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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.13 no.2 Rio de Janeiro dez. 2010

 

ARTIGOS

 

Cuidando do cuidador: grupo de funcionários no Hospital Geral1

 

Taking care of who takes care: employees of a General Hospital

 

 

Raquel Aires do Amaral*; Charlote Wagner Moraes**; Germana Tagliaro Ostermann***

Universidade do Vale do Rio dos Sinos

 

 


RESUMO

Este estudo tem por objetivo discutir a questão do cuidado ao cuidador, bem como a importância do desenvolvimento de trabalhos voltados aos profissionais que atuam no hospital. A partir de uma experiência de um grupo de estagiárias de psicologia realizada com um grupo de funcionários do Pronto Socorro de um hospital público da região metropolitana de Porto Alegre (RS), serão alavancados elementos que fomentam a discussão. Os profissionais da saúde que atuam em hospitais trabalham num local onde a dor e o sofrimento são presenças constantes, o que pode gerar bastante desgaste nesses profissionais. Nesse sentido criar dispositivos que possam amenizar a tensão vivida nesse âmbito pode apresentar-se como uma estratégia favorável. Assim compreendemos que as experiências com grupos de funcionários podem oportunizar aos profissionais um espaço de autocuidado, bem como de crescimento pessoal e profissional.

Palavras-chave: Saúde, Trabalho, Grupo, Hospital geral, Psicologia.


ABSTRACT

Abstract This essay has the main goal to discuss the taking care of "who takes care of others", as well as the main importance of developing studies towards people who work at the hospital. The study was made from the experience of a group of Psychology students, at the Emergency Room´s employees in a general hospital near Porto Alegre (RS). The health workers at the hospital, who work daily with pain and suffer, may result a great deal of work-out and stress. So, making ways to decrease this tension may be shown as a good strategy. This way, we understand that experiences with employees might give the workers a place of "taking care of who takes care" as well as professional and personal development.

Keywords: Health, Work, Group, General Hospital, Psychology.


 

 

Introdução

No Brasil, os primeiros registros da atuação de psicólogos em hospitais datam da década de 1950 (Romano, 1999; Silva, 2006). Desde então, inúmeras foram as atividades desenvolvidas por esses profissionais no âmbito hospitalar. É possível encontrar uma infinidade de trabalhos psicológicos desenvolvidos com pacientes hospitalizados e seus familiares, como os de Gianotti (2002) e Sebastiani e Maia (2005), por exemplo. Além dos tratamentos individuais oferecidos, uma outra modalidade de trabalho dos psicólogos em hospitais são as atividades grupais. Os chamados "grupos de autoajuda" (Zimerman, 1997) formados por diabéticos, hipertensos, infartados, colostomizados ou fumantes são algumas das formações grupais que podem ser encontradas no hospital.

Além dos grupos com pacientes, também é possível realizar grupos com a equipe. Contudo, estudos referentes aos trabalhos realizados com os profissionais de saúde apresentam-se ainda escassos. Entretanto, Sebastiani (2002) afirma que o cotidiano de trabalho desses profissionais está "permeado por vivências ligadas à dor, sofrimento, impotência, angústia, medo, desesperança, desamparo e perdas de diversos tipos" (p.3) e tendo em vista esse apontamento do autor, entendemos que essa carência deve ser suprida. Uma vez que o ambiente de trabalho acaba expondo esses trabalhadores a um alto nível de estresse, podendo inclusive afetar seu desempenho profissional, entendemos que se faz mister que eles encontrem nesse mesmo local, um espaço de cuidado para eles.

Este estudo tem por objetivo discutir a questão do cuidado ao cuidador, bem como a importância do desenvolvimento de trabalhos voltados aos profissionais que atuam no hospital. A partir de uma experiência vivida por um grupo de estagiárias de psicologia junto a um grupo de funcionários do Pronto Socorro de um hospital público da região metropolitana de Porto Alegre (RS) serão alavancados elementos que fomentam a discussão do que se tem produzido enquanto práticas de cuidado ao cuidador no hospital e sobre a implicação da psicologia.

 

Grupos e hospital: breve contextualização

O hospital é um espaço de vivência de paradoxos, pois, é uma casa de saúde que vive doente e só subsiste em função da doença (Leitão, 1993). Segundo Foucault (2002) desde o século XVIII, quando o hospital passou a atuar com funções terapêuticas, um grupo de profissionais foi, pouco a pouco, ascendendo na sua hierarquia funcional: os médicos. O autor propõe ainda que os médicos foram alçados a esse lugar em função da progressiva mudança no seu fazer que foi se tornando cada vez mais adequado ao espaço hospitalar.

A imposição da disciplina instituída para reger as atividades hospitalares, bem como a conversão dessa em disciplina médica constitui-se em passos que originaram o hospital contemporâneo (Antunes, 1991; Foucault, 2002). Concomitantemente ao nascimento do hospital contemporâneo nasce o modelo biomédico, que surgiu como um dos efeitos da disciplinarização do espaço hospitalar. Encontramos em Straub (2005) que uma das características essenciais que fundamenta esse modelo é a compreensão de que a doença seria o resultado de algum tipo de vírus, bactéria ou microrganismo que invade o corpo. Essa concepção está baseada na lógica cartesiana, que entende corpo e mente como duas entidades independentes uma da outra. A instituição do modelo biomédico como hegemônico consolidou o lugar central ocupado pelo médico dentro do hospital. Lugar este sustentado até os dias atuais, ainda que se tenham constituído as equipes multiprofissionais.

A maneira como foi se constituindo historicamente o desenvolvimento do trabalho dos profissionais de saúde no hospital foi indubitavelmente atravessado pelo modelo biomédico. Modelo este que acabou gerando os corporativismos. Ou seja, as equipes que atuam no hospital contam com um grupo de profissionais que atua de maneira independente e pouco interativa entre si, ainda que estejam atendendo o mesmo caso. Também o psicólogo, ao adentrar o espaço hospitalar, sofreu influências do modelo instituído.

A aproximação da psicologia com o hospital se deu de maneira lenta e gradual (Silva, 2006). Romano (1999) afirma ainda que, no início, as práticas desenvolvidas pelos psicólogos eram isoladas e se aproximavam do que se pode chamar "o transporte do consultório para dentro do hospital". Mas, com o decorrer do tempo as práticas passaram a ser mais contextualizadas. Surgiram outras formas de trabalho psicológico, para além do atendimento clínico individual do paciente e/ou familiar. As práticas grupais são um exemplo disso.

Segundo Bechelli e Santos (2004) a literatura proveniente dos EUA aponta Joseff Pratt como o criador da psicoterapia de grupo. Os autores referem que Pratt iniciou, em meados de 1905, um grupo de tuberculosos no Ambulatório do Massachussetts General Hospital (Boston). O objetivo do grupo era ensinar aos pacientes como cuidar melhor de si e da doença. Como é possível observar a prática de grupos com propriedades terapêuticas em hospitais data do início do século XX. Ainda assim, as práticas grupais no ambiente hospitalar apresentam-se ainda restritas, demandando mais estudos sobre sua potencialidade enquanto dispositivo de cuidado. Entendemos que os psicólogos deveriam explorar mais essas práticas, uma vez que se constituem em ferramentas úteis ao desenvolvimento do trabalho em saúde mental no espaço hospitalar.

 

O cuidado e os cuidadores no pronto socorro: notas introdutórias

Os profissionais da saúde que trabalham no âmbito da emergência vivem sob constante tensão (Campos, 2006). Em geral atuam diante da intermitência de solicitações críticas, tendo que agir e tomar decisões de maneira rápida e efetiva em curto espaço de tempo. Ao mesmo tempo, é comumente esperado que o profissional esteja sempre bem e disposto, sendo sempre resolutivo (Sebastiani, 2002). Manter o equilíbrio para poder trabalhar diante de condições tão desafiantes demanda algum esforço e pode gerar um significativo desgaste nesse profissional.

Além das condições e do tenso ambiente de trabalho a que ficam submetidos os profissionais de saúde no hospital, também as relações no local de trabalho podem ser bastante complexas. Principalmente num espaço como o Pronto Socorro onde as ações dos profissionais requerem habilidade e rapidez de decisões junto a uma equipe multidisciplinar hierarquizada. Entretanto, Simionato (2006) nos lembra que o trabalho em equipe é muito relevante. A autora afirma que trabalhar em equipe requer atenção especial dos integrantes. Ela cita alguns fatores que podem ser obstáculo no desenvolvimento relacional da equipe, bem como inibi-la para o desempenho positivo: competitividade excessiva, hábito de dizer "não vai dar certo", boicotar inconscientemente o líder da equipe, acomodação pessoal e profissional, entre outros. Conclui que é fundamental o desejo de mudança de posturas, para que haja mais sintonia entre os componentes do grupo.

Alguns dos comportamentos dos componentes da equipe são produzidos pela própria vivência no hospital e somam-se as vivências particulares de cada um. Segundo Romano (1999) o comportamento profissional reflete diretamente as emoções humanas dos indivíduos que compõem a equipe. Assim, as tensões intraprofissionais frequentemente são expressas em comportamentos interpessoais. O cotidiano repleto de dor, de morte e sofrimento acaba produzindo muitas defesas nos profissionais e por vezes gera conflitos na própria equipe. Na expressão de Angerami-Camon (2002), essa postura dos profissionais da saúde diante da dor e da doença dos pacientes trata-se de uma "calosidade profissional". O autor propõe que o longo período de prática nas situações de sofrimento provocam defesas próprias que levam o profissional à "indiferença" e muitas vezes ao descaso com a real situação do doente. Isso acontece porque a vivência do sofrimento provoca incertezas, temores e medos. O paciente acaba refletindo no profissional a sua própria vulnerabilidade e mortalidade.

Por fim, em muitos casos as defesas das quais os profissionais se utilizam acabam produzindo uma certa "dessensibilização" dos mesmos frente à dor do outro, o que gera no paciente uma sensação de falta de cuidado e/ou de cuidado insatisfatório. Essas vivências produzem certo tensionamento na relação e geram desgaste no profissional. Enfim, o modo como os ambientes de trabalho estão estruturados atualmente potencializam a vivência de sentimentos, estresse e emoções e a inexistência de espaços de cuidado ao cuidador acaba intensificando ainda mais essa experiência. E, se espaços como este poderiam auxiliar o cuidador por que ainda são tão restritos?

 

A constituição do grupo: encontros

O serviço de psicologia da instituição em estudo tem desenvolvido, desde 2007, diferentes oficinas de trabalhos grupais com os servidores da instituição. Em maio de 2009 esse serviço recebeu um pedido para que fosse realizada uma intervenção psicológica junto a equipe de enfermagem do pronto socorro (PS) do hospital. Segundo a enfermeira solicitante, essa equipe vinha apresentando dificuldades de interação entre si, o que por fim gerava comportamentos desfavoráveis ao trabalho. A partir desse pedido deu-se início ao processo de intervenção.

Decidiu-se que o projeto seria coordenado pelo grupo de três estagiárias do serviço sob a orientação da psicóloga-supervisora do hospital e do supervisor acadêmico da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e abordaria a relação entre o trabalho e a saúde do trabalhador. Como o pedido nem sempre corresponde à demanda, optou-se pela expansão da oferta e o trabalho foi destinado a toda a equipe multiprofissional de funcionários do PS. Equipe esta, composta por trabalhadores da enfermagem, médicos, seguranças, equipe administrativa e de higienização.

Para a constituição do grupo e desenvolvimento da proposta, dividiu-se o projeto em três etapas assim constituídas: observação do pronto socorro, entrevistas individuais com os trabalhadores (in loco) e encontros grupais semanais. Visando desenvolver um projeto adequado às necessidades do público-alvo procuramos estabelecer parcerias. E, para tanto participamos de reuniões administrativas com os responsáveis pela coordenação do trabalho no setor nas quais apresentamos a proposta e discutimos a viabilização da mesma. Assim que estabelecido esse contato partimos para a observação do modo de funcionamento do pronto socorro.

A partir das observações e de um levantamento bibliográfico sobre o trabalho em PS foi desenvolvido um questionário e então partimos para a segunda etapa de nosso projeto. Voltamos a campo e passamos a ouvir os trabalhadores. Com base nas informações obtidas nas entrevistas, definimos que o objetivo principal dos encontros grupais seria o fortalecimento do suporte social na equipe, compreendendo que esse suporte poderia gerar uma maior capacidade de resiliência nos trabalhadores. O suporte social é "uma forma de relacionamento interpessoal, grupal ou comunitária que dá ao indivíduo um sentimento de proteção e apoio capaz de propiciar redução de estresse e bem-estar psicológico" (Campos, 2006, p.200). Já a resiliência está sendo entendida aqui como a "capacidade que o indivíduo possui para superar adversidades e sair fortalecida. [...] Resiliência não significa invulnerabilidade, nem imperineabilidade ao estresse. Está relacionada ao poder que a pessoa tem para enfrentar uma situação estressante e sair recuperada" (Rudnicki, 2007, p. 84).

Definido o objetivo e vencidas as duas primeiras etapas do projeto passamos à constituição do grupo que frequentaria os encontros. Voltamos ao PS e tornamos a falar com os responsáveis pelo setor e os demais trabalhadores. Cada um dos profissionais foi novamente convidado e informado de como funcionaria o grupo, a saber: os encontros seriam semanais, com duração média de uma hora e aconteceriam por um período de dois meses no respectivo horário dos trabalhadores, como o contratado com os coordenadores do setor. Por fim, seriam realizados dois grupos, um no turno da manhã e outro no da tarde. Abrimos as inscrições e os interessados se inscreveram, pois o grupo era aberto.

Diante de tudo que havíamos constatado em campo, compreendemos que um "grupo de reflexão" se apresentava como uma atividade grupal potencialmente produtiva para aqueles trabalhadores. Coronel (1997) afirma que "os grupos de reflexão tem como base e objetivo refletir sobre o que está acontecendo com o grupo naquele momento" (p. 349) para que desta forma, possam ser removidas ou redimidas as dificuldades que estão impedindo a realização da tarefa. Propusemos uma reflexão a respeito do trabalho no PS e a sua relação com a saúde desses trabalhadores.

Tendo em vista estarmos trabalhando com um grupo aberto, em cada encontro foi discutido um tema específico. Os trabalhadores entrevistados ajudaram a escolher os temas que foram propostos. Para o desenvolvimento de cada tema utilizamos recursos audiovisuais, textos, dentre outros dispositivos. Ao término do oitavo encontro os participantes receberam um certificado de participação.

 

Reflexões acerca do trabalho grupal com os cuidadores

Profissionais da saúde desgastados e descrentes, este foi o perfil do grupo que encontramos no pronto socorro. Constituir um grupo para pensar o autocuidado num ambiente de emergência foi um grande desafio, sobretudo pela postura apresentada pelos profissionais. "Se vocês chegarem até o fim... pode ser algo muito bom..." Essa frase, insistentemente repetida por muitos dos trabalhadores que ouvimos denunciava o grau de desgaste em que se encontravam. "Muitos já tentaram, mas..." Nos diziam, afirmando que achavam a iniciativa importante, mas, com pouca probabilidade de êxito. "Aqui só vai adiante o que interessa a eles..." Repetiam, fazendo referência aos coordenadores do serviço e os gestores do hospital. Enfim, estavam certos de que cedo ou tarde o projeto seria barrado, pois "os trabalhadores aqui nunca são valorizados."

Essas afirmações minadas de sentimentos de desvalia e desgosto nos remeteram aos modos de produção de saúde no hospital. O reflexo do fazer pautado no modelo biomédico se mostrava agora em toda sua potência. E foi possível apreender que se esse modelo não se mostra ineficaz já resulta insuficiente para a produção de saúde ensejada na contemporaneidade. Os trabalhadores que ouvíamos quando perguntados sobre como era o trabalho em equipe referiam-se exclusivamente ao subgrupo ao qual pertenciam. Ou seja, técnicos de enfermagem falavam da equipe de enfermagem, seguranças da equipe de segurança. Em nenhum momento eles conseguiam ver-se como uma única equipe atuando no mesmo espaço. Maia e Osório (2004) pontuam "a segmentação por corporação profissional, sempre visível no hospital, garante que cada um fale exclusivamente [e tão somente] de e sobre seu domínio de competência. (p. 77)." Ainda assim, eles não hesitavam em falar sobre as dificuldades de interação com os profissionais de outras áreas e ao mesmo tempo, diziam do quanto essa interação é importante e do quanto facilitaria o trabalho de todos.

Além das tensões existentes entre profissionais de diferentes áreas, também ficou claro uma forte tensão entre os profissionais e os responsáveis pelo setor, bem como com os gestores do hospital. A partir dessas informações observadas e obtidas, concordamos com Maia e Osório (2004) quando afirmam que "entendendo que as estratégias adotadas têm como finalidade a proteção da vida, constatamos que os trabalhadores do hospital estão enfraquecidos e mesmo doentes" (p. 77). Observamos ainda que muitas das queixas, do descontentamento e mesmo do sofrimento psíquico desses trabalhadores aparecia no corpo, na forma de queixas somáticas, isso porque talvez essa seja a maneira mais digna de merecer atenção em um hospital (Maia & Osório, 2004). Essa cultura que superestima os sintomas físicos em detrimento dos demais tornou ainda mais complexa a realização de um projeto voltado às questões psíquicas.

Encontramos um pronto socorro ainda mais tenso do que seria naturalmente por suas características próprias. E não passamos ilesas por ele. Também nosso grupo foi significativamente afetado pelas vivências que vínhamos acompanhando. Enquanto ainda planejávamos o desenvolvimento da atividade, nos pegamos, em um dado momento, reproduzindo tudo que víamos. Gerou-se uma grande tensão em nosso grupo e não conseguíamos mais produzir. Esse foi um momento crucial de nosso projeto de intervenção. Tivemos que fazer uma pausa e analisar o que estava acontecendo. Somente ao constatarmos que estávamos reproduzindo o modo de produção (ou falta de) hospitalar é que foi possível retomar o trabalho e tocar em frente.

Maia e Osório (2004) já anunciavam que o trabalho no hospital requer um alto nível de colaboração entre os profissionais e essa nossa experiência corrobora com essa ideia. Se não tivéssemos parado e analisado nosso próprio grupo e buscado uma solução conjunta dificilmente finalizaríamos este projeto. A partir dessa experiência atentamos para o movimento que deveríamos produzir no grupo que constituiríamos: um aumento no nível de colaboração, para que o suporte social entre eles também pudesse ser aumentado.

Encontramos bastante resistência por parte de todos os trabalhadores no decorrer do processo de constituição do grupo. Se por um lado entendiam a iniciativa como importante, por outro entendiam que o trabalho não deveria ser dirigido a eles e sim aos gestores. Novamente aparece aqui um movimento de desresponsabilização coletiva. Do ponto de vista dos trabalhadores os responsáveis pelo sofrimento psíquico que vinha lhes afetando era sempre o outro. Ora o outro colega, ora o gestor.

No desenvolvimento de nossos encontros grupais tivemos que, por inúmeras vezes, trazê-los de volta à discussão e mostrar-lhes o quanto eles também eram ou deveriam ser os protagonistas da ação. Como discutir o autocuidado sem olhar para si? Como oferecer ao outro aquilo que não se tem? Foram constantemente provocados ao exercício da reflexão e auto-análise. Era fundamental que pudessem olhar para si e para as próprias atitudes para que então pudessem compreender o que estava se passando na sua relação com o grupo.

Cabe pontuar que esses momentos foram vividos por eles como um misto de descoberta e surpresa. Era como se estivéssemos lhes apresentando um ponto de vista absolutamente novo sobre as suas vivências no pronto socorro. O fato é que retirá-los do ritmo frenético em que vivem no trabalho, provocá-los à criação de outras respostas que não as automatizadas, desnaturalizar o olhar deles diante de algumas situações do cotidiano, repercutiu de maneira bastante produtiva no grupo.

Pensar em conjunto as tensões grupais experimentadas individualmente por eles e da mesma forma, procurar no e com o grupo estratégias para dissipar essas tensões foi se desvelando aos olhos desses trabalhadores como uma nova e produtiva experiência. De repente eles se pegaram descobrindo como um grupo e não mais como um "amontoado" de subgrupos.

Ao término de cada encontro desenvolvíamos também uma técnica de relaxamento. Movimento este que se tornou outro marco do grupo. Zimermann (1997) aponta que nem tudo que se passa num campo grupal terapêutico deve ficar limitado à busca e à resolução de conflitos. O fato é que esse momento de relaxamento parecia colocá-los num outro lugar. Os participantes relatavam que relaxar nesse momento os ajudava a repor as energias e retomar as atividades com mais entusiasmo.

Por fim compreendemos que o maior produto do grupo foi a própria ação grupal e não necessariamente a tarefa que desenvolvíamos. O que pudemos constatar é que a criação de um espaço de cuidado ao cuidador no hospital produziu uma série de mudanças no relacionamento interpessoal desse grupo, potencializou a vivência do autocuidado, os fez sentir acolhidos e reconhecidos e mostrou-se um instrumento eficaz na produção de novas práticas de cuidado no espaço hospitalar.

Salientamos que os psicólogos não podem se eximir do desenvolvimento de práticas de cuidado ao cuidador, uma vez que as ações do cuidador refletirão diretamente na produção de saúde no hospital. Portanto, parece-nos tão importante cuidar do paciente quanto do cuidador, uma vez que a relação entre ambos retroalimenta a produção de vida num ambiente tão carente dela e que tem se mostrado tão doente quanto o hospital.

 

Referências

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1 Este trabalho foi realizado em 2009, durante o período de estágio das autoras e foi supervisionado pelos psicólogos Fábio Alexandre Moraes (supervisor acadêmico da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos) e Iná Caroline Simoni (supervisora do hospital). E foi premiado com o 1º lugar, categoria Pôster, na VII Jornada Gaúcha de Psicologia Hospitalar- Porto Alegre- 2010.
* Psicóloga, formada pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
** Psicóloga, formada pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
*** Acadêmica de psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

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