SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.12 issue1Câncer de mama feminino e psicologiaCartografia de uma ação em saúde: o papel do psicólogo hospitalar author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Revista da SBPH

Print version ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.12 no.1 Rio de Janeiro June 2009

 

 

Câncer de pênis: perfil sócio-demográfico e respostas emocionais à penectomia em pacientes atendidos no Serviço de Psicologia do Hospital de Câncer de Pernambuco

 

 

Érika Neves de Barros*; Mônica Cristina Batista de Melo**

Hospital de Câncer de Pernambuco

 

 


RESUMO

O câncer de pênis, apesar de considerado raro em países desenvolvidos, apresenta taxas relevantes de incidência no Brasil. Sua sintomatologia mais freqüente consiste em uma ferida ou ulcera de difícil cicatrização ou tumor na glande, prepúcio ou corpo do pênis associado à ocorrência de uma secreção branca denominada esmegma. A ocorrência desta neoplasia é comumente associada à fimose, doenças sexualmente transmissíveis, baixa renda familiar, hábitos inadequados de higiene e baixa escolaridade. Trata-se de um estudo exploratório que teve como objetivo traçar o perfil sócio-demográfico de pacientes atendidos no Serviço de Psicologia do Hospital de Câncer de Pernambuco, com diagnóstico de câncer de pênis e indicação para tratamento cirúrgico, e suas principais respostas emocionais frente a esta realidade. A faixa etária deste grupo foi de 56 anos, sendo em sua maioria casados ou mantendo uma união estável; mediana de dois filhos; católicos; baixa escolaridade; agricultores; baixa renda familiar, procedentes do interior de Pernambuco. As repercussões emocionais mais verbalizadas por esses homens foram: insônia, ideação suicida, medo e tristeza intensa. Como conclusão, percebe-se a importância de uma maior atenção à saúde do homem, bem como informações à população sobre medidas de prevenção para este tipo de câncer.

Palavras-chave: Câncer de pênis, Psicologia hospitalar, Saúde coletiva.


ABSTRACT

The cancer of penis, although considered rare in developed countries, presents excellent taxes of incidence in Brazil. Its more frequent symptoms consists of a wound or ulcera of difficult to heal or tumor in glans, preputial or body of the penis associated with the occurrence of a white secretion called esmegma. The occurrence of this neoplasia is associated with phimosis, sexually transmissible illnesses, familiar low income, inadequate habits of hygiene and low school level. One is about an exploration study that had as objective to trace the partner-demographic profile of patients taken care of in the Service of Psychology of the Hospital of Cancer of Pernambuco, with diagnosis of cancer of penis and indication for surgical treatment, and its main emotional answers front to this reality. The aged band of this group was of 56 years, being in its majority married or keeping a steady union; medium of two children; catholics; low school level; agriculturists; familiar low income, originating the interior of Pernambuco. The emotional repercussions more verbalized by these men had been: sleeplessness, suicidal ideation, fear and intense sadness. As conclusion, importance of a bigger attention to the health of the man is perceived it, as well as information to the population on measures of prevention for this type of cancer.

Keywords: Cancer of penis, Hospital psychology, Collective health.


 

 

INTRODUÇÃO

Denomina-se câncer o conjunto de mais de 100 patologias caracterizadas pelo crescimento celular desordenado que atinge tecidos e órgãos. Nesta doença degenerativa, este crescimento anormal de células origina o tumor, que pode ser benigno ou maligno. No tumor maligno há a possibilidade de migração de células alteradas para outras áreas do corpo (metástase). O tumor benigno geralmente não traz riscos para o organismo, pois se limita ao tecido atingido, porém um tumor benigno pode transformar-se em maligno (INCA, 2008; LIMA, 1998).

Atualmente, o câncer representa a principal causa de morte na população geral em diferentes partes do mundo, especialmente nos países desenvolvidos. No Brasil, as mudanças no perfil de morbidade e mortalidade ocorridas nas últimas décadas em parte relacionadas à redução da mortalidade precoce em decorrência de doenças infecciosas e parasitárias, aumento na expectativa de vida e modificações socioculturais, apontam para o crescimento no número de óbitos relacionados às doenças cardiovasculares e neoplasias. Em 2001 o câncer foi a segunda maior causa de morte no país, atrás apenas das doenças cardiovasculares (SILVA JUNIOR et al., 2003; WUNSCH FILHO e MONCAU, 2002).

Informações disponíveis no site do Instituto Nacional de Câncer (INCA, 2008) apresentam uma estimativa de 466.730 casos novos de câncer na população brasileira para o ano de 2008, sendo 234.870 casos estimados na população feminina e 231.860 na masculina. Apesar dos avanços da medicina favorecer hoje o acesso a tratamentos que permitem o controle da doença e em muitos casos a cura, o diagnóstico de câncer produz fortes repercussões emocionais, sendo comumente associado à morte e receio de tratamentos dolorosos, mutilações e perdas (CARVALHO, 2002).

O carcinoma peniano éapontado como um tipo raro de câncer em países desenvolvidos, representando menos de 1% das neoplasias malignas no homem, sendo considerado mais comum após a sexta década de vida (GONZALES MARTIN et al., 2003). No entanto, em países em desenvolvimento este tipo de câncer apresenta taxas relevantes de incidência, tornando-se freqüente no Brasil principalmente em regiões sócio-economicamente desfavorecidas como o Norte e Nordeste, podendo, portanto, ser considerado área de interesse da saúde pública (BEZERRA, LOPES, NISHIMOTO, 1999; POMPEO et al., 1997).

De acordo com Barbosa Junior, Athanazio e Oliveira (1984) esta patologia apresenta-se geograficamente distribuída de forma desigual entre países e grupos sociais: a Indonésia e a Uganda apresentam altas taxas, respectivamente 37,8% e 12% das neoplasias masculinas; nos Estados Unidos e Canadá representa menos de 2% das neoplasias deste público. No Brasil, o carcinoma peniano é o quarto tipo de câncer masculino mais comum nas regiões Norte e Nordeste, respectivamente 5,7 e 5,3%; na região Centro-oeste ocupa a oitava colocação e nas regiões Sul e Sudeste não consta entre as dez principais neoplasias masculinas.

São considerados fatores de risco para o câncer de pênis: fimose; doenças sexualmente transmissíveis; baixa renda familiar; hábitos inadequados de higiene; baixa escolaridade (BARBOSA JUNIOR, ATHANAZIO, OLIVEIRA, 1984; LIMA, 1998). Podem ser apontados como fatores de proteção: circuncisão; hábitos adequados de higiene; uso de preservativo durante o ato sexual; condição sócio-econômica favorável; boa escolaridade. O INCA (2008) define como sintomatologia mais freqüente deste câncer uma ferida ou ulcera de difícil cicatrização ou tumor na glande, prepúcio ou corpo do pênis associado à ocorrência de uma secreção branca denominada de esmegma. O surgimento de gânglios inguinais pode significar a existência de metástases.

Barbosa Junior, Athanazio e Oliveira (1984) ressaltam a importância da prevenção e detecção precoce e fazem referência à prática da circuncisão na infância e investimentos em informações sobre hábitos adequados de higiene e incentivo a prática de auto-exame como medidas preventivas. O prognóstico do carcinoma peniano está relacionado ao estadio e grau de diferenciação celular, o diagnóstico precoce aumenta as chances de uma resposta satisfatória ao tratamento. Porém, constata-se um intervalo de tempo superior a sete meses entre o surgimento dos primeiros sintomas e a procura por cuidados médicos (FARIA et al., 2008; FONSECA et al., 2000).

O tratamento do câncer de pênis pode contar com cirurgia, radioterapia e quimioterapia e vai depender da extensão do tumor. Em grande parte dos casos opta-se pela cirurgia para controle local da patologia, o diagnóstico precoce pode evitar a amputação do membro que produz seqüelas físicas, sexuais e psicológicas no indivíduo (INCA, 2008).

Segundo informações do Ministério da Saúde (DATASUS, 2008) no período de um ano, compreendido entre dezembro de 2006 e novembro de 2007, foram realizadas no Brasil 407 cirurgias de amputação de pênis (penectomia). A região Nordeste foi a que apresentou maior incidência (163 casos), seguida das regiões Sudeste, Sul, Norte e Centro-oeste (respectivamente com 132, 62, 38 e 12 cirurgias). Em Pernambuco, neste mesmo período ocorreram 27 penectomias.

O pênis, órgão masculino comumente investido de atributos relacionados àvirilidade, pode representar para muitos a essência de ser homem. A penectomia, como cirurgia mutiladora, écapaz de causar uma ferida narcísica no paciente, pois tira deste o órgão socialmente representativo de sua masculinidade podendo causar sentimento de angústia frente à falta que se instala e prejuízo na auto-estima, além de repercussões na vida sexual, afetiva e social.

A definição atual de saúde transcende a noção de simples ausência de doença e abrange o bem-estar físico, mental, social e espiritual, estando intimamente relacionada à qualidade de vida do sujeito. A sexualidade é considerada, no momento, como um dos pilares da qualidade de vida e parte influente neste conceito de saúde, sua abordagem demanda uma equipe interdisciplinar. O psicólogo, reconhecido como parte desta equipe desde 06 de março de 1997, a partir da resolução nº 218 do Conselho de Nacional de Saúde, tem a função de trabalhar visando contribuir para ações de promoção da saúde e melhorias na qualidade de vida da população, podendo atuar em diversos âmbitos, entre eles o hospital.

A Psicologia Hospitalar tem seu início no Brasil remetido ao final do século XX, mais especificamente na década de 80, recebendo impulso através do movimento psicossomático que amplia o entendimento da saúde para além de seu aspecto meramente biológico e favorece a compreensão sobre a influência dos aspectos emocionais no funcionamento humano (FOSSI e GUARESCHI, 2004; GORAYEB e GUERRELHAS, 2003; SPERONI, 2006).

A contribuição do psicólogo, na equipe hospitalar, tem sua importância reconhecida a partir da constatação da exigência de uma atenção integral à saúde, de oferecer uma escuta atenta e especializada à demanda emocional do paciente. A sua prática abrange ações de prevenção e educativas, bem como intervenções psicológicas, atendendo as necessidades do paciente e da própria instituição (GORAYEB e GUERRELHAS, 2003).

De acordo com Carvalho (2000), citando Gimenes (1994), a Psico-oncologia seria a interface entre a Psicologia e a Oncologia e sua prática abarcaria o saber educacional, profissional e metodológico oriundos da Psicologia da Saúde voltados para: a assistência ao paciente oncológico e seus cuidadores (família e profissionais de Saúde); no trabalho de pesquisa e estudo de variáveis psicológicas e sociais que abordem a temática da oncologia; na organização de serviços de oncologia e formação contínua dos profissionais de Saúde que trabalham nesta área. Ainda segundo Carvalho (2000), o Ministério da Saúde, em Portaria de número 3.535 publicada no Diário Oficial da União em 14 de outubro de 1998, estabelece como obrigatório o trabalho do psicólogo nos serviços de oncologia.

O Serviço de Psicologia do Hospital de Câncer de Pernambuco (HCP) teve seu funcionamento iniciado em 1986, sendo oficializado em 1990, e desde então realiza atendimentos individuais e em grupo em diversos espaços, tais como salas de espera, ambulatórios, enfermarias, urgência, central de quimioterapia, corredores. Em julho de 2007, como parte de sua sistemática de trabalho, foi implantado o atendimento pré-operatório a todos os pacientes que chegam à Instituição para tratamento cirúrgico. Esta rotina tem como objetivo trabalhar ansiedades relacionadas ao diagnóstico, cirurgia e possíveis repercussões desta na imagem corporal, favorecer o fortalecimento egóico e atitude de enfrentamento diante do processo de adoecimento e hospitalização, facilitar a adesão ao tratamento como também identificar demandas emocionais e disponibilizar o Serviço para acompanhamento.

Um tratamento cirúrgico pode desencadear fortes mudanças causando reflexos no corpo, no psiquismo e no social. Mesmo após uma cirurgia planejada, com o conhecimento prévio sobre a necessidade do procedimento, a intervenção pode proporcionar a vivência de uma falta, exigindo um trabalho de resignificação corporal da perda do órgão. Essas modificações podem gerar sérias angústias relacionadas aos riscos à saúde física, mobilizando o uso de mecanismos de defesas na tentativa de controles das mesmas (Helman, 2003; Sinvadon, 1988).

Braz (2005) e Gomes, Nascimento e Araújo (2007) fazem referência à baixa freqüência dos homens nos serviços de saúde e argumentam a contribuição das questões relacionadas à construção da masculinidade para este fato. De acordo com estes autores, no imaginário social o homem percebe-se e é percebido como um ser forte, viril, invulnerável, o que dificultaria sua procura por serviços de saúde visto que o adoecer traz arraigada a idéia de fragilidade e fraqueza. O medo de descobrir-se doente e o receio de expor o corpo à investigação, entre outros fatores, fazem com que os homens comumente procurem os serviços de urgências, quando não mais suportam o desconforto físico causado pela patologia.

A representação do pênis, órgão que jána infância é utilizado para a diferenciação entre os sexos, e o temor de ver este órgão ameaçado pode também favorecer este receio em procurar ajuda especializada logo após o início dos sintomas, período no qual opções de tratamentos mais conservadores e chances de cura são maiores. O investimento em ações de prevenção e educação em saúde que abordem esta temática pode ser considerado de grande valor para esclarecer a população sobre a importância de hábitos adequados de higiene e do auto-exame como medidas preventivas.

Assim, a presente pesquisa teve como objetivo traçar o perfil sócio-demográfico de pacientes atendidos no Serviço de Psicologia do HCP, com diagnóstico de câncer de pênis e indicação para tratamento cirúrgico, e suas principais respostas emocionais frente a esta realidade.

Nesta perspectiva, este estudo contribui para ampliar o conhecimento sobre o perfil sócio-demográfico da população mais atingida por esta patologia, bem como as reações emocionais do homem diante do diagnóstico de câncer de pênis e necessidade de tratamento cirúrgico, favorecendo a reflexão sobre a importância de uma maior atenção à saúde do homem e a formulação de ações de prevenção para este tipo de câncer especialmente nas regiões em que sua incidência antes de ser rara, constitui-se importante problema de saúde pública.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo exploratório baseado em dados secundários, obtidos a partir de uma investigação nas fichas de atendimento pré-operatório contidas no arquivo do Serviço de Psicologia do Hospital de Câncer de Pernambuco. Foram incluídos nesta pesquisa todos os pacientes com diagnóstico de carcinoma peniano atendidos no referido serviço no período compreendido entre julho de 2007 e fevereiro de 2008.

Por tratar-se de uma atividade sistemática do Serviço de Psicologia do HCP, local de trabalho das autoras, não se procedeu a submissão do estudo a um comitê de ética em pesquisa. No entanto, todos os cuidados visando garantir o sigilo sobre a identidade dos pacientes envolvidos foram tomados, sendo os dados analisados em conjunto e os resultados encontrados expressos de forma geral.

 

RESULTADOS

Esta pesquisa abrangeu uma amostra de quinze homens atendidos no ambulatório do Serviço de Psicologia do Hospital de Câncer de Pernambuco, no período compreendido entre julho de 2007 e fevereiro de 2008, com diagnóstico de carcinoma peniano, ingressos na Instituição para tratamento inicialmente cirúrgico em sua maioria, penectomia. A faixa etária deste grupo foi de 56 anos; a maior parte destes homens era casada ou mantinha uma união estável; mediana de dois filhos; católicos; escolaridade em torno de dois anos de estudo; profissão predominante de agricultor; renda familiar de um salário mínimo; número de quatro pessoas residentes em domicílio; procedentes do interior de Pernambuco. As repercussões emocionais mais verbalizadas por esses homens foram: insônia, ideação suicida, medo e tristeza intensa.

 

DISCUSSÃO

No grupo estudado, a faixa etária foi de 56 anos (mediana, variação: 35 - 81). Este achado aponta para o surgimento da patologia em uma idade inferior a apontada nos estudos de Gonzáles Martin et al. (2003) que afirma ser esta doença mais comum a partir da sexta década de vida, porém enquadra-se no perfil destacado pelo INCA (2008) e nas descrições dos estudos de Barbosa Júnior, Athanazio e Oliveira (1984); Botega et al. (1996) e Fonseca et al. (2000). Se considerarmos que o estudo de Gonzáles Martin, diferente dos demais citados, não foi desenvolvido no Brasil, este dado pode assinalar a ocorrência do câncer de pênis em uma idade mais precoce no nosso país, o que pode ser reforçado pela constatação de que na presente pesquisa seis pacientes (39,9%) ainda não haviam chegado à quinta década de vida.

A escolaridade declarada no grupo foi de dois anos de estudo (mediana, variação de 0 - 4) e a renda familiar situou-se em torno de um salário mínimo (mediana, variação: menos de um salário mínimo &– dois salários). O número de residentes no domicílio foi de quatro pessoas (mediana, variação 1 - 6). Rhoden et al. (1995) em seu estudo também descreve a ocorrência do carcinoma peniano em população com situação sócio-econômica semelhante. Estes dados reforçam o argumento expresso por Barbosa Junior, Athanazio e Oliveira (1984) e Lima (1998) de que a baixa renda e baixa escolaridade constituem importante fator de risco para esta patologia.

Entre as profissões declaradas pelos homens deste estudo estavam: tratorista, servente, carpinteiro, vigilante, aposentado, agricultor, sendo esta última a mais citada (28%). Em pesquisa realizada por Barbosa Junior, Athanazio e Oliveira (1984), com 811 pacientes com diagnóstico de câncer de pênis no Estado da Bahia, 61% dos participantes trabalhavam na agricultura.

Doze (79,9%) participantes desta pesquisa eram procedentes do interior de Pernambuco. Este dado corresponde ao encontrado por Fonseca et al. (2000), o que pode dificultar o acesso a informações sobre medidas de prevenção e o atendimento em serviços de saúde.

Na amostra estudada, treze pacientes (86,6%) foram submetidos à penectomia. Outra intervenção realizada foi a linfadenectomia, em dois homens (13,3%) a ela se submeteram. Bezerra, Lopes e Nishimoto (1999) apontam como principal forma de tratamento do câncer de pênis a amputação do membro e a linfadenectomia bilateral. A escolha pelo tratamento cirúrgico, apesar das repercussões que o mesmo pode causar, parece um indício de que estes homens procuraram um serviço de saúde quando a doença encontrava-se em estado avançado. Fonseca et al. (2000) em seu estudo afirma ter identificado em 80% dos pesquisados um período maior que sete meses entre o surgimento das primeiras lesões e o diagnóstico médico. O INCA (2008) revela que a busca por tratamento ocorre em média um ano depois dos primeiros sintomas, o que interfere desfavoravelmente no prognóstico. Braz (2005) e Gomes, Nascimento e Araújo (2007) argumentam como um dos fatores que dificultam o acesso da população masculina aos serviços de saúde seria o horário de funcionamento dos ambulatórios e postos de saúde, geralmente até as dezessete horas, o que impõe a necessidade de escolha entre um dia de trabalho ou a marcação para uma consulta no serviço público. Os homens que participam deste estudo pertencem a uma classe social economicamente desfavorecida e são, em sua maioria, provedores em suas famílias, o que faz com que mais facilmente possam priorizar o trabalho aos cuidados com a saúde.

Quanto às respostas emocionais: cinco (33,3%) pacientes demonstraram um bom enfrentamento na ocasião de internamento, expressando motivação para o tratamento e desejo de investir na vida. A ameaça de morte e a consciência sobre a gravidade do diagnóstico médico parecem ter contribuído para que a luta pela sobrevivência predominasse em relação aos receios sobre os efeitos na sexualidade. As repercussões emocionais mais verbalizadas pelos homens que participaram deste estudo foram: insônia (33,3%), ideação suicida (26,6%), medo (19,9%), tristeza intensa (19,9%). Também foram citadas: ansiedade, apreensão referente ao diagnóstico e tratamento, tensão, sentimento de incapacidade e impotência, preocupação com situação econômica da família, auto-estima comprometida, revolta, isolamento, culpa relacionada à demora em procurar um serviço de saúde. Estes dados contribuem para o entendimento de que o diagnóstico de câncer e o tratamento cirúrgico provocam fortes repercussões emocionais aos pacientes, como afirmaram Barbosa Junior, Athanazio e Oliveira (1984); Botega et al. (1996); Carvalho (2002) e INCA (2008).

Estudo realizado por Botega et al. (1996) investigou o impacto na sexualidade provocado pelo tratamento do câncer de pênis, com os seguintes resultados: dos dez pacientes avaliados, quatro submetidos à penectomia parcial foram considerados com funcionamento sexual global normal ou discretamente diminuído, um moderadamente diminuído, um gravemente diminuído e um ausente; dois dos três submetidos a penectomia total foram avaliados como tendo funcionamento sexual precário. A auto-imagem masculina foi considerada sem alterações significativas. O interesse e a satisfação sexual apresentaram leve redução após a cirurgia. A capacidade para o coito foi consideravelmente alterada nos casos de penectomia total e em um paciente submetido à penectomia parcial. A maior parte dos pacientes entrevistados no estudo declarou como essencial para a recuperação pós-cirúrgica e na vida sexual o apoio recebido da companheira.

Carvalho (2002) ressalta a importância das ações de prevenção visto atualmente se saber que aproximadamente 60% dos tipos de câncer podem ser prevenidos, fato que demanda políticas de saúde voltadas para comunidade. Assim, a atuação do psicólogo mostra-se de grande valor, pois pode contribuir para a transmissão do diagnóstico, favorecer a adesão aos tratamentos e amenizar as reações aos mesmos, promover melhorias na qualidade de vida e, no paciente fora de possibilidade terapêutica, facilitar o processo de elaboração da morte.

Por tanto, os resultados deste estudo revelam na amostra estudada, um perfil sócio-econômico condizente com os fatores de risco apresentados na literatura especializada. As respostas emocionais apresentadas pelo grupo revelam o impacto emocional que este tipo de câncer pode causar nos sujeitos.

Considerando que a prática da circuncisão na infância aliada a informações sobre noções de higiene íntima e a importância do auto-exame são reconhecidas como importantes medidas de prevenção ao câncer de pênis, os achados contidos nesta pesquisa reforçam a relevância de reflexões acerca desta temática e a necessidade de políticas públicas voltadas para a saúde do homem, o que contribuiria para a prevenção deste importante problema de saúde pública.

Por tratar-se de um estudo exploratório, as conclusões aqui expressas limitam-se ao grupo estudado. No entanto, o estudo contribui para uma melhor compreensão sobre o perfil sócio-demográfico dos pacientes diagnosticados com câncer de pênis e as respostas emocionais deste grupo frente ao adoecimento e necessidade de tratamento cirúrgico.

 

REFERÊNCIAS

BARBOZA JUNIOR, A.A.; ATHANAZIO, P.R.; OLIVEIRA, B. Câncer de pênis: estudo da sua patologia geográfica no Estado da Bahia, Brasil. Rev. Saúde Pública, São Paulo, vol. 8, n. 6, 1984. Disponível em: http://www.scielo.br/ Acesso em: 16 de fev. 2008.        [ Links ]

BEZERRA, A.; LOPES, A.; NISHIMOTO, I. Acúria no exame clínico de linfonodos inguinais no câncer de pênis: análise de 134 linfadenectomias. An. Fac. Med. Univ. Fed. Pernambuco; 44 (1); 49-51, 1999. Disponível em: http://www.scielo.br/ Acesso em: 16 de fev. 2008.        [ Links ]

BOTEGA, N.J. et al. Sexualidade em pacientes submetidos a penectomia por câncer de pênis. Rev. bras. cancerol.; 42 (1): 60-5, jan.-mar. 1996. Disponível em: http://www.scielo.br/ Acesso em: 16 de fev. 2008.         [ Links ]

BRAZ, M. A construção da subjetividade masculina e seu impacto sobre a saúde do homem: reflexão bioética sobre justiça distributiva. Ciênc. Saúde coletiva, n. 10, n.1, Rio de Janeiro, jan.- mar. 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/ Acesso em: 18 de fev. 2008.         [ Links ]

CARVALHO, M.M. Psico-oncologia: história, características e desafios. Psicol. USP, São Paulo, vol. 13, n. 1, 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/ Acesso em: 16 de fev. 2008.        [ Links ]

FONSECA, A. et al. Câncer de pênis: estudo epidemiológico no Estado do Pará. Rev. Para Méd.; 14 (1): 11-6, jan.-abr.2000. Disponível em: http://www.scielo.br/ Acesso em: 16 de fev. 2008.         [ Links ]

FOSSI, L.; GUARESCHI, N.M. A Psicologia hospitalar e as equipes multidisciplinares. Rev. SBPH, jun. 2004, v. 7, n. 1, p. 29-43. Disponível em: http://www.scielo.br/ Acesso em: 18 de fev. 2008.         [ Links ]

GOMES, R.; NASCIMENTO, E.; ARAÚJO, F. Por que os homens buscam menos os serviços de saúde do que as mulheres? As explicações de homens com baixa escolaridade e com ensino superior. Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, v.23, n. 3, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/ Acesso em: 18 de fev. 2008.         [ Links ]

GONZALES MARTIN, R. et al. Carcinoma de pene. Nuestra experiência. Rev. medica electron; 25 (2), mar.-abr. 2003. Disponível em: http://www.bases.bireme.br/ Acesso em: 16 de fev. 2008.        [ Links ]

GORAYEB, R.; GUERRELHAS, F. Sistematização da prática psicológica em ambientes médicos. Rev. Bras. ter. comp. Cogn., jun. 2003, v.5, n.1, p. 11-19. Disponível em: http://www.scielo.br/ Acesso em: 18 de fev. 2008.        [ Links ]

HAYNAL, A. Medicina psicossomática: abordagens psicossociais. 3ªed. Rio de Janeiro: MEDSI, 2001.        [ Links ]

HELMAN, C.G. Cultura, Sociedade e Doença. 4ªed. Porto Alegre: Editora Artmed, 2003.        [ Links ]

Instituto Nacional de Câncer &– INCA. Site: www.inca.org.br        [ Links ]

POMPEO, A. et al. Complicações pós-operatórias da linfadenectomia inguinal em pacientes com câncer de pênis. J. bras. urol.; 23 (1) : 9-13, jan.-mar. 1997. Disponível em: http://www.scielo.br/ Acesso em: 16 de fev. 2008.        [ Links ]

RHODEN, E. et al. Carcinoma epidermóide de pênis: experiência com 20 casos consecutivos em três anos. Rev. Col. Bras. Cir.; 22 (3): 120-3, mai.-jun.1995. Disponível em: http://www.scielo.br/ Acesso em: 16 de fev. 2008.        [ Links ]

SIVANDON, P.; FERNANDEZ-ZOILA, A. Corpo e terapêutica: uma psicopatologia do corpo. Campinas: Papirus, 1988.         [ Links ]

WUNSCH FILHO, V.; MONCAU, J.E. Mortalidade por câncer no Brasil 1980-1995: padrões regionais e tendências temporais. Rev. Assoc. Med. Bras. vol. 48, n.3, pp. 250-257. 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/ Acesso em: 16 de fev. 2008.        [ Links ]

 

 

* Psicóloga, Especialista em Saúde Coletiva. Psicóloga do Hospital de Câncer de Pernambuco. E-mail: erika_nbarros@yahoo.com.br
** Psicóloga, Doutoranda e Mestre em Saúde Materno Infantil. Psicóloga no Hospital de Câncer de Pernambuco. E-mail: monicacbmelo@gmail.com

Creative Commons License