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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH v.9 n.1 Rio de Janeiro jun. 2006

 

 

Prática na enfermaria pediátrica: um colorido na clínica winnicottiana

 

 

Daniely Santos Franchin*; Flávia Souza Morais Sala da Silva*; Katulle Oliveira Freitas Silva*; Veridiana Vicentini Teixeira*; Joselane A. T. Campagna Silva**; Maria de Lourdes Jeffery Contini**

Universidade Federal do Mato Grosso do Sul

 

 


RESUMO

Este artigo relata a vivência de um trabalho que é realizado por acadêmicas de Psicologia no setor pediátrico do Hospital Universitário da UFMS, embasado teoricamente na clínica winnicottiana. A prática é realizada através da consulta terapêutica, que visa facilitar o brincar, promovendo um efeito integrativo que possibilite que conteúdos emocionais e existenciais relevantes possam emergir em curto espaço de tempo, bem como considerar o vínculo entre a criança e o seu acompanhante, que geralmente é a mãe.

Palavras-chave: Winnicott, Brincar, Pediatria, Consulta terapêutica.


 

 

INTRODUÇÃO:

Pretendemos com este artigo tecer algumas considerações a respeito de nossa vivência que está sendo realizada desde 2005 no Hospital Universitário (HU) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), na cidade de Campo Grande – MS, configurando-se como um trabalho de pesquisa-intervenção no setor pediátrico. Nossa prática tem como referência os trabalhos que são desenvolvidos por Vaisberg (2004) na proposta do projeto "Ser e Fazer" da Universidade de São Paulo (USP), que é embasado na perspectiva Winnicottiana dentro de um enfoque diferenciado que, segundo a autora, (p.20).

Este projeto iniciou-se como um Estágio Supervisionado em Psicologia Clínica, sendo realizado por acadêmicas do quarto ano de Psicologia, vindo a ser, posteriormente, um projeto de extensão da UFMS. Um semestre após a implementação desta prática, nós, ingressas no quarto ano do curso, fomos convidadas a participar deste projeto que é, atualmente, uma prática continuada por turmas de quarto e quinto ano, que tem como ponto de partida teórico os estudos do psicanalista e pediatra Donald Winnicott.

Os acadêmicos se revezam durante os dias da semana para a "visita" às crianças internadas, sendo que os encontros têm uma hora de duração. Com o intuito de nos diferenciarmos do traje de toda equipe hospitalar, foram confeccionados jalecos coloridos com botões de temas infantis que são utilizados nestas visitas. Cada acadêmico leva consigo brinquedos que, assim como a cor e os botões de cada jaleco, foram escolhidos de acordo com a sua preferência.

A compreensão e discussão dos conteúdos apreendidos durante as consultas terapêuticas se dá, através da supervisão semanal de todos os acadêmicos com as professoras supervisoras do projeto. Nestas supervisões, as experiências clínicas são compartilhadas sob a forma de narrativas, que servem de base para a comunicação e a troca de experiências vividas, contribuindo para a produção de conhecimentos no âmbito da ciência psicológica. Para um aprofundamento da obra do pediatra e psicanalista D.W. Winnicott foi realizada uma parceria com a Sociedade Psicanalítica de Mato Grosso do Sul para a realização de 10 Seminários teórico/clínico para os alunos participantes do projeto da Pediatria no HU/UFMS.

Atualmente, em alguns casos, temos uma interlocução com a área médica quando se faz necessária uma ação terapêutica. Se, na consulta terapêutica for verificada a necessidade de um tratamento psicológico contínuo, solicitamos o encaminhamento para o Serviço de Atendimento Psicossocial (SAPS) desta instituição.

 

A PSICOLOGIA HOSPITALAR E O SEU CONTEXTO NO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DA UFMS

No Brasil, a partir da década de 40 ocorreu um incremento nos investimentos de Políticas de Saúde que priorizaram o modelo centrado na instituição hospitalar em detrimento do ocorrido em décadas anteriores, quando inúmeras epidemias assolaram o país sendo preponderante o modelo sanitarista de assistência à saúde (Silva, 1988).

Em 1954, Matilde Neder deu inicio à Psicologia Hospitalar no Brasil, desenvolvendo uma atividade na Clinica de Ortopedia e Traumatologia da USP. No início da década de 60 a Psicologia é reconhecida oficialmente como profissão e ocorre uma expansão de iniciativas de trabalhos vinculados a hospitais gerais.

A psicologia hospitalar, por pretender principalmente humanizar a prática dos profissionais de saúde dentro do contexto hospitalar, se diferencia dos demais ramos da Psicologia.

É o Psicólogo Hospitalar que irá descobrir um dos preceitos máximos da Psicologia que é a cura através da palavra, a cura da dor provocada pelo sofrimento físico e emocional. Nesta prática, o estudo teórico sempre acompanha os atendimentos e as reflexões acerca dos casos, uma vez que sem teoria o atendimento ao doente poderia ser realizado por qualquer pessoa disposta a ajudar. A diferença se faz em conhecimentos, responsabilidade nas intervenções e na resolução dos conflitos.

O Hospital Universitário da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul tem como objetivo a assistência, o ensino e a pesquisa, incluindo desta forma, várias categorias profissionais da área da saúde. Trata-se de um hospital-escola, contexto em que estagiários da UFMS, bem como de outras Universidades, vivenciam na prática os conhecimentos teóricos aprendidos. Este hospital recebe pacientes oriundos tanto da capital quanto de municípios do interior do Mato Grosso do Sul, bem como de países fronteiriços.

O setor pediátrico é composto por quartos com leitos, sendo fornecida uma cadeira para o acompanhante da criança internada; e pelo Centro de Tratamento Intensivo (CTI), onde não é permitida a permanência do acompanhante. Há também uma classe hospitalar que possui brinquedos, materiais escolares e computadores que são utilizados por estas. O uso destes ocorre no período matutino e é monitorado por três professoras cedidas pelo Estado.

 

"O EFEITO TERAPÊUTICO DO BRINCAR"

A hospitalização infantil é marcada por sofrimentos e angústias decorrentes do adoecer e da ruptura com o cotidiano. Durante a hospitalização é importante o trabalho lúdico junto às crianças internadas, possibilitando as mesmas elaborarem sofrimentos e frustrações, permitindo que sejam expressos seus sentimentos, medos e fantasias com relação ao momento particular que estão vivendo. Winnicott(1975)considera que o brincar envolve a espontaneidade e a criatividade, elementos característicos de um viver criativo, também é autocurativo, terapêutico e configura-se como sinal de saúde.

Em síntese, o brincar no hospital é uma forma da criança lidar criativamente com a sua realidade e é compreendido com base no conceito de Winnicott(1975) denominado espaço potencial. "O espaço potencial dá ao ser humano a possibilidade de lidar com a realidade objetiva de modo criativo, possibilitando assim um contato com o mundo externo amplo e saudável". (SAFRA, 1984, p. 11).

Para Pelento (1991): "Ali onde existe este espaço potencial, há lugar para a terapia, seja no enquadramento analítico ou em outros âmbitos, como o da amizade ou na relação entre pais e filhos". (PELENTO, 1991, p. 110). Assim, a intervenção junto à criança hospitalizada é embasada teoricamente à luz do conceito de espaço potencial.

Winnicott (1975) por meio de sua atuação mostrou a importância do desenvolvimento emocional da criança e da inter-relação desta com o meio. Sua concepção de que o ser humano traz consigo um potencial inerente para o crescimento pessoal o fez investir na capacidade imaginativa da criança e na sua possibilidade de utilizar recursos simbólicos e criativos na atividade de brincar.

Utilizamos em nossa prática a consulta terapêutica, que foi derivada do procedimento do "jogo do rabisco" elaborado por Winnicott (1988). Esta consulta não se trata de uma sessão psicanalítica ou psicoterápica, uma vez que uma única consulta pode ter efeito terapêutico. Visa facilitar o brincar, promovendo um efeito integrativo que possibilite que conteúdos emocionais e existenciais relevantes possam emergir em curto espaço de tempo, bem como considerar o vínculo entre a criança e o seu acompanhante, que geralmente é a mãe.

A fim de estabelecer um contato inicial com a criança internada, apresentamos o brinquedo – pelúcia, boneca, fantoche, dedoche, entre outros – através de um procedimento que Vaisberg (2004) denomina de apresentativo-expressivo do objeto, que tem por objetivo facilitar a expressão do gesto criativo e espontâneo do sujeito. Simultaneamente a este brincar, conversamos com a criança e seu acompanhante sobre o motivo da internação, bem como os sentimentos despertados pela doença e a situação hospitalar em que se encontram. Freqüentemente as crianças expressam no brincar suas angústias e medos relacionados aos procedimentos médicos aos quais são submetidas passivamente, tendo a oportunidade de significar e re-significar no plano simbólico, aquilo que está vivenciando no real. Há certa flexibilidade quanto ao espaço físico da consulta terapêutica que acontece tanto nos quartos quanto na classe hospitalar, nos corredores e no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) do setor pediátrico.

Um dos recursos utilizados pela criança no seu desenvolvimento emocional é o objeto transicional que, por suas características peculiares (como a impressão de proporcionar calor, ou de se mover, ou de ser dotado de textura, ou mostrar-se como tendo vitalidade ou realidade própria), simboliza algum objeto parcial, como por exemplo, o seio materno. "No entanto, o fato é que seu valor, reside menos em seu simbolismo que em sua realidade: não ser o seio (ou a mãe) é tão importante quanto representar o seio (ou a mãe)" (WINNICOTT, 1988, p.321). Um objeto que passa a ser transicional, simbolicamente descreve a travessia da criança desde a subjetividade até a objetividade.

Sobre este conceito, uma das situações que merece destaque foi, em uma de nossas consultas terapêuticas, o caso de um menino de dois anos que estava internado por causa de uma pneumonia, sendo cuidado pela avó e pela tia materna. Depois de algumas visitas ao seu leito, observamos que ele sempre estava segurando um pedaço de maçã e a tia nos disse que só conseguia dormir segurando este pedaço. Assim, este pedaço de maçã, é um objeto transicional para esta criança, já que sua presença se torna imprescindível na hora de dormir, nos momentos de solidão ou mesmo quando surge a ameaça de humor depressivo.

É de grande relevância considerar também a forma com que o adulto se relaciona com a criança, uma vez que seu acompanhante pode ajudá-la no enfrentamento do estar doente e do estar hospitalizada. Segundo Winnicott: "Quando uma criança ansiosa é tratada de maneira compreensiva, o que geralmente significa uma observação inativa sem ansiedade por parte do médico, o retorno à saúde pode, em muitos casos, ser acelerado" (WINNICOTT, 1988, p. 93).

 

PRESENCIANDO A RELAÇÂO MÃE-BEBÊ

"A mão e a luva"

Partindo do pressuposto de que não existe mãe sem bebê e nem bebê sem mãe, Winnicott focou a sua teoria na relação mãe-bebê. Nas consultas terapêuticas que tivemos com este caso, no período de oito meses, nosso "olhar" procurou vislumbrar esta relação.

Para Winnicott "é especialmente no início que as mães são vitalmente importantes, e de fato é tarefa da mãe proteger o seu bebê de complicações que ele não pode entender, dando-lhe continuamente aquele pedaçinho simplificado do mundo que ele, através dela passa a conhecer." (1988, pág .228)

Em nossas visitas aos leitos hospitalares, despertava-nos atenção e curiosidade observar uma criança que estava sempre sozinha e freqüentemente dormindo. Esta criança, a quem chamaremos, neste caso de Mateus, tinha dois anos, entretanto sua aparência era de um bebê de seis meses e sua pele e olhos tinham a tonalidade amarelada. Ao perguntarmos a respeito da mãe de Mateus, as acompanhantes das outras crianças do mesmo quarto disseram que a mãe quase não ficava junto dele, e que andava pelos corredores, deixando-o muitas vezes chorando sozinho.

Mateus estava há um ano internado no hospital e, sempre que alguém do nosso grupo do projeto da pediatria o visitava, a mãe não estava junto dele. Em uma de nossas visitas, observamos no leito de Mateus uma luva cirúrgica inflada que estava dependurada, próxima ao seu rosto e ao alcance de sua mão. Nesta situação a presença materna nos foi lembrada através da luva, que parecia-nos representar à mão da mãe de Mateus que, de acordo com os limites de sua disponibilidade interna, preenchia deste modo a ausência de sua presença, do seu toque, do seu cheiro, enfim de seus cuidados maternos. Assim, a "luva" era como a "mão" desta mãe que não podia estar ali.

Durante as supervisões, a "visão" que compartilhávamos dela era a de uma mãe ausente e que negligenciava os cuidados com o seu filho; outros pais e enfermeiros disseram que desejavam denunciá-la para a Assistência Social devido a este comportamento. Esta situação nos levou a pensar no conceito de "mãe suficientemente boa" de Winnicott que, "parte de uma adaptação quase total às necessidades de seu bebê, e com o passar do tempo adapta-se cada vez menos inteiramente, de acordo com a capacidade crescente do bebê de lidar com suas falhas." (1988, pág. 326). No caso, Mateus se encontrava numa situação delicada devido aos seus problemas de saúde tendo, portanto, sua capacidade debilitada.

O primeiro contato que tivemos com a mãe de Mateus foi uma conversa a respeito do álbum de fotos dele. Estas fotos eram de um período anterior em que Mateus estava internado em outro hospital, com um aspecto saudável e no colo de várias pessoas, inclusive da mãe. Esta mãe mostrou com interesse as fotos, que pareciam ser de um outro Mateus para com o qual ela demonstrava afeto. A mãe atribuía a necessidade de internação do filho, não especialmente por sua disfunção hepática, mas, sim, a uma anemia. Dizia também que Mateus precisava ganhar dez quilos para que pudesse realizar o transplante de fígado em outra cidade.

Numa outra visita, Mateus estava envolto por uma placa de vidro (utilizada como meio de facilitar a respiração) onde estava dependurada, da mesma forma como já estivera a luva, um ursinho de plástico e uma estrela que piscava algumas luzes coloridas. Ao comentarmos sobre a estrela, a mãe disse: "a estrela já tá cansada de tanto piscar ... qualquer hora, vai parar". Esta fala nos fez pensar quem representava aquela estrela cansada, se era ela ou seu filho.

A mãe de uma das crianças internados nos contou que a mãe de Mateus estava grávida e que pretendia fazer um aborto.

Aos poucos, percebemos que nossa companhia foi se tornando desejável e que inspirava confiança para nos contar sobre seus outros filhos e seus sentimentos com relação à hospitalização, enfim, sobre vários conteúdos de sua vida. Nas consultas terapêuticas, procurávamos sempre incitar a mãe de Mateus a se "aproximar" mais do filho, como por exemplo, convidando-a a estar junto conosco quando brincávamos com ele. Em meio a recusas iniciais, a mãe de Mateus passou a ter uma conduta diferente, em que se permitia brincar, tocar, acariciar e beijar o seu filho. Em um outro momento, era então a mãe de Mateus que solicitava a nossa participação nos cuidados com o filho.

Uma das funções dos cuidados maternos é a de holding; este termo é utilizado por Winnicott para significar mais que um segurar físico, mas também um amparo psíquico em que a mãe se adapta às necessidades da criança. Na relação da mãe com Mateus, podemos inferir que, a luva inflada era um holding que representava uma forma artificial de proporcionar uma provisão ambiental ao filho naquele momento.

No último contato que tivemos com a mãe de Mateus, ela nos disse que o filho teria alta da hospitalização e que cuidaria do seu pré-natal.

A mudança que, gradativamente foi acontecendo, tanto na relação de Mateus com a sua mãe, quanto da nossa própria relação com eles, pôde se concretizar a partir do momento em que a mãe de Mateus se sentiu acolhida em suas angústias e pôde com isso se "olhar", "olhar" Mateus que necessitava de seus cuidados e "olhar" também uma outra vida que ainda estava em seu ventre.

"Olhos brilhantes"

Estávamos passando por um dos quartos quando um dos bebês internados nos chamou muito a atenção por causa de seus olhos grandes e muito expressivos. Era um bebê de apenas três meses de idade, mas que parecia ser um bebê recém nascido e pré-maturo, ao qual chamaremos de Renato, que significa Renascido.

Fomos conversar com a mãe do menino para saber qual o motivo da internação. Perguntamos a ela se o menino era pré-maturo e ela nos respondeu que não, mas que ela havia nascido com 2,5 kg e que tinha perdido muito peso no primeiro mês de vida. Relatou ainda que quando dava de mamar para o filho, achava que o menino estava satisfeito, pois ele parava de "mamar" e dormia. Porém não era satisfação e, sim, cansaço, uma vez que ele fazia muita força e não conseguia sugar.

A mãe explicou ainda que o menino não mamava, não conseguia sugar o peito, pois nascera com fenda palatal e a língua colada, o que tornava muito difícil a sucção do peito materno. Segundo a mãe, o bebê ficou quase um mês sem se alimentar direito, correndo risco de vida.

Tivemos apenas uma única consulta terapêutica com essa mãe e seu bebê, contudo, é possível analisarmos sob a teoria winnicottiana que, trata-se da "mãe" e do "bebê" e eles não podem ser conceitualmente separados, formando assim o "par cuidador". A unidade winnicottiana mãe-criança é uma unidade dinâmica, viva, interativa, que lá se encontra para realizar muito mais do que apenas satisfazer às necessidades biológicas de ambas as partes, tais como as boas provisões das satisfações da boa maternagem e das necessidades de sucção e de estômago cheio da criança.

Segundo Winnicott, o bebê, desde o seu nascimento até os 6 meses de idade, encontra-se em um estado de dependência absoluta, ou seja, de total dependência do meio – que lhe é representado pela mãe ou por algum substituto. Este estado de dependência é desconhecido por parte do bebê, acreditando ser ele e o meio uma coisa só. Nesta fase, que é a que se encontra Renato, as necessidades do bebê são principalmente de ordem corporal e a mãe se adapta a estas por meio de funções maternas como a apresentação do objeto, o holding e o handling.

No caso de Renato, pôde ficar clara a sua "ligação" com o que Winnicott denomina de apresentação do objeto. Durante a primeira refeição do recém-nascido a mãe lhe apresenta o seio (ou a mamadeira) quando o bebê sente fome. O bebê assim tem a ilusão que o objeto passa a existir no momento que é esperado. Porém, no caso do Renato esta refeição não vinha, o que pode ser considerado uma falha na adaptação. Falhas como esta podem provocar carências na satisfação das necessidades do bebê, criando com isso obstáculos ao desenrolar dos processos vitais. Se o bebê sofre privações por parte desta mãe, a maturação do eu não pode se efetuar e, deste modo, fica bloqueado ou distorcido o desenvolvimento das funções principais.

Assim, não se trata de uma relação de causa-efeito e não é possível inferir conseqüências com precisão, uma vez que é em função dos graus e variedades das carências de adaptação materna e da forma como o bebê consegue arranjar-se com isso que ele vem ou não a evoluir para uma forma de organização patológica da personalidade.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O adoecer favorece a dissociação psique-soma e comumente o hospital cuida dos aspectos somáticos, a fim de curá-los o mais brevemente possível. A instituição hospitalar concentra-se nos aspectos físicos do caso do paciente.

Sendo assim, torna-se necessário um ambiente emocional acolhedor para a criança hospitalizada e a Psicanálise pode contribuir para isso, uma vez que possui condições de oferecer um outro sentido àquilo que é percebido apenas como rotineiro e como óbvio. O Psicólogo pode perceber a criança hospitalizada além de um corpo que sofre, porque compreende o adoecer de um ponto de vista psicodinâmico.

Winnicott afirma: "É no brincar, e somente no brincar que o indivíduo criança, ou adulto, pode ser criativo e utiliza sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu (self)". (WINNICOTT, 1975, p. 80). Assim, pode-se concluir que o brincar é um recurso terapêutico favorável no período da hospitalização infantil, é uma oportunidade de vivência total de uma experiência, ao oportunizar a integração psique-soma.

No decorrer da execução do nosso projeto, pudemos perceber que houve uma maior aceitação por parte das crianças internadas, de suas mães ou acompanhantes, das professoras da classe hospitalar, da equipe médica, da enfermagem e dos estagiários de outros cursos. Esta aceitação pôde ser notada a partir do momento que entramos no hospital, quando ouvimos das pessoas comentários simpáticos como: "Lá vem as meninas do jaleco colorido!".

Por meio da realização deste trabalho oportunizamos o contato da criança consigo mesma, lidando emocionalmente de uma forma mais autônoma, construtiva e criativa com os seus conteúdos internos despertados neste momento vulnerável, que é o da hospitalização.

Portanto, não se pode deixar de considerar que, para que haja um brincar "terapêutico" no contexto hospitalar, faz-se necessário lidar com a especificidade desse setting e, como resultado dessa nossa experiência, afirmamos ser viável e significativa a inserção e intervenção do psicólogo na Pediatria, bem como no hospital como um todo.

 

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* Acadêmicas do 5º ano de Psicologia da UFMS
** Professoras Supervisoras

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