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versão impressa ISSN 1415-8809

Psicol inf. vol.16 no.16 São Paulo dez. 2012

 

COMUNICAÇÕES

 

Os atendimentos em delegacias da mulher e as técnicas de intervenção utilizadas com crianças e adultos

 

Psychological care in all-women police stations and the intervention techniques used with children and adults

 

 

Marília M. Vizzotto Maria Geralda V. Heleno Tania Elena Bonfim Gleise Sales Arias*

*Docentes e supervisoras de estágios do Curso de Psicologia da Universidade Metodista de São Paulo – mariliamartinsvizzotto@gmail.com; maria.heleno@metodista.br; tânia.bonfim@metodista.br; gleisepsico@hotmail.com.

 

 


RESUMO

Com a preocupação de identificar e compreender o fenômeno da violência doméstica, assim como de atender pessoas vítimas dela, temos realizado atendimentos imediatos (plantões) nas dependências das delegacias da mulher. Essa prática utiliza-se da entrevista clínica psicodiagnóstica com adultos, em especial com mulheres em situação de violência. Com as crianças, as entrevistas são incrementadas com os desenhos livres ou "desenhos-estória". O presente texto discute a escuta e a intervenção imediata no sentido de mobilizar o sujeito para a busca de uma atenção psicológica prolongada – psicoterapia.

Palavras-chave: violência doméstica; técnicas atendimento psicológico; plantão psicológico.


ABSTRACT

Aiming at identifying and understanding the phenomenon of domestic violence, as well as caring for the victims, we have offered psychological on duty care in the premises of all-women police stations. This practice makes use of Psycho-diagnostic interviews with adults, especially women in situations of violence, whereas with the children the interview is followed by free drawings and "story drawings". This paper discusses the "psychological listening" and the immediate intervention in order to encourage the subject to search for long-term psychological care – Psychotherapy.

Keywords: domestic violence; psychological techniques; psychological on duty care.


 

 

Introdução

Tem-se tornado relevante identificar e compreender melhor o fenômeno da violência doméstica no Brasil, fenômeno que atinge principalmente crianças, adolescentes, além de se revelar entre casais e nas famílias. Diante de dados (KRONBAUER; MENEGHEL, 2005; SCHRAIBER et al., 2002) que mostram a prevalência e incidência na população, este tem sido considerado um problema de saúde pública. Assim, com o intuito de compreender melhor a violência, bem como de atender estas pessoas, instituímos plantões (atendimentos imediatos) nas dependências das delegacias especiais – Delegacias da Mulher e Delegacias do Idoso – e também nas chamadas Delegacias Participativas, antes de sua extinção.

Esta prática, realizada por alunos do 5º ano do curso de Psicologia, inserida na modalidade de estágio "Psicologia comunitária e da saúde", figura entre as várias oportunidades de o discente observar e intervir1, na medida em que oferece um serviço em forma de plantão em dada delegacia e atende à clientela emergente. E aqui lembramos o que Jose Bleger já salientara no final da década de 1960 (BLEGER, 1980), de que é evidente que nós, humanos, aprendemos a manejar objetos e técnicas, bem como fatos da natureza, mas ainda não sabemos o suficiente para orientar a vida e as relações dos seres humanos. E é nessa chamada que o autor entende que a psicologia passou a ser uma necessidade, e não "um conhecimento de luxo" (p. 15). E continua esse autor a expor que não se trata de entender que tudo depende da psicologia, mas que ela pode nos auxiliar a entender e melhorar a vida dos seres humanos. É por isso que a psicologia deve inserir-se na realidade social, já que "a dimensão psicológica se faz presente em tudo, posto que em tudo o ser humano intervém" (p. 16).

É nessa posição blegeriana que entendemos a função social do psicólogo, ou seja, um clínico que sai para observar, compreender e intervir no âmbito da comunidade, da instituição e do grupo, buscando, assim, entender as situações de conflito, as tensões presentes nestas instâncias e encontrar meios de salvaguardar o equilíbrio adaptativo eficaz – usando aqui das concepções de adaptação apregoadas por Simon (1989, ).

É com esse intento que nos fazemos presentes em instituições que recebem queixas variadas e que implicam sofrimento psíquico.

Nessa oportunidade, é oferecido a essa clientela um suporte psicológico imediato, procurando encaminhar o caso para a psicoterapia ou para outras formas de tratamento, em diferentes instituições que o possam abarcar. Essa prática utiliza-se, sobretudo, da entrevista clínica psicodiagnóstica com os adultos, entre eles as mulheres em situação de violência. Com as crianças, as entrevistas são incrementadas com os "desenhos-estória" (TRINCA, 1997), que têm se apresentado muito eficientes. A partir do conteúdo trazido pelos sujeitos durante a sessão, realiza-se uma análise imediata. A duração é de uma a duas horas, aproximadamente, havendo possibilidade de a pessoa retornar outras vezes. As hipóteses clínicas são levantadas a partir do conteúdo trazido e auxiliam no tipo de encaminhamento de cada caso.

 

O valor da entrevista clínica nos plantões

A psicologia, a psiquiatria e a psicologia comunitária institucional privilegiam a prática da entrevista por vários fatores que têm contribuído para a compreensão clínica – no diagnóstico e compreensão da dinâmica do caso. Entre os vários fatores, vale a pena assinalar a multiplicidade de variáveis etiopatogênicas em jogo (ALARCÓN, 1986) e a singularidade da relação terapeuta-paciente. O modelo de entrevista psicodinâmica valoriza o campo analítico (BARANGER, BARANGER, 1969; BLEGER, 1980; BONFIM, 1998) e as relações que se estabelecem entre terapeuta e paciente e, em cuja base erguem-se as projeções. Assim, a estratégia de atenção aos fatores subjetivos enfatiza a aproximação afetiva que representa a base da relação terapeuta-paciente e essa estratégia é válida tanto para os adultos quanto para as crianças, que, fragilizadas que estão pela violência sofrida, necessitam de aproximação, compreensão e afeto.

 

Entrevista e análise do conflito durante o atendimento

A hipótese que tem sido frequentemente apontada (nos casos de mulheres em situação de violência) é de que, ainda que possamos considerar a influência dos aspectos sociais e culturais que as circundam, os aspectos subjetivos são aqueles que devemos entender melhor. Com isso, observamos que a crise provocada pela agressão intensifica as angústias e a ambivalência (amor/ódio) pelo esposo, pois ambas ocorrem simultaneamente como processos regressivos. A aparente estabilidade conjugal tem-se configurado como uma repetição de atos de violência doméstica (SCHRAIBER et al., 2002). Esses atos de repetição também têm indicado uma acomodação ou, como preconiza Simon (1998), uma adaptação ineficaz severa, ou ainda, como aponta Kernberg (1995), uma psicopatologia das relações amorosas em que o sistema de parceria produz uma estabilidade aparente, mas que se equilibra na relação sadomasoquista.

Os homens, em geral agressores, revelam que a violência constitui uma resposta ante o temor de seus próprios impulsos agressivos. Estes indivíduos têm, geralmente, uma história de pobre controle impulsivo, assim como agressividade na família e privação afetiva.

As dificuldades de estabelecer relações vinculares totais (conforme base da teoria kleiniana) na situação triangular revelam, também, a dificuldade de percepção de um par unido satisfatoriamente e um terceiro, excluído sem consequências catastróficas. As privações vinculares reais dessas pessoas, em que a figura paterna é praticamente ausente da vivência infantil (ABERASTURY; SALAS, 1978) e a mãe possui a exclusividade das relações, contrapõem-se ao desejo infantil de um casal parental como modelo de identificação primária integradora (KNOBEL, 1986).

 

O manejo da entrevista

Na oportunidade da entrevista, faz-se indispensável, como primeiro passo, a utilização da escuta psicológica (BLEGER, 1980) para que o paciente se tranquilize, principalmente nos casos das mulheres e das crianças em situação de violência. A atenção primeira deve estar dirigida a estas pessoas, devendo-se assegurar um ambiente tranquilo, ainda que o atendimento ocorra nas instalações das delegacias.

A entrevista com a criança é bem mais complexa, pois envolve a família ou responsáveis, além de geralmente ela aparecer nas delegacias com histórias de abuso ou espancamentos não recentes. Há sempre uma sucessão de episódios até que as denúncias cheguem às autoridades. Soma-se o fato de que o agressor sempre faz parte da vida cotidiana da criança, seja vizinho, aparentado, amigo da família ou os próprios pais. Assim, deve-se ouvir a criança, respeitando-se o que ela quer dizer; nunca se deve perguntar sobre a violência sofrida de imediato, apenas se a criança desejar verbalizar. Por isso, utilizamos os desenhos – desenhos livres e os "desenhos-estória" –, que são técnicas projetivas (TRINCA, 1997) que facilitam a aproximação com a criança e oferecem indicativos diagnósticos. Em geral, o responsável é ouvido primeiro e, em seguida, a criança sozinha (caso ela se mostre segura com o entrevistador); nunca se deve ouvir o adulto na presença da criança, já que o relato do adulto pode fazê-la retomar a situação angustiante pela qual passou, além de aludir a mais fantasias, fazendo-a confundir, cada vez mais, fantasia com realidade.

Na entrevista com a mulher deve-se acalmá-las, mas sempre mantendo um confronto amável com a realidade. Nunca se deve fazer perguntas que aumentem a angústia ou a raiva, mas, sim, manifestar interesse em ajudá-las. O paciente deve ser escutado de forma imparcial e o terapeuta de plantão deve propiciar o estabelecimento de uma relação de apoio; não se critica ou rechaça mesmo tendo em conta que, no caso das mulheres, por exemplo, existe uma relação sadomasoquista com seu companheiro.

Na entrevista com o agressor deve-se recordar que o paciente violento utiliza a hostilidade e a agressão verbal e física como mecanismo defensivo ante sua secreta debilidade. Também na entrevista com o agressor, o entrevistador não deve fazer perguntas que aumentem a raiva ou a angústia, mas, sim, tranquilizá-lo. Se o paciente for capaz de expressar e falar de seu ódio, é muito bom apoiá-lo, assegurando, assim, que o entrevistador esteja no controle da situação (CLIMENT, 1986) e não permita que o sujeito atue com agressividade. Isso tranquilizará a pessoa e possibilitará a emergência e expressão das partes sãs de sua personalidade.

Na sequência, deve-se ter em conta que, por tratar-se de pacientes resistentes e de "difícil acesso", a possibilidade de aceitar encaminhamento e permanecer em tratamento é mínima, pois eles sempre encontram razões para não fazê-lo. Assim, se essas condições forem dadas, será possível iniciar uma relação positiva e que permita a verbalização de sentimentos.

Depois da escuta e análise dos conflitos, a intervenção caminha no sentido de mobilizar o sujeito para a busca de uma atenção psicológica mais prolongada – a psicoterapia. Nessa mobilização, é necessário mostrar ao sujeito sua hostilidade e os mecanismos de projeção presentes e, nesse sentido, pode ocorrer que esse sujeito tenha de voltar mais vezes ao plantão e ser ouvido novamente pelo psicólogo. Assim feito, encaminha-se o caso para a clínica ou ambulatório mais próximo e que tenha possibilidades de atendê-lo de imediato.

Compreendemos que a criação de salas de psicologia nas delegacias especiais, assim como o amadurecimento das técnicas, constitui um dos aportes mais significativos do sistema e permite o desenvolvimento da atenção nas crises, ajudando as ações preventivo-curativas a grupos desatendidos. Acreditamos, porém, que ainda temos de caminhar muito em investigações que avaliem esse procedimento a fim de verificarmos sua eficácia.

 

Referências

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Contato dos Autores:
Marília Martins Vizzotto – mariliamartinsvizzotto@gmail.com Maria Geralda Viana Heleno – Maria.heleno@metodista.br

Tânia Elena Bonfim – tania.bonfim@metodista.br

Gleise S. Arias - gleisepsico@hotmail.com
Universidade Metodista de São Paulo
Mestrado em Psicologia da Saúde
Rua Dom Jaime de Barros Câmara, 1000
Cep: 09895-400 São Bernardo do Campo, SP

 

1Esta modalidade de estágio obrigatório no Curso de Psicologia da Universidade Metodista abre um leque de possibilidades de atuação no que consideramos Psicologia Clínica, que se dispõe a sair do consultório e atender a um maior número de pessoas da comunidade. Entre essas possibilidades, incluem-se as intervenções em abrigos, hospitais, ambulatórios, entre outras instituições e comunidades.