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Revista da SBPH

Print version ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.13 no.2 Rio de Janeiro Dec. 2010

 

ARTIGOS

 

Humanização e integralidade1

 

Humanization and completeness

 

 

Raquel Pusch*

Associação de Medicina Intensiva Brasileira

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A humanização no ambiente hospitalar deve ser vista de uma maneira que vai muito além do ato humanitário, ela envolve a integralidade que representa acima de tudo, a fuga do reducionismo quando se fala em cuidados. A construção de uma nova práxis no espaço interdisciplinar deve ser norteada por princípios éticos e humanitários, por meio de um processo dialógico e reflexivo. Para tanto a comunicação efetiva e relacionamentos colaborativos entre profissionais de saúde, paciente e seus familiares são componentes vitais para a qualidade de cuidados e, conseqüentemente, para a qualidade da assistência hospitalar.

Palavras-chave: Humanização, Integralidade, Comunicação.


ABSTRACT

Humanization in the hospital environment should be viewed in a way that goes beyond the humanitarian act, it involves the integrity which represents above all, the demise of reductionism when it comes to care. The construction of a new practice in interdisciplinary space should be guided by ethical and humanitarian principles, through a process of dialogue and reflective. For both effective communication and collaborative relationships between healthcare professionals, patients and their families are essential to the quality of care and, consequently, the quality of hospital care.

Keywords: Humanization, Completeness, Communication.


 

 

Introdução

A humanização no ambiente hospitalar deve ser vista de uma maneira que vai muito além do ato humanitário, ela envolve a integralidade que representa acima de tudo, a fuga do reducionismo quando se fala em cuidados.

Um primeiro conjunto de sentidos da integralidade remete à medicina integral, que criticava a atitude cada vez mais fragmentária dos médicos diante dos pacientes, responsabilizando por isso as escolas médicas. Para esse grupo, então, a integralidade estava associada à atitude e, portanto, à boa prática médica.

A Humanização e a Integralidade requerem um olhar no processo de comunicação interdisciplinar, com o paciente e sua família.

A construção de uma nova práxis no espaço interdisciplinar deve ser norteada por princípios éticos e humanitários, por meio de um processo dialógico e reflexivo. O diálogo, no entanto, não significa somente ouvir o outro, mas também incentivá-lo na participação do contexto apresentado. Sabe-se que o diálogo pode diminuir distâncias e fortalecer laços.

No ambiente hospitalar, entende-se que a humanização prevê além de um tratamento digno, solidário e acolhedor ao paciente e seus familiares por parte dos trabalhadores, uma nova postura ética, integral deve permear todas as atividades profissionais.

Humanizar significa considerar a essência do ser humano, o respeito à individualidade bem como a necessidade da construção de um entendimento que legitime o aspecto humano de todas as pessoas envolvidas na assistência.

O ser humano é um ser de relações no mundo e com os outros. Com o contato com o outro o homem transforma-se a si próprio, e assume a condição de ser protagonista, porque já não se satisfaz em assistir, mas quer participar, partilhar, construir tanto para si como para o outro.

A humanização desafia os profissionais da saúde a repensar sua postura profissional, é imprescindível a criação de um espaço interdisciplinar para a partilha, a convivência e o estreitamento do vínculo afetivo. A humanização vista a partir da integralidade do sujeito gera vínculo afetivo, reflexão intra e interpessoal que se transformam em ações, tais como desenvolvimento de laços afetivos os quais tornam as pessoas e as situações preciosas e portadoras de valores éticos.

 

Humanização, Integralidade e a equipe

Para despertar e aprofundar o espírito solidário, o estreitamento dos laços afetivos entre os integrantes de uma mesma equipe, e na expectativa de minimizar as diferenças profissionais e sociais é necessário que a comunicação seja fluente entre os membros da mesma equipe. Campos (1995) comenta que além de acrescentar conhecimentos e dividir ansiedades, a comunicação favorece o surgimento de soluções.

Entendendo a equipe multiprofissional com a lente da humanização, percebe-se que o objetivo principal é desenvolver um trabalho comum em diferentes especialidades, concentrando todos os esforços no cuidado e tratamento aos pacientes. Se uma equipe não consegue comunicar-se ou criar uma interação leal entre si, o atendimento acaba sendo prejudicado. Antes de cuidar do paciente, a equipe precisa aprender a se cuidar, a se comunicar e a criar vínculos entre os próprios colegas do trabalho. Assim, para que a comunicação aconteça, é necessário que as informações sejam transmitidas e que o destinatário as receba e as compreenda. A equipe precisa estar atenta para que as interferências neste processo, como o excesso de ruídos do ambiente, a impossibilidade de assimilar o que está sendo repassado, possam interferir e gerar distorções gerando uma sobrecarga e estresse.

Um outro entendimento da equipe sobre a ótica da humanização é a busca da qualidade de vida no ambiente profissional. Ser saudável é uma conquista que deve ser buscada não só para os pacientes, mas também para a vida dos profissionais que atuam em UTI. Campos (1995) fala que o bom senso, as trocas de conhecimentos entre os profissionais, o autoconhecimento, a inter-ajuda, o apoio entre os membros da equipe facilitarão a atuação de cada um em benefício próprio, do paciente e da instituição. Pequenas atitudes dos profissionais podem indicar o processo da humanização, e resgatar a dignidade do ser humano, muitas vezes abalada pela ambiente hospitalar.

Freqüentemente não é possível para a equipe simplesmente remover o estímulo nocivo que provoca a ansiedade no paciente e em si mesma, segundo Souza (2010) para isso a equipe deve estar preparada para entender e acolher as adversidades que ocorrem no dia-a-dia. Criando como rotina própria:

• Ordem e previsibilidade no ambiente de trabalho

• Orientação antecipada entre os membros da equipe

• Desenvolver comportamentos flexíveis

• Incluir o paciente e familiares nas tomadas de decisões

• Fornecer informações e explicações sempre que necessário

A humanização e a integralidade renascem para valorizar as características do gênero humano. É imprescindível no processo de humanização uma equipe consciente dos desafios a serem enfrentados e dos limites a serem transpostos.

Vários estudos – Chiattonne (1997), assinala a violenta gama de estímulos emocionais nocivos e aos quais os profissionais de saúde estão intermitentemente expostos, entre eles: a atitude (muitas vezes interpretada como agressiva e/ou evasiva) de lidar com a intimidade emocional e corporal do paciente; conviver com limitações técnicas, pessoais e materiais sem contraponto ao alto grau de expectativas e cobranças lançadas sobre este profissional pelos pacientes, familiares, instituição hospitalar e até mesmo por si próprio; a solicitação constante de decisões rápidas e precisas, a cruel e desumana tarefa de "selecionar" quem usa esse ou aquele equipamento, pois o número de urgências graves é quase sempre superior aos recursos. Diante desses questionamentos, espera-se que as equipes estejam treinadas e experimentadas para lidar com essas situações.

Menzies (1976) diz que lidar com o corpo do paciente, suas excreções e dores, na prestação de cuidados de enfermagem revela sobremaneira a quantidade de ansiedade suportável, desencadeando na equipe de atendimento defesas rigidamente estruturadas.

Pitta (1990) aponta que o sofrimento psíquico da equipe hospitalar pode ser identificado pelas jornadas prolongadas e ritmo acelerado de trabalho, a quase inexistência de pausas para descanso ao longo do dia, a intensa responsabilidade por cada tarefa a ser executada com a pressão de ter "uma vida nas mãos". As intercorrências inesperadas, como mudanças repentinas no estado clínico de um paciente que estava bem, aumentam a tensão e a ansiedade. Essas situações geram inquietude na equipe como um todo e a fazem avaliar as capacidades pessoais de conviver no ambiente que gera estresse. Esses sentimentos podem levar à frustração, raiva, depressão e falta de confiança em si próprio, diminuindo a satisfação com o trabalho. É importante que a equipe esteja atenta e colabore para o trabalho interativo, contribuindo para o saber multidisciplinar, facilitando sempre o processo comunicacional.

Uma equipe coesa facilitará o trabalho interacional, podendo estruturar grupos para reuniões científicas, discussão de casos clínicos, buscando aperfeiçoar o atendimento aos pacientes, através da estruturação de condutas discutidas em equipe. Muitas vezes, há necessidade de esclarecimentos, trocas de informações e conhecimentos, que permitirão aos profissionais preparar melhor o paciente com informações esclarecedoras.

Vale lembrar que o cuidado emocional é de responsabilidade de toda a equipe de saúde, que precisa estar em condições emocionais de trabalhar com os pacientes, seus familiares e comunidades. Ser saudável é uma conquista que deve ser buscada não só para os pacientes, mas também para a vida dos profissionais.

Dentre as situações mais complicadas para a equipe a morte do paciente é a que causa mais angústia, pois a impotência frente ao óbito muitas vezes abre campo para uma análise interior sobre a finitude da condição de ser humano. De certa forma algumas questões devem ser lançadas a fim de proporcionar alguma segurança ao profissional da saúde, diante desta que é a uma das maiores dores do ser humano. Souza (2010) sugere:

• Realizar grupos terapêuticos, abordando temas relacionados à morte e o processo do morrer;

• Encorajar os momentos de alívio das tensões diante do constante lidar com a morte, como por exemplo, a realização de vivências;

• Reunir a equipe a fim de discutir casos clínicos como forma de manter posturas uniformes que acarretam uma maior tranqüilidade e um menor sentimento de culpa;

• Proporcionar momentos informais onde a equipe poderá manter trocas de opiniões, fortalecendo assim o vínculo, favorecendo um clima de união em momentos críticos;

• Ampliar a forma de entender a morte e o morrer para auxiliar o profissional da saúde a perceber a maneira como lida com o seus pacientes e consigo mesmo.

O diferencial de uma equipe de saúde caracteriza-se basicamente pela sua capacidade de fornecer apoio e compreensão de forma humanizada nos diversos momentos do internamento de um paciente e na capacidade de interação entre si. Portanto, a comunicação efetiva e relacionamentos colaborativos entre profissionais de saúde, paciente e seus familiares são componentes vitais para a qualidade de cuidados e, conseqüentemente, para a qualidade da assistência hospitalar.

 

Referências

Campos, Terezinha C. P. (1995). Psicologia Hospitalar: atuação do psicólogo em hospitais. São Paulo: EPU.         [ Links ]

Carter, b. McGoldrick M. (1995) As Mudanças no ciclo de vida familiar – Uma estrutura para terapia familiar. Porto Alegre: Artes Médicas.

Chiattone, H.B.C. & Sebastiani, R.W. (1997) Ética em Saúde: algumas Reflexões Sobre Nossos Desafios para o Século XXI. In: Angerami, V.A.(org) A Ética na Saúde, Ed. Pioneira, SP.         [ Links ]

Codo, W. (1999) Educação: carinho e trabalho. Brasília, DF. Ed. Vozes. (pgs. 237-362)        [ Links ]

Menzies I.(1976) O funcionamento das organizações como sistemas sociais de defesa contra a ansiedade. São Paulo: Escola de Administração de Empresas de São Paulo/Fundação Getulio Vargas.         [ Links ]

Pitta A. (1990) O Hospital: Dor e Morte Como Ofício. São Paulo: Editora Hucitec.         [ Links ]

Souza, R. (2010) Manual de Rotinas de Humanização em Medicina Intensiva. Curitiba – PR 2ª. Edição. Ed. Atheneu.

 

 

Endereço para correspondência
Raquel Pusch
e-mail: pusch11@terra.com.br

 

 

1 Trabalho apresentado na VIII Jornada de Psicologia do HU/UEL e 2° Congresso Brasileiro de Psicologia Aplicada à Saúde realizados em Londrina, 27-28-29 outubro de 2010
* Psicóloga Clinica; Mestre em Organizações e Desenvolvimento FAE- Políticas Públicas área Saúde; Especialista em Saúde Mental e Psicopatologia pela PUC; Especialista em Psicologia Hospitalar pelo CFP; Presidente do Departamento de Psicologia AMIB (Associação de Medicina Intensiva Brasileira). Contato: www.psicosaude.com.br; pusch11@terra.com.br

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