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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH v.10 n.1 Rio de Janeiro jun. 2007

 

 

Conseqüências biopsicossociais do acidente ocupacional com material biológico potencialmente contaminado: perspectiva de pessoas do convívio íntimo do profissional da saúde

 

 

Alessandra Ramos Castanha*; Alcyone Artioli Machado**; Marco Antonio de Castro Figueiredo***

Universidade de São Paulo

Introdução: Considerando os aspectos subjetivos do acidEndereço para correspondência

 

 


RESUMO

ente ocupacional com material biológico potencialmente contaminado (MBPC), alguns estudos têm apontado o transtorno emocional frente ao episódio de acidente, contudo, tais conseqüências ainda precisam ser avaliadas de forma mais efetiva, inclusive, no que se refere às situações precursoras, à vivência subjetiva do acidente e à possível implicação desse fato na vida social e familiar do trabalhador. Objetivo: Investigar as repercussões do acidente com MBPC nas pessoas do convívio íntimo (familiares, relacionamentos amorosos e amigos próximos) dos profissionais da saúde que sofreram esse tipo de acidente. Método: Esta pesquisafoi desenvolvida no Ambulatório de Acidentes Ocupacionais de Profissionais da Saúde situado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP (HCFMRP-USP). A amostra foi constituída por 13 pessoas do convívio íntimo do profissional da saúde. Para a obtenção dos dados foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas e foi adotado o critério de saturação para definir o tamanho da amostra. Os conteúdos emergentes foram analisados segundo o método de caracterização e análise de conteúdo desenvolvido por Bardin. Este estudo foi realizado considerando os aspectos éticos pertinentes a pesquisas envolvendo seres humanos. Resultados: Dentre os resultados principais, emergiram duas conseqüências do acidente com MBPC, a partir da perspectiva das pessoas do convívio íntimo do profissional da saúde. A primeira delas diz respeito às conseqüências fisiológicas (efeitos colaterais da profilaxia e acompanhamento clínico-laboratorial). A segunda conseqüência apontada diz respeito aos aspectos psicossociais (alterações do cotidiano, risco de contaminação, expectativas dos exames, reações frente à notícia, revolta, suporte familiar e reavaliação da profissão). Conclusões: As conseqüências biopsicossociais, aqui encontradas, deixam evidentes que a exposição ocupacional à material biológico potencialmente contaminado tem repercussão na vida social e familiar, configurando uma aproximação entre contextos. O espaço social e pessoal, particular, é invadido de forma desorganizadora pelo impacto do acidente.

Palavras-chave: Conseqüências, Acidente de trabalho, Risco biológico, HIV, Hepatite C.


ABSTRACT

Introduction: Considering the subjective aspects of the occupational accident with biological material potentially contaminated (BMPC), some studies has pointed to the emotional disturb caused by the accident. However, those consequences still need to be analyzed in a permanent way, also in what refers to the forerunners situations, the subjective experience of the accident and to the possible implication of this fact at employee’s social and family life. Objective: To investigate the repercussion of the accident with BMPC on people in close life experience (relatives, love relationship and very close friends) to the health professionals that suffered that kind of accident. Methods: This research was developed at Occupational Accidents on Health Care Workers Ambulatory at Hospital of Clinics at Ribeirão Preto´s Medicine School – USP (HCRPMS-USP). The sample corresponds to 13 people from close life experience of the care worker. To gain the database were used semi-structured interviews and was adopted the criteria of saturation to define the size of the sample. The emergent contents were analyzed through the method of characterizing and content analysis developed by Bardin. This study was fulfilled by considering ethics aspects that concern to researches involving human beings. Results: Among the mainly results, came up two consequences of the accident with BMPC, by the perspective of people from close life experience of the care worker. The first of then refers to the physiological consequences (collaterals from the prophylaxis e clinical-laboratorial assistance). The second one pointed to psychosocial aspects (changes in day-to-day, contamination risks, expectation about the exams, reaction to the news, angry, family support and reevaluation of the career). Conclusion: The detected bio-physiological consequences let evidences that occupational exposition to biological material potentially contaminated has influences in social and family life, configuring an approach between contexts. The social and personal spaces are invaded in a disordered way by the impact of the accident.

Keywords: Consequences, Work-related accident, Biological risk, HIV, Hepatitis C.


 

 

INTRODUÇÃO

Com o advento da aids, no início dos anos 80 do século passado, a comunidade científica passou a dar importância à possibilidade de infecção através de exposição ocupacional (Rissi, Machado & Figueiredo, 2005).

Dentre os patógenos que possuem uma maior importância do ponto de vista epidemiológico e que são suscetíveis de transmissão através de exposição acidental a MBPC estão o HIV, o HBV e o HCV (Cardo, 1997). A forma de transmissão ocupacional faz-se pelo contato com sangue sendo o acidente perfuro cortante o de maior risco. O que diferencia e aumenta o risco representado pelo HCV é a inexistência de imunização, como a que pode ser realizada para o HBV, além da ausência de profilaxia pós-exposição (PEP), como no caso do HIV e do HBV (Brasil, 2004).

As conseqüências da exposição ocupacional à MBPC não se reduzem à possibilidade de infecções, mas incluem dimensões psicossociais, como o impacto do acidente, a espera de resultados dos testes sorológicos realizados, significados atribuídos à profilaxia medicamentosa, negociações que devem ser realizadas no âmbito pessoal, entre outros (Marziale & Rodrigues, 2002).

No interior dos relacionamentos íntimos, o acidente parece provocar desconforto e confronto com um estilo de vida que escapa àquilo que está relacionado ao trabalho, acarretando desconfiança. Nesse sentido, a necessidade da negociação da vida sexual se coloca como outro obstáculo a ser transposto pelo profissional, uma vez que, geralmente, o uso do preservativo não é uma prática usual em relacionamentos estáveis (Rissi, 2005). Nesse sentido, Brandão Júnior (2000) afirma que o profissional deverá ser orientado, durante o período de acompanhamento, para adotar medidas para prevenir a transmissão sexual (utilizando preservativos), evitar a doação de sangue/órgãos, gravidez e aleitamento materno.

Diante do exposto, evidencia-se a necessidade de maiores estudos que reflitam acerca dos aspectos psicossociais que envolvem a experiência de acidente com MBPC, tendo em vista, não só a visão dos profissionais diretamente envolvidos, mas, também, das pessoas do seu convívio íntimo (familiares, relacionamentos amorosos e amigos próximos), uma vez que estão presentes em todas as etapas envolvidas no acidente, influenciando diretamente (positiva ou negativamente) na elaboração desse processo.

 

MÉTODO

Participantes

A amostra foi constituída por 13 pessoas do convívio íntimo (familiares, relacionamentos amorosos e amigos próximos) dos profissionais acidentados indicadas pelos mesmos.

Local da Pesquisa

A presente pesquisa foi desenvolvida no Ambulatório de Acidente Ocupacional ao Profissional da Saúde (AOPS), situado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP (HCFMRP-USP).

Instrumento

Para a obtenção dos dados foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas. Foi estabelecido o critério de saturação proposto por Sá (1998) para estabelecer o número de sujeitos entrevistados.   

Aspectos Éticos

O projeto de pesquisa referente ao estudo teve aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP – USP), em sua 221a Reunião Ordinária realizada em 20 de março de 2006, processo HCRP nº15406/2005.

Coleta de Dados

O contato inicial foi feito em um dos retornos após a notificação do acidente. Nesse momento, a presente pesquisa foi apresentada, e o convite para a participação do profissional, assim como de uma das pessoas do seu convívio íntimo, foi realizado.

Análise dos Dados

A análise das entrevistas ocorreu de acordo com o método de caracterização e análise de conteúdo proposto por Bardin (2002) e seguiu as seguintes etapas operacionais: constituição do corpus, leitura flutuante, codificação, categorização e inferências.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As Representações Sociais acerca das conseqüências do Acidente Ocupacional com material biológico potencialmente contaminado, elaboradas por pessoas do convívio íntimo de profissionais da saúde, com base nos materiais coletados pelas entrevistas e ponderados pela análise temática de conteúdo, resultou em uma classe temática, duas categorias e nove subcategorias, conforme demonstrado na tabela 1.

 

 

1.1 – Fisiológicas

Nesta categoria evidencia-se as conseqüências fisiológicas envolvidas no acidente na qual incluem-se questões referentes à profilaxia pós-exposição (PEP) como os efeitos colaterais e o acompanhamento clínico e ambulatorial para o controle de exames de saúde. Em seguida, verificam-se as unidades de análise aqui emergidas.

 

 

Nas unidades de análise acima pode-se observar que apesar da necessidade da profilaxia após a exposição, esta causa uma infinidade de efeitos colaterais, o que acaba aumentando a angústia e a preocupação das pessoas do convívio íntimo do profissional de saúde, mas, ainda assim, eles avaliam a PEP como sendo de fundamental importância para prevenir alguma contaminação. Contudo, essas reações podem ser tão agressivas que acabam fazendo com que o profissional acidentado não consiga aderir ao tratamento, que no caso do HIV tem uma duração de 4 semanas.

Esse dado corrobora estudo realizado por Castanha (2005), com soropositivos para o HIV, no qual observou-se que os medicamentos ao mesmo tempo que era visto como importante, provocava alguns sintomas, tais como sonolência, tontura, indisposição e lipodistrofia. Além de alguns desses sintomas, a PEP implica em toda uma mudança de rotina diária, trazendo, inclusive, algumas limitações. Contudo, percebe-se que apesar desses aspectos negativos, o tratamento é visto pelas pessoas do convívio íntimo como bastante necessário, pois a saúde dos profissionais depende dela.

Esses dados corroboram, ainda, estudo realizado por Sailer (2004), no qual constatou que o uso do ARV foi considerado como benéfico pelos trabalhadores que concluíram o tratamento, pois relaciona-se subjetivamente à redução da suscetibilidade e seriedade que a aids impõe.

Alguns autores vêm apontando para a importância do apoio dos familiares, amigos, e, até colegas de trabalho na adesão aos ARV’s, mostrando como esse apoio ajuda não só na adesão, como também a enfrentar o período da profilaxia como um todo (Bálsamo, 2002; Brandão Júnior, 2000; Miola, 2005).

 

 

A cada retorno do profissional para fazer o acompanhamento, o mesmo, assim como as pessoas do convívio íntimo, revivem todo o sofrimento e ficam na expectativa com relação a uma possível soroconversão, vivenciando, dessa maneira, uma angústia prolongada, podendo chegar até um ano.

Um outro aspecto que emergiu nessa subcategoria é a cobrança por parte das pessoas do convívio íntimo dos profissionais com relação ao acompanhamento clínico-laboratorial.

Machado (2006), ao avaliar a adesão de trabalhadores da área da saúde encontrou que 75,7% dos acidentados retornaram às consultas, índices estes que são superiores ao observado na literatura (Carvalho et al., 2002; Figueiredo et al., 2005; Ranjel & Feijó, 2005; Rapparini et al., 2000; Wang et al., 2000), porém, 63,1% registraram a alta, ou seja, em boa parte desta população não houve conclusão do caso. Abreu (2005) encontrou 41,6% de abandono do seguimento, enquanto Rapparini et al. (2000), encontraram perda de seguimento em 55% dos acidentes ocupacionais com risco biológico.

Dessa maneira evidencia-se que o profissional de saúde que sofre um acidente com MBPC é afetado tanto psicológica como emocionalmente, devido à espera do resultado de testes sorológicos, que acarretam transtornos em suas vidas pessoal e profissional pela possibilidade de se tornarem soropositivos, e dessa maneira, acaba ocasionando um sentimento avassalador tanto para o profissional, quanto para as pessoas do convívio íntimo do mesmo.1.2 - Psicossociais

Essa categoria diz respeito às questões psicossociais envolvidas no acidente, incluindo-se aqui, as conseqüências na vida social e familiar do profissional de saúde. Em seguida, verificam-se as unidades de análise das subcategorias relacionadas às conseqüências psicossociais.

 

 

Uma das conseqüências do acidente com MBPC diz respeito a toda uma gama de alterações vividas no cotidiano, não só do profissional acidentado, mas também das pessoas do seu convívio íntimo.

Os elementos compostos nas orientações dadas para prevenir uma transmissão secundária emergiram nas unidades de análise da subcategoria alterações do cotidiano, como por exemplo, evitar compartilhar objetos de uso pessoal, tais como: giletes e alicates de unha; assim como o uso de preservativos e a suspensão do aleitamento materno.

A necessidade de apoio pode implicar em outros riscos quando o parceiro se coloca como igual, como pode ser visto na fala do participante 8, se  negando a usar preservativos, o que é entendido por esses parceiros como algo positivo, enquanto essa situação deveria ser negociada diante da divisão de responsabilidades. Essa recusa do uso do preservativo como forma de apoio também foi encontrada no estudo realizado por Rissi (2005).

 

 

O acidente com MBPC faz com que não só o profissional, mas também as pessoas do seu convívio íntimo percebam, de maneira mais concreta, que o profissional de saúde, ao trabalhar com pessoas que estão contaminadas com diversas patologias, estão expostas a um risco de vir não só a se contaminar, como também de contaminar, de forma secundária, as pessoas do seu convívio íntimo, uma vez que uma convivência mais íntima pode levar a situações de compartilharem objetos pessoais, relações sexuais e o próprio aleitamento materno.

As unidades de análise da subcategoria risco de contaminaçãomostra esse aspecto relacionado a vulnerabilidade, seja do profissional de saúde, seja das pessoas do seu convívio íntimo.

Uma das implicações envolvidas na prática diária de profissionais de saúde é a possibilidade de infecções com patógenos através de um acidente com MBPC. Outro fator importante implicado na situação de acidente é a percepção da vulnerabilidade pessoal que parece colocar o profissional em intenso conflito, configurando um momento de angústia e temor frente ao futuro (Rissi; Machado & Figueiredo, 2005).

A percepção de risco é um tema complexo que abarca não somente os comportamentos, mas também os sentidos e significados e sua interação com os fatores da vida cotidiana (modo de vida, situação socioeconômica, situação familiar, conjugal, dentre outros) e os determinantes sócio-históricos que embasam o pensamento sobre a Aids e a saúde de uma maneira geral (Saldanha, Figueiredo & Coutinho, 2004).

As formas de conhecimento produzidas sobre a aids têm uma conotação de doença, traduzida por angústia, pânico, rejeição, cujas interpretações de cunhagem são ainda de ordem primitivas (Castanha et al., 2006; Herlizch & Pierret, 1992).

Nesse sentido, observa-se o receio das pessoas do convívio íntimo, em especial pelo fato dos profissionais de saúde, em sua maioria 69,2 %, estarem trabalhando na Unidade Especial de Tratamento de Doenças Infecciosas (UETDI), ou seja, com pacientes portadores do HIV/aids. As pessoas do convívio íntimo acreditam que a AIDS é mais perigosa que as hepatites, pois não têm cura e a medicação não resolve o problema, só adia o momento da morte. Esses pensamentos, muito provavelmente, ocorrem por causa da mídia que cria alarde em torno da AIDS.

Brevidelli & Cianciarullo (2001) afirmam que a contaminação pelo HIV é uma das conseqüências mais sérias dos acidentes com material biológico potencialmente contaminado, entretanto, não é a única que merece atenção.

 

 

A expectativa de uma possível soroconversão é vivida como um dos momentos mais difíceis do acidente. Os exames são feitos de imediato tanto no paciente fonte (quando conhecido), quanto no profissional acidentado, no entanto os exames anti-HIV devem ser repetidos em seis semanas, três meses, seis meses, podendo chegar até a um ano. Esse acompanhamento pós-exposição provoca uma angústia e preocupação por um relativo período de tempo até que todos os exames sejam feitos.

Observa-se, nas unidades de análise acima, que uma das maneiras que as pessoas do convívio íntimo acharam para lidar com essa angústia foi se apegando à figura de Deus, da religião e da fé. Além da família e dos amigos, a religião também proporciona um importante apoio social.

A fé também aparece como importante recurso para amenizar o sofrimento do indivíduo, uma vez que a impotência diante da resolução do problema o leva a buscar explicações sobre o significado daquela experiência, em sua dimensão existencial (Rissi, 2005).

 

 

No que diz respeito à subcategoria Reações frente a notícia,as unidades de análise mostram um consenso com relação aos sentimentos vividos pelas pessoas do convívio íntimo dos profissionais de saúde, traduzidos em: pânico; nervosismo; apreensão; preocupação; e abalo emocional.

Uma outra dificuldade encontrada pelos profissionais frente à situação do acidente refere-se à necessidade de lidar com a própria angústia, e ainda encontrar condições para ser o mensageiro das informações que podem amenizar a ansiedade de familiares e amigos (Rissi, 2005).

As pessoas do convívio íntimo do profissional de saúde precisam, nesse momento, de apoio e de esclarecimentos acerca não só do acidente, mas das implicações que este ocasiona, das possíveis mudanças e negociações no âmbito das relações pessoais. Quanto mais informações e orientações as pessoas do convívio íntimo tiverem, menos será o nível de angústia, podendo, dessa maneira, servirem também de apoio para o profissional acidentado.

 

 

A revolta é um dos sentimentos relatados pelas pessoas do convívio íntimo do profissional de saúde e abrange dois aspectos. O primeiro aspecto se refere a uma revolta voltada para o paciente fonte envolvido no acidente que é percebido como culpado, mobilizando sentimento de raiva para com o mesmo. O outro aspecto se refere a uma revolta direcionada para o próprio profissional de saúde que acaba sendo julgado como displicente e negligente, mobilizando sentimentos de raiva para com os mesmos. Essa revolta é dirigida para o profissional de saúde, e este pode percebê-la como uma falta de apoio e de acusações dificultando ainda mais o processo de adaptação, podendo, ainda, causar sentimentos de culpa.

Os dados encontrados na subcategoria Revoltacorroboram estudo de Brandão Júnior (2000) no qual observou que, no que diz respeito às repercussões na vida familiar, a maior preocupação era com uma possível reação negativa dos familiares e do parceiro. Em algumas situações, os familiares chegaram mesmo a criticá-las pelo acidente, reforçando o sentimento de culpa da acidentada. Em outros, os familiares ficavam tão preocupados que aumentavam o estresse da profissional. Por esses motivos, muitas vezes os profissionais evitavam contar aos familiares sobre o acidente e como conseqüência sentiam-se sozinhas e sem apoio.

 

 

As pessoas do convívio íntimo dos profissionais de saúde avaliam o suporte social como sendo algo de extrema importância, tendo em vista as dificuldades enfrentadas pelo profissional em virtude de um acidente com MBPC. Nas unidades temáticas acima, emergiram elementos que caracterizam o suporte social, tais como: apoiar; tranqüilizar; dar conselhos; atenção; carinho; companheirismo; e o próprio incentivo para a ingestão dos medicamentos.

A solidariedade é um fator de suma importância no processo de compreensão e ajustamento após a experiência de acidente ocupacional com MBPC. Na família, isso pode ocorrer na forma de apoio exercido pelo próprio profissional na tentativa de diminuir o estresse e pela angústia despertada nos familiares (Rissi, 2005).

A maneira como as pessoas do convívio íntimo dos profissionais de saúde se adaptam ao acidente é um reflexo do seu relacionamento íntimo, de suas histórias e do seu contexto sociocultural em que estão inseridos. Quando a estrutura familiar apresenta um relacionamento satisfatório, o nível de receptividade e de compreensão poderá se dá mais facilmente, trazendo ao profissional de saúde, que está fragilizado com o acidente, um fortalecimento através das relações de ajuda e afeto.

 

 

Após o acidente, algumas pessoas do convívio íntimo passaram por um processo de reavaliação da profissão do profissional de saúde, no qual perceberam que esta profissão oferece riscos não só para os próprios profissionais, quanto para eles mesmos, como foi visto na subcategoria risco de contaminação.

Essa percepção do risco faz com que surja um sentimento de medo e de insegurança, levando, algumas vezes, ao desejo de que esses profissionais mudem de profissão ou de setor, e aqui emerge, mais uma vez, o temor desses profissionais estarem trabalhando com pacientes soropositivos para o HIV/aids.

Osório, Machado & Minayo-Gomes (2005) afirmam que o acidente significa uma ruptura, dada pelo evento indesejado, cuja problematização conduz o profissional à análise de sua atividade diária. Como pode ser observado nas unidades de análise acima, o mesmo processo de reavaliação da atividade do profissional é feito pelas pessoas do convívio íntimo que passa a perceber os riscos envolvidos na profissão dos seus familiares.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As conseqüências do acidente foram representadas enquanto expressões biopsicossociais que afetam não só os profissionais envolvidos no acidente, mas também as pessoas do seu convívio íntimo.

A experiência subjetiva dos atores sociais frente ao acidente demonstrou estar intrinsecamente associada às representações que eles fazem da aids. As pessoas do convívio íntimo dos profissionais de saúde apresentam padrões morais e preconceitos semelhantes ao da sociedade em geral e esses aspectos emergem no momento do acidente e durante o período de tratamento. A não existência de cura e a associação da aids com a morte aumentam o sentimento de impotência e sofrimento após o acidente.

As vivências do trabalhador em seu ambiente de trabalho repercutem em seu contexto social e doméstico, exercendo influência na qualidade de suas relações e interferindo em sua vida como um todo. Além disso, revelar o acidente é assumir para si e para os outros os riscos ao qual o profissional está exposto em seu dia a dia, dessa forma ele recai indiretamente sobre toda a família (Lunardi & Mazzilli, 1996).

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Alessandra Ramos Castanha
Rua: Bernardo Gabriel, n.88 – Apt. 101, Imbiribeira
51170-380 Recife-PE

 

 

LOCAL DE REALIZAÇÃO DO TRABALHO:

Nome da Instituição: Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP (HCFMRP-USP) - Ambulatório de Acidentes Ocupacionais de Profissionais da Saúde (AOPS). Estado: São Paulo País: Brasil

OBS: Trabalho apresentado no VI Congresso da SBPH, realizado em Natal , em setembro de 2007

* Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Doutoranda em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Professora da Faculdade Boa Viagem (FBV-IMIP). Psicóloga do Hospital Geral de Recife (HGeR). E-mail: alessandra_castanha@yahoo.com.br – (81) 3339-0974.
** Mestre em Medicina (Clínica Médica) pela Universidade de São Paulo. Doutora em Medicina pela Universidade de São Paulo. Pós-doutora em Medicina pela Institut National de La Santé Et La Recherche Médicale. Professora da Universidade de São Paulo e Professora Titular do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.  E-mail: aamachad@fmrp.usp.br – (16) 36330436.
*** Mestre em Fundamentos da Educação pela Universidade Federal de São Carlos. Doutor em Psicologia Experimental pelo Instituto de Psicologia da USP. Professor Titular da Universidade de São Paulo. E-mail: marcoacf@usp.br - (16) 36023726.

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