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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.13 no.1 Rio de Janeiro jun. 2010

 

ARTIGOS

 

Atuação do psicólogo em unidade neonatal: construindo rotinas e protocolos para uma prática humanizada1

 

Acting of psychology in unit neonatal: creating routines and protocols for a humanized practice

 

 

Danielle Vargas Silva Baltazar2; Rafaela Ferreira de Souza Gomes3; Talita Beja Dias Cardoso4

UTI/UI neonatal do Hospital Geral de Bonsucesso

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O artigo apresenta o contexto da atuação do psicólogo em Unidade de terapia intensiva (UTI) e Unidade intermediária (UI) neonatal do Hospital Geral de Bonsucesso, Ministério da Saúde, referência para atendimento a gestante de alto risco e prematuros. Pretende-se expor a rotina de assistência psicológica construída nestes setores, as quais prevêem uma prática humanizada de atendimento. Para tanto abordaremos os desafios de um serviço de neonatologia, assim como questões que permeiam a internação de neonatos de risco. A partir de um enfoque psicanalítico, analisaremos a relação pais-filhos, o vínculo afetivo e relações primárias, tendo por objetivo em nossas práticas as intervenções precoces.

Palavras-chave: Neonatologia; Prematuridade; Protocolos e rotinas psicológicas; Práticas humanizadoras; Vínculo afetivo; Intervenções precoces.


ABSTRACT

The article presents the context of psychological interventions in intensive care unit (ICU) and Intermediate Unit (IU) of neonatal Bonsucesso General Hospital, Ministry of Health reference for treatment of high risk pregnant women and newborn infants. It is intended to expose the routine psychological constructed in these sectors, which included a humanized care. To this end we will tackle the challenges of a service of neonatology, as well as questions related to hospitalization of newborns at risk. From a psychoanalytic approach, we analyze the parent-child relationship, the primary relationships and bonding, with the aim of our practices in early intervention.

Keywords: Neonatology; Prematurity; Protocols and routines psychological; Humanizing pratices; Bonding; Early interventions.


 

 

Introdução

Os cuidados em UTI/UI neonatal são marcados pela alta tecnologia e pela urgência e precisão das ações, no sentido de manter a vida do bebê. Os avanços na tecnologia neonatal têm possibilitado que recém-natos (RN) de baixíssimo peso sobrevivam com tais recursos. Segundo (Ansermet, 2003, p.48), “em neonatologia, desaba o que via de regra, sustenta a história. O risco de morte, doença e/ou deficiência ocorrem concomitantemente ao nascimento, podendo desdobrar-se em uma incerteza insuportável”.

As particularidades da atenção neonatal e o tipo de demanda que produzem têm recebido como resposta do Ministério da Saúde a construção de uma Norma de Atenção Humanizada ao Neonato de Baixo Peso que se traduz no Método Canguru. Enquanto método é definido pelo Ministério da Saúde como, um tipo de assistência neonatal que implica contato pele a pele precoce entre a mãe e o recém-nascido de baixo peso, de forma crescente e pelo tempo que ambos entenderem ser prazeroso e suficiente, permitindo uma maior participação dos pais no cuidado a seu recém-nascido e o envolvimento da família.

Esta Norma abrange questões como a promoção do contato físico mãe-bebê, o respeito às individualidades, atenção aos cuidados técnicos com o bebê (manuseio, atenção às necessidades individuais, cuidados com luz, som, dor), o acolhimento à família, a promoção do vínculo mãe/bebê e do aleitamento materno, o acompanhamento ambulatorial pós-alta e uma diferença marcada entre promover o método canguru enquanto política de humanização e o mero posicionamento canguru.

Temos como definição de humanizar: tornar humano; dar condição humana a; tornar benévolo, afável, tratável; humanar; fazer adquirir hábitos sociais polidos, civilizar; amansar (animais); tornar-se humano, humanar-se. Em todas as definições apresentadas, trata-se de uma condição dada a partir da ação de outra pessoa. Ou seja, a existência humana somente sendo possível a partir da ação de um Outro Primordial5.

Como podemos pensar esse Outro primordial no contexto da prematuridade, aonde o nascimento biológico se apresenta inábil a vida sem a intervenção médica e aonde os pais precisam “humanizá-los”, investi-los com o atravessamento da uma equipe de saúde especializada? Ou, ainda, como podemos pensar a ação desse Outro Primordial quando a prematuridade se deu por uma tentativa de aborto e temos essa mesma equipe especializada em atos heróicos para salvar um bebê para o qual a morte foi desejada e que por ora não nasceu no desejo de seus pais?

Sabemos que não há respostas para tais questões na Norma de Assistência Humanizada, por mais que consideremos sua importância, pois o que se coloca é um comprometimento na própria possibilidade de humanização e de investimento pelo desejo do Outro.

Nesse sentido, para respondermos as questões colocadas pela prematuridade é preciso trazer a fala desses pais que poderá esvair-se ou não colocar-se pelo tempo das urgências e altas tecnologias do cuidado em UTI/UI neonatal.

Nesse contexto, é que nos interessa apresentar os protocolos e rotinas de assistência psicológica em UTI/UI neonatal implantadas no Hospital Geral de Bonsucesso, referência de maternidade de alto risco no Estado do Rio de Janeiro.

Consideramos que para construirmos uma rede é preciso nos colocar no quotidiano do serviço de modo acessível. A equipe médica e de enfermagem envolvida com os cuidados do neonatal, por vezes, não conhece sua história e lida com os pais a partir das exigências clínicas do bebê. Entendemos que na troca com esses profissionais poderemos ajudá-los a ouvir e responder aos pais de outro lugar.

A relação entre equipe e pais deixará de ser a de informá-los somente sobre a condição clínica do neonato, quase num monólogo ininteligível para ambos. Imaginemos um médico dizendo para uma mãe que tentou abortar, tomada por culpa e não vinculação ao bebê, sobre sua vitória ao salvá-lo da morte. Ou ainda, a equipe de enfermagem tentando incluir essa mesma mãe nos cuidados ao bebê salvo da morte, mas sem lugar na subjetividade desses pais. A escuta das questões subjetivas estão circunscritas em todas as ações voltadas para o recém-nato (RN) prematuro e para seus pais.

A proposta de implantação de protocolos e rotinas psicológicas em UTI/UI neonatal se funda como um posicionamento ético e não somente técnico que se opõe a que o corpo do RN prematuro seja interpretado tão somente como puro organismo. O corpo do bebê investido pela equipe de médicos, enfermeiros, técnicos e demais profissionais para se tornar humano deverá pressupor que haja vida psíquica ainda que estejam diante de bebês prematuros prementes por intervenções de alta tecnologia para a manutenção da vida.

A prematuridade é uma desconstrução da maternidade idealizada, um impasse na construção do sujeito e no nascimento do Outro primordial. Marca no narcisismo materno, transformará a construção do vínculo pais-bebê, uma vez que esse bebê que ocupa um lugar na economia psíquica dos pais é atravessado pela prematuridade, risco de morte e desenvolvimento imprevisível.

O olhar e a escuta para o RN prematuro como um sujeito a vir a ser e a escuta dos pais representam atos clínicos construídos na singularidade do caso a caso e poderá influenciar todas as intervenções propostas, uma vez que olhamos para o bebê para além dos equipamentos, trazendo sua história cercada de idealizações.

A presença da mãe, autorizada e potencializada pela equipe da UTI/UI poderá ter um efeito organizador para este bebê, pois a voz da mãe impõe outro ritmo às intervenções voltadas para o mesmo. Para nós, o valor da presença dessa mãe é inquestionável, trata-se não somente de uma política humanizadora do espaço neonatal, mas de uma intervenção precoce em saúde mental, uma vez que a presença deste Outro é fundante para o sujeito. Para (Ansermet, 2003, pg.73), “a relação do sujeito com o Outro vem substituir o laço instintivo. Nesse movimento, é o Outro do simbólico que está implicado”.

Para cada componente da equipe de cuidados intensivos isso se coloca como um desafio só alcançado quando cada qual pode se confrontar com o seu próprio desamparo, sua falta, seu não-saber e, assim, entender o alcance dessas intervenções precoces. É preciso que alguém possa dirigir palavras para o RN ainda que este esteja numa UTI/UI neonatal. As palavras da equipe cumprem uma função, mas os pais trazem um desejo endereçado àquele bebê. São os pais e seu desejo que poderão tecer um lugar simbólico para o filho ainda que passem pelo horror inicial provocado pela prematuridade, que, segundo Valansi e Morsch (2004), eles não estão preparados para enfrentar e se deparam com emoções angustiantes. O reconhecimento desse lugar dos pais para a construção subjetiva do bebê implica numa rede de cuidados que a considere.

O bebê prematuro é a expressão máxima do desamparo e é preciso propor seu resgate orgânico e psíquico, para isso a interação com o Outro Primordial é essencial e decisiva na construção do psiquismo do mesmo. Para (Motta, 2009), a transmissão humanizadora mais primária do simbólico ao infans seria veiculada por intermédio da música da voz materna.

Cabe mencionar o caso de C. (puérpera do HGB com RN internado na UTI neonatal) que ao cantar para seu bebê prematuro na UTI neonatal, teve como efeito deste endereçamento, o reconhecimento por parte da equipe, de que suas palavras/voz contribuíam para o controle da saturação do bebê. Além de estimular as outras mães a enfrentarem o horror inicial com a prematuridade e investirem em seus bebês.

 

A construção de protocolos e rotinas psicológicas em UTI e UI neonatal, nos direcionou para as seguintes ações:

A) Favorecer a aproximação pais-bebê prematuro

Em nossa rotina buscamos ajudar os pais a ultrapassarem a angústia inicial com a prematuridade, podendo olhar para o bebê que se humaniza, desperta surpresa, admiração, descobrindo novas expressões e sustentando o que está vivo, mesmo que a morte seja inelutável. Desse modo, favorecemos aos pais ajustarem suas representações ao bebê real, pois são os pais também prematuros.

Há uma expectativa que os pais se adaptem rapidamente a situação da prematuridade e se apropriem do papel de pais, o que significa ultrapassar as ambivalências e reações intensas que o bebê real provoca, em especial no contexto de nascimento prematuro. Nesse caso, a identificação mãe-bebê está especialmente comprometida, pois o bebê no qual a mãe deve investir aponta para sua falha, o que contribui para que a ambivalência, comum a toda gestação, apresente-se na sua face de culpa.

O início da internação é especialmente difícil por uma série de fatores. Gomes (2002) destaca entre eles, a separação logo após o nascimento; o bebê que por motivo de sua prematuridade ou debilidade não responde aos apelos de contato dos pais; a mãe deverá compartilhar seu bebê com profissionais que detém um saber em relação à sobrevivência de seu filho; riscos e iminência de morte.

A prematuridade coloca a maternidade em suspenso e a maneira como cada casal parental lidará com essa situação é imprevisível. Desse modo, a aproximação desses pais ao bebê é considerada na particularidade de cada caso. O nascimento inesperado é um momento brusco de corte e interrupção do processo de construção do bebê imaginário o qual trará um confronto com o real de um bebê prematuro internado em UTI neonatal. Os pais deparam-se com o luto simbólico que se dá na presentificação de um bebê concreto e de um nascimento que impõe riscos.

Para além do luto simbólico do bebê imaginário, os pais estão diante da iminência de morte e da possibilidade de luto concreto. O risco de morte coloca os pais em estado de alerta, como se esperassem uma garantia da equipe para investirem afetivamente em seus filhos. Neste ponto, cabe ressaltar que, se faz necessária uma intervenção que os ajude a vencer esta barreira inicial a fim de que possam olhar para um bebê humanizado.

Segundo (Szejer, 1999), na ocorrência do parto pré-termo a mãe vê toda a sua dedicação cair no vazio, uma vez que não se sente capaz de oferecer ao seu bebê os cuidados necessários à sua sobrevivência. As mães se sentem culpadas, seja por um motivo concreto, no caso de uma tentativa de aborto ou pela culpa fantasiada diante de sua “impossibilidade” de levar a gestação até o fim. São tomadas por culpa, por medo e pela idéia de que não são necessárias à recuperação do bebê, uma vez que o entregam aos cuidados da equipe multiprofissional para que esta conclua o que ela própria “não conseguiu fazer”.

A fala de F, 25 anos, ilustra o que afirmamos: “Eu me sinto culpada porque tentei tirá-lo, ninguém podia me ajudar e minha mãe me convenceu a fazer um aborto... fico com medo de encostar, parece que posso machucá-lo”.

Nossa intervenção deverá apontar para estas mulheres-mães o papel que elas têm na internação e recuperação de seus filhos, assim como oferecer a elas maneiras de “reparar” esta culpa através da aproximação e da vinculação com seus bebês. Para tanto, é imprescindível que elas tenham um espaço de escuta, onde a palavra possa emergir e para que seja elaborada.

A aproximação poderá ser mediada por um terceiro nesta relação, o qual dê suporte a estes pais e os ajude a encontrar aspectos que provoquem o desejo destes por este bebê, que é tão diferente daquele imaginado. O bebê precisa do grande Outro para sobreviver, não apenas dos cuidados dirigidos a ele, mas do investimento afetivo e de um lugar na economia psíquica deste Outro.

Neste ponto cabe inserir um fragmento de caso de uma mãe atendida por nós e que apresentava dificuldade de vincular-se ao seu bebê prematuro. C, 21 anos: “O pai dele (referindo-se ao pai do RN) morreu tem duas semanas e depois o bebê nasceu... é muito pequeno e me lembra o pai, não gosto nem de olhar”. C. recebeu nosso acompanhamento e a partir da mediação oferecida, construiu um vínculo com seu filho, de modo que já se aproximava, tocava e fazia planos para o futuro dele.

No momento do nascimento de um filho, os pais re-atualizam suas histórias parentais, pois a chegada de um filho está permeada por expectativas e motivações inconscientes. O bebê vem com uma história que o precede, sua constituição enquanto sujeito constará de ditos e não-ditos transmitidos de geração em geração. Para (Dolto, 1981, p.13), “Um ser humano, desde a sua vida pré-natal, já está marcado pela maneira como é esperado, pelo que representa, em seguida, pela sua existência real diante das projeções inconscientes dos pais.”

Precisamos nos atentar para os aspectos transgeracionais que estão implicados no processo de construção da maternidade/paternidade, de modo que possamos ajudar os pais a inscreverem seus bebês na história familiar de ambos.

J. 20 anos: “Eu não me via sendo mãe, acho que não queria ser mãe... mas, agora que ele está aqui eu quero cuidar e ser uma mãe melhor do que a minha mãe foi.” Ela pôde repensar sua história e a despeito da identificação com sua mãe, se diferenciar e pensar num outro modo de maternar seu filho e, assim, reescreveu sua história. Manifestava desejo de ser uma mãe zelosa, diferente da mãe que teve. Ela e seu esposo foram presentes e dedicados durante o longo período de internação.

Nossa intervenção busca propiciar que algo da ordem do pulsional ocorra a partir da vinculação afetiva pais-bebê. Deste modo, evitar que haja a falta simbólica, quando os pais não conseguem ver seus filhos como algo além de um “corpo” que inspira cuidados e para que o inscrevam na história familiar. Favorecer a aproximação e vinculação dos pais é garantir um lugar de sujeito desejante para o bebê.

B) Entrevista regular com os pais dos bebês internados na UTI/UI neonatal

Como parte de nossa rotina inicial com os pais, elaboramos um protocolo de avaliação psicológica realizada logo que o bebê é internado na UTI/UI Neonatal. Trata-se de um roteiro semi-dirigido onde constam: Identificação, História Psicossocial, História Clínica Gestacional, Aspectos Subjetivos do Processo Gestacional e do Nascimento, Motivo da Internação, Freqüência da Visitação dos Pais, Concepções e Vivências da Relação Mãe-Bebê, Exame Psíquico e Conduta/Encaminhamentos.

Em cada um dos itens especificados buscamos aspectos que nos permite compreender o contexto no qual se insere o recém-nato. Na Identificação aparecem dados dos pais ou responsáveis pelo bebê. Na História Psicossocial observamos o contexto sócio-cultural no qual o bebê se insere, sua fratria, buscando conhecer a linhagem familiar dos pais, o lugar que ocupam enquanto filhos e a relação da família ampliada com a chegada de um bebê.

Na História Clínica Gestacional nos interessa saber sobre o curso geral da gestação, histórico de abortos espontâneos ou provocados, experiências gestacionais anteriores, uso de métodos contraceptivos, pré-natal e intercorrências clínicas relacionadas ou não ao nascimento prematuro.

No item 4 da avaliação, denominado Aspectos Subjetivos do Processo Gestacional, nos interessa conhecer o lugar subjetivo que o bebê ocupa para os pais, aspectos relacionados ao planejamento e desejo de filho por parte de ambos, a situação emocional dos pais durante a concepção, o período gestacional, bem como a reação frente ao parto prematuro e internação em UTI/UI neonatal. Além disso, perguntamos sobre a expectativa dos pais em relação ao filho (escolha do nome, preferências quanto ao sexo e preparativos para a chegada do bebê), experiências subjetivas relacionadas a gestações anteriores e a parentalidade.

Em nossa avaliação especificamos ainda, o motivo da internação do RN, a freqüência de visitação dos pais e as Concepções e vivências da relação mãe-bebê na qual observamos os recursos que os pais utilizam para o enfrentamento da situação da prematuridade e vínculo ao bebê.

No Exame Psíquico, a despeito de não considerarmos o período gestacional como uma doença, entendemos que há neste período uma fragilidade subjetiva na mulher e também no homem que favorece o surgimento de conteúdos inconscientes com maior intensidade podendo apresentar-se como alguma alteração psicopatológica. Assim, no exame psíquico, observamos aspectos como consciência, orientação. senso-percepção, pensamento, cognição, memória, juízo crítico, humor e afeto.

Por fim, em Conduta e Encaminhamento registramos o que consideramos de maior relevância no acompanhamento dos pais e do bebê durante a internação na UTI/UI neonatal.

Através dessa abordagem aos pais pretendemos oferecer um ambiente de holding, permitindo, além do acolhimento, o conhecimento do lugar subjetivo que o bebê ocupa no psiquismo dos pais e seus desdobramentos, com o objetivo de ajudá-los a se sentirem preparados para assumir suas funções como pais.

“O mundo representacional dos pais inclui suas fantasias, esperanças, seus medos, seus sonhos, suas lembranças da própria infância, seus modelos de pais e profecias para o futuro do bebê; inclui também as experiências dos pais das interações com o seu bebê.” (Daniel Stern, 1997, apud Andrade, M. A.G, ano 2000)

Outro aspecto relevante no que se refere à elaboração de uma rotina de entrevistas com os pais é a possibilidade de acrescentar ao prontuário do bebê informações sobre sua história e sobre o lugar que ocupa na história de seus pais, o que se destaca frente às informações clínicas que caracterizam tradicionalmente o prontuário em neonatologia.

É oportuno dizer que, cabe a equipe de psicologia o cuidado quotidiano de avaliar as informações que se apresentam importantes de serem acrescidas ao prontuário daquelas que requerem sigilo. Nossa experiência tem mostrado que a inclusão e leitura dessas informações no prontuário do bebê passaram a ser parte da rotina da UTI/UI neonatal por parte de todos os profissionais envolvidos na assistência, permitindo que possam entender parte da historia dos bebês dos quais cuidam.

C) Promoção de grupos regulares entre os pais

Nosso objetivo principal é oferecer um espaço de escuta onde os pais possam expor suas dúvidas, medos e expectativas frente à internação de seu filho, expressando desta forma os sentimentos vivenciados neste contexto. Acolhemos estes pais para vencerem a paralisia inicial e o medo da morte e ir se aproximando e cuidando de seu bebê na situação de prematuridade, na medida em que vai compreendendo toda a situação do bebê pré-termo.

São realizados grupos distintos na UTI/UI neonatal considerando que cada uma dessas unidades apresentam singularidades, tornando o foco do grupo diferenciado. Na UTI a eminência de morte está mais presente, por isso trabalhamos fundamentalmente com a construção do vínculo, o potencial de investimento desses pais e sobre as rotinas da unidade. Na UI o bebê está mais estável clinicamente, por isso, além de trabalharmos a construção do vínculo, acompanhamos as experiências dos pais nos cuidados dispensados ao bebê, nos procedimentos realizados e no estímulo a amamentação.

Em ambos os grupos trabalhamos com a demanda trazida por eles, e os temas abordados variam de acordo com o que surge da fala dos pais em cada encontro. As informações são colocadas sem seqüência pré-determinada e o número de participantes é variado, mas composto basicamente pelas mães. Os temas que surgem com mais freqüência são: planejamento da gravidez, o desejo desta, a inserção do filho no contexto familiar, as angústias de terem um filho internado e dúvidas sobre amamentação e cuidados com o RN no contexto hospitalar.

D) Estímulo a amamentação

Sabe-se que o leite materno é essencial para o desenvolvimento e a nutrição do bebê. Porém, o momento da amamentação envolve um relacionamento íntimo entre mãe e filho, estabelecendo um vínculo entre esses dois sujeitos e consolidando o apego, ou seja, amamentar é mais que alimentar, é nutrir esse vínculo que se estabelece.

Segundo Sales (2005), durante a amamentação, a díade mãe-bebê encontra-se em grande interação e os primeiros meses de vida têm sido identificados como um período em que esta relação recíproca é muito forte. É neste momento em que ocorre o face-a-face, a comunicação visual, onde ambos se reconhecem e se identificam.

O leite materno traz consigo, além das características imunológicas da mãe, que protege organicamente o bebê, traz também suas palavras, seu olhar, seu cheiro, seu colo que o sustenta subjetivamente.

Segundo Wanderley (1999), em uma unidade neonatal, por vezes, apesar da presença física da mãe, esta permanece excluída da relação com o alimento, exceto quando pode retirar seu próprio leite. Por tudo isso, cabe também falarmos de ordenha para as mães da UTI que inicialmente não podem amamentar, porém podem participar ativamente no aleitamento de seu filho através da gavagem ou outro método utilizado pela equipe e reforçar que o fato de não estarem amamentando diretamente no seio, não as impede de nutrirem seus bebês.

É de extrema importância dar suporte a essas mulheres, pois as emoções afetam também a lactação. Ou seja, a calma, a confiança e a tranqüilidade favorecem um bom aleitamento. Entretanto, o medo, a depressão, a tensão, dor e ansiedade, são alguns dos fatores que podem interferir neste processo. Cabe a equipe estar atenta a esses sinais para que se ofereça um ambiente favorável, que transmita apoio e encorajamento.

E) Promoção de grupo de atividades criativas em parceria com a Terapia Ocupacional

Os bebês prematuros produziram pais também prematuros que, muitas vezes, pouco organizaram a chegada do bebê e que o farão em plena angústia sobre a situação dos filhos.

A partir da parceria da terapia ocupacional com a psicologia e o serviço de voluntariado do Hospital organizou-se um espaço lúdico para as mães com o objetivo de confeccionar objetos para o bebê, ainda durante sua internação na UTI/UI neonatal. As mães produzem blocos de anotações temáticos aonde relatam sua experiência de permanência no hospital e ganhos do bebê, porta objetos, lembranças para o pós-alta, o nome do filho em material reciclado para ser colocado no quarto, entre outros que são pensados e propostos a partir da premissa da construção de um vínculo com o bebê e sua expectativa de alta. A “atividade” manual é entendia em seu aspecto motor, emocional e social.

Como aponta (Almeida, 2004, pag.194; In Aração, R. O. ano 2004) analisando a experiência do Grupo Criar-te realizado com as mães de bebês prematuros do IFF/Fiocruz:

“Os encontros permitem o estabelecimento de um espaço de trocas mútuas, em que as mães – e, às vezes, também os pais e as avós - têm a possibilidade de atuar como alunas, professoras, artesãs e artistas. Os objetos confeccionados trazem a cena os bebês internados e favorecem uma visão dos mesmos, para além do fato de apresentarem, no momento, patologias que necessitam de cuidados intensivos, direcionamento este que facilita a reparação das relações precoces ameaçadas.”

F) Promoção e acompanhamento da visita dos irmãos dos bebês internados

Em atendimento às diretrizes da Humanização nos ambiente de cuidados intensivos, a equipe de psicologia organizou e passou a responsabilizar-se pelas visitas dos irmãos dos recém-natos internados na UTI/UI neonatal. Trata-se de visita semanal com horário formalizado pelo serviço. As mães recebem um convite autorizando a entrada no filho no dia em que participam do grupo de pais e, assim, podemos conhecer previamente a história dos irmãos que participarão da visita.

O objetivo é propiciar que os irmãos tenham maior entendimento sobre o que se passa com o bebê e também contribuir para a redução da ansiedade das mães que se encontram afastadas do seu núcleo familiar devido ao acompanhamento da internação do RN.

“(...) espiando e observando o irmão bebê através das portinholas ou mesmo pelas paredes da incubadora, atribuem significado aos gestos e condutas deles, e questionam o que não conseguem compreender, numa postura que acaba envolvendo os pais e a equipe que encontra próxima” (Braga, N & Morsch, D.S. , 2003, pag. 99).

O que temos observado é que a visita possibilita a inclusão do irmão no processo de internação do RN na UTI/UI neonatal, pretende acolher a ansiedade produzida pela internação do RN e afastamento materno, colaborando para que mantenham suas rotinas familiares e, ao reconhecer a importância dos laços entre os irmãos, favorecer os desdobramentos das relações familiares.

Morsch & Delamonica (2009) apontam fatores importantes na visitação de irmãos nos serviços de cuidados neonatais, são eles: Propicia a união familiar, o resgate de papéis e funções de cada um de seus membros; a visita do filho mais velho contribui para a diminuição de fantasias quanto à fragilidade do recém nascido, facilitando a aproximação dos pais com este.

 

Considerações finais

Para finalizar, apontamos os desafios que norteiam o nosso quotidiano como psicólogos em UTI/UI neonatal:

• Sensibilizar a equipe para a dimensão subjetiva que cada bebê traz consigo, para além de sua história clínica.

• Facilitar a comunicação efetiva da equipe com os pais, principalmente quando estes não correspondem às exigências que lhes são feitas, para que possam responder as questões que surgem ao longo da internação.

• Dividir com a equipe as expectativas e angústias produzidas pelo trabalho com os bebês prematuros.

• Toda a equipe implicada na construção de um ambiente de UTI/UI neonatal que propicie um espaço para que pai, mãe e bebê tenham uma vida afetiva em comum, participando dos cuidados dispensados ao seu bebê.

Para destacar o que entendemos ser o trabalho em UTI/UI neonatal, trazemos (Pizzolglio, 1999) que afirma ser a equipe da UTI obrigada a substituir os pais, tendo a missão de lhes devolver um filho vivo. Ela enfrenta, juntamente com os pais, os primeiros contatos difíceis e sustenta o encontro. Este pode chegar a reencontros ou se tratar de uma preparação para o longo período de internação e para o risco de morte.

Entendemos que a inserção do psicólogo na UTI/UI neonatal implica na organização de uma proposta de rotina e participação quotidiana nos acontecimentos do serviço, numa proposta que não se restrinja a pareceres psicológicos, mas na abordagem regular das famílias e seus bebês.

Reconhecemos que muitos encaminhamentos feitos pela equipe traduzem suas dificuldades em lidar com as repercussões emocionais da internação em neonatologia, o que demanda trabalho interdisciplinar justificando a presença de psicólogos nas equipes. Contudo, a construção de rotinas e protocolos em UTI/UI neonatal permite que os próprios psicólogos possam eleger as famílias e bebês que demandam acompanhamento regular, colocando-se disponível a eles para as questões que surgem durante a internação.

O psicólogo inserido na UTI neonatal, a partir de um enfoque psicanalítico, irá acolher os pais e auxiliá-los na vinculação com o bebê internado. A escuta destes pais e a compreensão de seus conteúdos internos é fundamental para o entendimento da parentalidade e de como isso está implicado diretamente com as manifestações do bebê.

Entendemos ser de grande relevância a atuação do psicólogo em UTI/UI neonatal, pois, este lugar tem suas características particulares e complexas, das quais se pode destacar o início da vida e advento do sujeito, as relações primárias entre pais e filhos, a construção da maternidade e os aspectos a ela relacionados.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Danielle Vargas Silva Baltazar
E-mail: daniellevsbaltazar@gmail.com
Rafaela Ferreira de Souza Gomes
E-mail: rafaelaferr@gmail.com
Talita Beja Dias Cardoso
E-mail: talitabeja@hotmail.com

 

 

1 O presente trabalho retrata a intervenção do serviço de psicologia na UTI e UI neonatal do Hospital Geral de Bonsucesso, Rio de Janeiro. Abordaremos fragmentos de casos atendidos no ano de 2009, assim como descreveremos as rotinas e protocolos criados a partir da inserção do psicólogo nestes espaços.
2 Psicóloga, mestre em saúde pública pela ENSP/FIOCRUZ, especialista em saúde mental em nível de residência pelo IPP/FIOCRUZ, psicóloga da UTI/UI neonatal do Hospital Geral de Bonsucesso (HGB).
3 Acadêmica de psicologia e estagiária da UTI neonatal do Hospital Geral de Bonsucesso (HGB).
4 Acadêmica de psicologia e estagiária da UI neonatal do Hospital Geral de Bonsucesso (HGB).
5 Outro primordial: Este termo foi utilizado por Lacan para designar lugar, está referido ao campo da linguagem, ao campo simbólico. Para Lacan o inconsciente é fundado no discurso do Outro. Logo, alguém que esteja implicado na função materna ocupa o lugar de Outro primordial.

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