que ele está morrendo, mas no momento em que ele entende que sua morte é inevitável.

Diante do sofrimento provocado pelo luto antecipatório dos familiares de pacientes com prognóstico reservado, faz-se necessário levantar algumas considerações sobre esta família.

 

A família e o luto pela perda do filho

Quando uma pessoa morre, os grupos dos quais ela participava têm sua organização alterada, afinal, está faltando alguém. Uma das reorganizações mais difíceis talvez seja a do grupo familiar, pois a perda é uma transição que transforma os padrões de interação do ciclo vital; implica reorganização familiar e desafios compartilhados para a adaptação (Bromberg , 1997).

Sendo o luto um processo vivido por aqueles que tinham relações afetivas com o que partiu, Bromberg (1997) relaciona-o à experiência psicológica que deve ser entendida como a experiência grupal pertinente ao grupo familiar, pois o luto afeta a família em muitos aspectos.

Fonseca (2004) diz que o diagnóstico de uma doença crônica gera uma crise na família, que não está preparada para as mudanças físicas, psicológicas e sociais nem para os períodos alternados de estabilidade e crise e para as incertezas de acontecimentos futuros. Ou seja, uma doença grave exige mudança de postura por parte do paciente, da família e dos amigos, que sofrem múltiplas perdas e interações com o sistema de saúde.

Segundo Bromberg et al (1996), nos grupos familiares afetados pelas perdas, o luto dos pais é frequentemente misturado com sentimentos de raiva, culpa e autorreprovação por sua incapacidade de impedir a morte, bem como pela sensação de serem vítimas de uma injustiça.

Em um trabalho desenvolvido com mães que acompanham filhos hospitalizados, Mendonça (2009) percebeu que elas deixam de "viver" suas vidas em benefício de seus filhos. Para Schliemann (2009), neste período de adoecimento e tratamento, o medo é o sentimento básico e primitivo que está presente durante todo o processo. Sabe-se também que o ambiente, a linguagem e a rotina que envolvem o adoecimento são novidades e precisam ser elaborados pelos membros envolvidos no processo.

A perda de um filho é algo doloroso que exige força dos pais para ajudá-lo nesta etapa da vida que se aproxima tão precocemente.

 

Adoecimento e morte da criança

Quando pensamos numa criança, refletimos sobre um ser que tem a vida inteira pela frente e que brinca, descobre e cresce a cada dia. Adoecer, ou morrer, na infância está fora do planejamento de vida por se acreditar que isto não faça parte desta etapa da vida. O adoecimento de uma criança, principalmente quando há iminência de morte, é de difícil compreensão tanto para os pais quanto para ela própria.>

O adoecimento traz a imagem de que a morte "poderá acontecer", e isso pode gerar uma superproteção dos pais em relação à criança doente; também pode acontecer de a família desejar estar mais próxima do doente ou, ao contrário, sentir o impulso de afastar-se emocionalmente dela (CARTER; McGOLDRIC, 1995).

Carter e McGoldrick (1995) descrevem três fases importantes do adoecimento: crise, crônica e terminal. A primeira apresenta-se quando o indivíduo ou a família ainda não conhecem o diagnóstico e nem a natureza do problema, mas sentem que algo está errado. A segunda fase pode ser longa ou curta e é chamada de "a longa provação", podendo ser marcada por constância ou progressão. A fase terminal é quando a inevitabilidade da morte torna-se aparente, abrange períodos de luto em que predominam questões como: separação, morte, tristeza, resolução do luto e retomada da vida.

Para a família que lida com a doença crônica é essencial repensar os planos de vida que precisaram ser alterados e verificar quem foi mais ou menos afetado e quando e como poderão retomar estes planos e tarefas cotidianas. É como um duelo entre a "independência em relação à doença" e o "deixar-se subjugar" por ela (CARTER; McGOLDRICK, 1995).

Com a doença ocorrem mudanças na vida da criança, tais como as várias atividades cotidianas como estudar, passear, se divertir e passa a pensar sobre situações adversas e dolorosas (SCHLIEMANN, 2009). De modo que a vivência emocional da criança passa a ser influenciada pela percepção da doença.

Assim, todas as expectativas positivas em relação a uma criança podem ficar repentinamente comprometidas diante de um diagnóstico, e isso não afeta somente a vida da criança, mas também a de seus pais. E neste momento eles podem buscar a religião.

 

O possível amparo religioso

O existir traz consigo a necessidade de encontrar sentido para tudo que acontece em nossas vidas. O "ser-no-mundo" surge com a possibilidade da finitude, do "ser-para-morte" e, com isso, vêm a angústia e o sofrimento.

A questão da morte é ainda mais iminente quando falamos de uma pessoa com prognóstico reservado, com uma doença crônica, e isso faz com que aconteça, de maneira mais forte, a busca por um amparo religioso que possibilite a ideia de cuidado. Segundo Boff (2003), a essência humana encontra-se, basicamente, no cuidado, no qual podemos identificar os princípios e valores que fazem da vida um bem-viver. O autor ainda define o cuidado como desvelo, solicitude, diligência, zelo, atenção, bom trato e um modo de ser.

Um paciente com uma doença crônica inspira cuidados daqueles que estão à sua volta, da classe médica, família, amigos. Estes podem ter que saber lidar com o sentimento de impotência e acabam buscando no amparo religioso um cuidado espiritual.

Segundo Pessini e Barchifontaine (2008) os cuidadores espirituais recorrem à religiosidade, buscando tolerância, paciência e sensibilidade para acolher os sentimentos controversos que a situação pode causar, não repreendendo, nem censurando e oferecendo sermões ou penitências.

Diante do adoecimento com um prognóstico reservado e relacionado à religiosidade, muitas visões diferentes podem surgir, tais como castigo, punição, destino, fatalidade, expressão de fim, possibilidade de transformação da vida. Também podem surgir sentimentos de desapontamento, abandono e revolta em relação ao ser superior.

O amparo religioso pode ser considerado importante diante da vivência de uma doença crônica, ou diante da morte, pois pode possibilitar um melhor enfrentamento e elaboração da situação dolorosa, complicada e conflituosa que é a finitude. Este amparo pode surgir de forma a explicar, acalmar, consolar e dar sentido ao que, por algum momento, parece não ter solução.

 

Método

O presente artigo é um estudo qualitativo que busca analisar a vivência do luto antecipatório na compreensão dos pais de uma criança com doença crônica, a partir de cenas do filme Em busca da luz, delineando sua reflexão analítica sobre bases teóricas fenomenológico- existenciais, a partir de recortes que relatam os sentidos que os pais atribuem à relação vida/morte.

O alvo da investigação no método fenomenológico, de acordo com Martins e Bicudo (1994) é chegar aos significados atribuídos pelo sujeito à situação que está sendo pesquisada, sendo que a situação de pesquisa é constituída pelo próprio sujeito que, por meio de descrições naturais e espontâneas.

A partir de um levantamento teórico sobre a percepção das diversas maneiras de experimentar o luto, buscou-se a problematização e explicitou-se a pergunta norteadora: O que significa o luto antecipatório para os pais de uma criança que vivencia uma doença crônica no filme Em busca da luz?

Para compreensão deste significado, o fenômeno precisa apresentar- se ao pesquisador como algo que exige um "desvelamento". Para tanto, foram feitos recortes de cenas do filme que apresentam a vivência dos pais, levantamento de unidades de significado e categorização

Utilizou-se um DVD do filme Em busca da luz (Go toward the light), uma produção americana de 1988 dirigida por Mike Robi e com roteiro de Beth Polson. O drama tem duração de 93 minutos e, por se tratar da história de uma criança com doença crônica (Ben Madison), foram realizados recortes das falas nas cenas dos pais, Claire e George Madison, retrato da vivência deles com o luto antecipatório de seu próprio filho.

 

Idéia central do filme

Em busca da luz conta uma história verídica de uma harmoniosa família, composta pela mãe (Claire), pelo pai (Greg) e por três filhos; e tanto a mãe como os três filhos são portadores de hemofilia. Claire está grávida do quarto filho.

Ben, o filho mais velho, foi diagnosticado com a síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS) após a realização dos exames da medula e do líquido espinhal. Ben era a primeira criança naquele hospital portadora da AIDS, uma doença que não tinha cura, e a única possibilidade era tratar os sintomas, com o objetivo de proporcionar algum bem-estar ao paciente.

A notícia do diagnóstico cai como um meteoro naquela família. Os jovens pais, diante de tão pouco tempo de vida que resta ao filho, vivenciam diversas situações tentando encontrar maneiras de fazer com que cada dia valesse mais ainda. Assim, a mãe propõe que Ben faça uma lista de coisas a serem realizadas nos próximos doze meses, na tentativa de atender aos desejos do filho.

No decorrer do filme, o quadro de saúde de Ben se agrava. Passa a ter dificuldade para se alimentar, pois a comida já não parava mais em seu estômago. Suas veias estavam se fechando em virtude das medicações fortes e, assim, o seu corpo não estava mais sendo nutrido.

Diante do agravamento do quadro, Ben é submetido a uma cirurgia para implantação de um catéter de Hickman, um tubo colocado em seu peito para que os nutrientes sejam bombeados diretamente na corrente sanguínea.

O pai (Greg) demonstra não aceitar a doença e, muito menos, a possibilidade da morte do filho. A cirurgia cria, então, expectativas nos pais. A mãe, que demonstra ter mais clareza da gravidade da doença do filho, tenta mostrar ao pai que a cirurgia não representaria a cura e não salvaria a vida do garoto.

Para alegria da família, Ben recebe alta antes do tempo. Nasce o bebê, e, para alívio dos pais, este não é portador de hemofilia, já que este é um fator de risco na família.

O pai, que tem muita dificuldade de compreender e vivenciar a doença do filho, com a aproximação da morte resolve recorrer à religião. Em conversa com o bispo, fala de como é difícil lidar com a situação de Ben e relata todas as suas expectativas em relação ao filho e a dor que está sentindo por saber que ele vai morrer e não há mais nada que se possa fazer.

O bispo dá forças ao pai para que ajude o filho; diz que ele deve ajudá-lo a ir, levá-lo até a "porta" para que ele siga seu caminho. Mediante esta conversa, o pai demonstra ter conseguido compreender alguns pontos dessa situação diante da morte.

O hospital passa a ser a segunda casa desta família, e a presença de um voluntário (Jeff) ajuda a dinâmica familiar e, principalmente, a vivência do luto antecipatório:

Não sei quem precisava mais de Jeff: Ben ou eu. Mas ele foi uma verdadeira bênção. Como não conhecia Ben antes, não tinha sentimento de perda e nem tristeza. O prazer que senti por estarem juntos elevou o moral de Ben, o que acabou elevando o meu. (Claire – a mãe).

Após uma conversa com os médicos, que diziam que já não havia mais nada a fazer, os pais decidem levá-lo para casa, pois a mãe acha que ele deveria estar envolvido pelo amor da família até que o ciclo se completasse.

Já em casa, Ben vivencia o momento de despedida de seus familiares e, durante a noite do dia 3 de julho de 1986, nos braços de sua mãe, sente muita dor. Ela, mesmo aflita, tenta prepará-lo para a possível partida; o pai se aproxima e pega na mão do filho: ele suspira fundo e descansa em paz.

A pior coisa na vida é ter de ajudar alguém que se ama a morrer. Mas, como pais, tínhamos de ajudar Ben a encarar a morte, sem dor, sem medo e, principalmente, sem nós. (Claire – a mãe).

Recortes de diálogos constados nas cenas do filme

Cena 1: 2'07" – 2'27"
Pensamento da mãe no enterro de Ben: "A pior coisa na vida é ter de ajudar alguém que se ama a morrer. Mas, como pais, tínhamos de ajudar Ben a encarar a morte, sem dor, sem medo e, principalmente, sem nós".

Cena 2: 15'23"– 15' 36"
Pensamento da mãe quando recebe o diagnóstico de Ben, sozinha no hospital: "Quando fica sabendo que alguém que ama vai morrer é como se o tempo parasse. E quando ele retoma seu curso nada mais é como antes".

Cena 3: 16'31" – 18' 32"
Após explicações dos médicos sobre a gravidade da doença de Ben, e que sua expectativa de vida é de um ano, a mãe pensa: "85% morrem em um ano. Um ano! Doze meses! Um aniversário! Um Natal! Um verão, um outono, um inverno e uma primavera!".

Cena 4: 18' 46" – 19'54"
Pai e mãe conversam na casa de hóspedes no hospital.
Mãe: "Por que Ben pegou Aids?" Pai: "Não sei, Claire".
Mãe: "Não, por que Deus permitiu que ele pegasse Aids?"
Pai: "Não sei. Mas vou dizer uma coisa: Deus pode fazê-lo sarar. Ouviu o que eles disseram? Se eliminarem as infecções, podem tratar o resto. É uma doença nova e cientistas de todo país estão trabalhando nisso. Pode surgir a cura, o controle. Estive pensando nisso; não acredito que Ben vá morrer. Só precisamos de um pequeno milagre. Não de um grande. Só um tempinho".

 

Cena 5: 21'24" – 21'56"
Após explicar a Ben um pouco sobre sua doença, a mãe pensa: "Talvez Ben nunca melhore, talvez ele morra. Como ajudar uma criança que vai morrer a terminar sua breve, mas preciosa, viagem? Eu tinha que achar um jeito de fazer com que cada dia valesse. Tinha de ajudar meu filho a apostar no próprio futuro…"
Mãe: "Já sei. Ben, que tal fazermos uma lista de coisas pelas quais esperar?"

 

Cena 6: 40' 58" – 42' 22"
Os médicos apresentam a possibilidade do cateter de Hickman (tubo para bombear nutrientes diretamente na corrente sanguínea).
Pai: "Vai fazer diferença. Você vai ver. Ele vai ganhar peso e parar de vomitar".
Mãe: "Talvez… por um tempo".
Pai: "Estou te dizendo, tenho um bom pressentimento. Esse cateter pode realmente levantar Ben. Pode dar-lhe tempo suficiente para juntar forças e vencer todas as infecções".
Mãe: "Não ouviu o que o doutor disse? Isso não é a cura. Não vai salvar a vida de Ben. Não vai haver milagre. Temos que ajudar Ben".
Pai: "Ajudar? Estamos fazendo de tudo! O que devo fazer? Ajudá-lo a morrer?"
Mãe: "Nós o ajudamos a dar o primeiro passo. Ensinamos as primeiras palavras. Nem o deixamos ir sozinho à escola no primeiro dia. Há oito anos ajudamos Ben em todos os novos passos que deu. Não podemos deixá-lo só agora".

 

Cena 7: 43'19" – 43' 49"
Após a cirurgia de implantação do cateter, a mãe pensa: "O Hickman deu-nos o tempo do qual precisávamos para nos preparar e para encontrar uma forma de preparar Ben. Como mórmons, aprendemos que a morte não é o fim. Existe apenas um fino véu separando esta vida da próxima. Mas, apesar do que acreditávamosem teoria, na prática éramos apenas dois jovens pais que não queriam que seu filho morresse".

 

Cena 8: 48'47" – 51'
Pai procura o bispo para conversar.
Pai: "Sabe, bispo, Ben é um menino muito especial. Não porque é meu filho. Ele é bom, bispo. Ele se preocupa com os outros, com seus sentimentos. Ele é o tipo de menino que sempre pensei que seria um homem bom, um ótimo chefe para sua própria família. Sempre esperei ver isso, mas acho que não vai acontecer. Oito anos é muito pouco tempo e aqui estou eu, o pai, que deveria cuidar dele, dar um jeito em tudo, mas não consigo evitar a dor. Não posso levá-lo à escola e nem alimentá-lo sem um tubo em seu peito. Agora ele vai morrer e não há nada que eu possa fazer".
Bispo: "Pode ajudá-lo a se preparar".
Pai: "Claire vive dizendo isso, mas não sei se consigo".
Bispo: "Claro que consegue. Eu te conheço. Sei que tem isso em você. Seu filho precisa de você agora. Precisa pegá-lo pela mão e vir com ele até a porta. Mas, depois, tem que deixá-lo ir".

 

Cena 9: 1º14'35" – 1º14'43"
Família brinca no parque com o voluntário do hospital. Mãe: "Nos dias bons, valorizávamos cada riso e cada sorriso. Nos dias ruins, desejávamos os bons".

 

>Cena 10: 1º18' – 1º20'
O pai tem uma crise de ansiedade no restaurante.
Pai: "Desculpe, não consigo controlar".
Mãe: "Eu não disse nada".
Pai: "Acontece sem aviso".
Mãe: "Você precisa falar com alguém. Do que tem tanto medo? Talvez isso ajude".
Pai: "Não vou mostrar minha alma a um estranho a quem pagarei para me ouvir! E o que vou dizer? Que meu filho está morrendo? E que parece que vou morrer?".
Mãe: "Como acha que me sinto? Também estou apavorada, mas não posso me esconder atrás de um ataque de ansiedade".
Pai: "Nem todos são seres perfeitos como você!"
Mãe: "Essa é boa. Pegue seus sentimentos e corra. Deixe tudo na minha mão, como vem fazendo".
Pai: "Espere aí! Parece ter se esquecido dos últimos dez anos. Sempre estive presente, não? Não sabe quanto odeio não poder fazê-lo agora? Não sabe que fico arrasado quando deixo vocês no hospital? Dá para entender isso?"
Mãe: "Quero entender, Greg. Sério!"
Pai: "Sei que precisamos discutir certas coisas. Mas agora vamos deixar isso de lado e ficar juntos pelo Ben".

 

Análise ideográfica

A mãe expressa o sofrimento que sente diante do diagnóstico médico do filho e, por saber que ele irá morrer, vivencia o luto antecipatório; reflete sobre ter que ajudá-lo como sendo isto a pior coisa na vida. Ressalta que esta é uma tarefa dos pais, e que tentaria ajudar o filho a encarar esta fase sem os aspectos que são comuns de quem enfrenta esta situação: dor e medo.

Ter conhecimento de que o filho morrerá mexe com os sentimentos da mãe e com sua maneira de perceber o tempo e a vida. Com isso, ela começa a refletir sobre tudo, fazendo com que, a partir desse momento, tudo se transforme, sendo necessário ressignificar seu modo de viver. Esta noção do tempo permite-lhe refletir sobre as possibilidades de realizações nesse período restante de vida do seu filho.

Direcionando-se à religião, a mãe questiona sobre como o ser superior poderia ter deixado algo tão doloroso acontecer à sua família. Em contrapartida, apega-se à crença, à religiosidade e à fé como forma de resolução de um problema que, cientificamente, não tem cura, mas demonstra esperança e otimismo.

Ao ter conhecimento da gravidade do estado de saúde do filho, a mãe vivencia, de maneira especial, cada momento que pode ter com o filho e com a família, valorizando o breve tempo de vida que ele tem e pensa em como tornar este tempo precioso, buscando novos sentidos para a vida dele.

Para ela, esta busca é uma obrigação materna e com suas ações ela elabora seu luto e ameniza seu sofrimento.

Após os médicos apresentarem um recurso para manter o filho alimentado, o pai, com pensamentos otimistas, acredita que este recurso poderá curar o filho e fica esperançoso, mesmo com os médicos deixando claro que é apenas uma intervenção paliativa.

Por outro lado, a mãe tenta conscientizar o pai de que eles deveriam ajudar o filho a vivenciar o percurso até a morte, pois sempre o ajudaram e deveriam continuar a desempenhar seus papéis de pai e mãe. Ela tem a religião como base para vivenciar o luto antecipatório, dar sustentação até que a morte do filho aconteça e apoia-se em explicações religiosas sobre o pós-morte.

O pai não compreende a complexidade e gravidade da doença do filho, o que está de acordo com sua maneira de ver o mundo e, assim, não entende o porquê de uma criança morrer. Vê um grande futuro na vida de seu filho e, de repente, estas expectativas são rompidas por um diagnóstico fatal, tornando-o impotente diante do quadro de saúde do filho. Após algum tempo, ele resolve buscar explicações na religião e o bispo encoraja-o, oferecendo apoio e força.

Os pais vivenciam o luto antecipatório de maneiras diferentes: a mãe, com vontade de ajudar o filho neste processo, enquanto o pai acredita na cura e no futuro do filho.

Pra uma visão geral do fenômeno, elaborou-se um quadro (quadro nomotético) que possibilitou a visualização da sistematização e, por conseguinte, das categorias de análise das cenas do filme (conteúdo) (Quadro1).

 

 

Descrição e análise de categorias

 

Categoria 1 – A perda do filho: maneiras pelas quais os pais vivenciam este contexto

Pensando no fardo que é para os pais a perda de um filho em virtude do rompimento de expectativas em relação a ele e da convicção de que ele não poderia partir antes deles, ressaltamos os modos como os pais de Ben vivenciaram tal processo de perda.

Para Fukumitsu (2008), a perda do filho faz com que os pais deparem com reflexões sobre finitude, impotência diante da situação e fé, o que impacta no modo de relacionamento com o mundo e na maneira de viver desses pais.

Podemos ver estas reflexões na primeira cena, na qual a mãe reflete sobre o sofrimento que esta situação traz, sobre a responsabilidade dos pais de continuarem ajudando Ben neste processo. Na quarta cena, a mãe depara com questões de fé e tenta buscar uma explicação religiosa, não compreendendo como Deus poderia ter deixado isso acontecer a seu filho.

Acerca destas mudanças, Bucay (apud FUKUMITSU, 2008, p. 23-36), discute que o luto provoca reações nos mecanismos psicológicos, biológicos e neurovegetativos. Claire, na décima cena, já estabilizada diante da situação, tenta orientar o marido a se cuidar, mas a maneira como ele encara a situação acaba levando-os à discórdia.

Bromberg et al (1996) reflete sobre alguns efeitos, aos quais chama de "devastadores no sistema familiar", pela morte de um filho, sendo uma mistura de raiva, culpa, autorreprovação e sentimento de ser vítima de injustiça. Sobre a dinâmica familiar, comenta que esta situação também interfere na saúde do casamento, podendo acontecer acusações mútuas de omissão de cuidados despendidos à criança.

Estes efeitos na vida conjugal podem ser observados na cena dez, em que o pai discute com Claire, passa mal e não aceita os conselhos dela para que procure ajuda; ele diz, agressivamente, que não é perfeito como ela e tenta ressaltar que o que fez de bom nos últimos dez anos é o que conta, em paralelo ao quanto sofre por deixá-los no hospital.

Bucay (apud FUKUMITSU, 2008, p. 23-36) afirma que a dor pela perda do filho é um aniquilamento afetivo, uma vivência de mutilação pela sensação de perda de uma parte de si e destruição de perspectivas e esperanças do futuro.

Bromberg et al (1996) relata exatamente a situação vivenciada pelos pais de Ben, de que no caso de filho com tal prognóstico, o luto pode ter início a partir do diagnóstico, com a negação da morte, da curacidade, do diagnóstico e, em especial, do bom prognóstico.

Além das dificuldades de lidar com o luto, os pais sofrem com a sensação de impotência para exercer seus papéis: a mãe, de cuidar do filho, como fez desde a gravidez, e o pai, a impossibilidade de prover algo que ajude sua família neste momento. Com este sentimento, e sem saber o que fazer, na cena oito o pai procura um bispo e desabafa suas expectativas sobre seu filho e sua frustração por talvez nada disso se concretizar; fala de como se sente por nada poder fazer e sai encorajado a mudar e ajudar a preparar o filho para atravessar este processo.

O luto antecipatório é visto como um mecanismo protetor do familiar, mas o paciente também o vivencia. Ele envolve uma variação de sentimentos, como angústia, dor, separação, culpa, depressão, tristeza, raiva, entre outros. Apesar do sofrimento de ambos, o luto antecipatório, de alguma maneira, prepara o paciente para desligamentos dos laços que tem em vida (SOUZA, 2006).

De acordo com Schliemann (2009), quando uma criança está com uma doença grave, o sofrimento, a dor, as dificuldades financeiras e sociais e o medo da morte ficam evidentes para ela e sua família e isso traz mudanças na estrutura familiar. Neste caso, Claire busca novas estratégias no relacionamento com o filho: na quinta cena, ainda com muita angústia com a possibilidade da perda, procura alternativas para fazer este momento ser especial, pensando ajudar Ben apostar no futuro, fazendo cada dia valer a pena.

Segundo Fukumitsu (2004), o processo de luto inclui uma variedade de sentimentos, pensamentos e reações. Sendo assim, cada indivíduo vivencia suas perdas de maneira diferente e intensificada pela singularidade do ser humano. Na cena nove, Claire reflete sobre a maneira de vivenciar cada momento com o filho, valorizando os dias bons e desejando-os nos dias ruins.

O pai e a mãe reagem de modos distintos diante da situação. Apesar de tanto sofrimento, a mãe está consciente de que a morte

do filho realmente vai acontecer, então consegue entender o que os médicos dizem e considerar as estatísticas de probabilidade de vida. Tenta ajudar o filho e se preocupa com o marido e, apesar do sentimento de impotência, consegue manter seu papel de cuidadora nesta família, ainda que muitas coisas tenham mudado após o diagnóstico.

Greg, o pai, mantém uma postura otimista diante de qualquer intervenção médica. Na cena quatro, tenta contagiar Claire com as boas possibilidades de melhora do quadro de Ben, mesmo que estas sejam por meio de um milagre. Esta postura tem continuidade na cena seis, em que mostra acreditar que o cateter de Hickman vai fazer muita diferença e irrita-se com Claire, por ela não acreditar na cura efetiva. Pergunta a ela o que deve fazer, se deve "ajudá-lo a morrer?" e ela explica o papel dos pais, para tentar conscientizá-lo.

Schliemann (2009) alerta sobre as consequências da falta de qualidade de vida que ocorre diante do adoecimento, seja para o paciente ou para seus familiares. Dentre as causas, podem estar a própria doença, o tratamento, a autopercepção, as expectativas quanto ao prognóstico, a diminuição ou perda de autonomia e mudança no estilo de vida. Na análise das cenas, podemos notar o estresse dos pais por ocasião dos motivos citados pela autora, além da divergência de opiniões do casal.

Greg tenta ser muito otimista, inicialmente, mas, ao longo do tratamento vai acumulando angústias, procura auxílio religioso e, ainda assim, sensibilizado com toda a situação, desconta sua raiva na esposa e chega a verbalizar que ficariam juntos por Ben. Esse mal-estar do casal pode acontecer. Uma vez que os filhos são um importante foco emocional da família, os pais têm neles uma extensão de suas esperanças e sonhos de vida. Perder um filho é um golpe existencial, e quanto mais significativo for esse filho para o bem-estar da família, maior será a chance de haver rupturas familiares, pois, para os pais, perder este filho é, também, perder um amigo que, muitas vezes, era um para-choque entre os cônjuges (CARTER; McGOLDRICK, 1995).

Bromberg (1997) destaca que a experiência de perder um ente querido e de sentir este impacto na reorganização da vida, após a morte desta pessoa, não deve ser considerada somente de forma individual, mas também em relação ao grupo familiar. E, conside rando o ciclo de vida familiar, a morte tem um significado diferente para cada um de seus membros e, também, para cada uma das fases específicas desse grupo. Seja a figura morta um pai, uma mãe, um filho (a) pequeno (a) ou adolescente: a morte na família é um tema tanto individual quanto grupal.

Tudo que é vivenciado pelos pais parte da dor pela perda do filho, vivenciando este momento de luto antecipatório com diferentes perspectivas, mas possibilitadas pela angústia.

 

Categoria 2 - Existência, temporalidade e finitude: o "ser" lidando com o tempo após o diagnóstico de uma doença crônica

A existência é determinada por possibilidades, e a finitude é uma delas. O homem é um ser de possibilidades realizadas dentro da temporalidade existencial e marcada pelo intervalo entre finito e infinito.

O homem é um ser existente porque está essencialmente ligado ao tempo, encontra-se nas possibilidades do presente, passado e futuro que correspondem ao sentir, ao entender e ao discorrer. Na cena dois, o conhecimento do diagnóstico fez com que a mãe perdesse a noção do tempo, sendo necessário ressignificar seu modo de viver.

A existência é um intervalo entre o nascimento e a morte, sendo que o projeto de vida do homem tem origem no seu passado (em suas experiências) e continua para o futuro, que o homem não pode controlar por tratar-se de um projeto sempre incompleto e limitado pela morte que não se pode evitar (HEIDEGGER, 2002).

Para Heidegger, a morte pertence à estrutura fundamental do homem.. Com a morte, o homem conquista a totalidade de sua vida e adquire consciência da sua submissão à morte através da angústia, que é outra disposição fundamental do ser.

A temporalidade é o fundamento ontológico originário do existir do Dasein e só a partir dela, com suas estruturas articuladas no cuidado, que se tornam existencialmente compreensíveis. Heidegger (2002) faz uma análise do "ser-para-a-morte" e da angústia, o que resulta na "resolução precursora", deixando-se guiar pela compreensão do Dasein que, como existência, é uma interpretação que libera o Dasein para a sua mais extrema possibilidade de existência.

Temporalizar é experimentar o tempo, sendo esta a vivência mais próxima do nosso existir. Na cena cinco, o tempo é vivenciado relativamente e de acordo com a atribuição de novos significados que a mãe visa para o futuro de Ben, ajudando-o a encarar a morte sem medo e sem dor, possibilitando-o apostar em seu próprio futuro.

A noção de temporalidade estende-se, tanto em relação ao passado como em direção ao futuro, com amplitude ou restrições. Na cena três, mediante a expectativa de um ano a mais de vida para Ben, a mãe resgata as datas especiais do passado, validando o futuro no presente.

O Dasein é passado sem deixar de ser futuro. O presente comprime o passado e este antecipa o futuro. O futuro é uma antecipação, o passado é pensado como retomada do que foi possível e o presente equivale ao instante da decisão.

A finitude do futuro desvela-se quando relacionamos a estrutura do ser para a morte e o chegar a si mesmo individualizador. Assim, a finitude do futuro (e da temporalidade) mostra que o modo como o ser humano chega a ter uma individuação é existir projetando-se em possibilidades negativas. Na cena seis, o pai vê o implante do cateter de Hickman em Ben como uma possibilidade de cura e não aceita a doença nem a morte desse filho; a mãe, por sua vez, tem a consciência de que este procedimento não trará a cura, ou milagre, e que terá de ajudar Ben neste processo doloroso.

Os pais atribuíram individualmente significados ao luto antecipatório pela perda do filho de acordo com o tempo e modo de existir de cada um; como aparece na primeira cena em os pais ajudam o filho vivenciar a finitude e que significou para os pais uma atitude de compreensão, de modo que buscaram "apreender a realidade vivida", baseada na relação do "ser com o mundo".

Segundo Heidegger (2002), o caráter de antecipação promove a unidade da temporalidade, permite conceber o tempo como originário e finito, e é responsável pelo desvelar do ser, pelo temporalizar do tempo e, neste movimento, os pais se anteciparam à morte do filho.

A antecipação da morte revela ao Dasein o fato de estar perdido no impessoal, o conduz à possibilidade de ser si-mesmo sem o apoio primário da preocupação ocupada, mas de sê-lo numa liberdade apaixonada, livre de ilusões do impessoal – liberdade fáctica, certa de si e movida pela angústia. Nas cenas selecionadas, apesar de os pais vivenciarem de formas diferentes o luto antecipatório mediante a singularidade de cada um, ambos mergulharam numa intensa angústia que os levou `a "condição básica de ser finito" e de se defrontarem com a morte dos entes queridos e com a própria morte.

A angústia representa a consciência de si, a relevância do tempo, da finitude da existência humana e é experimentada como liberdade para encontrar-se com sua própria morte, um "estar preparado para" em um contínuo "estar relacionado com" sua própria morte (HEIDEGGER, 2002).

A consciência que o Dasein tem de que vai morrer, de que pode falecer a qualquer momento, significa que o ‘morrer', a atitude do Dasein com relação ao morrer ou o fato de ‘estar a caminho de/caminhar para' sua própria morte impregna e molda toda a sua vida (INWOOD, 2004, p. 86-87).

De acordo com Vattimo (apud SEIBT, 2009, p. 190), a antecipação da morte "equivale antes à aceitação de todas as outras possibilidades na sua natureza de puras possibilidades".

Nas cenas selecionadas, o luto antecipatório possibilitou aos pais estabelecerem uma relação entre existência, temporalidade e finitude, visto que a temporalidade teve a função de unir a essência com a existência e, nessa liberação, o Dasein abre-se para si mesmo em termos de sua possibilidade mais extrema.

 

Categoria 3 - Finitude: significado da ideia de morte e o possível amparo religioso desta vivência

Pensar na possibilidade da morte, seja de nós mesmos ou do outro, causa angústia, sofrimento e sentimento de impotência diante de uma situação que não pode ser modificada. A maioria das pessoas que se defrontam com o diagnóstico de uma doença crônica e apresentam iminência de morte tende a buscar um suporte religioso.

A ideia da existência, do "ser-no-mundo", traz a possibilidade da finitude, do "ser-para-morte", como possibilidade da impossibilidade de existir. Segundo Morais (2000), a ideia da morte remete a alguns elementos, dentre os quais o conhecimento do destino de que o homem é o único animal que tem consciência da própria finitude; o sentimento de solidão; um desmonte das redes afetivas e dos relacionamentos pessoais; o possível sofrimento envolvido no processo do morrer; o medo do desconhecido e da possível inexistência de algo no pós-morte; a morte concebida como um túnel sem sentido que levaria o ser humano a parte alguma.

Conforme as definições de Morais (2000), podemos relacionar esta consciência com a primeira cena, quando a mãe de Ben percebe- -se diante da possibilidade da finitude de seu filho, referindo-se à morte como vivência de um processo que amedronta e que é solitário e dolorido, demonstrando preocupação com a possível solidão que o filho sentiria, sendo ele uma criança que precisava dos pais e, portanto, estes deveriam ajudá-lo ao máximo nesse processo do morrer.

Diante da sua finitude, o ser pode adotar duas posturas: aceitação ou distração. A primeira é revestida do caráter autêntico, sentimento de completude e preenchimento de sentido e a segunda vê-se perdida no fenômeno da desconcentração e alienação perante uma certeza clara e inquestionável (HEIDEGGER, 2002).

A partir das cenas oito e dez, é possível observar o que Heidegger (2002) define como "ser" diante da finitude. Neste caso, de maneiras diferentes para o pai e para a mãe. O pai demonstra ter adotado uma postura de distração ao questionar o que era verdadeiro, desconcentrando-se da realidade dos fatos, vivenciando apenas os problemas que a doença trazia e anulando os apontamentos médicos. Referem-se à impotência deles diante da gravidade da doença de Ben.

Em contrapartida, a mãe de Ben adota uma postura de aceitação diante da realidade da doença do filho na tentativa de procurar dar sentido para o tempo restante de sua existência. Tinha conhecimento de que a cura do filho não era possível, mas que deveria ajudá-lo nesse processo de morrer.

Heidegger (2002) acredita que, diante da possibilidade de morte, o homem deve caminhar em liberdade e consciente do seu findar, não com a intenção de colorir a morte, mas, sim, para abraçá- -la conscientemente e em plena liberdade a fim de viver de forma autêntica. A mãe de Ben, na cena cinco, fala da possibilidade de o filho morrer como forma de possibilitá-la a encontrar sentido para essa "breve viagem" que ele viverá, tentando encontrar uma maneira de validar cada dia da existência do filho.

Ainda segundo Heidegger:

o que caracteriza o referente da angústia é o fato do ameaçador não se encontrar em lugar algum. Estar diante da morte gera angústia. Não devemos considerar angústia como sinônimo de temor, pois o que angustia é algo indeterminado, não concreto, o não saber exatamente o que é aquilo que o angustia. (2002, p. 250).

O pai de Ben, na cena dez, passa mal, tem uma crise de ansiedade e acaba discutindo com a mãe. Pode-se relacionar esta cena com os sintomas físicos gerados pela angústia, segundo Heidegger (2002). As falas desta cena exprimem a certeza da finitude, porém existe a instabilidade da doença de Ben e a esperança do pai diante de algo incerto. Ele acredita na possibilidade da cura do filho, mesmo com a certeza da finitude de Ben, colocando-se diante do desconhecido território da morte.

Tal angústia, gerada pela morte, cria expectativas e cria teorias, teologias, ciências, religiões, que demonstram o tempo na atemporalidade de sua chegada e na imprevisibilidade de suas investidas; torna a morte algo que atravessa teorias e coloca-nos no limiar de nossas emoções e sentidos (PAULA, 2005).

Diante da morte e da angústia por ela gerada, a religiosidade pode ser inserida como um suporte, algo que sustenta a existência e que pode trazer explicações, muitas vezes responsabilizando o ser superior por todo e qualquer acontecimento na vida.

Na cena quatro, após receberem o diagnóstico de Ben, os pais conversam e a mãe questiona um ser superior sobre o porquê de o filho ter contraído a doença. O pai atribui a este ser superior o poder de curá-lo, mesmo que para isso ele tenha que conceder um milagre. Com isso, é possível observar a questão da religiosidade como auxílio e suporte para a vivência da angústia diante da finitude.

Na literatura religiosa, encontramos uma diversidade de explicações que se entrelaçam e buscam juntar os mais diferenciados posicionamentos relativos à vida e à morte. Temas como perdão, vida eterna, libertação e fé estão diretamente ligados aos estudos sobre a elaboração religiosa do luto (PAULA, 2005).

A questão da religiosidade é bem abrangente, pois existem muitas crenças e teorias que possibilitam diversas formas de enfrentar a vida e suas adversidades.

Na cena sete, a mãe de Ben reflete sobre o significado da morte para ela. Acredita que, com base em sua religião, "a morte não é o fim, existe apenas um fino véu separando essa vida da próxima" (mãe – cena 7), portanto, considera-se o que a teoria apresenta sobre a religiosidade como suporte e responsabilidade de explicar a morte ou uma doença crônica e, também, oferecer soluções e amparo para a vivência de tais situações.

Para algumas religiões, a morte está relacionada com salvação e encontro com o divino; para outras, está ligada a imagens, esperança e vida eterna. O apoio religioso é demandado ante uma doença crônica, como uma busca por um provedor espiritual (PAULA, 2009).

Diante do diagnóstico de uma doença crônica e da possibilidade da finitude, no que diz respeito à religiosidade, algumas pessoas podem se revoltar, sentirem-se desapontadas pelo ser superior, enquanto outras podem buscar o fortalecimento de suas crenças e de sua fé (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 2008).

Contudo, a busca pela religiosidade serve como apoio e suporte para vivenciar a experiência de uma doença crônica e possibilidade da finitude que envolve tanto a pessoa acometida pela doença como seus familiares.

O pai de Ben, na cena oito, retrata explicitamente a experiência da religião como suporte para a dolorosa vivência de estar diante da morte de seu filho. Ele procura aconselhamento junto ao bispo da igreja que frequenta. Este lhe fala da necessidade de o pai acompanhar o filho até que o momento da morte aconteça, encorajando-o, de modo a fortalecê-lo, a viver a experiência de ver o filho morrer.

Cada religião tem seus rituais e, segundo Paula (2009), estes fazem parte de simbologias para as pessoas que vivenciam o luto em suas diversas formas e possibilitam uma vivência mais saudável com a existência de um espaço para o pesar com pessoas que professam uma fé e crença religiosa. Trata-se de um aparato comunitário que possibilita a elaboração do luto.

Os pais conceberam a ideia da morte do filho de diferentes maneiras por meio da religião. A mãe, ainda que questionasse o ser superior na tentativa de entender o motivo daquela situação na família, também sentia-se acolhida, fortalecendo sua crença como apoio necessário e explicação coerente para o que estava acontecendo, proporcionando o mínimo de conforto.

Em contrapartida, o pai teve, inicialmente, uma postura de distanciamento, utilizando a religião como algo que poderia trazer o milagre para o filho não morrer, o que reverteria o que os médicos pontuavam. A religião tornou-se um "escudo" para não enfrentar a finitude deste filho. Com o agravamento da doença, passou a demonstrar mais consciência da possibilidade da morte do filho e buscou a religiosidade também como apoio, como explicação e consolo para esta vivência.

Contudo, é possível refletir sobre o quanto a ideia de morte é um processo doloroso, um conflito presente de diversas formas para todas as pessoas e vivenciado de maneira subjetiva. Muitas pessoas tendem a buscar amparo nas religiões e crenças e assim fizeram os pais de Ben diante da possibilidade de finitude do filho.

 

Considerações finais

A estrutura do fenômeno reside no significado sobre o luto antecipatório para os pais de uma criança com doença crônica que se dá de diversas formas e de acordo com sua maneira de sentir, de vivenciar este luto e de experienciar a consciência de ser para morte. Estes diferentes significados se estabelecem devido ao quanto o ser no mundo tem de possibilidades de ser. O luto antecipatório proporciona uma melhor aceitação da finitude, possibilitando uma ressignificação de sentimentos e percepções acerca da finitude do humano.

A experiência de estudar o luto antecipatório revelou a dificuldade que os seres humanos têm de aceitar a morte e o quanto buscam respostas para ela. Assim, ao longo deste trabalho, articulou- -se a teoria com a ilustração das cenas do filme conduzidas pela pergunta norteadora: "O que significa o luto antecipatório para os pais de uma criança que vivência uma doença crônica no filme Em busca da luz?".

Foi possível identificar comportamentos diversos diante da morte, vinculados às suas histórias de vida, bem como a forma de compreender e elaborar o processo de morte. Percebeu-se que há variadas maneiras de enfrentamento do luto, que seguem desde a negação, culpa, angústia até a aceitação.

O luto antecipatório é um momento importante, pois prepara o paciente e sua família para desligar os laços que eles têm em vida e possibilita uma melhor elaboração do luto. Este é esforço que o indivíduo precisa fazer para aprender a viver com a realidade da perda para a morte. É o que possibilita ao familiar conviver com a falta que o paciente fará futuramente.

A reflexão final possibilitou verificar o quanto as categorias analíticas estão interligadas e, com isso, fizeram com que esta compreensão acontecesse de maneira dialogada, desvelando os sentidos que esses pais atribuíram para a vivência do luto antecipatório.

A análise das categorias permitiu afirmar o quanto o ser no mundo é um ser único, repleto de possibilidades subjetivas e de maneiras particulares de sentir, vivenciar e experienciar o fato do ser para morte.

A existência é determinada por possibilidades e a finitude é própria destas possibilidades existenciais. O homem é um ser de possibilidades realizadas dentro da temporalidade existencial, marcada pelo intervalo entre finito e infinito. Ao receber o diagnóstico do filho, os pais atribuíram significados individuais segundo seu tempo e modo de existir.

Diante da finitude do ser e da possibilidade da morte de um filho, os pais apresentam diferentes condutas na vivência do luto antecipatório, mesmo mergulhados numa intensa angústia que os mobiliza a vencer sua condição básica de ser finito, de ter de se defrontar com a morte de seus entes queridos e sua própria possibilidade de morte.

A situação do luto antecipatório, juntamente com estas diferentes condutas adotadas pelos pais, gera estresse e desavenças entre o casal. O rompimento das expectativas em relação ao filho, o sentimento de impotência diante de seu estado de saúde e as opiniões divergentes de como lidar com essa situação abalam a dinâmica familiar, sendo necessário uma ressignificação gradual do contexto geral da família.

Diante da angústia gerada pela vivência deste luto antecipatório do filho, os pais buscaram apoio religioso, o que proporcionou pensar na fundamental importância da religiosidade para o enfrentamento do luto. A religião pode ser colocada como um amparo, pois foi utilizada pelos pais de diferentes maneiras e momentos da vivência deste luto antecipatório.

Partindo dessas análises, em que os pais vivenciaram o luto antecipatório por um filho acometido por uma doença crônica, é possível desvelar algumas reflexões referentes à importância desse estágio para um melhor enfrentamento da morte e luto.

Com a análise do filme, pode-se observar que os pais resignificaram seus sentimentos e a vivência do luto antecipatório auxiliou no enfrentamento da finitude do filho. Estes pais estabeleceram uma relação entre existência e finitude e, assim, puderam olhar para seu mundo e para sua totalidade diante de uma atitude de compreensão, buscando apreender a realidade vivida com base na relação do ser com o mundo.

Este estudo revela o quanto é importante estudar e explorar a questão do luto em diversos contextos. Com isso, considera-se importante o aprofundamento de pesquisas qualitativas relacionadas a essa temática envolvendo outros membros, além dos pais e, até mesmo, aquele que passa por uma doença crônica e tem que elaborar o luto antecipatório da própria morte. Outro tema considerado significativo é o da vivência do luto pelos profissionais de saúde que lidam com isso diariamente no exercício da sua profissão, e o preparo que recebem para lidar com esta etapa da vida de seus pacientes.

 

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Recebido em: 22/08/2012
Aceito em: 12/122012