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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH v.8 n.2 Rio de Janeiro dez. 2005

 

ARTIGOS

 

Vivências do paciente com relação ao procedimento cirúrgico: fantasias e sentimentos mais presentes

 

 

Jossiele FigheraI, 1; Eliani Venturini VieroII, III, 2

I Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
II Unidade Pediátrica do Hospital Universitário de Santa Maria
III Centro Universitário Franciscano

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A intervenção cirúrgica representa uma ameaça na vida de qualquer pessoa, pois envolve uma carga emocional específica e diferenciada. A escolha por esse tema se deve, principalmente, pela ampla gama de sentimentos que o procedimento cirúrgico pode despertar na vida de determinado indivíduo, visto que a cirurgia é um evento muitas vezes não-esperado, que interrompe o ciclo normal de desenvolvimento e de vida do indivíduo. Partindo desses pressupostos, o presente trabalho teve como principal objetivo elucidar o significado da vivência do paciente com relação aos momentos que antecedem o procedimento cirúrgico. O presente estudo foi realizado segundo a metodologia de investigação fenomenológica, que propõe-se a estudar e compreender o fenômeno a partir da experiência vivida pelo sujeito. Para isso, foram realizadas entrevistas abertas com pacientes pré-cirúrgicos internados no Hospital Casa de Saúde, em Santa Maria/RS. Os resultados indicam que os momentos que antecedem a cirurgia são vivenciados pelo paciente de uma forma dramática e assustadora. O medo do desconhecido é a principal causa da insegurança e da ansiedade do paciente pré-cirúrgico. Com relação às fantasias vivenciadas pelos pacientes, as mais freqüentemente encontradas são com relação à anestesia e à recuperação.

Palavras-chave: Paciente cirúrgico, Vivência, Ansiedade.


ABSTRACT

The surgical intervention represents a threat in the life of any person, because it involves a specific and differentiated emotional charge. The chose of this theme is due to, mainly, by the large range of feelings that the surgical procedure can awake in the life of a determined individual, in as much as the surgery is a non-expected event, which breaks the normal developing and life cycle of an individual. Following this principles, this study had as main objective, elucidate the patient’s life related to the moments before the surgery. This study was conducted due to the phenomenology investigation methodology that proposes to study and comprehend the phenomenon since the experience. Opened interviews were conducted with pre-surgical patients interned at Hospital Casa de Saúde, in Santa Maria, RS. The results show that the moments before the surgery are dramatic and frightening for the patient. The fear of the unknown is the main cause of insecurity and anxiety. Due to the patients fantasies, the more frequent are related to the anesthesia and the recovery.

Keywords: Surgical patient, Experience, Anxiety.


 

 

INTRODUÇÃO

Do ponto de vista médico, o adoecimento é visto como alguma função do organismo que não está desempenhando bem o seu papel. A visão que a medicina tradicional possui do homem é de um corpo com uma expectativa previsível de funcionamento. Já do ponto de vista psicológico, o adoecimento é visto como uma situação inesperada para a qual não estamos preparados, pois ninguém escolhe adoecer (Roth, 2002). Com relação ao procedimento cirúrgico também é isso que acontece. A cirurgia é uma desconhecida na vida do indivíduo, e como tudo que é desconhecido pode causar ansiedades e despertar fantasias.

De acordo com Mello Filho (1997), a ansiedade provocada pela possibilidade de uma intervenção cirúrgica pode afetar o paciente se este sentimento não for expresso e conscientizado. A escolha por esse tema se deve, principalmente, pela ampla gama de sentimentos que o procedimento cirúrgico pode despertar na vida de determinado indivíduo, visto que a cirurgia é um evento muitas vezes não-esperado, que interrompe o ciclo normal de desenvolvimento e de vida do indivíduo. Além disso, existe pouca literatura sobre o tema cirurgia como um assunto geral, sendo o mesmo já bastante explorado com relação a cirurgias cardíacas e a outras cirurgias mais específicas.

Partindo desses pressupostos, o presente trabalho teve como principal objetivo elucidar o significado da vivência do paciente com relação aos momentos que antecedem o procedimento cirúrgico. Especificamente, objetivou-se verificar se existem sentimentos e ansiedades comuns entre as pessoas que irão se submeter à cirurgia e compreender quais as dúvidas e as fantasias mais freqüentes com relação a cirurgia.

Para Silva, Garcia e Farias (1990), a hospitalização é um evento que envolve uma grande capacidade de adaptação do indivíduo às várias mudanças que ocorrem no cotidiano. As dificuldades de adaptação acontecem no momento em que o paciente não é atendido adequadamente em suas necessidades básicas, agravando com isso as sensações de isolamento e angústia pré-existentes. Essas dificuldades são suficientes para produzirem uma crise acidental que dependendo da intensidade, pode desorganizar temporariamente a personalidade do paciente.

Cosmo e Carvalho (2000) também comentam sobre esse assunto, afirmando que o momento da internação é vivido de forma extremamente dramática, não importando o tipo de cirurgia à qual o paciente será submetido, mas sim o modo como o paciente vivencia esse momento. Para eles, o estado emocional no pré-operatório atua diretamente sobre suas reações, tanto durante a cirurgia quanto no pós-operatório.

A internação hospitalar pode contribuir para o sentimento de ruptura com a vida diária e com a perda da autonomia do paciente. A hospitalização pode implicar uma série de sentimentos de desconforto, inclusive propiciando o processo de despersonalização, muito comum no ambiente hospitalar e em grandes períodos de internação, pois o paciente passa a ser tratado em função do quadro de sintomas que apresenta, e não mais pela sua singularidade enquanto indivíduo.

Com relação a isso, Ruschel, Daut e Santos (2000) afirmam que quando os aspectos psicológicos não são considerados na situação de tratamento cirúrgico, poderá haver aumento da predisposição para complicações emocionais que prejudicam a convalescença, chegando a intensificar, em algumas situações, a morbidade no período pós-operatório. Para essas mesmas autoras, a cirurgia é uma experiência de muita ameaça na vida de qualquer pessoa, pois envolve uma carga emocional característica. A forma como cada um enfrenta esse tipo de intervenção poderá facilitar ou não a completa recuperação e readaptação à vida normal.

Para Romano (1998), as principais fontes de ansiedade no período pré-operatório são: 1) Separação de casa, da família, de seu ambiente, de suas coisas; 2) O medo com relação à vida em si e; 3) Ser forçado a assumir o papel de doente e antecipar questões diretamente relacionadas com o físico, tais como o ato cirúrgico, a dor e a perda do controle sobre si mesmo.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram desta pesquisa pacientes adultos internados na Unidade Cirúrgica do Hospital Casa de Saúde, que seriam submetidos a cirurgias de médio porte (histerectomia, varizes, colicistectomia, etc) e eletivas. Os pacientes participaram do grupo de preparação psicológica a pacientes pré-cirúrgicos, que são realizados de segunda a sexta-feira, com duração de aproximadamente uma hora cada, sendo coordenado por uma estagiária do Serviço de Psicologia do hospital.

Procedimentos

A seleção dos entrevistados ocorreu através de encaminhamentos feitos pela coordenadora do grupo. Por combinação prévia, seriam encaminhados para a entrevista aqueles pacientes que encontravam-se visivelmente mobilizados para com a realização da cirurgia. Desse modo, o critério adotado para a seleção dos participantes da pesquisa foi: o paciente ter participado do grupo com pacientes pré-cirúrgicos e estar visivelmente ansioso, pois a utilização deste critério facilitaria atingir os objetivos da presente pesquisa. Após a realização do grupo, foi feita uma entrevista aberta com esses pacientes, com a intenção de perceber quais os sentimentos, ansiedades e fantasias mais comuns vivenciados por eles frente à intervenção cirúrgica. O modelo da entrevista seguiu o conceito de Mucchielli (1990) sobre entrevista não-diretiva ativa, segundo a qual o entrevistador, além de deixar o sujeito livre para expressar-se, ainda tenta captar o essencial do que está sendo dito durante o decorrer da entrevista, fazendo com que o sujeito reflita a respeito do que está falando. A entrevista fundamentou-se em uma pergunta desencadeadora, que foi: "O que fica presente em sua vida neste momento que você vai se submeter a cirurgia?". A partir dessa pergunta inicial foi desenvolvida a entrevista. Os informantes foram selecionados através da técnica de seleção deliberada (Karmel e Polasek, 1974). Nessa técnica, os principais critérios de escolha de unidades representativas são a intencionalidade e a conveniência do investigador. Justificou-se a utilização desta técnica pelo fato de que foi através dos grupos que foram selecionados os participantes, de acordo com o grau de ansiedade visivelmente demonstrada.

O número de entrevistados seguiu o “critério de saturação” proposto por Muchielli (1990). Essa saturação, segundo o autor, aparece na pesquisa qualitativa ao fim de certo tempo, quando os dados que são coletados deixam de serem novos, configurando-se uma estrutura comum sobre o fenômeno estudado.

Através das entrevistas, foram coletados os dados a respeito da vivência de pacientes no período pré-operatório. Os dados coletados em cada entrevista foram submetidos ao seguinte procedimento de análise, sendo divididos em dois momentos: Em um primeiro momento, foi feita a transcrição literal do conteúdo da gravação, logo após a realização da entrevista. O segundo momento caracteriza-se pela análise fenomenológica da entrevista.

Segundo Kude (1997), este método é muito utilizado principalmente para o tratamento de dados descritivos obtidos por meio de entrevistas, as quais devem ser gravadas e transcritas literalmente. O núcleo da análise baseia-se em 5 passos fundamentais que foram propostos por Giorgi (1989): 1) Leitura do todo; 2) Discriminação de Unidades de Significado; 3) Transformação da linguagem cotidiana do participante em linguagem psicológica com ênfase no fenômeno em estudo; 4) Síntese Parcial das entrevistas; 5) Síntese Geral.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os entrevistados vivenciam a ída ao hospital como um abandono sentimental do lar, que é sentido como um rompimento dos laços que indicavam segurança. Em função disso, surge a necessidade de levar algum acompanhante ao hospital, na tentativa de diminuir a sensação de abandono - tanto de abandonar quanto de ser abandonado.

"O deixar as coisas em casa foi difícil. Tem que deixar tudo né. Deixar a casa, deixar a filha, e ainda mais que ela está meio doentinha." (Paciente D)

Esses dados vão ao encontro do que afirma Hense apud Penna (1999), quando constata que a maior parte dos temores que os pacientes pré-cirúrgicos enfrentam estão relacionados com situações como o deixar e ser deixado. Segundo Penna (1999), parte desses medos estão relacionados com algo presente e real (medo da cirurgia, da anestesia, de ser deixado), enquanto outra parte do medo relaciona-se com fatos futuros (complicações, morte).

Romano (1998) compartilha da mesma opinião que esses autores quando relata que uma das principais fontes de ansiedade no período pré-operatório relaciona-se diretamente com a separação de casa, da família, de seu ambiente e de suas coisas.

Essa sensação de abandono (abandonar as suas coisas) segue mesmo após a realização da cirurgia, na medida em que o paciente não pode retomar imediatamente suas atividades diárias, como pode ser visto no exemplo a seguir.

"Eu me preocupo porque eu não vou poder limpar a casa, não vou poder fazer isso, não vou poder fazer aquilo...daí a gente fica meio triste também. Depois da cirurgia tem que ficar um mês de repouso, sem fazer esforço. E tu tem os animais em casa, tem que arrumar a casa, né." (Paciente B)

A cirurgia também pode ser vivenciada como um abandono, ainda que temporário, de planos para o futuro, interferindo no sentimento de continuidade da vida, no processo normal de desenvolvimento, surgindo como um agente inesperado e indesejado, como pode ser verificado através da fala a seguir. "Nossos planos era inventar um nenê esse ano...já tínhamos programado as coisas pra ter um nenê. E aí me aparece essas pedras na vesícula, agora vai ter que adiar um pouquinho, né." (Paciente C)

Os entrevistados vivenciam o início da ansiedade com relação ao procedimento cirúrgico quando eles ainda estão em sua residência e começam a preparar-se para ir ao hospital, ou seja, no momento em que ocorre uma mudança na rotina de vida em função de precisar preparar o corpo para a cirurgia. Parece que o fato de lidar com coisas concretas faz o paciente voltar-se para si e, desse modo, surge o medo de que alguma coisa decorrente da cirurgia aconteça.

"Essa ansiedade começou ontem, quando eu arrumei as minhas sacolinhas. Antes eu nem tava me lembrando, porque eu tava envolvida com outras coisas...dava atenção pra todo mundo menos pra mim. Mas quando chegou a hora de preparar o meu corpo, a minha roupinha...sabe....foi que daí eu caí em mim. Agora é a minha vez. Foi aí que me dei por conta da situação." (Paciente A)

Para Carmo (1996), a pessoa que adoece e é hospitalizada sofre uma mudança, e esta representa um elemento concreto de desconforto e insegurança. Esta mudança é determinada pela troca da situação de indivíduo sadio à dependência da atuação dos profissionais na resolução de seus problemas. A doença é uma situação de alterações das funções normais da pessoa, que pode se manifestar por meio de sinais típicos e particulares que podemos chamar de sintomas. É de fundamental importância observar que a alteração física ou mental do indivíduo depende da gravidade da enfermidade, do equilíbrio emocional de cada um e também dos fatores ambientais, principalmente do ponto de vista familiar.

A importância do "concreto" também pode ser constatada na medida em que a ansiedade de alguns pacientes teve seu início a partir do resultado do exame/diagnóstico/prognóstico, onde foi possível ver concretamente o problema/doença.

"Comecei a perceber que eu estava nervosa desde quando eu fui fazer o ultrasom vaginal que mostrou que eu tinha o útero grande, que os miomas estavam grandes...foi ali que eu comecei a ficar nervosa." (Paciente B)

Parece que somente no momento em que o paciente realmente "vê" o seu problema é que aquilo passa a tornar-se uma realidade para ele. Enxergando concretamente o problema fica mais fácil de assimilar o que está acontecendo e dificulta o uso da negação, na medida em que fornece menos espaço para o surgimento de fantasias.

Bird (1978, p.150) comenta "o paciente teme o procedimento cirúrgico e todos os seus aspectos, tem medo da dor, da anestesia, de ficar desfigurado ou incapacitado [...] E, diferentemente de algumas outras coisas temidas pelas pessoas, o medo da cirurgia tem, pelo menos em parte, uma base concreta."

Pode ser percebido nos entrevistados que a ansiedade pré-operatória pode se expressar por meio de sintomas físicos capazes de interferir tanto no sono quanto no apetite do paciente pré-cirúrgico, ou seja, a ansiedade é descarregada no soma (corpo) e se manifesta através de sintomas físicos. "Depois disso [desde que ficou sabendo que teria que fazer a cirurgia], a minha alimentação já diminuiu, e de noite o sono também não vem." (Paciente D)

Esse dado vai de encontro com os resultados de uma pesquisa realizada por Ribeiro, Tavano e Neme (2002), onde não foi relatada nenhuma alteração com relação às condições psicofisiológicas do paciente pré-cirúrgico (sono, alimentação).

Em outros casos, os sintomas físicos dão lugar a sintomas emocionais, que interferem de maneira negativa no modo do paciente vivenciar as relações afetivas com pessoas próximas. "Desde que eu fiquei sabendo da cirurgia eu nem consigo conversar direito com as pessoas, nem com a minha mãe, nem com a minha filha, sabe." (Paciente E).

Segundo Campos (1995), a doença física é acompanhada por manifestações na esfera psíquica, causando também alterações na interação social. A doença é capaz de provocar, precipitar ou agravar desequilíbrios psicológicos, tanto no paciente como na sua família.

Parece que a angústia desencadeada pelos momentos que antecedem a cirurgia mobiliza sentimentos ambivalentes com relação a mesma, que podem ser visualizados através da díade: medo de que alguma coisa aconteça x necessidade de se submeter a cirurgia em busca de uma melhora na qualidade de vida. Possivelmente essa ambigüidade seja responsável por uma importante confusão no paciente, pois este se depara com sua impotência, isto é, o desejo de não fazer a cirurgia é vencido pela necessidade de realizá-la.

"Eu tenho vontade de sair, de fugir. De sair correndo, de fugir, de não encarar. Mas aí a gente pensa melhor, eu sei que eu preciso fazer a cirurgia, então eu tenho que encarar. Mas os nervos ficam a flor da pele. A coisa mais forte nesse momento é a vontade de chorar e fugir." (Paciente A)

Outro elemento que parece despertar sentimentos ambivalentes no paciente é a anestesia: ao mesmo tempo que evita a dor, impede o exercício de controle sobre o próprio corpo, levando o paciente a assumir uma posição passiva no processo. O próprio termo "submeter-se" a procedimento cirúrgico indica a aceitação de um estado de dependência. O medo de que aconteça alguma coisa errada no momento da cirurgia é maximizado pelo fato de que o paciente estará sob o efeito da anestesia.

"Eu acho que pode acontecer alguma coisa, né. Vou estar dormindo e não vou poder reagir. Pode complicar alguma coisa, não sei. E se eu tiver uma alergia a anestesia? E se me der um troço lá dentro? Também tenho muito medo de acordar no meio da cirurgia e sentir eles me cortando." (Paciente B)

Os resultados afirmam que o fato do paciente já ter passado por experiências positivas com relação a cirurgia não amenizam o medo sentido, ou seja, a ansiedade surge independente do número de cirurgias a que o paciente já se submeteu. Não importa a complexidade da cirurgia, pois mesmo que seja um procedimento "tecnicamente" simples, é capaz de mobilizar ansiedade. Cada cirurgia é vivenciada como única, sempre um novo evento, mesmo nos casos onde o paciente já conhece os procedimentos técnicos.

Por outro lado, pode ser percebido através da entrevistas que experiências negativas com relação ao procedimento cirúrgico ou a sua recuperação tendem a aumentar a ansiedade do paciente, possivelmente pelo medo de que o processo se repita, podendo interferir na vivência do paciente cirúrgico.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tomando-se como referência o estudo feito para a realização deste trabalho, pode-se inferir que os momentos que antecedem a cirurgia são vivenciados pelo paciente de uma forma dramática e assustadora. O medo do desconhecido é a principal causa da insegurança e da ansiedade do paciente pré-cirúrgico. Ele teme a morte, a anestesia, o procedimento em si, a recuperação. Para tentar obter controle sobre a ansiedade e o medo, o paciente pré-cirúrgico lança mão de algumas estratégias, como: depositar confiança na equipe de saúde; religiosidade - acreditar em Deus acima de qualquer coisa; a desqualificação dos sentimentos; controlar o pensamento; ter sempre a companhia de alguém conhecido.

Também é bastante presente o sentimento de abandono, tanto o fato de abandonar quanto de ser abandonado. A saída de casa para ir ao hospital é sentida como um abandono do lar, das suas coisas, da sua vida e do seu desenvolvimento normal. É o abandono de uma posição ativa (onde o indivíduo é capaz de controlar sua própria vida) para assumir uma posição passiva (onde o paciente será submetido à procedimentos invasivos, não possuindo controle sobre eles e nem sobre seu próprio corpo). O medo de ser abandonado também fica presente, na medida em que os pacientes temem permanecer sozinhos no hospital, alegando que a presença de um acompanhante proporciona segurança.

Com relação às fantasias vivenciadas pelos pacientes, as mais freqüentemente encontradas são com relação à anestesia (temor de acordar no meio da cirurgia e de sentir tudo que está acontecendo) e à recuperação (medo de não voltar a ser como era antes da cirurgia e de não poder fazer as mesmas coisas que fazia). No entanto, existe uma particularidade no que se refere às fantasias do paciente pré-cirúrgico, pois elas possuem uma base real, concreta. A cirurgia realmente vai acontecer e não existe nenhum termo de garantia dizendo que não existe nenhum risco de que alguma coisa possa dar errado.

As principais dúvidas vivenciadas pelos pacientes são principalmente com relação a anestesia, como por exemplo: em que parte do corpo será feita, qual o tipo de anestesia será dada, se sente dor, por quanto tempo dura seu efeito, qual o procedimento adotado no caso de alguma reação alérgica. Se formos pensar em termos de evolução da medicina, esse medo da anestesia está praticamente ultrapassado, pois hoje em dia os anestesiologistas estão cada vez mais especializados e com maior domínio sobre as técnicas, assim como também houve uma grande evolução nas drogas utilizadas em tais procedimentos. Levando-se isso em consideração, é de se pensar que o medo da anestesia deve-se, em grande parte, aos aspectos emocionais que o procedimento envolve. O fato de ser anestesiado implica em uma total perda do controle sobre o próprio corpo, o que pode significar extrema angústia em quem vivencia essa situação.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Jossiele Fighera
Caixa Postal 05
97001-970 Santa Maria - RS
E-mail: jocielle@terra.com.br

Maria Cristina Poli
E-mail: eviero@smail.ufsm.br

 

 

1 Psicóloga. Mestranda em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Bolsista da CAPES.
2 Psicóloga da Unidade Pediátrica do Hospital Universitário de Santa Maria. Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Professora do Centro Universitário Franciscano.

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