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versão impressa ISSN 1415-8809

Psicol inf. vol.16 no.16 São Paulo dez. 2012

 

COMUNICAÇÕES

 

O sentido da avaliação psicológica no contexto e para o contexto: uma questão de direito

 

The sense of psychological assessment in the context and for the context: a matter of right

 

 

Hilda Rosa Capelão Avoglia*

*Doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP. Mestre em Psicologia da Saúde pela Universidade Metodista de São Paulo. Especialização em Grupos Operativos pelo Instituto Pichon-Rivière de São Paulo. Docente de Avaliação Psicológica do Curso de Psicologia da Faculdade da Saúde e Membro da Cátedra Gestão de Cidades da Universidade Metodista de São Paulo. Pesquisadora na área de avaliação psicológica e desenvolvimento da criança, adolescente e família. (hilda.avoglia@metodista.br).

 

 


RESUMO

O presente artigo trata da história da avaliação psicológica vista no Brasil e no mundo, indicando que esta se confunde com a história dos testes psicológicos; observa uma evolução no percurso da avaliação em nosso país, consequentemente na atuação dos psicólogos. Defende o ponto de vista de que avaliar não se resume a aplicar testes, embora os testes padronizados e normatizados sejam muito bem usados na avaliação. Conhecer o que é o procedimento de avaliação certamente acrescenta à formação e à prática profissional, na medida em que traz mais discernimento a tal atividade e facilita, por conseguinte, uma compreensão diagnóstica mais integrada.

Palavras-chave: avaliação psicológica; psicodiagnóstico.
ABSTRACT

This study focuses on the history of psychological assessment in Brazil and the world, showing that it is intertwined with the history of psychological testing; it notes an evolution in the course of evaluation in Brazil, therefore in the role of psychologists. It advocates the view that evaluation is not just about applying tests, while standardized tests are well used in the assessment. Knowing the assessment procedure certainly adds to the training and the professional practice, insofar as it brings more insight to such activity and thus facilitates a more integrated diagnostic understanding.

Keywords: psychological assessment; psycho diagnosis.

 

 

A história da avaliação psicológica confunde-se com a história dos testes psicológicos. Cattell, em 1890, publicou um artigo no qual utilizou pela primeira vez na literatura psicológica o termo teste mental, referindo-se à descrição de uma série de testes que eram aplicados em estudantes universitários, na tentativa de determinar seu nível intelectual (ANASTASI; URBINA, 2000). O próprio Cattell reconheceu a necessidade de padronizar, controlar a qualidade e as restrições profissionais quanto à utilização e distribuição dos testes psicológicos.

Mais tarde, em 1921, Cattell organizou, em Nova York, a Psychological Corporation, pioneira na prática da avaliação psicológica pelo uso de testes, denominada de mental testing e, posteriormente, de psychological testing. A expressão psicodiagnóstico foi utilizada, pela primeira vez, por Rorschach, em 1927, com excelente aceitação (CASULLO, 1996).

Já o termo avaliação psicológica (psychological assessment) surgiu nos Estados Unidos em 1948, com a publicação da Oficina de Serviços Estratégicos do Exército. Casullo (1996) destaca que esse trabalho incorporou algo novo na tarefa de selecionar o pessoal qualificado para ações de alto risco, além de também se preocupar com o reconhecimento de potencialidades, capacidades e recursos desses sujeitos e, não apenas com a identificação de aspectos negativos, deficitários ou mesmo patológicos. Mesmo assim, é comum, atualmente, encontrarmos diversos questionamentos a respeito do fato de a avaliação psicológica fincar-se de modo contundente nas enfermidades e nas deficiências do indivíduo.

Um dos aspectos mais significativos para a configuração da área de avaliação psicológica, segundo a citada autora, foi a publicação de Cronbach e Gleser, intitulada Psychological tests and personnel decisions. A importância dessa obra residiu na definição da avaliação psicológica como uma atividade da psicologia aplicada, um processo de tomada de decisões e solução de problemas, tanto no plano pessoal como no socioinstitucional.

A associação entre psicologia e doença aponta para o estabelecimento da relação entre psicologia clínica e patologia. Nesse sentido, identificamos a visão médica norteando a ação dos psicólogos na prática clínica. O psicodiagnóstico e a psicoterapia, segundo Augras (1981), são as vertentes mais significativas na prática clínica da Psicologia e, apesar do prefixo psi, a autora questiona a referência médica e a inclinação para lidar com aspectos patológicos.

A aproximação a este modelo ocorria porque o psicólogo carecia de uma identidade capaz de situá-lo verdadeiramente em seu trabalho junto à saúde mental. O psicólogo adotou o modelo de trabalho do médico, atenuando essa ausência de identidade. Nesse contexto, os testes psicológicos eram aplicados como se fossem a própria finalidade do psicodiagnóstico.

Segundo Ocampo e Arzeno (19851), essa fase representou um empobrecimento para a Psicologia, uma imposição externa, pois, ao mesmo tempo em que garantia uma definição sobre sua atuação, não questionava sua identidade própria, experimentando assim uma pseudoidentidade, negando suas diferenças e distanciando-se de vivenciar o interjogo relacional na interação com seu paciente. Como argumentam os referidos autores, os testes psicológicos podem servir como um escudo que separa o profissional do paciente e, desse modo, o protegem da possível mobilização de sentimentos e afetos.

Estas considerações indicam a necessidade de se discutir o que é avaliar. Sempre que somos solicitados a emitir um parecer ou uma apreciação sobre um determinado fenômeno, estamos realizando um diagnóstico. Se esse fenômeno relacionar-se a um desajuste emocional, um sofrimento psíquico ou uma inadequação social, esse diagnóstico será uma avaliação psicológica. Ressaltamos que, para fazer essa apreciação, o profissional, no caso, fará uso dos recursos e instrumentos dos quais dispõe. Para tanto, estará implicada sua ideologia, seu conhecimento dos instrumentos, suas habilidades específicas, sua formação acadêmica e, acima de tudo, sua responsabilidade ética e social.

Trata-se de um saber científico, diferenciado do senso comum, fundamentado teórica e metodologicamente, capaz de descrever, explicar e antecipar a compreensão do comportamento humano, objeto da Psicologia como ciência (GOUVEIA et al., 2001).

A avaliação psicológica, como explica Casullo (1996), é um processo que, mediante um determinado enfoque teórico, explícito ou implícito, procura analisar um fenômeno real ou simbólico em seus aspectos manifestos e/ou latentes. Toda avaliação tem como finalidade categorizar, comparar, analisar ou contrastar dados quantitativos ou qualitativos, obtidos por meio de diversas técnicas.

Ocampo e Arzeno (1981), ao definirem psicodiagnóstico, enfatizam a necessidade de esclarecer a dinâmica do caso, integrando-o em um quadro global, além de simplesmente mencionar seus elementos constitutivos. Afirmam tratar-se de uma prática na qual os papéis do psicólogo e do paciente estão bem estabelecidos por meio de um contrato que envolve, de um lado, a solicitação de ajuda e, do outro, o compromisso diante dessa solicitação. Para os referidos autores, o objetivo do diagnóstico psicológico é "conseguir uma descrição e compreensão, o mais profundo e completo possível, da personalidade total do paciente ou do grupo familiar" (p. 17).

A avaliação psicológica deve ocupar-se em explicar o que acontece com um determinado paciente. Como adverte Arzeno (1995), explicar não pode restringir-se a colocar nomes e nomenclaturas na sintomatologia do paciente. Observamos, nesta afirmativa, uma preocupação similar à apresentada por Grassano (1996), ao conceber a investigação diagnóstica e prognóstica como um processo dinâmico, capaz de fornecer informações sobre a evolução do tratamento, ou mesmo para se verificar os avanços terapêuticos.

Além destes aspectos, o diagnóstico psicológico pode constituir- -se em um favorecedor da comunicação entre o psicólogo e o paciente, facilitando para que este último adquira consciência de seu sofrimento e, consequentemente, assuma uma atitude de cooperação para com seu próprio processo terapêutico (GRASSANO, 1996), transpondo, desse modo, o modelo médico, voltado para a identificação da patologia, atribuindo rótulos para explicar determinados transtornos e incapacidades.

Para Cunha (2000), é um processo científico, parte de um prévio levantamento de hipóteses que serão, ou não, confirmadas por meio de etapas predeterminadas e objetivas. Tais etapas compreendem a aplicação de testes e de técnicas psicológicas visando à identificação e avaliação de aspectos específicos, a classificação e possível previsão sobre o caso.

O modo como essas etapas se processam depende do grau de complexidade da demanda, explica Grassano (1996), ou seja, descrever o caso, classificar o nível intelectual, diferenciar patologias, compreender o funcionamento da personalidade de forma global, integrar a dinâmica a partir dos dados obtidos nos testes e nos procedimentos clínicos, podendo ser uma tarefa preventiva, uma vez que identifica precocemente riscos, forças e fraquezas do ego e a capacidade de enfrentar situações.

Ainda sobre a definição de psicodiagnóstico, Trinca (1984) destaca que a avaliação deve abarcar a multiplicidade de fatores que envolvem cada caso, encontrar o sentido das informações disponíveis, identificar aspectos relevantes da personalidade, conhecer com profundidade a vida emocional do paciente.

De modo geral, conforme estes tão diversos e reconhecidos autores e estudiosos da Psicologia e da Psicanálise, a avaliação psicológica leva em consideração a visão global do indivíduo, a integração de informações obtidas por meio dos testes ou dos procedimentos clínicos, das entrevistas, o compromisso do profissional, a atenção para aspectos saudáveis do paciente, entre outros. Diante disso, parece pertinente indagarmos sobre o que afasta os psicólogos dessa prática integrada e contextualizada, e quais elementos merecem ser considerados nesta discussão.

Em outras palavras, cabe apontarmos o que nos distancia de um processo de avaliação pautado por uma conduta ética, socialmente responsável e cidadã que assegure os direitos daquele que faz uso deste tipo de serviço.

Um dos aspectos que merecem atenção diz respeito à necessidade de maior articulação do contexto social com a compreensão diagnóstica. Em muitos casos, o que testemunhamos é a avaliação psicológica iniciando-se a partir da queixa própria, ou trazida pelos pais ou responsáveis e, a partir desse momento, o foco recai sobre o indivíduo que precisa da avaliação e que será, posteriormente, submetido a entrevistas e testes, sob o risco de ser responsabilizado pelo sofrimento que enfrenta.

O contexto social e o espaço circulante desse indivíduo parecem ser deixados de lado como elementos significativos para compreensão do caso. O contexto precisa ser considerado, pois se constitui em um espaço mediador. Este espaço representa o lugar no qual o indivíduo vive e interatua, onde representa papéis, sofre pressões, algumas manifestas e outras latentes, se vincula e se transforma. Desconsiderar o contexto é desconectar o indivíduo da trama vincular que o envolve. O que o indivíduo espera receber do contexto, o que realmente recebe, e como, e o que faz com o que recebe? (AVOGLIA, 2006).

Em que medida a ação do psicólogo na avaliação estaria circunscrita apenas ao indivíduo sujeito do processo? Partimos da premissa de que a constituição do psiquismo é também influenciada pelos espaços nos quais o indivíduo circula, tal como argumenta Avoglia (2006). A prática da avaliação centra-se no indivíduo e sobre ele incide a aplicação de técnicas e procedimentos. A avaliação, neste caso, é realizada exclusivamente com o sujeito, que é tido como cliente, e sobre ele recai a queixa inicial.

Esta situação indica a necessidade de que a avaliação psicológica seja atravessada pelo contexto social. Apesar dessa reconhecida constatação, verificamos que, muitas vezes, o fazer na avaliação psicológica parece não contemplá-la.

Considerando que a Psicologia configura-se como uma ciência e também como profissão, ao discutirmos a avaliação psicológica estaremos discutindo, de certa forma, a intersecção entre essas duas dimensões que consolidam a Psicologia que temos hoje.

Na dimensão da profissão, assistimos a notáveis avanços na ampliação de nossos espaços de trabalho: há psicólogos nos CRAS – Centro de Referência de Assistência Social, na saúde pública, nos empreendimentos imobiliários, nas emergências e desastres sociais, nas finanças, buscando compreender como o indivíduo maneja seu próprio dinheiro e equilibra suas contas pessoais. O campo de atuação se amplia e revigora, e, por que não dizer, de modo inteligente e pertinente.

Na dimensão da ciência, vemos que a Psicologia é uma das ciências que mais produzem conhecimento, observando pela ótica do número de publicações lançadas anualmente em revistas científicas qualificadas. Logo, se novos conhecimentos são divulgados é porque novos conhecimentos são produzidos, atribuindo cada vez mais rigor ao olhar diante de nosso objeto estudado (REPPOLD, 2011).

Portanto, quando se trata de avaliação psicológica, tanto é possível adentrar no debate pela porta da prática da atuação profissional quanto pela porta da ciência. É uma área na qual seria complicado, para o profissional, atuando em qualquer campo, utilizar um determinado instrumento sem saber identificar se este instrumento é, ou não, cientificamente adequado para ser utilizado. Trabalhar com avaliação psicológica implica, necessariamente, conhecer critérios de cientificidade que, na realidade, significam marcos na definição da qualidade de um determinado instrumento técnico, na compatibilidade com a demanda na qual se pretende utilizá-lo.

Não significa que, caso o psicólogo decida utilizar um instrumento psicológico, deva conhecer procedimentos para validação ou precisão desse determinado teste, pois isso implicaria uma tarefa bastante complexa para a qual se exige um pesquisador com habilidades específicas. Mas destaco que, caso o psicólogo vá fazer uso de um determinado teste, deve, minimamente, ler o manual, saber identificar se as informações sobre validade, precisão, padronização e normas são pertinentes ao contexto ou à população na qual ele pretende aplicá-lo.

Portanto, no caso da avaliação psicológica, não há como desvincular a ciência da profissão. Não é possível desconhecer os critérios de cientificidade quando se pretende fazer uso das técnicas, muito menos desconsiderar esses critérios quando se atua em um determinado contexto no qual o uso de um instrumento, seja ele qual for, se faça necessário.

Neste sentido, é possível observar uma evolução no percurso da avaliação psicológica em nosso país, consequentemente, na atuação dos psicólogos. Tal evolução pode ser compreendida, não apenas no âmbito da atuação como profissão, mas também no campo da ciência, pois muito se fez, e continuamos a fazer, pela ciência psicológica no Brasil após a Resolução de 2003, que aponta para a importância da sustentação teórica e empírica que fundamenta os instrumentos usados na avaliação psicológica.

Neste prisma, adentramos na questão da avaliação psicológica e direitos humanos. Embora a associação entre estes temas não nos pareça comum, o ano de 2011/2012 foi designado pelo Sistema de Conselhos, integrado pelo Conselho Federal de Psicologia e pelos Conselhos Regionais, como o Ano da Avaliação Psicológica, buscando a reflexão sobre este foco. Como objetivos, foram pautados: o mapeamento das necessidades para qualificação na área e a adequação das ferramentas aos parâmetros éticos da profissão e aos contextos de uso.

Visando ao encaminhamento de um debate de âmbito nacional, o referido Conselho definiu três eixos temáticos, sendo estes ligados aos critérios de reconhecimento e validação da avaliação psicológica a partir dos direitos humanos, ao processo de avaliação e à relação com o contexto de formação.

A formação do profissional na área de avaliação prevê que, para um psicólogo utilizar adequadamente um teste, deve valer- -se das referências apresentadas em seu manual. Para tanto, faz-se necessário que os manuais apresentem claramente o contexto e os propósitos nos quais o referido teste foi elaborado. Caso isso não esteja explícito no manual, não há impedimento em seu uso, contudo o profissional deve se valer da literatura pertinente para sustentar as implicações do resultado do teste na conclusão do caso.

O fato de um teste estar aprovado, ou seja, favorável pelo Sistema de Avaliação dos Testes Psicológicos (Satepsi) não garante a eficiência de seu uso. Dependemos aqui da competência do profissional, que pode, neste caso, como argumenta Primi (2011), contribuir ainda mais com a discriminação e a desigualdade social pelo uso inadequado.

Avaliar não se resume a aplicar testes, embora os testes padronizados e normatizados sejam usados na avaliação. Assim como, igualmente, são utilizados procedimentos clínicos ou estratégias complementares não padronizados e sem normatizações, portanto, dependentes da experiência profissional. Conhecer o que é o procedimento de avaliação certamente acrescentaria à formação e, consequentemente, à prática profissional maior consciência dessa atividade e facilitaria uma compreensão diagnóstica mais integrada.

Entretanto, ensinar o teste sem a devida articulação com o processo de avaliação nos permite indagar sobre como assegurar minimamente que esse futuro profissional se aproprie dessa visão global inerente ao processo diagnóstico; como nos certificar de que não estamos formando apenas um "testólogo" – expressão apresentada por Ocampo e, Arzeno e Piccolo. (19851) e Cunha (2000). Reforçando essa questão, Trinca (1984) observa que o psicólogo não é simplesmente um aplicador e avaliador de testes que trabalha para auxiliar outros profissionais.

Pervin (1978) ressalta a importância de se entender, não apenas as teorias e as técnicas, mas também a relação entre as duas, e discute que uma determinada abordagem psicológica deve ter íntima relação com os meios que utiliza para obter informações. Caso isso não ocorra, os dados obtidos tornam-se irrelevantes e sem significado.

Contudo, a formação do profissional pressupõe uma análise sobre quem ensina avaliação psicológica nos cursos de graduação em Psicologia em nosso país. Segundo Alchiere e Cruz (2003), o aumento no número de cursos levou à contratação de docentes sem experiência com os instrumentos e que, nem sempre, atendiam às qualificações necessárias para o ensino de avaliação psicológica.

Outro ponto a ser debatido refere-se à etapa devolutiva realizada diante das conclusões diagnósticas, comumente, ao final do processo. As devolutivas, indissociáveis da avaliação, muitas vezes, mais impossibilitam do que potencializam o indivíduo. Os resultados da avaliação deveriam levar o indivíduo a apropriar-se de sua trajetória e conectar-se à sua perspectiva de futuro. Ao avaliar, devemos considerar os recursos que uma determinada comunidade tem, visando facilitar o desenvolvimento e a saúde desse indivíduo que convive nesse contexto.

Ao destacarmos o contexto de inserção do indivíduo na avaliação psicológica, pensamos no que poderia ser feito para potencializar, ainda mais, o que a escola, por exemplo, pode fazer diante da criança com dificuldades, ou quais estratégias a organização pode adotar diante do funcionário que não cumpre com as demandas de trabalho ou, ainda, quais medidas a justiça pode adotar diante de um agressor etc.

A devolutiva certamente terá implicações na trajetória de vida do indivíduo, portanto, deve garantir-lhe o direito de conhecer seus resultados de forma completa. Afinal, para que avaliamos? O que vamos fazer com os resultados obtidos por uma pessoa na avaliação psicológica é uma questão de direito. A avaliação psicológica, como afirma Reppold (2011), "é um recurso promotor da atenção aos Direitos Humanos, uma vez que, pelo caráter preditivo das avaliações, viabiliza que os indivíduos que apresentam demanda sejam encaminhados a tratamento condizente com seu quadro. Em acréscimo, ajuda que eles sejam submetidos a tratamentos inócuos" (p. 26).

A avaliação apenas tem sentido no contexto de uma prática psicológica, como afirmam Vaisberg e Machado (2000), ressaltando a existência de um vínculo essencial entre o tipo de discriminação diagnóstica apreendida e o tipo de operação interventiva que se pretenda aplicar à situação.

Avaliar só faz sentido se desencadear transformações e mudanças, assim como preconizam os direitos humanos (DELL'OLIO; GUADAGNINO, 2008). A avaliação psicológica busca garantir a autonomia dos homens por meio do conhecimento sobre si mesmo e pode possibilitar que o indivíduo seja empoderado de sua própria história de vida, e não, simplesmente, impossibilitado de seguir vivendo, reduzido a uma patologia ou a uma incapacidade.

A validade da avaliação presume, além da observação das exigências éticas, a qualidade técnica, a coerência teórica e metodológica. Da mesma forma, o psicólogo, ao obter dados sobre a vida do indivíduo, passa a ter uma responsabilidade social diante dessas informações, pois elas podem subsidiar decisões e ações sobre a vida da pessoa, como discute Anache (2011).

Assim, entendo a importância de investimentos em estudos sobre adaptação, validação de técnicas que contribuam com o foco da saúde, e não apenas da doença, para diminuir a desigualdade social, compreender os problemas humanos para além de classificá-los como doentes ou desprovidos de capacidades, mas como cidadãos.

 

Referências

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Contato dos Autores:
Hilda R. C. Avoglia – hilda.avoglia@metodista.br
Universidade Metodista de São Paulo
Rua Dom Jaime de Barros Câmara, 1000
Cep: 09895-400 Jardim Planalto
São Bernardo do Campo, SP

 

Recebido em: 10-09-2012
Aceito em: 23-11-2012