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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH v.10 n.2 Rio de Janeiro dez. 2007

 

 

Psicologia da reabilitação: pesquisa aplicada à intervenção hospitalar

 

 

Tereza Cristina Cavalcanti Ferreira de Araujo1, 2

 

 


 

 

Introdução

Tradicionalmente identificadacomoum nível específico de ação emsaúde, areabilitação envolvemuitosdesafios conceituais, metodológicos etécnicos para seusprofissionais epesquisadores. Concebidacomoum processo de aprendizagem edesenvolvimento,comênfase no aprimoramento dashabilidades pré-existentes,busca propiciar amelhorcapacidade física-mental-social possível,apesar daslimitações impostaspeladeficiênciaou pelo dano. Decaráteressencialmente multiprofissional e interdisciplinar,suasintervenções visam àinserçãosocial e àautonomia da pessoa deficiente (Araujo, 2005).

Defato, também éimportante destacar que:

“Avisãocontemporânea dereabilitação fundamenta-seem quatroconceitos básicos: a)intervenção centrada nopaciente; b)ênfase no processo (interação,negociação,comunicação,educação etroca deinformações); c)atuaçãofundamentadaemum modelo que integraaspectos de autocuidado,produtividade, recreação e socialização,resultantes doscomponentesfísico,sociocultural, mental /emocional e filosófico/ espiritual; d)responsabilização do cliente naresolução deproblemas,estabelecimento deplanos, incluindoaté aorientação domeiosocial na execução doscuidados (Hammell, 1995). Em umarevisão dosúltimos quarentaanos, Stover (1994) constata a existência detrêsfases evolutivas nas propostas assistenciais: 1) fase de construção (décadasde 1940, 1950 e 1960),emque se observa anecessidade da adoção deumconceito dereabilitação apoiado no trabalho em equipe ; 2) fase doidealismo(décadas de 1970 e 1980), caracterizada pela avaliação deconceitos eprogramas,cujosresultados tendiam a serem positivos; 3) fase dorealismo prático (final dadécada de 1980 eanos 1990),fruto dasconquistas da fase anterior e daslimitações impostaspelaeconomiamédica esanitária.” (Pereira &Araujo, 2006, p.38)

Do ponto devista da institucionalização destas intervenções, é necessário lembrar que a divisão 22 da American Psychological Association (APA) – voltada para questões relacionadas à Psicologia daReabilitação –data de 1956. No Brasil, desde 1954, realizavam-seintervenções noInstituto deOrtopedia eTraumatologia do Hospital dasClínicas da Faculdade de Medicina daUniversidade deSão Paulo. A partir deentão,taisiniciativas pioneiras passaram a constituir ummarcohistórico daatuação dopsicólogoemsaúde nocontexto brasileiro .Todavia,apesar dotempo transcorrido ao longo demais decincodécadas, persistemimportantesdesafiosque exigem arealização depesquisas nesta sub-área daPsicologia daSaúde (Araujo, 2006 a, b).

Tomandoporbasetal contextualização daPsicologia daReabilitação, cabe retomar astrêsprincipaisabordagensatuais naárea daPsicologia daSaúde, asquais se refletem nastendências da sub-área:

a)Clínica: caracterizadaporações noâmbito dosistema desaúde (hospitais,clínicas ecentros desaúde), está voltada,principalmente, para grupos depacientescom cronicidades.Além daintervençãoterapêutica,talabordagemvisaotimizar osserviços prestadospormeio doplanejamento depesquisascomenfoque predominantementequantitativo e quasi-experimental.

b)Pública: distingue-seporações visando à melhoria dasaúde dapopulaçãoemgeral.Contudo, prioriza umaperspectiva preventiva e focalizagruposvulneráveis e derisco. Para tanto, adotamétodos epidemiológicos e propõe a avaliação deprogramas desaúde.

c) Comunitária: é direcionada para famílias ecomunidades, visandosuaemancipação e a mudança social a partir deumenfoque multi-metodológico, que reúnepesquisadores,profissionais e representantescomunitários (Araujo, 2001).

Nas últimasdécadas, aviolênciaurbanavividaemnossopaís –expressaemindicadores deacidentes detrânsito eagressõesporarma defogo – impõe umaatuaçãoemreabilitação. Somam-seainda ascatástrofesnaturaisou tecnológicas, asquais vem tendoumcrescimento exponencial provavelmenteemdecorrência daglobalização.Comoconseqüência,cadavezmais tem sidoprecisoplanejar estratégias deenfrentamentoindividual, grupal ecomunitário para lidar comameaçaspermanentes (Pereira & Araujo, 2005; Araujo, 2006-c).

Assim sendo,emconsonânciacomtalperspectiva, inscrevem-se osprojetos depesquisa doLaboratório deSaúde eDesenvolvimentoHumano (LABSAUDES) daUniversidade de Brasíliacomênfaseemreabilitação (Araujo &Ramos, 1997; Araujo, 2005; 2006a-b; Queiroz & Araujo, noprelo;Pereira & Araujo, 2005, 2006;Ramos 1999;Ramos & Araujo, 1997).Dentreaqueles realizadosdurantemais de 20anos, foram selecionadas duaspesquisas para ilustrar acontribuição daPsicologia nestecampoespecífico da saúde.

 

Relatos de Pesquisas

1) Aspectospsicológicos dareabilitaçãoem traumatismo raquimedular:Modalidades deenfrentamento dopaciente eseufamiliaracompanhante

Estainvestigação teveporobjetivos analisar asestratégias deenfrentamentoentrepacientescomlesão medular eseusfamiliares cuidadores, bem como identificar aevolução dessasestratégiasdurante o processo dereabilitaçãodesenvolvidoem umainstituição especializada (Pereira & Araujo, 2005; 2006).

Foram estudadas seis díades paciente-familiarpormeio daEscala deModos deEnfrentar Problemas e deentrevistas. Asestratégias Religiosidade,Pensamentopositivo eBusca desuportesocial revelaram-secomo as modalidadesmais utilizadasporpacientes efamiliares naetapa de pré-reabilitação.Já na pós-reabilitação, Focalização noproblema,Pensamentopositivo eBusca desuportesocial foram asmaisfreqüentes (Pereira & Araujo, 2005; 2006).

Vale mencionar que adiminuição da Religiosidade naetapa de pós-reabilitação pode ser entendidacomo umaconseqüência da participação no próprio programa, namedidaemqueeste fornecesuportes denatureza instrumental,social eemocional (Pereira & Araujo, 2005; 2006).

Outrodado a enfatizar , ao se comparar ambas ascategorias de participantes, diz respeito a maior diferenciação entre asestratégias naetapa de pré-reabilitação, ao passo que, na pós-reabilitação, houve tendência a se assemelharem. Aofinal da pesquisa foipossível hipotetizar que oprograma de reabilitação influencia omodo de enfrentamento dos participantes e mobiliza-os a buscar estratégias que possibilitemmais adaptação ebem-estar (Pereira & Araujo, 2005; 2006).

Além dasestratégias deenfrentamento,também foram analisados outros parâmetrossignificativos nesseestudo:

a) comunicaçãofamiliar;

b) rede de apoio ;

c) programa dereabilitação e

d) equipe dereabilitação (Pereira & Araujo, 2006).

Especificamentesobre a atuação dopsicólogo na equipe dereabilitação, foipossível pereceberqueapesar dasuaformação e treinamento designá-locomo facilitador dacomunicaçãoindividual e grupal:

[...] astarefas de facilitação dacomunicaçãonãosão exclusivas dopsicólogo doserviço, devendo ser sustentadasportodos osmembros da equipe . Para tanto, é necessário assegurar treinamento contínuoemhabilidades decomunicação para estesprofissionais desaúde.” (Pereira & Araujo, 2006, p.43)

2) Participação dopaciente dereabilitação nasdecisõessobreseutratamento

Reconhecendo o interesse assistencial e científico de se estudar melhor a participação dopacienteemreabilitação (Araujo & Ramos , 1997;Ramos & Araujo, 1997), desenvolveu-se uma investigação com os seguintes objetivos :

a) caracterizar a tomada de decisão ;

b) descrever a participação do paciente no processo decisório ;

c) identificar fatores associados aos modos de participação do paciente e

d) caracterizar as percepções e expectativas de pacientes e profissionais em relação à participação ideal ( Ramos , 1999; Ramos & Araujo, 1999).

Trinta e nove pacientes com lesões medulares e 37 profissionais de saúde ( médico clínico , fisiatra, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional , enfermeiro , auxiliar de enfermagem , nutricionista , assistente social e psicólogo ) participaram deste estudo . A coleta de dados envolveu entrevistas com profissionais e pacientes , bem como registros do comportamento verbal das visitas ao leito e reuniões de discussão clínica ( Ramos , 1999; Ramos & Araujo, 1999).

Os resultados apontaram que a participação do paciente ocorria nas seguintes condições : ser avisado das decisões , oferecer informações e receber explicações sobre decisões . Dentre os fatores que interferiram em seu modo de participação, destacaram-se: comportamentos do profissional e comportamentos ou características pessoais do paciente ; qualidade da relação paciente-profissional; estrutura do atendimento e aspectos relacionados à limitação física ( Ramos , 1999; Ramos & Araujo, 1999).

De modo geral , verificou-se uma tendência à participação passiva e restrita à troca de informações . Em outras palavras , o paciente tendia a se comportar como alguém que fornece informações e recebe explicações da equipe . Raramente , o paciente foi ativo o suficiente para solicitar informações ou emitir opiniões ( Ramos , 1999; Ramos & Araujo, 1999).

É interessante mencionar que as duassituações de atendimento analisadas –visita aoleito ereuniãoclínica – distinguiram-se. Aprimeira caracterizou-sepor uma participação informativa ereceptiva.Já nasegundasituação, evidenciou-se aumento das participações denaturezaopinativa e prescritiva (Ramos, 1999;Ramos & Araujo, 1999).

É indispensável retomar que :

“ Embora tenha havido, no discurso dos sujeitos , a inclusão de algumas formas alternativas de cuidado à saúde como , por exemplo , tomar decisões junto com o paciente , ter como critério a satisfação do paciente ou levar em consideração decisões sobre sua situação social , tais formas de cuidado não freqüentes o suficiente para serem consideradas um padrão . No entanto , a sua existência no discurso pode estar indicando o início de uma mudança de postura , tanto do profissional de saúde como do paciente , frente aos cuidados de saúde .” ( Ramos ,1999, p.25)

 

Considerações Finais

Darealização dessas duaspesquisas, épossível extrair algumassugestões para futurostrabalhos noâmbito daPsicologia daReabilitação:

a) desenvolver estudos prospectivos para verificar aestabilidade dasestratégias deenfrentamento aolongo dotempo;

b) determinar commaisexatidão a influência defatores encontrados nestes trabalhos (sócio-demográficos, situacionais, atitudinais epessoais) para participaçãoativa e autonomia dospacientes;

c) priorizar investigaçõesemsituaçãonaturalpormeio detécnicas observacionais e

d) conduzir pesquisas sobre treinamento e formação de profissionais para atuação em reabilitação.

 

Referências

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1 Pós-doutora pela Unesco, Doutora pela Université de Paris X-Nanterre, ProfessoraAssociada da Universidade de Brasília (UnB), Coordenadora do Laboratório da Saúde eDesenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da UnB.
2 E-mail : araujotc@unb.br

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