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Revista da SBPH

versión impresa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH v.7 n.2 Rio de Janeiro dic. 2004

 

ARTIGOS

 

O uso do teste de apercepção temática na análise da depressão no contexto da adolescência

 

 

Kátia Cristine Cavalcante MonteiroI; Ana Maria Vieira LageII

Universidade Federal do Ceará

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho visou realizar uma investigação acerca da depressão no contexto da adolescência, para tanto participaram desta pesquisa quatro adolescentes –dois do sexo feminino e dois do sexo masculino-, encaminhados dos ambulatórios de especialidades médicas do Hospital das Clinicas da Universidade Federal do Ceará para o ambulatório especializado de psicologia da mesma Instituição, no período de julho de 2004. Adotou-se como referencial teórico-metodológico a pesquisa qualitativa, ancorada nos pressupostos teóricos da psicanálise, pois, o que interessou na compreensão do conceito de depressão na adolescência, foi identificá-la como luto pela perda do corpo infantil, dos pais idealizados da infância e, da identidade e dos papéis infantis, onde as elaborações concernentes a tais perdas aí estão colocadas. A coleta das informações deu-se pela aplicação reduzida das lâminas do Teste de Apercepção Temática (T.A.T.) nos referidos adolescentes, através dos mecanismos de deslocamento presentes na projeção, onde os conflitos referentes à perda da estrutura infantil foram expressos. A análise de conteúdo do material empírico evidenciou, que as três dimensões –as forças dramáticas dos conflitos, o desfecho conferido aos conflitos experimentados pelo protagonista e a relação entre o tema proposto pelos adolescentes e os temas predominantes de cada lâmina- extraídas do relato das história contadas pelos adolescentes a partir da apresentação das lâminas, puderam ser correlacionadas com as vivências do triplo processo de luto característico da passagem pela adolescência.

Palavras-chaves: Adolescência, Depressão, Teste de apercepção temática.


ABSTRACT

The present work analyzes depression during the adolescence, including four individuals, two male and two female, with ages between 13 and 18 years and who were attended at the Hospital Universitario Walter Cantidio in July, 2004. We used quality research as a reference theoretical methodology grounded in psychoanalytic theory. The comprehension of depression in adolescence was centered in the analysis of mourning regarding childhood body loss, idealized parents and childhood identity. Information gathering was based on the application of the Thematic Apperception Test. We observed that conflict thrusts, story outcomes, and the relationship between story themes and picture cards, extracted from adolescents stories utilizing picture cards, were correlated with the process of mourning inherent to the adolescence process.

Keywords: Depression, Adolescence, Projective Techniques, Psychopathology.


 

 

Sentados ali, desanimados, viram pela primeira vez como a mobília era gasta e sombria; sedentos, sorveram os ares estragados, azedos [...] O tédio tinha se transformado numa angústia hesitante. O que seria se tudo o que só conheciam de fora fosse assim no futuro? Se tudo que era secreto e desconhecido se aproximasse e eles pudessem, livres, conhecer o mundo, os segredos por cuja posse os adultos lutavam, o dinheiro, a liberdade, as mulheres, e tudo se revelasse inteiramente diferente e muito mais desinteressante do que acreditaram? (Sándor Márai, Rebeldes, 1948/2004, p.111).

 

INTRODUÇÃO

Não é preciso enveredar pelos caminhos investigativos da pesquisa acadêmica para se escutar comentários que apontam modificações no comportamento dos jovens. Tais comentários referem, por exemplo, a rebeldia e o desinteresse pelos estudos; descrições que se aproximam cada vez mais dos sinais que indicam a chegada da adolescência. O jovem também costuma se descrever como um estranho em seu próprio corpo (FERNANDES, 1996); muito embora as transformações físicas e as psicológicas, bem como, as expectativas sociais nem sempre ocorram paralelamente.

O Serviço de Psicologia para adolescentes do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Ceará é responsável pelo atendimento psicológico de jovens que são encaminhados pelos ambulatórios de especialidades médicas da mesma Instituição. Nesta condição, em levantamento realizado por Monteiro et al (2001), em 99 jovens com idade entre os 13 e 18 anos, encaminhados e acompanhados no referido Serviço, observou-se a queixa médica de sintomas crônicos ou recorrentes de dor, não associados a uma história clínica significativa de exames físicos ou exames laboratoriais alterados, sugerindo a predominância de aspectos psicogênicos nesses sintomas. Segundo Colli (1994), as ocorrências de sintomas crônicos ou recorrentes de dor podem evidenciar uma dificuldade provocada por situações estressantes típicas da adolescência.

Por se tratar de um Hospital Geral é natural que os encaminhamentos sejam oriundos dos serviços médicos. Por este motivo é importante que exista espaço, dentro da Instituição, para outras questões, além da saúde física, tais como os problemas de comportamento ou outros sintomas físicos sem origem orgânica. Embora alguns adolescentes sejam portadores de patologias também é comum que alguns comportamentos considerados problemáticos, como atitudes anti-sociais, dificuldades na escola, uso e abuso de álcool e drogas, sejam relacionados e constituam o rol de queixas que motivam a ida ao hospital (SCHOEN-FERREIRA et al, 2002). Contudo, os comportamentos assim descritos também podem ser listados pela psiquiatria como sintomas depressivos presentes na adolescência (BAHLS, 2002).

Aproveitando o campo de investigação que o Hospital oferece, o presente trabalho propôs-se a investigar a depressão nos adolescentes assistidos no ambulatório especializado de psicologia. Onde, a concepção de Fedida (2000; 2002) acerca da depressão foi redimensionada com a visão psicanalítica de Aberastury et al (1981) acerca dos lutos pela perda da estrutura infantil, considerando-se as duas abordagens como complementares e passíveis de fundamentar teoricamente a interpretação assumida frente às informações colhidas através da aplicação reduzida do Teste de Apercepção Temática (TAT).

O TAT (MURRAY, 1967) foi o teste escolhido para suscitar a fala do adolescente, pois, seu uso nas investigações psicológicas, tanto na psicopatologia como no estudo dos sintomas, propõe um princípio de transcrição, extraindo das histórias elaboradas, as analogias possíveis com a história da vida e com os problemas do sujeito.

Considerando que Freud (1905/1972; 1915/1974) não concebeu nenhuma teoria sobre a temática da depressão, tal como enfatizou que os processos psíquicos presentes na puberdade são determinados a partir de manifestações sexuais da infância. Foi necessária, neste artigo, a articulação com a visão psicanalítica de Fédida (2002) que, a partir do artigo Luto e melancolia (FREUD, 1915/1974), considera depressão e luto termos equivalentes.

 

DEPRESSÃO E LUTO NA ADOLESCÊNCIA

A adolescência, geralmente, é considerada um momento de profundas transformações, desde a relação do jovem com seu corpo até seu reconhecimento como membro de um corpo social. A psicanálise, assim, aborda o sujeito adolescente considerando também seus processos de luto, dos quais três podem ser distinguidos: dos pais idealizados, da infância e do corpo infantil (KNOBEL, 1978; ABERASTURY et al, 1981); que se articulam entre si promovendo no jovem, a dolorosa tarefa de desligar-se dos pais (FREUD, 1905/1972), de posicionar-se na partilha dos sexos e, conseqüentemente, de realizar suas escolhas (RASSIAL, 1997; ALBERTI, 2004).

A estranheza que a puberdade lhe evidencia, coloca o jovem diante de um novo contexto que ele ainda não compreendeu totalmente, mas, com certeza, lhe imputa a perda da condição infantil em paralelo à perda da encantadora fantasia da onipotência parental. Todavia, mesmo com todo o impacto dessa perda, vale ressaltar que, desde os meses iniciais de vida a criança já vai vivenciando a ausência da mãe, percebendo que esta não é onipresente. Tais ausências podem ser vividas como pequenas mortes, inaugurando uma das representações mais fortes do desenvolvimento humano que é a morte como ausência, perda, separação, e a conseqüente vivência de aniquilação e desamparo (KOVÁCS, 1992, p. 3).

A separação da autoridade dos pais se organiza enquanto uma perda que exige uma elaboração por parte do sujeito, pois antes aos pais da infância era atribuída uma posição idealizada, que o adolescente, ao longo de sua jornada, necessita abrir mão. Paradoxalmente, é esta percepção vacilante dos referênciais identificatórios que permite ao adolescente criar uma direção para si mesmo e investir em suas próprias escolhas. Esta ‘decepção’ com os pais idealizados da infância vem juntar-se aos lutos pelo papel e pela identidade infantis cujo exercício implica em alguns privilégios para a criança e, certamente, sua perda, num certo temor com relação às responsabilidades do mundo adulto. Ao mesmo tempo, a percepção do adolescente lhe informa sobre a sua crescente semelhança física com os adultos, transformação esta que vai acontecendo a sua revelia, de forma rápida e inevitável, promovendo um outro luto, o luto pelo corpo infantil perdido (ABERASTURY, 1981).

Freud (1915/1974), no seu texto Luto e melancolia, já associava o estado e o humor depressivos às questões relacionadas à morte, às separações e ao luto, enfim, à perda do objeto. A depressão, segundo Deloya (2002), emerge com essa progressiva consciência de ser separado da mãe, na falácia da fantasia de completude mãe-filho, que permite a saída da criança deste lugar santificado, possibilitando assim, a emergência do sujeito psíquico. No complexo de Édipo o objeto em falta é a própria mãe e é exatamente em torno desta falta que a relação com o mundo se dá, pois somos todos enquanto seres falantes forjados por uma perda, modelados por uma falta [...] a falta é o elemento central que impulsiona a nossa entrada no universo simbólico (PERES, 2003, p.10-12).

A estruturação do sujeito é norteada em torno desta falta, levando assim, o luto, a ocupar um lugar fundante e, na medida em que o relacionemos com o conceito de depressão, observa-se uma tendência depressiva dentro da própria constituição humana. Fédida (2000) enfatiza este aspecto, de não caracterizar a depressão enquanto estrutura psíquica por se tratar de um estado próprio à constituição do aparelho psíquico, possibilitando declarar que tal quadro caracteriza o humano.

A depressão seria, um estado durando o tempo necessário para que o vazio inanimado do vivo se constitua como organização narcísica e retorna toda vez que o psiquismo solicita uma restauração de seu narcisismo. Como está constantemente ameaçado, tanto por forças externas como internas, a depressão está invariavelmente presente. O humano, como se sabe, não suporta por muito tempo o contato com a dura realidade e um dos recursos a sua disposição para se proteger desse contato tão frustrante e ameaçador é a depressão (p.80).

As constantes flutuações de humor e do estado de ânimo são apontadas como um recurso defensivo que se estabelece no comportamento do jovem, a fim de aplacar seus conflitos internos e, por conseguinte, auxiliar na elaboração das situações de perda: um sentimento básico de ansiedade e depressão acompanhará permanentemente como substrato o adolescente (KNOBEL, 1981, p.57). Assim, alguns comportamentos adolescentes, não significam necessariamente o estabelecimento de uma morbidade, como se poderia supor no adulto. Mas assinalam uma exigência psíquica da adolescência de se experimentar de uma maneira diferente no mundo.

Essa forma de se experimentar, normalmente, vem acompanhada de transgressões que, do ponto de vista dos pais, sugere que eles têm um adolescente com problemas. Para Rassial (1997) aceitar passar pela adolescência é afirmar sua solidão, até mesmo reivindicá-la (p.93), de certa forma, pensa-se que é preciso essa ‘depressividade’ (FÉDIDA, 2002), com a sua conseqüente superação, enquanto um dos motores do processo da adolescência, um conflito necessário e fundador.

Afinal, o mundo dos adultos revela o quão frágil é a promessa de que a saída da infância é condição de um lugar social reconhecido, na verdade, tal saída o coloca em um tempo de espera onde terá que realizar a reconstrução dos ideais perdidos. Nesta tarefa deverá separar-se dos pais idealizados para incorporá-los simbolicamente e, ao incorporá-los, reconhecê-los ao longo de sua trajetória na vida. Neste momento os adolescentes já não satisfazem às demandas dos pais, questionam as regras da família, da escola e da sociedade, numa manifestação clara de que, nem todas as referências que os pais ofereceram, lhes servirão (ALBERTI, 2004). Aqui, não existem necessariamente oposições entre pais e filhos, mas visões diversas de mundos, curiosamente complementares: a bagagem que lhes foi passada pelos pais, em vez de constituir um peso, poderá ser um estímulo poderoso para que o adolescente se imponha um sem-número de desafios, abrindo mão de uma segurança estéril - útil somente para a infância -, dos pais como muletas e se aventurando em compor um outro personagem; uma reinvenção.

 

O USO DO TAT NA ANÁLISE DA DEPRESSÃO

O TAT é a técnica de construção de história mais utilizada e tem sido largamente aplicado em pesquisas de personalidade, principalmente, pelas suposições implícitas na sua interpretação, como por exemplo, a auto-identificação com o herói e o significado pessoal de respostas comuns. Trata-se de um teste projetivo temático que revela conteúdos da personalidade, tais como: a natureza dos conflitos, desejos, reações ao ambiente externo e mecanismos de defesa (ANASTASI, 1976).

O referido Teste é composto por 31 pranchas, que apresentam figuras em preto e branco, e uma prancha em branco. As imagens são representadas por reproduções de quadro ou gravuras com significado sempre ambíguo, a exceção da prancha de número 16 que está completamente em branco, favorecendo, dentre outras, a projeção da imagem ideal que o sujeito tem de si mesmo. Ao sujeito é solicitado criar uma história para cada uma dessas pranchas, relatando como o acontecimento apresentado surgiu, o que ocorre no momento, o que pensam e sentem os personagens, qual o final da história e seu título. No que tange a prancha em branco, o sujeito deve imaginar uma cena, descrevê-la e depois contar uma história, realizando as mesmas solicitações das pranchas anteriores. Alguns quadros são considerados universais, comuns a todos os sujeitos, outros específicos para o sexo feminino ou masculino, as iniciais das palavras impressas atrás da prancha, determinam a que sujeito se destina cada uma: R, rapaz; H, homem; F, feminino; M, moça. Assim as imagens são enumeradas de 1 a 20, devido às variantes (MURRAY, 1967).

O modelo de análise utilizado por Guerra (1981) objetiva investigar, sobretudo, os mecanismos de adaptação utilizados diante de conflitos na área das relações, ou seja, a proposta se baseia no pressuposto de que os mecanismos de adaptação utilizados pelo examinando refletem a organização do ego, sua função de síntese e integração. Por exemplo, na prancha 1 (um rapaz contemplando um violino colocado sobre uma mesa) o conteúdo latente refere-se à relação com o rival adulto; a prancha 11 (apresenta estímulos pouco definidos e sem figuras humanas) evoca no sujeito uma escolha entre uma problemática pré-genital e um simbolismo fálico.

Analisou-se o conteúdo das histórias em três pontos: (1) temática, refere-se ao assunto predominante no relato, que deve revelar, além da relação entre o tema proposto pelo examinando e o conteúdo latente das lâminas, os indicadores das forças psíquicas em questão no manejo dos conflitos; (2) forças dinâmicas, representam o drama emocional manifesto através dos sentimentos e necessidades expressos pelo narrador; e, (3) o desenlace das histórias, que guarda relação direta com a solução dos conflitos experimentados pelo protagonista da cena.

A análise de conteúdo (BARDIN, 1977) pôde ser empregada nas transcrições das histórias construídas, visto que, se trata de uma técnica que visa basicamente estudar a comunicação entre os homens, destacando o conteúdo dessas mensagens através da inferência que parte das informações que o discurso expressa. Afinal, o TAT enquanto um método não estruturado de investigação valorizou o tipo de interação estabelecido entre pesquisador e informante, permitindo que as expressões dos adolescentes mediante o estímulo apresentado produzissem informações diferenciadas daquelas produzidas por respostas a esquemas fechados cujo sentido das réplicas fica limitado às perguntas.

 

OBJETIVOS

• Verificar a utilidade do Teste de Apercepção Temática como método de Investigação e análise da depressão nos adolescentes encaminhados dos Ambulatórios de Especialidades Médicas para o Ambulatório de Psicologia do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará.

• Descrever e interpretar, a partir de uma perspectiva psicanalítica, o que os adolescentes expressam através da aplicação reduzida do Teste de Apercepção Temática, evocando categorias de conteúdo acerca do significado da depressão como um processo de luto, relacionado às perdas dos pais idealizados da infância, da identidade infantil e do corpo infantil na adolescência;

 

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A coleta de informações foi realizada em Fortaleza num Hospital-Escola da rede pública de saúde, o Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) da Universidade Federal do Ceará (UFC). Os participantes incluídos na pesquisa foram todos os adolescentes, encaminhados ao ambulatório especializado de psicologia oriundos dos ambulatórios de especialidades médicas da Instituição, no período de julho de 2004, de ambos os sexos e com idade compreendida entre 13 e 18 anos.

Como se tratou de uma investigação e não de um psicodiagnóstico, o processo delineado nesta pesquisa restringiu-se apenas à aplicação reduzida do TAT (10 pranchas) em uma sessão de tempo livre. Ao adolescente foi solicitado criar uma história para cada uma dessas pranchas, relatando como o acontecimento apresentado surgiu, o que pensam e sentem os personagens, qual o final das histórias e seu título. Foram escolhidas, as pranchas mais apropriadas para o uso com adolescentes, que aplicadas em uma só sessão para cada examinando, foram as seguintes: 1, 2, 3RH, 6RH, 7RH, 8RH, 11, 12RM, 13R e 16 - para adolescentes do sexo masculino-; e, 1, 2, 3RH, 6MF, 7MF, 8MF, 11, 12RM, 13M e 16 - para adolescentes do sexo feminino.

As verbalizações geradas pelas aplicações reduzidas do TAT foram gravadas e transcritas para posterior análise e interpretação e somente ocorreram mediante autorização dos pais e concordância dos adolescentes através de um único atendimento, com cada adolescente encaminhado. Não houve recusa de nenhum responsável e adolescente em colaborar com a pesquisa, que foi realizada somente após parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa e do Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará, aprovado em 25 de março de 2004 com o protocolo de Nº. 48/04.

Segundo os critérios supracitados, os sujeitos investigados foram quatro adolescentes, identificados de acordo com o número seqüencial da aplicação reduzida do TAT: os dois primeiros, do sexo masculino; e, a segunda e terceira, do sexo feminino.

 

ANÁLISE E DISCUSSÃO

A estrutura subjetiva em jogo na adolescência não é definida apenas pela repercussão psicológica dos efeitos da puberdade, mas, estruturalmente, como um tempo onde são necessárias transformações e mudanças que colocam à prova os processos psíquicos anteriores, ou seja, o longo percurso evolutivo da libido. O adolescente confronta-se com exigências complexas como, por exemplo: constituir um sistema próprio de valores, distinguir-se da família e buscar o reconhecimento social (ROSA, 2002; ALBERTI, 2004).

O conflito entre as exigências do mundo externo e a elaboração das situações de perda torna-se inevitável. Boa parte desses conflitos, referentes ao triplo processo de luto, manifesta-se através dos mecanismos de deslocamento presentes na projeção, ou melhor, do deslocamento para o exterior dos medos e angústias; através da possibilidade de expressá-los sem resistências nas histórias contadas. A padronização do modelo de análise do TAT proposto por Guerra (1981) indica que os temas predominantes das lâminas: 1, 2, 6MF, 6RH, 7MF e 7RH; sugerem vivências de situações familiares rotineiras, do relacionamento materno-filial e do relacionamento paterno-filial.

O conteúdo latente das pranchas geralmente estabelece níveis tensos de relacionamento interpessoal, envolvendo situações de perdas, decepções e surpresas, fornecendo também, importantes aspectos para se comentar acerca dos lutos e das perdas apontadas por Knobel (1978) e Aberastury et al (1981). A lâmina 3RH, por exemplo, mobiliza vivências de culpabilidade e auto-destruição confrontadas com a necessidade de manter a integridade do ego; a lâmina 8RH mobiliza a agressividade inconsciente com relação ao pai, bem como vivências de castração e destruição; já a lâmina 11, por ser pouco estruturada, mobiliza as vivências pulsionais mais primitivas, reativando a dinâmica pré-genital, através da simbolização fálica, predominando o relato manifesto de vivências de ameaça e perda (GUERRA, 1981).

As figuras utilizadas no TAT apresentam a exceção das lâminas 11 e 16, estímulos bem estruturados que se constituem de gravuras da vida cotidiana, e que através do seu conteúdo latente refletem basicamente as experiências humanas. Assim, o objetivo nesta análise, não é estabelecer o que pode ser considerado normal ou patológico, mas extrair do relato das histórias fatores de correlação com vivências do triplo processo de luto, pois o conteúdo das lâminas facilita a projeção dessas vivências.

Observou-se em todos os relatos dos quatro sujeitos pesquisados a elaboração de histórias cujo tema predominante tratava de vivências de relações materno-filiais e paterno-filiais. Na prancha 6RH, cujo título dado pelo primeiro adolescente é Angústia invisível, percebe-se o sentimento de angústia vivenciado pelo protagonista da história por desejar sair de casa:

A velhinha [...] mãe do rapaz [...] Ele parece que tá com uma angústia, ele quer sair de casa, mas ele acha que a mãe dele não vai gostar, só que ele não pediu a opinião dela ainda, ele tá em dúvida, se vai ou não, se conta, ou não, ele tá com medo de decepcionar a mãe e a mãe dele achar que tem alguma coisa errada com ele [...] ela espera dele fidelidade. Ele se enche de coragem e [...] conta para mãe. [...] com muita argumentação a mãe aceita e ele vai [...] O título: é angústia invisível (adolescente 1). Prancha 6RH.

A dolorosa tarefa de desligar-se dos pais segue acompanhada da herança da sua posição de desejante, que, de um modo geral, significa que aos filhos não cabe mais satisfazer às demandas dos pais. O protagonista expressa sentimentos de angústia e temor, por desejar sair de casa, ir viver sua vida, desejos que não correspondem ao que a mãe espera dele, ele teme decepcioná-la e ao não fazer o que ela quer, teme perder o seu amor. A vivência da angústia de separação apresenta-se claramente, contudo em sua base está tanto o luto pela perda dos pais idealizados e da identidade infantil, como a percepção da condição de desamparo, fatores determinantes na passagem de uma posição infantil para uma posição adulta (FREUD, 1916-1917/1980; RASSIAL, 1997; ALBERTI, 2004).

Na história narrada pelo primeiro adolescente acerca da prancha 6RH, o protagonista além da angústia, expressa também uma percepção sutil de que sua adolescência promove uma crise na organização familiar, mais especificamente na organização psíquica da mãe, afinal a fidelidade que lhe é solicitada normalmente é exigida do cônjuge e não de um filho. De fato, os pais também têm de reinventar um lugar em que não se refugiem somente no exercício da maternidade e da paternidade, será necessário que se apóiem sobre a qualidade de homem e de mulher e revisem o compromisso com seus outros investimentos além do parental, incluindo seus investimentos conjugais. É a chamada crise da ambivalência dual, que aborda justamente a ambivalência e a resistência dos pais em aceitar o processo de crescimento dos filhos (ABERASTURY, 1981), afinal separar-se dos filhos, é uma mudança que deve ser concebida como um trabalho cuja função deve ser iniciada desde cedo: para que os pais possam aceitar e integrar o que é, definitivamente, uma separação, é preciso que, muito cedo, e sem dúvida, desde o nascimento, essa separação fosse prevista e preparada (RASSIAL, 1997, p. 89).

A terceira adolescente manifesta com uma força dramática intensa a tristeza de ter feito algo que a mãe não aprova:

Eu, tô vendo uma menina caída [...] ela tá fraca, ela tá assim por algum motivo, alguma coisa tá contecendo, talvez ela fez alguma coisa que a mãe dela não gostou e por isso que ela ficou assim, caída chorando [...] Ela tá fazendo alguma coisa errada, alguma coisa que a mãe dela não gostou, aí ela começou a chorar, está chorando [...] é ela tava fazendo alguma coisa que a mãe dela não gostou e a mãe dela então brigou com ela e ela ficou lá chorando. Ela tava fazendo alguma arte, alguma coisa que a mãe dela não gostasse [...] Acho que ela é doente [...] Doente assim, da cabeça.O título é: A menina (adolescente 3). Prancha 3RH.

Nesta história a adolescente, prefere atribuir à protagonista uma insanidade mental a ter que argumentar com a mãe acerca dos seus atos e das suas decisões. Trata-se de um relato diferente da narração anterior. No relato referente à prancha 6RH, o primeiro adolescente persiste no seu intuito de sair de casa e convence a mãe a aceitar sua decisão. O desfecho dado a esta história é bastante significativo, pois não satisfazer à demanda da mãe, já não significa perder o seu amor, o protagonista provavelmente já tem segurança suficiente para saber que não vai perder facilmente o afeto materno. A sua fidelidade à mãe não representa mais o abandono de suas escolhas, do caminho que pretende seguir. O protagonista segue seu caminho, mesmo sabendo que a sua decisão não faz parte das referências maternas, levando consigo a melhor bagagem que pôde levar: a concordância da mãe.

Assim, o adolescente, identificado com o pai, quer ter o direito de desejar. Contudo, inicialmente, as relações afetivas da criança são marcadas apenas pelos laços simbióticos entre mãe e filho, laços estes que o colocam no simples papel de preencher a falta materna. É somente através do interdito paterno que a criança abandona esse papel. Ao deslocar-se dessa posição de objeto fálico, opera-se na criança uma diferenciação e uma tentativa de resgate do estado de perfeição narcísica perdido, a criança passa então a realizar investimentos na figura paterna idealizada como modelo de perfeição (GUERRA e SIMÕES, 1995).

Todavia, um trabalho de luto deve se realizar, o adolescente não tem mais tamanho e nem idade para ser o filho em tudo festejado e atendido, deve adquirir a capacidade de confrontar-se com limites e nesse paulatino afastamento da imagem de um eu ideal, deve perceber também a fragilidade dos pais, deparar-se com a distância entre os pais da realidade, vistos agora como sujeitos comuns, com suas fragilidades, desejos e possibilidades. Os pais ideais da infância, por um breve período, sustentaram essa posição de onipotência. Como se observa na história seguinte há predominância de um sentimento de decepção no protagonista, em função de aspectos desagradáveis percebidos em relação ao pai:

Aqui o pai está alcoolizado e chega perto do filho [...] o filho está decepcionado com a fraqueza do pai, triste mesmo [...] sendo que o pai não percebe, ele não quer que o pai perceba a sua decepção [...] o pai alcoolizado não tem nem idéia do que o filho sente [...] O título é: Afasta de mim esse cálice (adolescente 1). Prancha 7RH.

A figura do pai se mostra agora como um malogro, o adolescente não mais encontrando no seio da família o suporte que necessita, interroga o discurso e o olhar do pai. O pai também é castrado e é exatamente por este motivo que o filho poderá deixá-lo, passando a se responsabilizar por seus próprios atos, assumindo o seu lugar no discurso social (ALBERTI, 2004). O primeiro adolescente solicita através do título conferido à história, Afasta de mim esse cálice, ao pai livrá-lo dessa condição humana. A condição humana do protagonista apenas afirma mais ainda sua semelhança com seu pai, de mortal, de castrado. E é exatamente, o trabalho de elaboração da falta no Outro, o Outro parental, que a passagem pela adolescência deve realizar, o adolescente tem que dar conta da falência da figura desse pai ideal da infância. Segundo Rassial (1997):

Enquanto que para a criança os pais pareciam sólidos e imortais, no melhor dos casos, aptos a suportar e responder sem sucumbir, e de um modo estruturante, aos desejos edípicos mais agressivos, os pais dos adolescentes revelam-se falíveis, como também mortais: eles poderão morrer de morte natural, pelo efeito da velhice, sem que seja necessário matá-los, igualmente, o recalcamento dos desejos de morte de seu filho não os protege de seu destino de mortais. A dinâmica imaginária da integração do Édipo é assim transtornada (p.78).

Essa característica frustrante dos pais que, decididamente, não representam mais as referências ideais, modificam significativamente a relação do adolescente com eles, podendo provocar no jovem, comportamentos reivindicatórios e, quer se manifestem ou não, angústia e depressão; tudo isto orientado pelo alcance da genitalidade (KNOBEL, 1981). No relato da terceira adolescente quanto à prancha 8MF, observa-se o predomínio de sentimentos de tristeza, luto pela perda da família e, a consequente, vivência de solidão:

Tô vendo aqui uma mulher solitária [...] pensativa, não sei em quê tá pensando, tá na janela, sentada assim perto da janela [...] num banco alto [...] olhando lá pra fora e pensando [...] Acho que ela tá magoada, porque, tá triste o olhar dela, ela tá triste por alguma coisa que passou, aconteceu [...] Ela tá sozinha, eu acho que ela deve ter perdido a família. O título é: Solidão (adolescente 3). Prancha 8MF.

Fica evidente também, no relato das histórias anteriores, o conflito inevitável entre as necessidades imperiosas do mundo externo e a realidade do mundo interno, conflito vivenciado com tamanha intensidade que termina por provocar, nos processos de luto, atuações com características defensivas, de caráter psicopático, paranóico ou maníaco. De fato, as angústias iniciais correspondentes à revivência do complexo de Édipo, constituirão as cisões típicas dos neuróticos e de algumas crises na adolescência que podem apresentar características persecutórias, muito bem caracterizada na história seguinte:

Essa cara é alguém que essa mulher não confia, e ele chega tipo na casa dela de surpresa assim, e ela se assusta e ele tá [...] tá fazendo alguma proposta pra ela [...] ela tá querendo rejeitar, mas, tem tipo assim que aceitar, ele tá fazendo tipo uma ameaça [...] É como se essa mulher fosse casada, e ele também fosse [...] já tivessem tido alguma coisa com ela antes e ela tivesse medo que ele contasse alguma coisa [...] não sei alguma coisa assim, como se ele tivesse pego ela no flagra de alguma coisa, ela tá escondendo algo, é isso. O título é: Assustada (adolescente 4). Prancha 6MF.

Para Dolto (1981), o superego edípico é a instância regressiva cuja função protege o indivíduo do retorno à angústia de castração, é a garantia de um desenvolvimento psíquico posterior; às custas do abandono das fantasias incestuosas. A cada momento em que o desejo de conquistar o objeto incestuoso reaparece, a decepção com a realidade se impõe, promovendo a angústia da castração edípica, acompanhado de sentimentos de ameaça, fantasias oriundas da projeção de seus próprios conflitos de rivalidade. Os relatos seguintes evocam vivências de morte, assassinato e agressividade, representando o confronto com as fantasias destrutivas e agressivas inerentes ao adolescer:

Esse aqui tem cara de mandante do crime, ele não tem remorso é frio, sem sentimento [...] eu também nem sei o que esses outros caras tão fazendo com a moça: se salvando, matando ou fazendo uma operação [...] Pode ser um parto [...] já sei! Essa mulher aqui traiu ele e ele mandou esses caras matarem ela [..]Quais são os sentimentos dele? Desejo de vingança, frieza. O título é: Vingança pela traição (adolescente 1). Prancha 8RH.

Eram duas pessoas, e aqui era uma cachoeira bem grande e eles iam tomar banho [...] Um lagarto bem grandãozão morava na caverna [...] Ele nadava por debaixo da cachoeira [...] as pessoas foram tomar banho e ele ia matar essas pessoas. Aí as pessoas fugiram e aí falaram pro pessoal, e o pessoal foi lá e não viram nada. No outro dia foram de novo e viram. Viram ele e ele matou um bocado de gente [...] pegaram um bocado de arma, aí chegaram lá e mataram ele [...]O título é: O Lagarto carnívoro (adolescente 2). Prancha 11.

Winnicott (1989) enfatiza que a agressividade está sempre relacionada ao estabelecimento de uma diferenciação entre o que é e o que não é o eu, fato que muitas vezes determina a participação dos adolescentes em práticas violentas. O autor acrescenta também que, o que existe na fantasia inconsciente do crescimento na infância é a morte, e na fantasia do adolescente o assassinato.

A morte e o triunfo pessoal são processos característicos do amadurecimento e da entrada no mundo adulto, sendo possível que o tema se expresse através de um impulso suicida, ou mesmo do suicídio em si, ou seja, nesse processo, ocorre uma luta de vida ou morte (WINNICOTT, 1983). A luta entre tais paradoxos fica bem evidente nos conteúdos latentes da prancha 3RH que evocam vivências pessoais de privação, carência, insegurança e perda. Os dois primeiros adolescentes destacaram sentimentos de tristeza, ilusão, sofrimento e desespero, embora com desfechos bem diferentes para suas histórias:

Ela está alcoolizada, tá chorando muito, desesperada, sem esperança. Perdeu o emprego, o filho dela morreu ou o marido deixou ela, tanta coisa ruim aconteceu [...] Depende dela reagir, ela precisa de muita força, pois está arrasada [...] se ela vai se recuperar ou vai desabar de vez, depende dela mesmo[...] na minha história ela se recompõe [...] Consegue outro emprego, arruma um marido novo. O título é: Auto-estima ao chão. (adolescente 1). Prancha 3RH.

Ela era casada sabe tia, aí o marido dela bebia muito, aí o marido dela era todo dia na chibata, todo dia batia nela[...] ele bebia e batia nela [...] eu vou chamar ele de papudinho[...] Aí ela pegou um dia se desesperou e trancou a porta, num dia que ele veio, e ele veio no outro dia de novo, batia na porta, ia embora e voltava de novo, aí ela sentou no sofá e se suicidou, tá aqui a faca. O título é: Papudinho. ( adolescente 2). Prancha 3RH.

A segunda fase da escolha objetal na puberdade, determina o término da organização sexual infantil. Freud (1916-1917/1980) observa uma certa transmissão da escolha objetal infantil –regularmente incestuosa- para a escolha objetal na puberdade. A excitação sexual desviada da sua finalidade produz os sentimentos sociais, as inibições da sexualidade e, conseqüentemente, a barreira contra o incesto. A ocasião da adolescência exige, assim, o abandono dos objetos da infância.

Para Aberastury et al (1981) e Knobel (1981) as manifestações da sexualidade na adolescência ainda são muito exploratórias, ou melhor, não integram concomitantemente os prazeres e as responsabilidades concernentes ao exercício da genitalidade, como se observa no relato da quarta adolescente sobre a prancha 7MF:

Aqui é uma menina que tá com um bebê na mão, e a mãe dela, tá contando alguma história pra ela [...] talvez alguma história que ela tenha feito e a mãe dela tá mostrando pra ela como isso tá errado[...] ela não tá olhando muito pra mãe dela não tá querendo escutar o que a mãe dela tá falando e é isso que ela é uma menina nova que tá com um bebê na mão. Talvez esteja com vergonha de alguma coisa, do que a mãe dela tava falando[...] porque ela é nova né e ela tá meio com vergonha de, talvez do preconceito porque ela tá com um bebê na mão. O título é: Adolescente (adolescente 4). Prancha 7MF.

Na adolescência, a nova organização biológica viabiliza a execução do ato sexual, as angústias passadas são retomadas a fim de configurar uma solução genital definitiva, propiciando momentos de vivência esquizo-paranóide na sexualidade adolescente. No relato abaixo a adolescente pede à mãe que lhe dê um irmão, contudo antes disto decorre um relato confuso onde não fica claro se deseja um irmão ou, ela mesma, ter um filho, tudo isso desvinculando a capacidade reprodutiva do ato sexual em si, já que a mãe a adotou, não precisou manter relações sexuais para que ela ali estivesse:

Aqui é uma menininha que tava brincando de boneca, aí a máe dela tava lendo a bíblia e ela chegou dizendo pra mãe dela que queria um neném, que queria um filho [...] aí a mãe dela ficou olhando assim meio triste pro neném [...] porque ela é adotada e a mãe dela não podia ter filho. Aí ela veio falar pra mãe dela dizendo que queria neném, um irmãozinho [...] a mãe dela ficou olhando assim pra boneca, triste porque ela não podia ter filho e ela já é adotada. A menina é adotada[...] mas não sabe [...] e ela queria ter um irmão mas a mãe dela não podia ter filho, por isso que ela ficou triste, a meninazinha e a mulher. O título é: Filho (adolescente 3). Prancha 7MF.

Para Knobel (1981) o temor vinculado à capacidade reprodutiva e ao ato sexual compõem o universo fantasístico da adolescência, sendo a masturbação a as brincadeiras homossexuais, práticas que poderão ocorrer com a finalidade de integrar os órgãos genitais à imagem corporal.

Tais experiências sexuais, vividas com tanta intensidade, podem promover nos pais questionamentos acerca da vivência da sua própria sexualidade, bem como, os impulsos idealistas dos adolescentes podem fazer com que os adultos percebam que, eles mesmos, deixaram alguns sonhos de lado. A promessa de autonomia absoluta se mostra uma falácia e essa decepção remete os adolescentes de volta aos pais, a fim de que os questionem sobre suas reais condições de autonomia. Este questionamento geralmente se manifesta através de um comportamento de oposição que, de certa forma, coloca em provação esse amor dos pais, que nem sempre saem bem sucedidos e, às vezes, abandonam este lugar ao se sentirem inqueridos. No relato seguinte predomina o sentimento de rejeição expresso pelo protagonista por ter sido abandonado:

Esse aqui é o filho dela [...] ele tinha viajado quando era pequeno e não sabia quem era a mãe dele, sabe!? Ele voltou de viagem e descobriu quem era a mãe dele e foi lá na casa da mãe dele, aí:
-Você é minha mãe?
- Sou
- Porque você deixou eu e não falou nada esses anos todos?
-Porque teu pai não te queria.
Daí ele também disse para a mãe:
-Agora eu que não quero mais saber de você [...].
E a mãe diz:
-Pois vá embora (adolescente 2). Prancha 6RH.

Nesta história, a mãe não pede para que ele fique, a dinâmica familiar se apresenta hostil. O filho não encontra o amor e o carinho dos pais, mas o abandono. Eles inverteram uma ordem, abandonaram o filho antes que este o fizesse. Contudo, a família deve estar à disposição nem que seja para ser posta de lado, é claro que, se os pais morrem, surge o convite para que o adolescente se torne responsável mais cedo, no entanto, é muito diferente, quando os adultos negligenciam os filhos, realmente tal ato pode representar uma espécie de abandono num momento crítico (WINNICOTT, 1989, p.125).

Com ressentimento, nessa história, o protagonista também rejeita a mãe, não só vai embora como adquire algo que considera valioso para a mãe, na tentativa de não ser rejeitado busca atender a demanda materna -e num desfecho forçado-, a fim de que ela insista na sua permanência, torna-se rico:

[...] Aí ele foi embora, trabalhou muito e ficou rico [...] aí a mãe dele era pobre e chamou ele para casa de novo (adolescente 2). Prancha 6RH.

No caso do relato seguinte, observa-se que a protagonista seguirá a qualquer custo seu objetivo, não existindo de sua parte uma necessidade de realizar nenhum tipo de negociação familiar, ampliando assim suas referências para além das referências parentais:

Diana é uma moça que nasceu na roça e tinha muita vontade de estudar e [...] a família muito tradicional, com costume de trabalhar somente no campo, não tinha tempo para estudar [...] ela queria estudar mais e melhor e pensava que a família não ia abrir mão dela no trabalho do campo [...] Ela sabia que ia enfrentar muita dificuldade, mas decidiu aqui enfrentar qualquer coisa para estudar, até sua família, ele ia conseguir o que queria, ia enfrentar tudo e todos (adolescente 1). Prancha 2.

Assim, é somente com o passar do tempo que os jovens podem aceitar a responsabilidade pelo que ocorre no mundo da sua fantasia pessoal, enquanto isso, os adultos precisam se manter firmes. Para Winnicott (1989) os pais não podem fazer muita coisa, podem apenas tentar permanecer vivos, sem negar os princípios que consideram importantes e sem abdicar, eles mesmos, do direito de também amadurecer:

Nessa última história, fica claro a determinação da protagonista em prosseguir nos estudos, decisão esta que traz a promessa de um destino diferente do da própria família, isto não significa que ao seguir adiante ela perca sua condição de filha. É preciso saber que pai e mãe não são sinônimo de referência, mas conceitos que comportam tal importância para os filhos que estes, mesmo não assumindo parte dos parâmetros daqueles, de forma alguma deixar de ser seus filhos por isso! (ALBERTI, 2004, p.12).

As escolhas realizadas pelos adolescentes são determinadas por indicativos que lhe são anteriores, afinal, ao longo de sua jornada até a adolescência, o sujeito recebe não somente dos pais, mas do mundo que o rodeia, outras referências que também podem ser utilizadas como parâmetro. Os questionamentos e as reivindicações oriundas de outras referências, que não as parentais, constituem uma parte fascinante do repertório dos adolescentes, pois representa a criatividade e a inovação, também necessárias na engrenagem que dinamiza o mundo.

Tais manifestações podem representar também o produto da própria atenção dispensada pelos pais no cuidado com os filhos, quando a criança na sua mais tenra infância nem suspeitava que não fosse o centro do universo da sua mãe ou quando os pais acreditavam que os filhos eram o único antídoto possível para a morte absoluta; situações extremas que dão a idéia da atmosfera irreal e provisória em que a criança se encontra submersa, mas cuja perda é necessária para que esta possa ter acesso à cultura. Pois, somente através do abandono das fantasias infantis que o adolescente poderá dar continuidade ao seu processo de desenvolvimento.

 

CONSIDERAÇÔES FINAIS

Ao concluir esta investigação, procurou-se analisar o fenômeno da depressão no contexto da adolescência, utilizando-se como instrumento de coleta de informações para posterior análise do conteúdo a aplicação reduzida do TAT. Três aspectos fundamentais prevaleceram na caracterização do conceito de depressão na adolescência: (1) é constitutiva do psiquismo e da estruturação do sujeito; (2) tem como função a defesa do psiquismo; e (3) deve ser concebida como luto, no sentido psicanalítico do termo, pois, após um certo lapso de tempo, necessita ser superado e a libido reinvestida em outros objetos.

A ênfase no luto e nas perdas, também, deu-se em função da necessidade de dimensionar o conceito de depressão nesta pesquisa -já que depressão corresponde ao conceito de luto-, além disso, o conteúdo das histórias relatadas pelos adolescentes são, de certa forma, a expressão do conteúdo latente predominante nas pranchas do TAT sendo natural, portanto, o relato de histórias de caráter conflitivo. Contudo, vale ressaltar que a dimensão da alegria, da construção e da criatividade também compõem o rol de experiências subjetivas da adolescência.

O TAT se apresentou como uma ferramenta indicada, pois o conflito oriundo da elaboração referente ao triplo processo de luto que o adolescente deve superar apareceu através dos mecanismos de deslocamento presentes na projeção. O conteúdo latente das pranchas estabelece níveis tensos de relacionamento interpessoal, envolvendo situações de perdas e surpresas, fornecendo também importantes aspectos para se comentar acerca dos lutos e das perdas apontadas por Aberastury et al (1981). O conteúdo das lâminas facilitou a projeção das vivências relacionadas ao triplo processo de luto, sendo possível extrair do relato das histórias fatores de correlação. Assim, observou-se em todos os relatos a elaboração de histórias com vivências de relações materno-filiais e paterno-filiais de acordo com as pranchas cujos temas dessa natureza predominavam.

Portanto, tendo-se como estímulo latente as temáticas conflituosas das pranchas, foi possível captar o significado das frustrações referentes às perdas dos objetos anteriormente investidos (os pais idealizados), do papel da infância e do corpo infantil. A impossibilidade de renunciar totalmente às fantasias do mundo infantil seria uma fonte dos sentimentos que envolvem as situações de perda: os sentimentos de tristeza, ameaça e solidão de que falam as histórias dos adolescentes. Daí a possibilidade de se observar indicativos da forma como estão sendo superadas as perdas reais e fantasmáticas da adolescência e, conseqüentemente, falar de depressão.

 

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Endereço para correspondência
Kátia Cristine Cavalcante Monteiro
Avenida Pontes Vieira, 1234, ap. 202 - São João do Tauape
60130-240 Fortaleza-CE
Tel.: +55-85 3472 3342 / +55-85 4009-8118 / Cel.: 55-85 9924-0923
Email: katiam@ufc.br

 

 

I Psicóloga do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará (UFC) e mestre em psicologia pela UFC.
II Médica – psiquiatra com doutorado em psicologia clínica pela Universidade de Sorbone – Paris V e Professora Titular do Departamento de Psicologia da UFC.

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