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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH v.9 n.2 Rio de Janeiro dez. 2006

 

 

Qualidade de vida subseqüente à mastectomia: subsídios para intervenção psicológica

 

 

Adriana Carvalho Pinto; Dinorah Fernandes Gióia-Martins

Universidade Presbiteriana Mackenzie

 

 


RESUMO

O presente estudo investigou as modificações ocorridas na auto-imagem da mulher mastectomizada e também como esta interfere na qualidade de vida da paciente. A amostra consistiu em 5 mulheres, entre 35 e 51 anos, com diagnóstico de câncer, que realizaram a cirurgia de retirada da mama. Como instrumento, utilizou-se: entrevista semi-estruturada; teste D.F.H. e questionários de qualidade de vida EORTC QLQ-C30 e EORTC-BR23. Observou-se que a perda do seio é desorganizadora do esquema corporal, levando as pacientes a se sentirem feias, menos femininas e descontentes com seus corpos. Insegurança, desespero e medo da morte são recorrentes, acarretando em dificuldades de estabelecer relacionamentos com o outro, expressando-se afetivamente sempre como uma forma de obter aprovação. Por fim, a mastectomia não deve ser entendida como a simples retirada do seio, mas como uma ruptura na auto-imagem e na feminilidade, que resulta em mudanças e inseguranças, sendo fundamental o apoio psicológico nessa fase.

Palavras-chave: Mastectomia, Qualidade de vida; Imagem corporal, Psicologia hospitalar.


ABSTRACT

This research searched into the modifications occurred in the body image of the mastectomized woman and how this new body image interferes in the patient’s quality of life. The sample consisted of 5 women, between 35 and 51 years old, with breast cancer, who went through mastectomy surgery. The used instruments were: semi-structured interview; Human Figure Drawing Test (D.F.H.) and the quality on life questionnaires EORTC QLQ-C30 and EORTC-BR23. It was observed disorganization of the body scheme, leading to feelings of ugliness; not being feminine and deep dissatisfaction with their bodies. Insecurity, despair and death fear are recurrent, since these women have difficulties in establishing relationships, always expressing their feelings with the aim of being approved. Mastectomy should not be understood as the simple loss of the breast, but as a femininity and body image rupture, which resulted in changes and insecurities, which makes psychological support fundamental in this phase.

Keywords: Mastectomy, Quality of life, Body image, Hospital psychology.


 

 

INTRODUÇÃO

Na atualidade, a sociedade a cada dia estabelece padrões de beleza mais estritos e as mulheres lutam por alcançá-los. Todavia, ao serem acometidas pelo câncer de mama, neoplasia muito comum na atualidade, além do forte impacto proporcionado pelo diagnóstico, essas mulheres ainda necessitam enfrentar grandes mudanças corporais, as quais impossibilitam o alcance do corpo tão desejado.

Uma das formas de tratamento mais eficazes para tal patologia é a mastectomia, que se constitui na retirada total ou parcial das mamas e linfonodos auxiliares, como uma forma de erradicação do tumor (INCA/MS, 2001/2006). Embora eficiente tal procedimento cirúrgico revela-se como mutilador, visto que retira da mulher órgãos carregados de simbolismo sexual e de feminilidade (Duarte & Andrade, 2003). Em analogia à Psicanálise, pode-se considerar que tal tratamento é vivenciado como uma castração, que priva a paciente do desempenho simbólico de seu papel internalizado, de mulher sensual e mãe provedora, possuindo, portanto, profundas repercussões em seu autoconceito (Capisano, 1992; Freud, 1917/1969).

A mastectomia pode representar não só a mutilação do corpo, como também a mutilação da condição feminina (Rodrigues, Silva e Rodrigues, 2002). A mama é um órgão repleto de representatividade para cada mulher e a falta dele pode acarretar num sentimento de vazio, desestruturando emocionalmente a paciente (Schávelzon, 1992). De acordo com Lugton (1997, conforme citado por Bergamasco & Angelo, 2001), quando diagnosticada com câncer de mama, a mulher é confrontada com sua própria mortalidade e procura reassegurar-se do amor e suporte emocional das pessoas mais próximas, a fim de manter sua própria identidade e enfrentar as incertezas do futuro.

Uma das grandes preocupações que estas pacientes enfrentam é o estigma social da doença. Tarricone (1992) afirma que a paciente com câncer sofre forte falta de prestígio dentro do contexto social, familiar e profissional, conduzindo a profundos impactos em sua qualidade de vida. As pessoas a consideram incapaz para levar adiante sua vida, visto que é considerada uma pessoa condenada à morte e, portanto, incapaz de se readaptar a sua função normal (Veloso, 2001). Assim, sua reintegração social também fica prejudicada, pois à medida que a sociedade a exclui, ela sente que está perdendo tudo e que as pessoas à sua volta querem manter esta perda, à medida que reforçam seu sentimento de desamparo (Corbineau, 1989; El-Sharkawio, et al., 1997).

O presente estudo investigou as modificações ocorridas na auto-imagem da mulher mastectomizada, abordando tanto as mudanças concretas, perceptíveis pela paciente, como também as fantasias e angústias mais inconscientes que acompanham essa nova condição. A partir da identificação dessas características, também foi verificado como essa nova imagem corporal interfere na qualidade de vida da paciente, em especial no ajustamento sexual, emocional, social e profissional.

Neste estudo, a fim de alcançar-se os objetivos propostos, será considerada a definição de qualidade de vida proposta pela Organização Mundial da Saúde (1982), que é a de "a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações" (OMS, 1982).

 

MÉTODO

Universo e amostra

O estudo foi realizado com a participação de 5 mulheres com idades entre 35 e 51 anos, diagnosticadas com câncer de mama e submetidas à mastectomia radical ou quadrantectomia há pelo menos 6 meses e no máximo 2 ano e 6 meses, independente de seu estado civil e condição sócio-econômica. Todos os sujeitos estavam em acompanhamento ambulatorial pós-cirúrgico em uma instituição pública de saúde da cidade de São Paulo.

Instrumentos

Para a coleta dos dados, foram utilizados o Teste do Desenho da Figura Humana, de acordo com os princípios de Hammer (1989), uma entrevista semi-dirigida com roteiro previamente elaborado pelas pesquisadoras e os Questionários de Qualidade de Vida QLQC-30 e BR-23 desenvolvidos pela Organização Européia de Pesquisa e Tratamento do Câncer (Fayers e cols., 2001). Trata-se de um questionário que cobre sintomas específicos do câncer, os efeitos colaterais do tratamento, sofrimento psicológico, funcionamento físico, interação social, sexualidade, imagem corporal, saúde global, qualidade de vida e satisfação com cuidado médico. Bowling (1995, conforme citado por Veloso, 2001) afirma que este instrumento é uma das melhores medidas de qualidade de vida desenvolvida para pacientes com câncer na atualidade.

Além do QLQ-30, também foi criado o BR-23, que é uma versão exclusiva para o câncer de mama. Ambos instrumentos foram desenvolvidos com a intenção de serem utilizados internacionalmente, podendo ser aplicados em diferentes países e culturas. Ambas as escalas já foram traduzidas e validadas para o português falado no Brasil.

Procedimentos

Inicialmente o projeto de pesquisa foi submetido à aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Após a aprovação, entrou-se em contato com a instituição em que a coleta de dados foi realizada, que autorizou o prosseguimento do estudo e então a pesquisadora passou a participar dos grupos de Fisioterapia e Psicologia a fim de entrar em contato com os possíveis sujeitos de pesquisa.

Ao final de ambos os grupos, a pesquisadora se apresentava e ao trabalho, convidando as pacientes que atendiam aos critérios de inclusão já apresentados. Quando estas concordavam em participar do estudo, eram atendidas individualmente, em parte reservada da sala de espera da instituição. Nesse primeiro contato era realizada a leitura da Carta de Informação ao Sujeito e da carta de Consentimento Livre e Esclarecido, explicando à participante todas as condições necessárias à participação do estudo e assegurando-lhe o anonimato, e a continuidade do atendimento médico independentemente da participação ou não no estudo. Após a assinatura do termo de Consentimento Livre e Esclarecido, deu-se início à coleta dos dados propriamente dita.

Primeiramente foi aplicado o teste do Desenho da Figura Humana (D.F.H.), dando-se a instrução de que a paciente deveria desenhar uma figura humana. Foi colocado à disposição lápis preto n.º 2 e borracha. Após a confecção dos desenhos, foi realizado o inquérito. Em seguida, realizou-se a entrevista semi-dirigida, de acordo com o roteiro já apresentado. A mesma foi gravada em fita cassete após consentimento dos pesquisados. Finalmente, foram aplicados os questionários de qualidade de vida EORTC QLQ-C30 e EORTC-BR23. Os questionários foram aplicados com o auxílio da entrevistadora, que leu todas as questões para as pacientes, tomando nota de suas respostas.

Após a aplicação de todos os instrumentos, foi perguntado aos sujeitos se tinham alguma dúvida sobre os procedimentos e o encontro encerrado.

A coleta dos dados foi realizada em um encontro com cada sujeito em dias e horários diferentes.

 

RESULTADOS

Desenho da Figura Humana (DFH)

Percebeu-se que 100% da amostra sustenta sentimentos de incapacidade, falta de energia e confiança em si após a cirurgia, os quais estão relacionados a sentimentos de falta de apoio do meio em que vivem, sentindo-se desamparadas pelo mesmo. Desta forma, as pacientes tendem a desenvolver relacionamentos disfuncionais, expressando-se afetivamente como uma forma de obter aprovação (100% da amostra). Como mecanismo de expressão afetiva, efetuam o controle de impulsos agressivos ou hostis (60% da amostra), evadindo-se ao contato quando não conseguem alcançar o controle desejado.

Outro fator significativo é que 80% dos sujeitos de pesquisa expressa descontentamento com seu próprio corpo, sendo que destes, 40% ainda apresenta desorganização do esquema corporal em decorrência da cirurgia. 20% da amostra, além de expressar descontentamento com o próprio corpo, ainda direciona sua agressividade contra si mesma.

No tocante à sexualidade os dados obtidos apontam que,após a intervenção cirúrgica, 100% da amostra apresentou repressão dos impulsos sexuais, acreditando-se não ser mais capaz de obter prazer por esta via e também proporcionar prazer ao companheiro. Ainda neste sentido, 80% da amostra apresentou regressão a um modo de funcionamento mais infantilizado após o diagnóstico da doença.

Entrevistas semi-dirigidas

Foi utilizada a técnica de análise do conteúdo, conforme proposto por Bardin (2001), sendo estabelecidas 7 categorias de análise.

Reação ao diagnóstico de câncer de mama

Os dados obtidos mostraram que 80% (n=4) dos sujeitos de pesquisa apresentaram reações negativas ao diagnóstico, envolvendo sentimentos de desespero (n=2, 40%) e medo da morte (n=2, 40%). Os 20% (n=1) restantes da amostra apontaram reações positivas quando receberam o diagnóstico, sendo estas caracterizadas pela aceitação da doença.

Reação à mastectomia

Conforme se pode observar, 80% (n=4) dos sujeitos de pesquisa apresentaram reações negativas à notícia de que precisariam se submeter a mastectomia, sendo que tais reações envolviam tanto o medo da cirurgia em si (n=2, 40%), como a preocupação pela perda do seio (n=2, 40%). Os 20% (n=1) restantes da amostra apontaram reações positivas frente à necessidade de realização da cirurgia, como uma esperança de recuperação da saúde.

Modificações na rotina após a cirurgia

80% (n=4) da amostra afirmou ter sofrido modificações em seu dia-a-dia após a cirurgia, sendo que 60% (n=3) dos sujeitos classificou tais mudanças como negativas e 20% (n=1) classificou-as como positivas. Os 20% (n=1) restantes da amostra apontaram que sua rotina não sofreu quaisquer modificações após a cirurgia.

Realização de tratamentos posteriores à cirurgia e reação aos mesmos

100% (n=5) da amostra realizou tratamentos co-adjuvantes à cirurgia (quimioterapia ou radioterapia). Destes, 20% (n=1) das mulheres realizou somente quimioterapia; 40% (n=2) realizou somente radioterapia e 40% (n=2) realizou ambos tratamentos.

Toda a amostra caracterizou como negativas suas reações aos mesmos. Tais reações envolviam: medo, por desconhecimento do tratamento (n=1, 20%); tristeza pela perda do cabelo (n=1, 20%); mal-estar físico (n=2, 40%) e outros motivos (n=1, 20%).

Relacionamento familiar

80% (n=4) dos sujeitos de pesquisa consideram seu relacionamento familiar como positivo, sendo que 20% (n=1) da amostra mencionou que não houve mudanças neste e 60% (n=3) considerou que a família ficou mais unida após a cirurgia. Por outro lado, 20% (n=1) da amostra classificou-o como negativo, justificando tal ocorrência por meio do afastamento do marido após a cirurgia.

Imagem corporal

80% (n=4) dos sujeitos possuem imagem corporal negativa de si próprios após a cirurgia. Em contrapartida, 20% (n=1) da amostra afirma estar mais satisfeita com o próprio corpo.

A percepção negativa do corpo é ora relacionada à sensação de mutilação corporal, sendo que a paciente acaba evitando o contato com esse novo corpo (n=2, 40%); e insatisfação com as novas formas assumidas pelo corpo, porém tal insatisfação não está ligada diretamente à perda do seio (n=2, 40%).

Relacionamento sexual

100% (n=5) dos sujeitos de pesquisa mantiveram relacionamentos sexuais após a cirurgia, porém a percepção da qualidade destes foi diferente. 60% (n=3) dos sujeitos não referem mudanças na qualidade de seus relacionamentos, enquanto 40% (n=2) consideram-nos como havendo piorado após a mastectomia.

Questionários EORTC QLQC-30 e BR-23

Os questionários foram divididos em sub-categorias de análise, conforme sugerido por Bowling (apud Veloso, 2001).

Funcionamento físico e efeitos colaterais do tratamento

Em relação à dificuldade de realizar esforços físicos, 60% dos sujeitos relatou alto grau de dificuldade. Destes, 80% afirmou ter dificuldade em carregar objetos pesados e 40% tinha dificuldade em realizar grandes caminhadas.

Com relação às dores, 60% dos sujeitos afirmam sentir muita dor em geral; 80% afirma sentir muita dor no braço ou no ombro e 60% na área do seio doente. Deste percentual que relata sentir dores, 80% afirma que estas interferem em suas atividades diárias.

Com relação aos sintomas especificamente relacionados com a mama e o braço homolateral à realização da cirurgia, percebeu-se que 60% das pacientes sentem a área do seio doente muito inchada; 80% sentem-na demasiado sensível; 20% tem notado problemas de pele e 20% tem sentido o braço e a mão inchados. É ainda importante perceber que 80% da amostra relata dificuldade em levantar ou abrir o braço.

Sofrimento psicológico

Aproximadamente 72% da amostra relatou altos níveis de tensão emocional, sendo que deste percentual, 80% das pesquisadas afirmam ter sentido nervosismo; 60% muita preocupação e 80% irritação fácil. Com relação aos índices de depressão, 40% da amostra diz tê-la sentido na última semana. Ainda foi possível constatar que 100% das mulheres entrevistadas sentem-se preocupadas com sua saúde futura.

Interação social e laboral

Os dados coletados mostram que 60% da amostra tiveram dificuldades em realizar suas atividades diárias após a cirurgia. Estes dados estão relacionados à alta porcentagem de sujeitos que afirmaram sentir muitas dores ou limitações nos movimentos do braço homolateral, impossibilitando o retorno ao trabalho ou às atividades domésticas.

40% da amostra aponta dificuldades em se dedicar a atividades de divertimento ou lazer. Ainda, 60% da amostra afirma que a doença e o tratamento não interferem (40%) ou tem pouca interferência (20%) em suas atividades sociais.

Ainda é importante ressaltar que 80% das pacientes referem que a doença e o tratamento não interferiram em sua vida familiar e 80% dizem que estes não lhe trouxeram dificuldades financeiras.

Sexualidade

80% dos sujeitos de pesquisa apresentam perturbações no desejo sexual, sendo que 60% destes afirmam não ter sentido desejo nas últimas 4 semanas e 20% afirmam sentir pouco desejo. Com relação à freqüência das relações sexuais, 20% afirma não ter mantido relações nas última 4 semanas e 20% diz ter tido poucas. Ainda em relação a este tópico, 40% refere não ter sentido prazer nestas relações.

Imagem corporal

100% dos sujeitos se sentem menos bonitas como resultado da doença ou tratamento, sendo que destes, 60% afirma sentir-se muito menos bonita e moderadamente menos bonita. Deste total, 80% refere se sentir insatisfeita com o próprio corpo, tendo dificuldade em se observar nua.

80% das mulheres pesquisadas se sentem menos mulheres em decorrência da doença, sendo que 60% destas consideram esta sensação como muito intensa e 40% como moderadamente intensa.

Com relação à perda dos cabelos, 60% da amostra refere ter sofrido queda de cabelos na última semana, sendo que destes, 20% afirmam que este fato lhe incomodam um pouco.

 

DISCUSSÃO

Os resultados obtidos serão discutido sob o enfoque da teoria psicanalítica.

O fato de 80% da amostra reagir negativamente ao diagnóstico pode ser relacionado ao estigma do câncer de mama e ao preconceito da sociedade que, segundo Goffman (1988, conforme citado por Bergamasco, 2001), julga o indivíduo doente como um ser incapaz de desempenhar plenamente suas funções. Esta situação pôde ser observada no relato do sujeito 4, quando coloca que "[...] eu pensei, quando fiz o exame e vi que eu estava com câncer, que meu cabelo ia cair e meu marido não ia mais querer andar comigo, minhas filhas não vão querer andar comigo, me senti uma inválida [...]". Esta afirmação confirma o que já foi postulado por Tarricone (1992) e Duarte (2003), de que frente ao diagnóstico de câncer de mama, a mulher começa a elaborar fantasias de perda da feminilidade e do parceiro, visto que sente que suas capacidades de sedução serão diminuídas.

Os achados corroboram as conclusões obtidas no estudo de Tarricone (1992) que postula que as primeiras reações subseqüentes ao diagnóstico são de medo e ansiedade, sendo que ambas funcionam como mecanismos de defesa que protegem a mulher da exposição a uma pressão forte e inesperada, permitindo-lhes ajustar seu tempo interior para que as informações do diagnóstico possam ser assimiladas.

O medo da morte também foi mencionado com elevada significância (40%), o que pode estar ligado ao fato de que quando o diagnóstico de câncer é transmitido, a paciente depara-se com sua finitude e vulnerabilidade, levando-a a iniciar o processo de diversos lutos antecipatórios, inclusive o da própria morte. O sujeito 3 expressa fortemente esses sentimentos quando diz "[...] meu mundo caiu. Parecia que eu já ia morrer", ou então "[...] o chão saiu debaixo dos meus pés [...]".

Outra reação ao diagnóstico que foi noticiada refere-se à perda do papel, tanto o feminino quanto o de indivíduo, quando a neoplasia é diagnosticada. A mulher deixa de ser uma mulher, possuidora de desejos e de uma história e passa a ser a "doente", aquela cuja função é lutar pela própria integridade física. Assim expressa-se a sujeito 4, que diz: "[...] chorei muito e pensei ‘e agora, o que vou fazer?’ [...]"; estes são os sentimentos despertados pela doença: desproteção e perda do rumo, que levam à necessidade de re-elaboração da própria identidade e função social num momento de extrema fragilidade. Tais dados estão em consonância ao proposto por Bergamasco (2001), de que o diagnóstico é o momento em que a mulher deve estabelecer novos propósitos de vida, integrando seu novo ser de forma produtiva e saudável, para que possa se ajustar no âmbito psicossocial.

O diagnóstico de câncer de mama implica ainda na utilização de mecanismos de defesa que possibilitam à mulher lidar com a forte angústia despertada por este. O mecanismo de defesa mais recorrente de acordo com o estudo de Tarricone (1992) é o da negação; contudo este, embora seja um continente da angústia no primeiro momento, muitas vezes, conforme já exposto por Tarricone (1992) e Duarte (2003), retarda a busca por consultas médicas e pelo diagnóstico, pois a paciente nega tanto a existência quanto a gravidade da doença. O sujeito 4, em suas afirmações, expressa claramente a utilização de tal mecanismo de defesa: "[...] todo dia ela (a patroa) perguntava: ‘Já sumiu?’ e eu respondia não, todo dia era assim. E a febre passou, eu não tinha mais nada. Ela ficava sempre atrás de mim: ‘Vai no médico, vai no médico’. E eu falava: ‘Mas eu não estou sentindo nada, só está um carocinho aqui, mas não é nada, né". Ainda ligado a esta questão, percebe-se que o adiamento da consulta médica funciona ainda como um mecanismo de manutenção da esperança, pois a dúvida é reconfortante, poupando temporariamente a paciente do contato com a realidade imposta pela doença; conforme expressa o sujeito 4, [...] quando eu vim aqui com a minha patroa, a gente não sabia o que era, ainda estávamos pensando: ‘será que é, será que não é?’[...]". O fato da dúvida ser reconfortante intensifica a utilização da negação, dificultando a busca e adesão ao tratamento.

Por fim, com relação aos 20% da amostra que referiram reações de aceitação do diagnóstico, pôde-se perceber que a aceitação estava relacionada à desinformação quando à patologia e mecanismos de ação desta. Conforme refere o sujeito 5, sua aceitação do diagnóstico ocorreu "[...] numa boa, eu não tinha idéia do que era o câncer, então, assim, numa boa é modo de dizer, porque eu não sabia o que era. Então, para mim, parecia assim que eu estava com uma dor de dente, uma coisa assim, mas bem simples". A ocorrência de tal afirmação reforça a necessidade de desenvolvimento de um trabalho psicológico de esclarecimento a respeito da doença.

As reações negativas decorrentes do medo da cirurgia podem ser compreendidas como uma ocorrência inerente ao ser humano, visto que este atua através do instinto de conservação da própria vida. As cirurgias em geral são procedimentos geradores de grande ansiedade, visto que por mais simples que sejam implicam em risco de morte e seqüelas. Por outro lado, em 40% da amostra esteve presente não o medo da cirurgia em si, mas a preocupação de perder o seio e o que este significa. Esses dados corroboram os achados de outras pesquisas apresentadas neste estudo, em especial a de Tarricone (1992). Estas apontam a perda do seio como a perda da feminilidade e do papel de mãe nutritiva. Conforme o relato do sujeito 5, "[...] quando eu acordei, que eu coloquei a mão assim, foi que eu percebi que havia sido retirado todo o seio. Chorei muito mesmo, mas daí eu cheguei no quarto e estava toda a minha família, todos estavam lá me esperando, né, me deram o maior apoio [...]". Neste relato pode-se observar a dor pela perda da mama, o impacto psicológico desta e o quanto o apoio familiar é importante, funcionando como instrumento primordial de reabilitação, o que será abordado em maior profundidade em outro momento deste estudo.

O sujeito 5 expressa ainda a vivência da cirurgia como ameaçadora, além do aparecimento de uma série de fantasias relacionadas à perda do seio: "[...] pareceu assim que abriu o chão, assim, falei ‘agora estou aleijada’, falei ‘Meu Deus, onde colocaram meu seio? Para onde foi? O que aconteceu naquela hora em que eu estava dormindo?’, todas essas coisas. Dá assim aquele ataque na sua cabeça e aparece um monte de coisas [...]". Nesta fala percebe-se que a paciente vivenciou a perda do seio como uma castração, conforme o exposto na pesquisa de Ferreira e Mamede (2003) e Tarricone (1992). No momento da re-experiência do complexo de castração, a mulher regride e passa a ser ameaçada por fantasias primitivas de ataques e desintegração corporal, de onde surgem os questionamentos que foram expressos por este sujeito.

Na parte da amostra que apresentou reações positivas à mastectomia (20%), considerando a cirurgia como um modo de recuperar a saúde, é ainda perceptível a utilização dos mecanismos de defesa de negação parcial e racionalização, sendo que o primeiro já havia sido descrito nos achados de Tarricone (1992). De acordo com o relato do sujeito 4, "[...] eles não falaram primeiro que teriam que tirar toda a minha mama, ainda bem, porque daí eu não fiquei pensando nisso [...]". Neste trecho, entende-se que como conseqüência da negação parcial, o sujeito consegue apegar-se à esperança de preservação da mama, conseguindo enfrentar mais facilmente a cirurgia. No momento em que se depara com a perda inevitável, surge a racionalização, conforme ainda encontrado no discurso do sujeito 4: "[...] se for o caso de precisar fazer a cirurgia toda a gente faz, mas se não for preciso tirar a mama toda, a gente não tira. Tem problema? Eu disse que não, que o importante era ter saúde [...]". Percebe-se que a racionalização, neste caso, funciona como uma forma de evitar o contato com os dolorosos sentimentos que esta perda causaria a ela, focando-se, de modo a minimizar o sofrimento, na esperança de recuperação da saúde.

Em sua maioria as modificações na rotina após a cirurgia são consideradas negativas, pois se relacionam ao abandono do emprego, ou então à impossibilidade de continuar a realizar os serviços domésticos. Os sujeitos expressaram grande sofrimento por esta perda, pois sentiram seu valor diminuído e seu papel perdido, estando de acordo com as afirmações de Schávelzon (1992), que colocam que a alteração anatômica ou funcional contribui para o surgimento de sentimentos de culpa e depressões reativas. Como reação a tais perdas surgiam sentimentos de tristeza e reações de choro e depressão, conforme relata o sujeito 4, "[...] hoje minha vida mudou, porque eu não consegui voltar a trabalhar, então passo o dia todo em casa, sem conseguir fazer as coisas, fico pensando, não tenho vontade de fazer nada, de limpar as coisas. Tem dias que não quero nem sair da cama".

Com relação aos 20% da amostra que consideraram positivas as modificações ocorridas na rotina, percebeu-se que estas estavam relacionadas a outras contingências da vida da paciente, e não à patologia ou à cirurgia em si, impossibilitando sua apreciação neste estudo.

Com relação à realização de tratamentos posteriores ao procedimento cirúrgico, foi possível perceber que a quimioterapia gera maior ansiedade nas pacientes, fazendo com que estas se preocupem mais com sua realização e conseqüências do que quando precisa fazer somente a radioterapia. A maior mobilização ansiógena pode estar relacionada ao estigma social da quimioterapia, que envolve a perda do cabelo, além do mal-estar físico causado por esta. Quando necessita ser submetida à quimioterapia, a mulher tende a antecipar sentimentos de rejeição social e preconceito, acreditando não ser mais querida pelos que a cercam; conforme cita o sujeito 1, após saber que teria que realizar a quimioterapia: "[...] eu nem queria mais falar com ninguém e eu não queria mais ver ninguém. Para mim as pessoas iam ter nojo de mim, as pessoas não iam mais querer saber de mim, sabe... Eu me sentia, assim inútil, assim, uma coisa... Eu queria ficar afastada [...]".

A quimioterapia traz ainda o agravante da perda do cabelo, o que traz ainda maior dificuldade para a mulher aceitar o tratamento, contudo estas serão abordadas na categoria de imagem corporal.

Encarar a sociedade é um dos maiores problemas que estas pacientes enfrentam quando estão realizando tratamentos posteriores à cirurgia. Ocorre uma transposição de perdas que as deixam ainda mais frágeis e inseguras para reassumir suas vidas. Conforme expressa o sujeito 4, "[...] às vezes eu tinha dificuldade também quando eu vinha marcada da radio, e o pessoal ficava me perguntando se eu estava brincando de vampiro [...]".

Um dado interessante foi que 20% da amostra mencionou que teve muito medo do tratamento (no caso, da radioterapia), pois não conhecia os procedimentos de realização deste. Como se pode constatar no relato do sujeito 2, "[...] eu estava nervosa, com medo, mas comecei a ficar mais calma quando conversei com uma outra moça na sala de espera, que também ia fazer a radio. Ela me explicou como era [...]".

é importante considerarmos também os relacionamentos familiares, visto que diversos estudos, dentre eles pode-se citar os de Tarricone (1992), Arán e cols. (1996) e Rodríguez, Silva e Rodríguez (2002), apontam que a família é um agente primordial para que a mulher consiga se reestruturar novamente. A perda da mama transforma-se num momento de extrema fragilidade psíquica, visto que a mulher necessita sentir-se amada, querida e apoiada, a fim de conseguir reconstruir sua identidade, reassumindo seus papéis anteriores à cirurgia.

Tendo em vista tais colocações, pode-se pensar que os 80% das mulheres que consideram seu relacionamento familiar como positivo tem maior facilidade no processo de reabilitação, visto que se sentem apoiadas e incentivadas a reassumir seu lugar temporariamente perdido. Os 60% das mulheres que dizem que a família ficou mais unida após a cirurgia se sentem mais confortadas e acolhidas por esta, conforme cita o sujeito 4: "[...] então, eu acho que mudou, porque, por exemplo, meu marido tem um monte de irmão, irmã, que se tinham consideração por mim não demonstravam. E nesse período que eu passei doente, eles iam lá em casa, conversavam, ligavam, viam o que podiam fazer [...] a gente não tinha tempo para conversar. E agora todo mundo liga para saber como está, do que está precisando, essas coisas [...]". Na mesma linha de pensamento, o sujeito 5 diz: "[...] eu acho que meus filhos se apegaram mais a mim, eles gritavam muito comigo e hoje já não gritam mais. Acho que eles me tratam com mais cuidado, a diferença que eu percebi foi essa [...]".

Com relação aos 20% da amostra que classificou seu relacionamento familiar como negativo, mencionando o afastamento do companheiro, percebeu-se que esta manifestação está relacionada a dificuldades de relacionamento sexual advindas de modificações no esquema corporal em decorrência da cirurgia. De acordo com o sujeito 2, "[...] meu marido ficou menos carinhoso comigo, sabe... Antes ficava sempre junto, mas agora está mais distante. Eu sinto falta disso, fico triste [...]".

Os dados obtidos em relação à imagem corporal corroboram as conclusões alcançadas em outros estudos, podendo-se citar como exemplo os de Ferreira e Mamede (2003) e Tarricone (1992), que postulam que a reorganização da imagem e esquema corporais são comprometidos na mulher submetida à mastectomia, pois psiquicamente lhe é exigido que retire seus investimentos libidinais da mama para que possa adaptar-se à sua nova condição. Como reação à perda, a mulher passa pelo período de enlutamento, no qual procura elaborar e aceitar sua nova imagem corporal, acarretando sentimentos de tristeza e estranhamento, conforme menciona o sujeito 2: "[...] antes eu gostava de ficar me olhando no espelho, agora passo reto, porque meu corpo está muito feio. Outro dia eu estava me secando depois do banho e coloquei a mão e senti que faltava o meu seio... Foi muito difícil para mim, fiquei muito mal mesmo. Não me olho no espelho, me acho feia demais [...]".

é interessante notar que 40% da amostra que se diz insatisfeita com o próprio corpo relaciona esta insatisfação com outros fatores, tais como haver engordado após a cirurgia, ou então por sentir dores nos membros. A tal reação levantou-se a hipótese de que o maior investimento libidinal em outras partes do corpo afasta a mulher da dor da perda, minimizando seu contato com a mama perdida. Tal mecanismo funciona como uma negação que procura preservar a mulher do impacto psicológico da perda. Tal ocorrência pôde ser observada no relato do sujeito 1, quando diz: "[...] eu engordei, era magrinha, assim, agora eu engordei e aí fiquei assim, chateada porque eu não estou gostando do meu corpo, não to achando jeito para ele, sabe. Não to gostando do meu corpo [...]". Como se pode perceber, o sujeito 1, em sua resposta, não refere a perda do seio, e quando diretamente questionada a respeito disso nega o impacto, dizendo "[...] parece que até meus peitos cresceram mais, que eu engordei e ficou tudo grande, sabe. Até os médicos falam assim, ó, faltar não vai faltar. Tem bastante, né [...]". Tal ocorrência pode ainda ser constatada no sujeito 4, quando este diz que "eu tenho sentido muita dor, meu corpo mudou muito. Hoje eu não posso colocar um salto que minha perna fica inchada, sinto dor nos pés, dor nas pernas [...]"; ainda complementa que "[...] uma coisa que eu achei importante foi que com a cirurgia, eu que já não tinha muita barriga, agora fiquei sem mesmo [...] teve sua vantagem [...]".

Outro fator de grande impacto para as pacientes de câncer de mama relaciona-se à perda dos cabelos resultante das terapias adjuvantes à cirurgia, em especial da quimioterapia. As mulheres, muitas vezes, vivenciam esta perda como mais dolorosa do que a perda do seio em si, visto que é uma perda mais aparente e que ataca não somente sua identidade de mulher, mas também a de ser humano. Os 60% da amostra que realizou quimioterapia relata angústia e outros sentimentos negativos advindos da perda do cabelo, conforme mostram os seguintes relatos:

"[...] mas o que eu fiquei mais arrasada mesmo não foi nem pela cirurgia, nem foi por tirar a mama, se tivesse que tirar... foi por ter que fazer quimioterapia, que ia cair o cabelo, essas coisas, daí eu fiquei arrasada [...] daí quando eu fui fazer quimioterapia, a médica falou: ‘Você não vai ter que fazer da vermelhinha, você vai fazer da amarelinha, que é mais fraquinha e seu cabelo nem vai cair, vai ficar só um pouco fraco assim’ [...]" (Sujeito 1).

"[...] aí é onde mexe mais com a gente. Aí foi um desastre, porque meu cabelo era cacheado e muito grande, batia na cintura. Quando eu entrei na sala, que os médicos viram, eles disseram: ‘que pena o seu cabelo, corta o seu cabelo e faz uma peruca antes que ele caia’. Só que eu não fiz isso, mas dois dias depois da primeira quimioterapia quando eu fui lavar o cabelo, ele caiu todo. Não foi todo, mas caiu tanto que deu a impressão de que foi tudo. Aí eu fui e passei a maquininha e me vi sem cabelo [...]" (Sujeito 4).

Ainda foi possível perceber-se que, conforme proposto por Schilder (1994), uma grande preocupação envolvida na nova auto-imagem refere-se ao que o grupo social irá pensar da perda da mama, o que leva a mulher a temer a retomada de suas atividades, dificultando ainda mais a reconstrução de sua nova identidade. Conforme afirma o sujeito 5, "[...] tô me sentindo meio estranha, olho assim e está meio estranho... [...] o fato de ter um seio só, daí às vezes eu ando na rua e fico pensando: ‘será que alguém está vendo que não é normal?’, me sinto assim [...]". Nesta problemática, Schilder (1994) coloca que sempre que um indivíduo percebe uma anomalia em seu corpo, passa a observar esta mesma parte no corpo dos outros. Deste fato resulta a preocupação da mulher mastectomizada com as reações que as outras pessoas terão a sua nova condição, a qual espera ser carregada de preconceito e rejeição.

Com relação aos 20% da amostra que se diz satisfeita com o próprio corpo, tal satisfação está relacionada à realização da reconstrução mamária imediatamente após a cirurgia, conforme aponta o sujeito 3: "[...] ah, tá bom assim, minha barriga está retinha, ainda está um pouco inchada, mas está bom. O seio também ficou bonito depois da reconstrução [...]".

Já no tocante à cirurgia de reconstrução mamária, noticiou-se que 40% da amostra realizou-a imediatamente após a cirurgia; 40% não realizou a cirurgia e não demonstra desejo em fazê-la, justificando que a mesma não é necessária; e 20% afirma que pretende realizar a reconstrução. Dentre o grupo que já realizou a reconstrução, ou que então pretende fazê-la, percebeu-se que as razões que levam a isso são: melhora da aparência física (40%); possibilidade de recuperar a mama perdida (20%); e maior comodismo, com a finalidade de abandonar o uso da prótese (20%). Noticiou-se que 80% da amostra sustenta concepções positivas a respeito da cirurgia de reconstrução mamária; enquanto 20% consideram a mesma como negativa.

Estes dados permitem pensar que a reconstrução é vista como uma maneira de recuperar a parte do corpo que lhes foi retirada, com todo seu simbolismo e funções, conforme cita o sujeito 4: "[...] foi bom porque eu não vi aquele pedaço que saiu de mim e que eu fiquei com medo. Para mim foi maravilhoso, um presente de Deus. Já pensou ficar sem essa mama, ficar aqui vazio... [...]". Por outro lado, 20% da amostra que realizou a cirurgia de reconstrução mamária, ainda sustenta uma imagem corporal negativa, conforme pôde ser percebido no relato do sujeito 4. Este achado corrobora o postulado de Schilder (1994), de que uma modificação real da aparência, no caso, por meio da cirurgia plástica, tem efeitos limitados, visto que ainda demanda a modificação da imagem corporal, pois enquanto a paciente não for capaz de modificar sua atitude psíquica em relação a si mesma, não conseguirá reestruturar seu corpo. Neste sentido, torna-se primordial a atuação do psicólogo no período pós-operatório, para que este inicie a mulher no contato com seu próprio corpo, ajudando-a a elaborar suas perdas, integrando-as em sua nova auto-imagem.

A percentagem de mulheres que refere insatisfação com sua vida sexual torna-se altamente significativa à medida que se considera a vida sexual como um dos fatores de reabilitação da mulher. Os relatos obtidos envolvem sentimentos de repugnância em relação ao ato sexual, além de falta de motivação para a realização do mesmo, conforme se pode perceber no relato do sujeito 2: "[...] ah, sabe, eu não tenho mais a mesma vontade de antes não. Não quero mais, depois de lá quase nunca mais tivemos relacionamento. às vezes ele até procura, mas eu não tenho vontade e recuso. Não sei se ele fica chateado. Eu acho que ele tem outra, já falei para ele, mas ele diz que não, que não tem ninguém. Eu acho que tem. Mas está assim, não dá para fazer nada, eu não tenho vontade, mas vamos vivendo. Nesse ponto nossa vida mudou bastante [...]". Sustentando as mesmas vivências, o sujeito 4 expõe que "[...] depois da cirurgia, da quimioterapia, para mim se não acontecesse seria melhor, mas fazer o quê, né? Eu não tenho mais vontade [...]". Tais vivências são também expressas nos estudos de Medeiros (2003) e Tarricone (1992), quando estes apontam que após a retirada da mama, surgem sentimentos de perda da feminilidade e desesperança na sexualidade, uma vez que seu potencial sexual é modificado, prejudicando sua crença na capacidade de atrair e seduzir seu companheiro, o que implica em dificuldades de relacionamento com este.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O câncer de mama e a mastectomia são experiências traumatizantes para a mulher, abalando não somente seu estado físico, mas também sua identidade e, conseqüentemente, a maneira como esta se posiciona no mundo e o quanto consegue desfrutar sua vida. Os resultados do presente estudo abordaram as repercussões psíquicas deste procedimento cirúrgico como estas culminam em dificuldades de ajustamento da mulher à sua nova vida, levando ao declínio da qualidade de vida no período pós-cirúrgico. Tendo em vista este panorama, abre-se para discussão a necessidade da criação de um programa de reabilitação que permita a essa mulher reassumir seu antigo papel, adaptando-se às limitações que a doença lhe trouxe.

Primeiramente, é necessário entender o período do diagnóstico como causador de forte angústia e ansiedade, visto que é neste que a paciente é confrontada com sua finitude; com as perdas que sofrerá e com as incertezas do tratamento. O momento da realização de exames diagnósticos é um período de intenso sofrimento psíquico, visto que a paciente entra em contato pela primeira vez com a possibilidade de ter um câncer, precisando elaborar todos os conflitos inerentes a esta situação. Desse modo, o trabalho do profissional de saúde mental pode se iniciar neste momento, atuando numa perspectiva psicoprofilática, a fim de prestar apoio para a mulher neste período inicial para que ela possa começar a entrar em contato com as manifestações da doença e as formas de tratamento, facilitando o processo de adesão ao mesmo. A proposta de trabalho inicial se constitui na formação de grupos informativos multidisciplinares, para os quais as pacientes diagnosticadas com câncer de mama seriam automaticamente encaminhadas. Nestes grupos, o psicólogo, juntamente com os outros profissionais da equipe, realizaria um trabalho de conscientização sobre o que é a doença e quais são suas formas de tratamento, esclarecendo todas as dúvidas. Este tipo de trabalho funcionaria como um meio de aliviar a angústia que as pacientes sentem quando necessitam realizar os tratamentos co-adjuvantes, conforme os dados deste estudo apontaram. Nestes grupos, o psicólogo poderia ainda identificar quais pacientes estão passando por maiores dificuldades, que demandem acompanhamento psicoterápico. Além de informativos, esses grupos ainda funcionariam como uma triagem que identificasse os casos psicologicamente mais graves, que poderiam ser encaminhados para atendimento psicoterápico individual ou grupal.

Nos casos em que o acompanhamento psicoterápico fosse necessário, por meio da psicoterapia breve, os atendimentos poderiam ser direcionados para a significação da perda específica; o que esta poderá significar para a auto-estima da paciente e também os significados atribuídos ao câncer. Por meio desta, espera-se que a paciente seja capaz de abandonar velhas crenças e atitudes, ampliando seus objetivos e projetos de vida que ainda queiram atingir.

A outra etapa de atuação do psicólogo ocorreria no período pós-operatório, quando a mulher necessita assumir sua vida e voltar a ser produtiva. Nesse sentido, o trabalho psicoterapêutico deverá levar a mulher ao conhecimento de sua condição, mostrando-lhe possibilidades de uma convivência produtiva nos âmbitos familiar e social, bem como a adaptação efetiva às circunstâncias de sua doença, tais como favorecer a recuperação; a autoconfiança; sua auto-estima; melhor convivência com as pessoas das quais seu estado emocional depende; rever a percepção do próprio corpo e auxiliá-la a integrar a auto-imagem.

Tendo-se constatado também as dificuldades de retomada da vida sexual após a cirurgia, o psicólogo, inserido em equipes interdisciplinares, pode também trabalhar com os casais, visando a superação destas dificuldades.

Todas as propostas aqui delineadas podem ser aplicadas de maneira individual ou grupal, todavia, tendo-se em vista as grandes demandas dos centros de saúde, acredita-se que os trabalhos grupais sejam mais efetivos, permitindo o atendimento de maiores demandas e tendo maior aceitação.

Por fim, acredita-se que o estudo atingiu seus objetivos, conseguindo conhecer os fatores envolvidos no universo da mulher mastectomizada, criando alternativas de atuação psicológica para promover a melhoria da qualidade de vida. Embora o mesmo tenha se esbarrado na limitação de contar com uma amostra pequena e por isso analisar os dados de forma qualitativa, espera-se que o mesmo sirva de base para futuras pesquisas neste tema, com amostras mais amplas, à guisa de enriquecer os cuidados de saúde nesta área tão fascinante.

 

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