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Revista da SBPH

Print version ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.12 no.1 Rio de Janeiro June 2009

 

 

Cartografia de uma ação em saúde: o papel do psicólogo hospitalar

 

 

Veridiana Alves de Sousa Ferreira CostaI, *; Leopoldo Nelson Fernandes BarbosaII, **; Ana Lúcia FranciscoIII, ***; Alana Cristina de Almeida Lima EstanislauIII, ****; Érica Maria Tenório WanderleyIII, *****; Mayra Augusta BastosIII, ******; Raíssa Maria Bittencourt de MoraisIII, *******

I Universidade Federal Rural de Pernambuco
II Universidade Federal de Pernambuco
III Universidade Católica de Pernambuco

 

 


RESUMO

Atualmente, Psicologia Hospitalar apresenta-se de maneira ampla e éreconhecida como importante. Em geral, o trabalho do psicólogo hospitalar mantém o foco no sofrimento e nas repercussões decorrentes da doença e a hospitalização, associando este aspecto com outros fatores, como história de vida, forma como de lidar com a doença e seu perfil de personalidade. O crescente interesse dos estudantes e a abertura do campo de trabalho, por vezes, pode repercutir em um trabalho sem direcionamento que contribui para a resistência de algumas instituições hospitalares. Esta pesquisa tem o objetivo de cartografar o campo de atuação do psicólogo hospitalar na cidade do Recife. Realizamos um levantamento de hospitais da rede pública e privada que dispunham de psicólogos na sua equipe com o intuito de analisar a formação que embasa a sua prática e verificar como o trabalho de intervenção psicológica vem sendo realizado. Os resultados apontam para a especialização como uma ferramenta essencial que favorece a prática. Dada a realidade deste ambiente, a supervisão dos casos e o trabalho pessoal também se colocam como fundamentais. O reconhecimento da atuação do psicólogo e o desempenho do seu papel em equipes interdisciplinares tem sido valorizado pelos demais profissionais. Com isso, a psicologia hospitalar vem ganhando espaço não apenas em hospitais da rede pública, mas também da rede privada.

Palavras-chave: Psicologia hospitalar, Campo de atuação, Intervenção.


ABSTRACT

Currently, Hospital Psychology is presented in ample way and is recognized as important. In general, the work of the hospital psychologist keeps the focus in the suffering and the decurrent repercussions of the illness and hospitalization, associating this aspect with other factors, as life history, forms as to deal with the illness and its personality profile. The increasing interest of the students and the opening of the work field, for times, can re-echo in a work without aiming that contributes for the resistance of some hospital institutions. This research has the objective to map the field of performance of the hospital psychologist in Recife. We carry through a survey of hospitals of public and private the net that made use of psychologists in its team with intention to analyze the formation that bases practical its and to verify as the work of psychological intervention comes being carried through. The results point with respect to the specialization as an essential tool that it favors the practical one. Given the reality of this environment, the supervision of the cases and the personal work also they are placed as basic. The recognition of the performance of the psychologist and the performance of its paper in interdisciplinary teams has been valued for the excessively professional ones. With this, hospital psychology comes not only gaining space in hospitals of the public net, but also of the private net.

Keywords: Hospital psychology, Field of performance, Intervention.


 

 

INTRODUÇÃO

A Psicologia, em todo o mundo, acabou se desenvolvendo sob o estigma de uma profissão que direcionava os seus cuidados para os loucos ou doentes mentais, Barbosa e Costa (2008) nos lembram que com a Psicologia Hospitalar não poderia ser diferente. Romano (2001) relata que o caminho de entrada também se deu pela via dos hospitais psiquiátricos e, só depois, sua inserção foi sendo ampliada para os hospitais gerais e de especialidades.

Sá, Lima, Santos e Clemente (2005) nos lembram que a Psicologia tem importância em todas as situações relacionadas à saúde do ser humano, exercendo o psicólogo a sua profissão tanto no âmbito da prevenção como no âmbito do tratamento. Além disso, hoje já temos a constatação, por parte da equipe de saúde, da importância das emoções e sua influencia na eficácia do tratamento das doenças. Além disso, todo o movimento que enfatiza a humanização do hospital pode ter facilitado a inserção desse profissional.

A denominação “Psicologia Hospitalar” ultrapassa a conotação de um lugar de atuação. Corroborando com as idéias de Romano (1999), podemos entender psicólogo hospitalar aquele que trabalha em nível clínico, atendendo o doente vinculado à instituição assistencial. Aqui, o papel do psicólogo estaria mais voltado à promoção e manutenção da saúde física e emocional, tendo como um dos principais objetivos buscar a minimização do sofrimento do paciente e sua família, decorrente do binômio doença-hospitalização.

Desenvolvida no nosso país hámais de 30 anos, a Psicologia Hospitalar foi regulamentada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) apenas no ano de 2000, passando a ser uma especialidade oficial, vide resolução 14/2000 e, como dito por Ismael (2005), esta especialidade apresenta-se de maneira ampla, é reconhecida como importante e demanda muita responsabilidade.

Dada a especificidade desta atuação, o profissional que almeja trabalhar como psicólogo hospitalar precisa de uma formação especializada em Clínica e Hospitalar. Isso nos fez interrogar sobre a formação e a capacitação destes profissionais para atuar nas instituições hospitalares de modo a oferecer um serviço para além do senso comum, haja vista que, infelizmente, muitas vezes é o que se associa ao papel do psicólogo, desvalorizando o reconhecimento do seu lugar de atuação, pois, como dito por Bruscato (2004), a denominação “Psicologia Hospitalar” ultrapassa a conotação de um mero lugar de atuação e passa a ser visto como um campo de conhecimento que ainda vem sendo definido e dimensionado.

Para Ismael (2005), apesar do aumento do número de profissionais nesta área, algumas dificuldades são recorrentes. Uma delas é a própria inserção do Psicólogo nas instituições; a outra é a deficiência do instrumental teórico necessário para a atuação, desde a formação universitária.

A emergência de psicólogos em hospitais, somado ao crescente interesse dos estudantes de Psicologia nessa área acaba por gerar mão-de-obra inexperiente, a qual, na maioria dos casos, propõe um trabalho sem direcionamento e sem base, contribuindo, desta forma, para um “fechar de portas” ou até mesmo “resistência” em algumas instituições. Todavia, esse aparente despreparo não se restringe aos estudantes. Muitas vezes, alguns profissionais se voltam para este campo, como uma oportunidade de trabalho, mas sem nenhuma reflexão mais cuidadosa sobre a especificidade dessa intervenção ou sobre a formação diferenciada que ela exige (ISMAEL, 2005).

Calil (1995) destaca que, para que a atuação ocorra de maneira adequada, muitas mudanças se fazem necessárias, a começar pela formação acadêmica, nos ambientes universitários, estendendo-se à vida profissional liberal. Nesse contexto, seria interessante que, no curso de graduação, o psicólogo tivesse uma formação básica generalista e, no final do curso, pudesse optar pela disciplina “psicologia hospitalar”.

A autora destaca, ainda, a necessidade do estudante buscar cursos de extensão universitária, cursos de aprimoramento e /ou especialização na área hospitalar, preferencialmente com oportunidade de estágio prático, com uma prática supervisionada que lhe dê o suporte adequado nesse processo para complementar sua formação, pois, em geral, o tempo que se tem disponível para esta é muito reduzido, apontando para a necessidade de um estudo mais aprofundado.

Corroborando com este pensamento, Romano (1999) destaca que a construção de conhecimentos, de um modo geral, deve ser feita por pessoas que estejam em exercício, que lidem, na prática, com tudo aquilo que tenta refletir, pois não deve haver distanciamento entre o conhecimento e a prática, especialmente nos casos de supervisão, a fim de que estes profissionais tenham experiência naquilo que pretende ancorar.

Neste contexto, o trabalho pessoal aparece como uma condição necessária para a atuação, pois, os conteúdos subjacentes a essa prática podem suscitar ou mobilizar o profissional, afastando-o do seu principal objetivo junto ao paciente, sua família e equipe de saúde.

 

METODOLOGIA

O presente estudo objetivou cartografar o campo de atuação do psicólogo hospitalar na cidade do Recife. Para tanto, realizamos um levantamento de hospitais da cidade do Recife que dispunham de psicólogos na sua equipe, tentando identificar psicólogos que estão atuando na rede pública e privada da cidade do Recife. Além disso, buscamos analisar a formação que embasa a prática destes psicólogos hospitalares e verificar como o trabalho de intervenção psicológica vem sendo realizado por tais profissionais no hospital.

Acreditamos que cartografando o campo de atuação do psicólogo hospitalar na cidade do Recife e, ainda, refletindo sobre sua forma de intervenção neste contexto institucional, estamos, de algum modo, verificando sua capacitação para atuar nessa modalidade específica de atuação do psicólogo. A partir disto, acreditamos, ainda, que este estudo possibilitará aprofundar temáticas relativas à Psicologia Hospitalar, que embora seja um campo de trabalho bastante promissor, ainda mostra-se carente de pesquisas e de produções científicas que possam dar mais sustentação à sua praxis.

Para a operacionalização da pesquisa, recorremos à integração de métodos quantitativos e qualitativos. A investigação de caráter quantitativo limitou-se a um levantamento de hospitais da cidade do Recife que dispunham de psicólogos na sua equipe; enquanto o recurso do método qualitativo baseou-se na narrativa dos psicólogos que atuam nestes hospitais. O entrelaçamento desses dois métodos foi eleito para tentar tornar mais completa a análise dos dados, conseqüentemente, a visão dos psicólogos sobre o seu lugar e o seu papel no contexto hospitalar. Ressaltamos, contudo, que embora o presente estudo mescle estes dois métodos, trata-se de um trabalho de natureza predominantemente qualitativa.

Como ressalta Goldemberg (1999), essa combinação de metodologias tem por objetivo abranger a máxima amplitude na descrição, explicação e compreensão do objeto de estudo. Além disso, Richardson (1999) aborda o fato de que para pesquisas relativas a análises de valores (ideologias, tendências e atitudes), a simples tabulação de freqüências pode ser insuficiente, pois não considera a intensidade de cada elemento.

Para a coleta de dados, utilizamos uma entrevista semi-estruturada, onde apesar de existirem questões propostas, abriu-se espaço para que o pesquisador pudesse interagir mais livremente com o entrevistado, de acordo com o fluxo da entrevista. As entrevistas foram analisadas de acordo com a técnica de análise de conteúdo proposto por Minayo (2004).

O projeto foi aprovado pelo Comitê Científico e ao Comitê de Ética da Universidade Católica de Pernambuco. Além disso, no caso dos hospitais públicos, a Secretaria de Saúde também submeteu o projeto para o Comitê de Ética e Pesquisa dar o parecer sobre a viabilidade do projeto e sua conseqüente autorização. No que se refere aos hospitais particulares, à direção da instituição analisou o projeto e forneceu a autorização para a realização do mesmo.

Os psicólogos que responderam afirmativamente ao nosso convite assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual declararam-se cientes dos objetivos da pesquisa e disponibilizando-se a participar. As entrevistas foram realizadas individualmente e gravadas para que os dados fossem transcritos de um modo fidedigno.

 

VIVENDO A PRÁTICA DO PSICÓLOGO HOSPITALAR: RESULTADOS ENCONTRADOS

O levantamento inicial dos hospitais da rede pública e privada da cidade do Recife nos revelou, como imaginávamos, que nem todos os hospitais possuem psicólogos como parte integrante da equipe de saúde. No entanto, apesar disso, o espaço para esses profissionais tem sido dado, como nos mostra a tabela abaixo.

Entre as 52 instituições mapeadas (20 públicas e 32 privadas), apenas 38 instituições (17 públicas e 15 privadas) responderam ao nosso contato inicial realizado via telefone. Entre os que responderam ao contato, apenas 26 (15 públicos e 11 privados) contam com psicólogos como parte integrante da sua equipe.

Como era esperado, os hospitais da rede pública sejam os que mais possuem psicólogos, inclusive em função da abertura de concursos públicos. Esses dados corroboram com os achados de Sá e cols (2005). Entretanto, vale ressaltar, o número de profissionais da rede privada também vem aumentando e ainda se percebe a importância de que outros hospitais na rede pública e, sobretudo, os da rede privada reconheçam o valor desse trabalho e disponibilize mais espaço para os psicólogos.

Chamamos a atenção para os hospitais da rede privada não apenas porque, em proporção, na comparação com os hospitais da rede pública, eles possuem menos psicólogos na equipe de saúde, mas, principalmente porque, destes psicólogos que atuam nestes hospitais, alguns sequer possuem vínculo empregatício com a instituição, apenas atuando como prestadores de serviço, demonstrando a urgência de que tais hospitais escutem toda a equipe e os que se beneficiam da atuação destes psicólogos (particularmente pacientes e familiares) a fim de valorizar a intervenção destes profissionais no processo de recuperação do enfermo, contribuindo, assim, para oferecer um serviço diferencial de mais qualidade.

Em contrapartida, o relato dos profissionais que estão atuando no hospital nos revela que, mesmo que ainda seja necessário esse percurso no processo de conscientização nestes hospitais para a importância da presença dos psicólogos na equipe de saúde, aqueles que já atuam referem que, embora algumas instituições relutem, inicialmente, em admitir tais profissionais ou reconhecer seu papel, o espaço para essa área de atuação vem aumentando em função da valorização da necessidade e seriedade do trabalho destes profissionais, sobretudo por parte dos pacientes, familiares e equipe de saúde &– o que, pouco a pouco contribui para que este espaço restrito seja ampliado.

Essa leitura inicial nos permitiu ir ao encontro dos profissionais para ouvi-los em suas experiências singulares. Para tanto, com a devida autorização da instituição, convidamos os psicólogos que trabalham em hospitais para participar da nossa pesquisa e nos disponibilizamos a ir ao encontro deles em seu local de trabalho, com horário pré-agendado e estabelecido pelo mesmo. Após o contato, apenas 10 psicólogos responderam afirmativamente ao convite para participar da entrevista, sendo 3 da rede pública estadual e 7 da rede privada. Todas os participantes eram do sexo feminino e com faixa etária entre 29 e 47 anos. Não ficou claro o porquê da omissão destes profissionais em falar sobre seu trabalho, fato que nos surpreendeu.

Após o contato com esses profissionais, os mesmos assinaram o Termo de Compromisso Livre e Esclarecido (Anexo 01), que os deixava cientes dos objetivos da pesquisa e a partir do qual eles se disponibilizaram a participar da mesma. A partir de então, as entrevistas começaram a ser realizadas.

Utilizamos o recurso da entrevista semi-estruturada, onde algumas questões previamente formuladas eram propostas, mas lançadas de um modo tal que, de acordo com o fluxo da entrevista, outras questões também eram lançadas, desde que se fizessem necessárias para obter mais riqueza nas informações. (Anexo 2).

No que se refere a questão que trata de como se deu a entrada do psicólogo no hospital, 01 deles alegou ter entrado através de processo seletivo, 05 através de concurso público (dos quais, 03 eram da rede pública e 02 da rede privada) e 04 profissionais (todos da rede privada) entraram por meio de indicação ou por ter algum vínculo familiar com a direção do hospital. Este dado nos mostra que, os hospitais da rede pública, geralmente admitem psicólogos através de concursos públicos, enquanto a maior parte dos hospitais da rede privada, como a experiência já apontava, admite por meio de indicação &– o que pode ser bastante perigoso, pois essa indicação pode ou não vir acompanhada de profissionais devidamente capacitados para esse tipo de atuação.

A este respeito, o relato dos psicólogos entrevistados aponta, felizmente, que estes profissionais já dispunham de algum tipo de conhecimento sobre a prática hospitalar, particularmente através da prática proporcionada nos cursos de especialização e os estágios; apenas 01 referiu não possuir conhecimento sobre esse tipo de atuação, como indica os relatos a seguir:

“Eu já tinha conhecimento por causa da especialização e do estágio.” (PSICÓLOGA 1)

“[...] fora isso eu procurei supervisão em psicologia hospitalar com uma pessoa eu já tinha experiência no Hospital X” (PSICÓLOGA 2)

“Eu já tinha trabalhado em outros hospitais e tinha especialização em Psicologia Hospitalar” (PSICÓLOGA3 )

“Não, foi há nove anos e eu não dispunha e tanto é que eu recebi o convite e a minha primeira atitude foi ligar para aminha supervisora na época e aí ela pode me ajudar. Quando eu comecei minha especialização, muita coisa eu já tinha visto, porque eu comecei a trabalhar no hospital, só depois entrei na especialização.” (PSICÓLOGA 7)

“Eu já tinha feito grupos de estudo na área e estágio extracurricular” (PSICÓLOGA 10)

É importante ressaltar que dos profissionais entrevistados, embora quase todos &– como dito acima &– já tivessem algum tipo de conhecimento, 07 possuem especialização na área de psicologia hospitalar e os demais referem algum tipo de formação específica para atuar na área. Tal fato nos sugere a importância da capacitação para trabalhar nestas instituições. Os dados referentes à especialização também são encontrados no estudo de Sá e cols. (2005), referendando nossa questão relativa a importância de uma especialização na área e também que as universidades possam dar mais atenção e esse modelo de atuação.

Embora a intervenção do psicólogo hospitalar seja situada em um nível clínico, conforme discutido anteriormente, não se trata simplesmente de transportar a clínica para dentro do hospital, inclusive, devido a especificidade da intervenção &– por lidar com situações de crise, por não disponibilizar do mesmo tempo para o trabalho terapêutico tal como no consultório e pela rotatividade dos pacientes e sua rotina hospitalar &– faz-se imprescindível além do embasamento de alguma abordagem teórica para realizar as intervenções, lançar mão, muitas vezes, do recurso do apoio e da psicoterapia breve para realizar as intervenções necessárias diante da crise. Apesar disso, apenas 04 psicólogas referiram-se a este tipo de intervenção dentro do contexto hospitalar, as demais disseram utilizar como abordagem teórica as teorias tradicionais da psicologia, adequando à situação da escuta e intervenção no hospital, ou seja, não se referiram a nenhuma especificidade na técnica para realizar a intervenção no hospital. Isso fica evidente nas falas a seguir:

“A técnica de terapia breve é que embasa o hospital a partir da triagem. É tudo muito previsível. E essa triagem permite conhecer melhor cada paciente e a partir daí ver se é necessário um acompanhamento mais sistemático [...] Na psicoterapia breve se tem um foco e pode-se ir além. Já no apoio não. Vai depender da necessidade do paciente [...]”(PSICÓLOGA 1)

“[...] minha abordagem, se agente for falar, é analítica, mas no hospital eu utilizo a psicoterapia breve e a psicoterapia de apoio.” (PSICÓLOGA 2)

“Trabalho com a psicoterapia breve. E a minha abordagem de formação é a gestalt terapia. Na especialização em hospitalar utilizo a psicoterapia breve.” (PSICÓLOGA 4)

“Tenho como abordagem teórica a linha analítica.” (PSICÓLOGA 5)

“A formação teórica se identifica com a analítica, psicoterapia breve e apoio na prática. Uso a psicoterapia breve e de apoio e a escuta é analítica.” (PSICÓLOGA 8)

“Utilizo a Gestalt terapia” (PSICÓLOGA 9)

“Tenho inspiração psicanalítica freudiana” (PSICÓLOGA 10)

Isso aponta que, apesar do conhecimento pressuposto na formação específica, a maior parte destes profissionais parece ainda estar recorrendo à prática do consultório para pensar a atuação no hospital. Ressaltamos, entretanto, que não se trata de negar a importância da experiência clínica para estes atendimentos, apenas salientamos que a atuação hospitalar exige mais que adaptações, e sim, exige uma teorização própria e específica para não ser confundida com improvisação.

Para saber um pouco mais sobre quem são esses profissionais que estão atuando no hospital, buscamos investigar se eles estão atuando em hospitais gerais ou de especialidades. Destes, 05 trabalhavam em hospitais gerais e o restante em hospitais de especialidades (cardiologia, oncologia, hematologia e aleitamento materno). Ouvindo-os um pouco mais sobre esse trabalho, a maior parte dos profissionais que atuam nos hospitais de especialidades referem existir diferença na atuação deste tipo de hospital para os gerais. Em suas palavras:

“Há uma diferença no trabalho desenvolvido se for geral ou específico, porque a equipe não é centrada em uma especialidade [...] em uma unidade especializada TAM como fazer trabalhos especializados” (PSICÓLOGA 5)

“[...] se você for pensar que o paciente está sofrendo igualmente, que a família está sofrendo igualmente [...] o seu trabalho acaba sendo diferente em cada um dos ambientes” (PSICÓLOGA 7)

“Existe diferença de uma enfermaria que é para todos os pacientes [...] na específica participa-se melhor da dinâmica e os profissionais da área conhecem melhor os pacientes [...]”(PSICÓLOGA 8)

“Eu atuo no hospital geral e de especialidades também [...] Não percebo nenhuma diferença.” (PSICÓLOGA 9)

“O hospital é de especialidade [...] já supervisionei estágio em hospital geral. Não percebo diferença no direcionamento dos atendimentos, mas há diferenças no direcionamento institucional.” (PSICÓLOGA10)

Buscando investigar sobre o tipo de intervenção psicológica que érealizado no contexto hospitalar, nosso intuito foi verificar em que medida a intervenção psicológica estava sendo respaldada nos conhecimentos específicos em psicologia hospitalar, condizentes com a especificidade dessa atuação, ou se apenas se realizava um trabalho vago e improvisado. Para nossa surpresa, a maior parte dos entrevistados não especifica esse tipo de atuação, falando apenas da sua rotina, sem deixar claro a respaldo teórico e a intervenção específica. Parece ser um trabalho de escuta mais geral, por vezes vago, de alívio imediato da angústia do paciente/familiares.

Não negamos a importância desse tipo de atuação, mas ressaltamos que esse tipo de postura, muitas vezes pode-se deixar de fora elementos importantes para o processo de elaboração da representação do adoecimento e da hospitalização, fundamentais para facilitar o processo de recuperação do paciente e apontar a importância de um trabalho diferencial do psicólogo neste contexto. Apesar disso, não negamos, também, que intervenções dessa natureza não auxiliem o paciente, que, dentre outros, se apresenta como um dos principais beneficiados pela atuação do psicólogo.

Nesse sentido, tivemos relatos que apontam a intervenção específica da psicologia hospitalar, baseada na psicoterapia breve e de apoio, com um trabalho mais focalizado; assim como tivemos relatos que se voltam para uma compreensão mais geral do que significa o papel do psicólogo no hospital, conforme vemos a seguir:

“A intervenção psicológica, como eu disse, a gente atua nessas cinco áreas: enfermaria pediátrica e adulta, hospital dia, ambulatório e UTI.” (PSICÓLOGA 1)

Importa esclarecer que saber das unidades possíveis de atendimento psicológico não responde a respeito do tipo de intervenção que lá é realizado. Assim sendo, respostas dessa natureza não esclarecem sobre as modalidades de atuação do profissional. Por outro lado, perceber que nesses locais pode haver um tipo específico de intervenção parece demonstrar mais clareza quanto ao papel do psicólogo nestas unidades:

“[...] querendo ou não, essas intervenções vão ser de acordo com cada lugar, podendo ser aprofundado, breve, de apoio [...]” (PSICÓLOGA 2)

“[...] através da psicoterapia breve, trabalhando não só o paciente, mas a família como um todo, a equipe [...]” (PSICÓLOGA 3)

“[...] a gente dentro de um hospital, tem todo um caminho para trabalhar com esse paciente [...] a gente trabalha sempre com uma abordagem focal, eu trabalho com a necessidade do paciente naquele momento.” (PSICÓLOGA 7)

Além desse tipo de concepção sobre a intervenção do psicólogo hospitalar, que de algum modo revela a compreensão sobre seu papel no hospital, encontramos relatos pouco claros que parecem não elucidar o tipo de intervenção a ser realizado neste ambiente, mas sim o procedimento a ser realizado com os beneficiados, tais como:

“A minha intervenção se dá a partir do momento que eu sinto algum tipo de distúrbio no comportamento, no humor do paciente. Também para facilitar a adaptação dele aos procedimentos na UTI [...] Aqui no hospital, temos um setor de humanização [...] eu acompanho os músicos que vêm fazer uma participação para cada paciente. A gente vai de leito em leito [...] é um trabalho muito bom para os pacientes [...]

O que éfeito aqui no hospital são, basicamente, intervenções com relação a sua estadia no hospital, ao tempo de hospitalização do paciente [...] quando eu vejo que há necessidade do paciente ser acompanhado terapeuticamente por uma psicóloga eu indico [...] então eu encaminho [...]”(PSICÓLOGA 9)

Além desse, há relatos, como:

“[...] em todos os momentos que o paciente vem fazer o tratamento, desde o momento que ele chega, no momento em que ele tem a notícia do diagnóstico &– que é dada pelos médicos da unidade. Nós começamos o atendimento com ele e com a família. Aí podemos marcar para outros dias para eu ele possa vir antes de iniciar o tratamento e após isso. Nós nos encontramos todas as vezes que ele vem realizar o tratamento [...] Nossa escuta, a gente tem que ficar muito alerta a como ele está [...] a família também. Às vezes o paciente não está bem e a família está; às vezes a família é que não está bem e o paciente está [...]”(PSICÓLOGA 6)

Embora pouco precisos quanto a intervenção, o relato demonstra um acompanhamento sistemático para as intervenções do psicólogo e aponta sua presença em momentos importantes do percurso do paciente e de seus familiares, o que, inegavelmente, ébastante terapêutico para ele(s).

Sabemos que o trabalho no hospital édifícil por lidar com sempre com o binômio limites-possibilidades, em diferentes aspectos e que, em função disso, éimprescindível estar motivado para este tipo de trabalho. Por tal razão, buscamos conhecer quais as motivações para estas pessoas para realizar esta atividade. A maioria delas relatou o sentimento de prazer para com a profissão e a ajuda ao outro, além do reconhecimento do trabalho realizado e do sentimento de utilidade. Encontramos depoimentos, como:

“[...] o reconhecimento do paciente, da família, o retorno dos profissionais, o espaço que a psicologia tem com as outras áreas. Isso tudo já é uma boa motivação.” (PSICÓLOGA 3)

“Gosto do que faço. Sempre quis. Ia para congressos desde a época da faculdade e sempre fui me especificando. Hoje tenho uma equipe multiprofissional que conquistei e não foi fácil, mais foi uma conquista minha. E isso me motivou, pois tive o reconhecimento do chefe da UTI. A minha motivação também vem da equipe, pois todos gostam do meu trabalho e confiam em mim.” (PSICÓLOGA 4)

“A motivação é gostar do que faz. Não existe receita é a vocação e o sentimento”. (PSICÓLOGA 5)

“Eu gosto de trabalhar com a Psicologia Hospitalar, gosto de trabalhar nesse ambulatório. Às vezes intervenções tão pequenas, que você as vezes imagina tão pequena, faz uma diferença para aquela pessoa. Para que ela possa compreender melhor o momento em que ela está vivendo, para que ela possa compreender que aquilo é passageiro, que aquilo te começo meio e fim, para que ele crie nova forma de enfrentamento da vida, para que possa elabora as coisas. Essa é a minha maior motivação. É de poder acolher essa pessoa que está em sofrimento, ver que através daquela elaboração ela se sente um pouco melhor para enfrentar a dor, para enfrentar o novo, para enfrentar a falta de cabelo, para enfrentar a morte. Tem paciente que chega faz todo o tratamento e morre. É muito interessante como a gente pode perceber que, através dos atendimentos ela pode elaborar alguma coisa em relação a família, a ele mesmo, a despedida. Eu acho que a maior motivação é está com esse paciente, é poder trocar, é poder ver alguma forma de alívio. (PSICÓLOGA 6)

Também encontramos outros tipos de motivação que apontam o tom penoso, mas prazeroso deste tipo de trabalho.

“A motivação é o prazer que o trabalho me dá. Se ver na condição de trabalhar em algo bom que faz bem, e ainda ser paga para isso, é gratificante. Chegar perto de uma pessoa é muito bom. Perto quando todos saem de junto.

Os médicos (equipe de saúde) são preparados para salvar vidas. E um paciente em estado terminal, que se encontra sem possibilidade terapêutica, começa a ficar sem visitas, pois os outros - que são os médicos, familiares &– não sabem responder as questões trazidas pelo paciente, questões como “eu vou morrer?”, e este se sente só. E aprender a trabalhar o sofrimento do outro, “junto” do outro é o papel do psicólogo. E esse conforto de acolher a certeza do outro &– que é a morte, e não negar, como os familiares fazem e dizem que a pessoa está sendo fraca, pensando dessa forma onde a morte já é certa.

Não devo também deixar que as minhas questões se misturem nos problemas do paciente [...] por isso éimportante saber dosar o contato de suas questões. Dessa forma saber chegar junto do outro é chegar de maneira que ele consiga expressar seus sentimentos e não fazê-lo calar. E também não negar a verdade.” (PSICÓLOGA 8)

“O trabalho é desgastante? É estressante? É! Mas também é gostoso. Primeiro você tem um reconhecimento imediato e eu sou encantada com a ressignificação da vida. No hospital o psicólogo tem que interagir, você tem que trabalhar em equipe e isso acho muito bom. (PSICÓLOGA 2)

É curioso como discursos desta natureza mostram a importância de um bom trabalho psicológico e o quanto ele pode ser benéfico para as partes envolvidas, mas também o quanto é mister um trabalho pessoal para lidar com a rotina desse tipo de trabalho que, embora prazeroso, é inegavelmente difícil.

Ao questionarmos a estas pessoas se elas sempre desejaram trabalhar no hospital, metade disse que sim e a outra metade disse que não e a inserção deles na área hospitalar e sua experiência se deu de várias formas:

“Sempre. Sempre quis. Desde o início da faculdade, depois do período básico que a gente começa a ver cadeiras mais específicas. Sempre a área de hospitalar me chamou atenção... porque tinha um cuidado maior... um interesse maior. (PSICÓLOGA 3)

“Sempre. Eu quando fui fazer Psicologia, eu já tinha desejo de fazer Psicologia Hospitalar. Me incomodava muito a questão de cuidar do corpo e não cuidar da angústia, da alma. Então eu ficava muito impressionada quando sabia que uma pessoa estava doente, que estava cuidando de ouvir o sentimento estava cuidando de ouvir a dor. Quando eu me propus a fazer Psicologia eu já sabia que eu queria Psicologia Hospitalar. Foi uma escolha primeiro da Psicologia Hospitalar do que da Psicologia em si [...]”(PSICÓLOGA 3)

“Não, foi ao acaso” (PSICÓLOGA 3)

“Na realidade não. Desde que eu me formei eu tenho o meu consultório onde faço atendimento individual, mas de dois anos pra cá eu fui vendo que tinha uma maior disponibilidade para esse tipo de atuação. Na realidade eu acho que já gostava e não sabia. Eu já trabalhava acompanhando os pacientes do meu pai, que é médico. Então eu acompanhava e fazia esses atendimentos no hospital para os pacientes dele e a partir daí eu fui tomando gosto. Quando recebi o convite para trabalhar aqui, aceitei de imediato. Hoje eu amo o trabalho que faço. Acho maravilhoso, acho o trabalho e o papel do psicólogo no hospital de uma importância enorme para os pacientes [...]”(PSICÓLOGA 3)

Corroborando com a idéia de que o trabalho no hospital traz dificuldades que lhes são próprias em função do contato com limites dos mais variados, procuramos investigar como estes profissionais lidam com sua rotina. Apesar de encontrarmos respostas diversificadas, quase a totalidade dos relatos aponta &– direta ou indiretamente &– para a questão da morte como fator de dificuldade, indicando a necessidade de trabalhar este aspecto para poder conseguir lidar com a rotina.

“A morte, a perda é o cotidiano. Lidar com o sofrimento é algo constante pois se trata de um hospital, lugar de doença onde ninguém quer estar.” (PSICÓLOGA 2)

“Eu vejo a rotina de um trabalho hospitalar muito... ao mesmo tempo que é muito dinâmica ela é também muito solitária [...] Você não para pra rever questões de perda, sofrimento. Não para pra ter um espaço seu, pessoal, para ver o que isso pode estar interferindo, de que forma você pode trabalhar isso com o outros, com a família, com a equipe [...]”(PSICÓLOGA 3)

Essa realidade hospitalar, muitas vezes, gera nos profissionais de saúde um tipo de defesa para conseguir lidar com a rotina que, não raro, finda de forma tão rígida que acaba se traduzindo em frieza e desumanidade no atendimento aos pacientes. Para evitar esse tipo de postura, um aspecto importante e que foi ressaltado pelos entrevistados é a reflexão sobre a vida em todas as suas facetas, inclusive a morte e a necessidade de algum tipo de trabalho pessoal que facilite o enfrentamento destas dificuldades, especialmente para aqueles profissionais que, em sua rotina, faz-se presente o confronto com a morte e, no caso dos psicólogos, a escuta da dor do outro.

“De certa forma eu lido bem, pois como já tinha em vista que queria trabalhar em hospital e ia estar em eminência com a morte [...] fui me preparando através de estudos sobre a morte e também fiz terapia e supervisão. Sempre procurei estar orientada para realizar um bom trabalho, e com a morte tenho uma relação de respeito [...].”(PSICÓLOGA 4)

“A morte é uma coisa que a gente nunca está preparado para [...] Existe isso também da gente sentir essa perda, mas também existe a coisa de você ir se trabalhando. A gente sabe que está num setor que muitos chegam aqui e que vão embora mesmo. Vão chegar, passar um tempo, tratar, piorar e vão morrer. De alguma forma a gente precisa aprender a separar, a minha vida e a vida daquele que chega e que vai, pra encontrar com ele nesse momento de dor de angústia [...] até porque se a gente se angustia junto com ele, a gente perde a neutralidade de ajudá-lo, de escutá-lo na hora da angústia, na hora da morte. É difícil isso? É, mas com o tempo a gente consegue administrar melhor isso, consegue elaborar aquele óbito.” (PSICÓLOGA 6)

Ainda tratando de como eles lidam com a rotina do ambiente hospitalar e o trabalho que executam, questionamos a respeito das possíveis insatisfações com o trabalho realizado e tivemos desde depoimentos que reforçaram a questão de ter que lidar com a morte e as perdas &– o que precisa, de fato, estar bem trabalhado, uma vez que isso é parte mesmo da rotina destes profissionais &– até questões ligadas à remuneração e, de um certo modo, à desvalorização da psicologia, em especial quando se compara este profissional com os demais profissionais de saúde, e isso se reflete não apenas numa espécie de hierarquia de valores destes profissionais, mas também na própria remuneração que é ofertada a estas pessoas.

“Existe um pouco de insatisfação com o reconhecimento do psicólogo, não digo só com o meu relacionamento dentro do hospital. Aqui se reconhece muito a importância do psicólogo. Eu sou requisitada, a demanda chega, mas isso fica por ai. No sentido da questão financeira tem muita dificuldade de ser reconhecido ainda.” (PSICÓLOGA 6)

“A psicologia tem que ser mais valorizada [...].” (PSICÓLOGA 2)

Entendendo o psicólogo hospitalar como membro integrante da equipe de saúde e, portanto, como peça fundamental na recuperação global do paciente, a forma como ele se coloca e se vê dentro dessa equipe e como ele lida com essa relação é, muitas vezes, essencial para a conquista/manutenção deste espaço dentro dessa equipe. Nesse sentido, todos os profissionais entrevistados referem ter com a equipe de saúde uma boa relação, mesmo que tenham passado por algumas dificuldades iniciais &– atualmente contornadas e sanadas.

“[...] a gente consegue, pelo menos aqui na instituição, ter um trabalho de troca, um trabalho de respeito. Mesmo que uma área ou outra, ou às vezes um profissional, fuja desse contexto, mas quando o outro profissional se dá conta disso, existe um movimento muito maior de equipe a gente consegue ter um trabalho muito bom. Aqui costuma-se ter o reconhecimento do trabalho do outro profissional, seja médico, enfermeiro, psicólogo. Então o trabalho aqui é todo mundo muito ligado ao outro” (PSICÓLOGA 3)

“Bem [...] Os colegas de trabalho têm essa coisa da importância do psicólogo no contexto da doença. Tanto os médicos, como os enfermeiros, como os nutricionistas. Eles entendem a importância do atendimento psicológico. Isso é muito legal. [...] em função da minha opinião o médico pode dar uma folga ao paciente de alguns dias. Isso a gente constrói juntos. Ele me escuta... “gostaria que você visse aquele paciente antes de começar” eu atendo e ele me chama para perguntar a minha opinião [...] a gente tem uma boa troca [...]

Eu tive que construir qual era a minha função aqui. Mas eu vi uma porta muito aberta, não vi uma coisa fechada. Há uma troca muito grande de todos os colegas: de falar do paciente, de passar o caso, dizer o que a gente pode fazer para melhorar. Aqui todos são muito abertos. Encontrei isso desde o inicio e de lá pra cá a gente só veio alargando essas relações.” (PSICÓLOGA 6)

“Para mim é tranqüilo, mas estou aqui a um tempinho, a equipe é a mesma e está junta há muito tempo, mas no começo não foi assim, foi bem complicado porque eu cheguei para trabalhar na UTI e o médico chegou para mim e perguntou: O que você veio fazer aqui? Garantir o meu espaço e na minha rotina diária poder mostrar qual a necessidade desse profissional.” (PSICÓLOGA 7)

“No início achava que algumas vezes a equipe não valorizava o trabalho da psicologia e não do psicólogo. Pois não havia interação. Depois que passei a trabalhar com a interconsulta, percebi que o que cria uma boa relação é a sua postura, como você chega. E quando se tem domínio de suas ferramentas [...] você entra como cooperador, complementando o trabalho com o outro. É um espaço que se abre para o psicólogo. E para isso é necessário ter uma boa bagagem.” (PSICÓLOGA 8)

Embora os profissionais entrevistados se queixem da falta de reconhecimento financeiro da sua atuação, por outro lado, eles se sentem reconhecidos e respeitados por parte da equipe de saúde, tendo com ela uma boa relação, mesmo que em princípio eles tivessem que ter lutado para conquistar um espaço e mostrar que seu papel deveria ser valorizado. Isso fica evidente nos relatos acima e em depoimentos como estes:

“A equipe sempre solicita. Os profissionais quando passam a ter um contato maior com os profissionais de psicologia passam a ter uma sensibilidade maior, que além da doença existe que possa ser trabalhado, que existe um outro contexto uma outra condição. Além disso, a maioria dos profissionais tendo essa proximidade com a psicologia consegue visualizar a importância da família, as vezes até aquele papel que o paciente está ocupando na família, aqui no hospital. Então eu acho que a equipe, os profissionais percebem como fundamental [...]”(PSICÓLOGA 3)

“A equipe reconhece sim o trabalho, mas isso foi conquistado com o tempo. E hoje sou solicitada por todos da equipe -médicos, enfermeiros, fisioterapeutas… todos da equipe que estão vinculados.” (PSICÓLOGA 4)

“O trabalho do psicólogo a aqui é respeitado. No início foi difícil, pois viam o psicólogo como alguém que só conversava, mas no dia-a-dia, a partir da construção e manutenção do trabalho, o psicólogo foi aceito.” (PSICÓLOGA 5)

“Até ontem meu chefe colocou isso. Ele falou que até antes de eu chegar aqui ele tinha que trabalhar algumas questões que hoje, ele até toca nelas, mas sabe que estão sendo trabalhadas [...] ele está podendo entender o outro lado do paciente, que antes ele só via de um jeito [...] de alguma forma, eles gostam, sim, desse atendimento. Não fazem muita queixa; ao contrário, fazem queixa quando não dá para atender todo mundo.” (PSICÓLOGA 6)

Um dado relevante e que também foi apontado por alguns profissionais entrevistados é que muito dessa percepção da equipe sobre o trabalho do psicólogo depende de como ele se coloca dentro desse grupo, do seu posicionamento diante da equipe.

“Eles gostam do trabalho do psicólogo . Eles solicitam muito o trabalho psicológico. A procura da equipe de psicologia vai depender muito da cultura do hospital e de como o psicólogo se faz presente.” (PSICÓLOGA 1)

“No início achava que eles &– os médicos &– tinham que me perceber; depois achava que tinha que fazer eles me perceberem; de ultimo, entendi que é necessário trazer comigo aquela bagagem que vem cooperar.” (PSICÓLOGA 8)

Os dados obtidos nas entrevistas nos revelam que o número de psicólogos nas instituições hospitalares vem aumentando e que estes profissionais já têm ima consciência da importância da formação específica e da capacitação para atuar nestas instituições. Em contrapartida, os resultados também revelam que ainda se fazem pertinentes maiores reflexões a respeito da intervenção específica deste profissional neste contexto em particular, pois como dito por eles e corroborado pela literatura, a intervenção do psicólogo hospitalar não se resume a transportar a clínica para dentro do hospital, daí a necessidade de uma formação específica.

A rotina diária mostra a esses profissionais a importância não apenas da capacitação teórica para realizar um trabalho de qualidade, mas também, associar a isso, um trabalho pessoal que possa auxiliá-los a lidar com perdas e limites para que, assim, eles possam estar em condições de ajudar o outro &– o que os motiva a trabalhar mesmo diante das dificuldades com as quais se deparam.

Esse conjunto de elementos, inegavelmente, torna-os mais capacitados a se inserir na equipe profissional e buscar dela o respeito e a valorização, pois, conforme verificado em seus depoimentos, quando o psicólogo mostra adequadamente seu papel e seu trabalho e mostra que ele é fundamentado, toda a equipe e, principalmente o paciente e seus familiares, beneficiam-se com sua atuação.

O presente trabalho mostra, com isso, que muitas arestas jáforam fechadas e sanadas, mas ainda háum caminho a percorrer e qualquer bom profissional que se preze &– e disso o psicólogo não escapa &– precisa levar em conta a necessidade das constantes trocas e a permanente busca pela capacitação para oferecer sempre um serviço de melhor qualidade.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa buscou realizar uma cartografia do campo de atuação do psicólogo hospitalar da cidade do Recife, refletindo também sobre sua forma de intervenção nesse contexto. Para isso, foi realizado um levantamento dos hospitais da rede pública e privada com o objetivo de identificar as instituições que tinham esse profissional no seu quadro de profissionais.

A atuação dos psicólogos predomina da rede pública, entretanto, os hospitais da rede privada parecem estar abrindo mais espaço para o psicólogo hospitalar. Talvez isso se deva ao fato de que, cada vez mais, a presença de psicólogos em equipes multidisciplinares vem aumentando, o que favorece o reconhecimento do seu fazer clínico, que beneficia paciente e família, além de facilitar a fluidez do trabalho de outros profissionais que compõem a equipe e do próprio hospital.

A especialização na área surge como uma ferramenta essencial que favorece a prática e, inclusive, nos faz refletir sobre a revisão dos currículos de algumas universidades e faculdades que ainda não dispõem dessa disciplina e/ou estágio na sua grade de ensino. Sabe-se que o psicólogo clínico atua em hospitais, entretanto, os relatos indicam que esse modelo requer um preparo direcionado para intervenções específicas e pontuais que são geradas por momentos de crise, permeados, principalmente, pela possibilidade de romper laços de maneira aguda ou crônica.

Algumas falas, dada a intensidade das situações, nos mostraram que, em alguns momentos, os profissionais são levados a utilizar seus mecanismos de defesas. Cabe aqui, refletirmos sobre a necessidade de um espaço para supervisão dos casos e, principalmente, sobre a importância do trabalho pessoal dos profissionais que trabalham nessa área.

Ficou evidente que, em muitos momentos, o papel do psicólogo na equipe favorece a recuperação global do paciente, entretanto, considerando a demanda advinda de pacientes e da própria equipe, a remuneração desses profissionais ainda não é satisfatória. A esse respeito podemos, inclusive, relacionar aspectos que interligam o fazer de outros profissionais de saúde com o próprio sistema de saúde do qual dispomos que dá nítidos sinais de precariedade. São filas de espera, greves, falta de medicação, de aparelhos e de profissionais, etc., ou seja, questões outras, mais ligadas às políticas públicas para a saúde no Brasil que, indiretamente, interferem na rotina de qualquer profissional de saúde na luta para oferecer um serviço de melhor qualidade.

Distantes de querer esgotar o tema, essa pesquisa abre muito mais espaços para reflexão. Aqui, captamos uma pequena faceta dessa área que, a cada dia, pede espaço e mostra sua efetividade no bem-estar psíquico e físico dos que necessitam de cuidado. Não se trata de negar os outros saberes, muito pelo contrário, essa proposta de ampliar a clínica nos faz unir forças, dialogar com outras especialidades e, assim, construir um espaço de atenção integral ao paciente que sofre e de todo o seu entorno, aqui incluídos familiares, cuidadores e equipe de saúde.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Psicóloga clínica. Especialista em Psicologia Hospitalar. Mestre em Psicologia Clínica pela UNICAP, Professora da UFRPE. veridianacosta@hotmail.com
** Psicólogo clínico. Especialista em Psicologia Hospitalar. Mestre em Psicologia Clínica pela UNICAP. Doutorando em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento pela UFPE. lnfbpsi@uol.com.br
*** Profa. Dra. Docente da graduação e pós-graduação do departamento de psicologia da UNICAP. Coordenadora da linha de pesquisa “Práticas Psicológicas em Instituição” e Líder do grupo de pesquisa em Psicologia Clínica. ana.francisco@terra.com.br
**** Aluna da Graduação em Psicologia da UNICAP. alanaalmeida@ig.com.br
***** Aluna da Graduação em Psicologia da UNICAP. erikinha_tenorio@hotmail.com
****** Aluna da Graduação em Psicologia da UNICAP. mayrabastos@hotmail.com
******* Aluna da Graduação em Psicologia da UNICAP. raissambittencourt@hotmail.com

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