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Revista da SBPH

versión impresa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.13 no.2 Rio de Janeiro dic. 2010

 

ARTIGOS

 

Sobre ética e violência sexual: recortes de um caso atendido fora dos serviços especializados

 

About ethics and sexual violence: clippings of a case treated outside specialised services

 

 

Leopoldo Nelson Fernandes Barbosa*; Fábio Galvão Dantas**; Marcos Antônio Barbosa da Silva***; Josimário João da Silva****

Universidade Federal de Pernambuco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Os crimes de abuso sexual tem aumentado, especialmente entre as mulheres e adolescentes. As suas conseqüências envolvem aspectos físicos, psicológicos e sociais, os quais devem ser adequadamente abordados pelas políticas de saúde pública e no contexto da bioética. Adicionalmente, a violência sexual resulta frequentemente em gravidez indesejada, o que também implica na necessidade de uma discussão acerca dos aspectos de aborto legal e de uma plena assistência multidisciplinar para vítimas deste crime. O objetivo deste artigo é apresentar o relato de um caso típico de abuso sexual, envolvendo os aspectos sociais, éticos, religiosos e de saúde pública.

Palavras-chave: Abuso sexual, Aborto, Bioética, Saúde pública.


ABSTRACT

Sexual crimes have increased among women and teenagers. They may result in important consequences not only physical, but also psychological and social impairment. Public health politics and bioethical concepts must develop acknowledgment and attitudes toward assistance of these people. As sexual abuse frequently result in undesired pregnancy, legal abortion and a complete multidisciplinary assistance must also be discussed. Our objective is to describe a typical case of a female sexual abuse in terms of social, ethical, religious and public health aspects.

Keywords: Sexual abuse, Abortion, Bioethics, Public health.


 

 

Introdução

A norma técnica para prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes foi um marco para o desenvolvimento de programas de saúde e serviços de atendimentos específicos a essa população (Ministério da Saúde, 1999). Entretanto, não somente estes serviços recebem mulheres e adolescentes com conflitos em torno dessa questão, por isso, reconhecemos como importante levantar questões e propiciar reflexões sobre uma temática, infelizmente, atual.

Vilela e Lago (2007) destacam que muito embora exista certa garantia de atendimento as mulheres vítimas de violência sexual, um atendimento integral e de qualidade ainda representa um desafio no setor de saúde, pois se trata de um tema articulado com significações morais, éticas e religiosas.

Longe de querer esgotar o tema, menos ainda de propor um modelo de atendimento específico, discutiremos, sob um viés ético e social, recortes de um caso clínico atendido no serviço ambulatorial de um hospital público no estado de Pernambuco. Ético por reconhecer a importância singular da subjetividade dos sujeitos e pelo respeito à vida e, social, por compreendermos este como um bojo onde todos os aspectos antropológicos, culturais, morais e religiosos estão incluídos. Qualquer detalhe que possa ser relacionado à identificação da paciente será omitido, por isso, convencionamos seu nome como Rosa.

 

Sobre ética e bioética

A palavra ética advém do grego "ethos", que significa morada (Boff, 1997). Outros termos gregos também são evocados a partir de "ethos", a saber: "polis" – cidade, política; "cosmos" – universo, cosmologia, ordem, harmonia, beleza, cosmético; "bios" – vida, vivo; "métron" – medida; "homeostase" – homeostase e "oikos" – eco, casa de eco-logia, eco-nomia (Silva, 2006), abarcando em sua pluralidade etimológica diferentes discursos e campos de aplicação.

Contudo, apesar de esse ser um campo extremamente vasto e propício para refletir sobre diversas questões contemporâneas, a intenção é problematizar os aspectos éticos e sociais relacionados à violência da mulher, considerando o envolvimento dos profissionais do campo da saúde e suas práticas. Nesse sentido, ética é compreendida como processo contínuo na busca de um ambiente saudável e não como algo pronto ou pré-estabelecido, o que, a nosso ver, está em consonância com a necessidade de um diálogo permanente entre a ética e as relações humanas.

Ao definir ética, Fortes (1998) a relaciona como um dos mecanismos que regulam as relações sociais do homem com o objetivo de garantir a coesão social e harmonizar interesses individuais e coletivos. Caminhando nessa corrente de pensamento, Dallari (1998) afirma que qualquer ação humana que possa refletir sobre pessoas e seu ambiente deve, necessariamente, implicar no reconhecimento de valores e em uma avaliação de como estes poderão afetar os indivíduos e a sociedade como um todo. Da mais complexa à mais rudimentar sociedade, a percepção de que a vida é em si mesma inerente à condição humana, torna-a um valor ético e, entre as diversas peculiaridades dessa condição, encontra-se a possibilidade de desenvolvimento interior, de transformação da natureza e do estabelecimento de novas formas de convivência.

Com os avanços tecnológicos, sobretudo aqueles relacionados ao campo da saúde, questões éticas, em diferentes contextos, vêm sendo retomadas e ampliadas, imprimindo uma forma de pensar, pautada na valorização da ética e no reconhecimento dos Direitos Humanos. A partir dessas preocupações surge a Bioética como um novo campo de estudos que, segundo Clotet (2003), caracteriza-se como uma ética aplicada que se ocupa do uso correto das novas tecnologias nas ciências médicas e da solução adequada para dilemas morais por ela apresentados.

Ferrer e Álvarez (2005) relatam que esta "nova disciplina" não nasce do vazio e, para melhor entendê-la, se faz necessário levar em consideração duas correntes culturais decisivas na segunda metade do século XX: o progresso científico-tecnológico, especialmente no campo biomédico, e as grandes modificações sociais e políticas que transformaram a convivência humana, na maior parte do nosso planeta.

A bioética passou, então, a ser percebida como um novo paradigma que se preocupa com o equilíbrio e a preservação da vida humana em consonância com a vida do planeta (SILVA, 2006), trazendo a proposta de orientar sistematicamente a conduta humana, de tal forma que possa balizar e dialogar sistematicamente com os avanços tecnológicos, considerando além dos valores e princípios morais, aspectos econômicos, políticos, técnicos ou científicos viáveis (Miranda e Filho, 2007).

Mas, segundo Lolas (2001) foi somente com a publicação, nos Estados Unidos, do livro The Principles of Bioethics em 1979, sistematizado por Tom Beauchamp e James Childress, que ela sedimentou-se no meio científico. Pautada na corrente principalista1, estabeleceu quatro princípios fundamentais2, a saber:

O princípio da autonomia engloba o direito do ser humano usufruir do seu livre-arbítrio tanto os profissionais quanto os serviços de saúde devem respeitar a vontade, os valores morais e as crenças, a historicidade, as idiossincrasias de cada pessoa, ou no caso de ausência de consciência, de seu representante legal. Respeitar a privacidade dos outros, dizer a verdade, pedir permissão, entre outras regras de conduta são base de sua aplicação.

Beneficência sustenta a base de fazer o bem aos outros, independente de querer ou não. Como obrigação ética, há a necessidade de se maximizar os benefícios e minimizar os danos e/ou prejuízos, reconhecendo a vida humana como bem supremo e a sua dignidade que transcende seus aspectos materiais em qualquer situação biológica, econômica e cultural. Este princípio diz respeito primordialmente aos atos e não às atitudes, conferindo a obrigação moral de agir em benefício dos outros. Neste contexto entenda-se: proteger e defender os direitos dos outros, ajudar os incapacitados, afastar perigos que ameacem outras pessoas, entre outros.

A obrigação de não infligir dano intencional é proposta pela não-maleficência. "Primeiro não causar danos", solidifica sua base apoiada no preceito hipocrático. E Finalmente o principio de justiça prioriza a igualdade de todos e para todos os indivíduos. Comumente ele é interpretado através da visão de justiça distributiva. No campo da saúde e dos cuidados médicos, este princípio se coloca como fundamento, necessitando, ao nosso ver, ser constantemente problematizado, especialmente se consideramos as políticas públicas de saúde e a situação extremamente precária do atendimento a população, sobretudo de baixa renda.

Seria muito simples pensar que apenas estes quatro princípios poderiam dar conta da diversidade das situações e casos que a vida cotidiana suscita (Lolas, 2001). Também não se pode dizer que qualquer um deles tenha sido realizado de maneira plena em qualquer época ou circunstância histórica (Silva, 1998). Em contraponto à percepção errônea de "tábua de salvação", o bom-senso aconselha vê-los como instrumentos para a interpretação de determinadas facetas morais de situações e como guias de ação (Pessini e Barchifontaine, 1998).

De maneira geral, apesar de reconhecidos como não-absolutos, esses princípios demonstram a necessidade de se levar em consideração o contexto vigente. Gobbetti e Cohen (2005) os consideram como um conjunto de ideais contemporâneos no regimento do comportamento humano, permitindo um viver de modo produtivo e saudável.

Considerando esses aspectos, torna-se importante sinalizar que a bioética, até então, é observada sob duas perspectivas que, embora distintas, complementam-se: enquanto disciplina e enquanto paradigma. Miranda e Filho (2007) esclarecem a questão e corroboram esse posicionamento, afirmando que a bioética enquanto disciplina apresenta-se flexível, podendo ser absorvida por áreas diferentes e que, simultaneamente, por serem contemporâneas, são inter e multidisciplinares, porém, sensíveis a restrições ideológicas; desse modo, ela é em si mesma, passível de contra-senso. Enquanto paradigma aspira à orientação de valores humanos pelo conhecimento e a partir de uma ação reflexiva e diagonal do agir humano sobre o mundo, se inclui como parte deste, sendo este um dos pontos que mais distingue as propostas dos dois paradigmas em discussão: o biotecnológico, orientado por uma doutrina e o bioético, orientado pelo conhecimento.

Entendida, também, como uma ética aplicada às ciências da saúde, a bioética enraíza-se no solo dos Direitos Humanos em um amplo movimento de recuperação de valores e fornece subsídios para o diálogo frente às distintas opiniões morais existentes que envolvem discussões acerca da vida, da morte, das novas modalidades de tratamento, da saúde em geral, da qualidade de vida dos seres humanos.

Ela representa uma fase do desenvolvimento da tradição ética que tem como núcleo a relação entre os que sofrem e os que deles cuidam (Lolas, 2001) e demonstra os esforços na tentativa de recompor o interesse ético inerente à atuação de pesquisadores e profissionais, principalmente quando determinados fatos indicam que a ausência de preocupação ética ocasiona a transgressão das fronteiras que separam o humano do inumano (Silva, 1998).

Apesar do termo "bioética" em certos momentos ser utilizado sob uma acepção demasiado simplista por "estar na moda", suas reflexões têm proporcionado o reconhecimento da sua relevância nos diversos campos do saber e, principalmente, nas práticas profissionais e relações entre os seres humanos, denotando a necessidade de "caminhar junto" em um terreno ainda em construção. Como contribuição para a clínica psicológica, a bioética permite uma avaliação ética que não descarta sua interface com a cultura e com o cotidiano, valorizando a historicidade e subjetividade do homem.

Especificamente em relação às práticas de saúde atuais, Chiattone e Sebastiani (2002) ressaltam que respeito, humildade, dedicação e dignidade voltam a ser valorizados e comentados. Termos como qualidade de vida, inteligência emocional, criatividade, flexibilidade, visão horizontal, entre outros, e até mesmo a tão falada globalização, circulam em publicações leigas e especializadas da mídia, indicando uma preocupação que, aos poucos, vem tomando conta das pessoas e das instituições.

Uma observação cotidiana dos meios de comunicação parece confirmar que a des-humanização nos serviços de saúde pública e nas instituições como um todo é uma realidade (Fortes, 1998; Pessini, 2004). Os exemplos nítidos da falta de respeito com a população que busca o serviço de saúde pública são comumente observados, entre diversos outros fatores, nas longas filas dos ambulatórios, na falta de medicação e de leitos para internação e tratamentos.

Para Pessini (2004), no contexto em vigor de tecnologização do cuidado, torna-se urgente resgatar uma visão holística, que cuide da dor e do sofrimento humano nas suas várias dimensões física, social, psíquica, emocional e espiritual aliando competências científico-tecnológicas, humanas e éticas.

Certamente, dada a sua importância estratégica na contemporaneidade, a bioética tornou-se o espaço legítimo por onde devem necessariamente passar todos os conflitos médico-tecnológicos (Corrêa e Loyola, 2005). Isto traz a tona uma reflexão sobre a importância da interdisciplinaridade no cuidado e atenção às pessoas que buscam alívio para o seu sofrimento que, em sua maioria, para além deste sofrimento, investem em toda a equipe a sua esperança de viver.

O que esses últimos recortes demonstram é que algumas discussões relevantes tem acontecido e são alvo de interesse entre profissionais e pesquisadores. Mas, como dito, faz-se mister manter o foco voltado a outros pontos que são decorrentes das situações de violência à mulher. O abuso sexual, o aborto, a morte, a violência física deixam seu rastro, aparecem. A questão central dessa discussão é a invisibilidade de algumas situações, presas nos arcabouços do inconsciente ou pressionados em um silenciamento consciente no contexto de vida arraigado a determinantes sociais.

Em relação ao atendimento pelos profissionais de saúde, se faz necessário compartilhar com o paciente experiências e vivências que resultem na ampliação de suas ações, compreendendo a pessoa em sua singularidade. A ação assim dirigida teria a possibilidade de colocar-se à escuta de um sofrimento que é único e que revela, face a enfermidade, profundos sentimentos de desalojamento, vulnerabilidade e rupturas de projetos de vida.

Nesse sentido, discussões e reflexões que envolvam os Direitos Humanos e a bioética, além de uma conquista da humanidade, dão origem a um caro instrumento para a efetivação da ação inerente às práticas profissionais, principalmente quando estão envolvidos aspectos relacionados à vida, à dignidade e ao cuidado com o humano preconizado pelo campo da saúde.

 

Recortes de um caso atendido fora dos serviços especializados

Rosa buscou acompanhamento em um serviço interdisciplinar de um hospital após um acidente vascular cerebral (AVC). Encaminhada ao serviço de psicologia, Rosa trouxe como demanda da equipe um intenso nível de estresse e ansiedade. No decorrer do primeiro atendimento, ficou evidente que a paciente apresentava-se emocionalmente fragilizada e, por diversos motivos.

Atualmente recuperando-se de um AVC, preocupava-se em cuidar da casa, do marido e do filho. Antes do AVC, trabalhava vendendo produtos de beleza de porta em porta para ajudar nas contas de casa e cuidava do filho de nove anos que apresentava necessidade de cuidados especiais e hoje apresenta-se no lugar de quem precisa ser cuidada.

Rosa trouxe um histórico de mudança de cidade após uma série de desentendimentos com sua família primária. O período de adaptação não foi fácil, afinal, em uma cidade diferente, sem parentes ou amigos as coisas se tornam mais complicadas (SIC).

Um ponto interessante é que Rosa não abordava claramente aspectos inerentes aos desentendimentos que a levaram a mudar de cidade, todavia, sempre que algo remetia a essa questão, emocionava-se e o choro era impossível de ser contido. Após dois meses de atendimentos semanais e considerável melhora do seu quadro clínico pós-AVC, Rosa sentiu-se mais confortável e segura para reassumir seus papéis em casa e, no seu relato, o mais difícil na sua recuperação foi ter pensado na possibilidade de ter que pedir ajuda à sua família primária, família que há muito não tinha contato. Foi nesse momento que o foco maior do seu sofrimento veio à tona.

Rosa sofreu abuso sexual aos 15 anos, o que resultou em uma gravidez. Sua família, conhecida na cidade, escondeu Rosa e o fato de todos para não sujar o seu nome. Aliás, não sabemos se foi o nome da família ou o nome de Rosa. Depois disso, após o parto, a criança foi entregue para adoção e até hoje o seu paradeiro é desconhecido. Marca-se aqui, além do trauma físico, o eco de um trauma psicológico intenso, que vem se arrastando ao seu lado como um fantasma que só ela pode ver.

Após dois anos Rosa resolveu casar, mas não para por amor, mas por acreditar que sair da casa dos seus pais e de perto deles poderia significar a libertação do trauma. O que ela mais queria era esquecer tudo que tinha passado e vivido ali no lugar que era sua "casa", com as pessoas que deveriam cuidar bem dela.

Seu casamento não deu certo, casar sem amar só lhe trouxe mais sofrimento, pois era muito desconfortável deitar e acordar com alguém sem afeto. Então, após quatro anos, resolveu se separar e mudar de cidade. Com a mudança de cidade, mais um período de difícil adaptação. Passou necessidades, pediu comida e dinheiro na rua, mas conheceu algumas pessoas que a ajudaram. Conseguiu uma casa para trabalhar, estudou magistério, deu aula pra crianças e casou por amor (SIC).

Logo que casou, quis muito engravidar, mas não conseguiu. O seu desejo era tanto que, junto com o marido adotou uma criança. Dois meses depois percebeu algo diferente com o seu filho e após avaliação médica, foi esclarecido que a criança iria precisar de cuidados especiais, pois havia sofrido muito na hora do parto e isso deixou sequelas cognitivas e motoras.

Mas para Rosa e o seu marido, apesar do impacto inicial, isso não foi complicado. Uniram-se ainda mais e atualmente o filho tem nove anos, frequenta escola e, embora precise de cuidados especiais, não é tido como um problema para eles. Rosa relata que parecia estar tendo a vida que planejou até o dia em que teve o AVC. Pois, nesse momento, a condição de vulnerabilidade diante da impossibilidade de cuidar do seu filho, do seu marido e da sua casa acordou o seu fantasma: "O que vai acontecer com o meu filho?".

Rosa lembra claramente que o seu maior esforço para falar durante a recuperação na UTI era motivado para saber do seu filho. Seu maior receio era que ele fosse abandonado e a diante da possibilidade de ter que contatar sua família primária, seu receio se intensificou e se transformou em uma possibilidade de perda: "O que vai acontecer com o meu filho?" Essa frase está repetida propositalmente. Na fala de Rosa, era nítido o pavor que ela sentia cada vez que pensava nessa questão. Seu corpo era rígido, sua fala embargada e o seu choro copioso.

 

Discussão

O trauma de Rosa foi tão intenso que ela foi levada a tomar decisões no impulso. Casar, separar e mudar de cidade foram decisões que, para Rosa, funcionariam como um remédio para aliviar o seu sofrimento. Diante de uma mudança radical na vida, Rosa pareceu reassumir o controle da sua vida por alguns momentos, na verdade por quase 22 anos, até que o adoecimento acordou seu medo.

Cavalcanti, Gomes e Minayo (2006) afirmam que é tão difícil estimar a magnitude da violência sexual que as vitimas tendem a silenciar, por medo de represália, vergonha, sentimentos de humilhação e/ou culpa. Dessa forma destacam que o imaginário social sobre a temática e mesmo entre os profissionais trabalham em serviços de emergência é a idéia de que a mulher tem responsabilidade pela violência sofrida.

Mas o trauma psicológico é assim mesmo. Quando não cuidado da forma adequada, ele pode ate adormecer, mas acorda sempre que algum gatilho o disparar. Poderíamos afirmar que Rosa apresenta sintomas e preenche os critérios do Transtorno de Estresse pós Traumático, além de apresentar diversas outras co-morbidades psicológicas e comportamentais, tais como sintomas de ansiedade e de depressão. Mas, nesse momento, essa não é a prioridade da discussão. Marca-se, aqui, as questões associadas à formação desse trauma, que não teve origem apenas no dano físico do abuso, mas sim no despreparo da família e do serviço de saúde, para cuidar de Rosa.

A esse respeito, Oliveira (2007) destaca que nem todo profissional tem condições emocionais ou capacidade técnica pata atender a essa população. Nesse contexto, acolhimento e acompanhamento psicossocial adequado até a superação do trauma, diferentes modos de manejar uma eventual gravidez/interrupção, aceitação ou encaminhamento do recém nascido para adoção, supera a oferta de procedimentos médicos.

Nas palavras de Vilela e Lago (2007), a violência sexual é um grave problema social e de saúde, principalmente pelos danos que produz. Em geral, articula significados éticos, culturais e morais e a ação pública deve incidir em três dimensões: combatendo a banalização e naturalização do delito, afirmando que a violência sexual é crime e que a mulher violentada não é culpada ou responsável pela ocorrência deste fato, organizando sistemas formais de vigilância e notificação de crimes sexuais e na estruturação de uma rede assistencial que envolva serviços de segurança pública e de saúde, com foco no atendimento imediato para prevenir problemas de saúde a médio e longo prazo, tal como a interrupção da gravidez em casos de falha ou impossibilidade de realização da contracepção de emergência.

Concordamos com os autores, mas insistimos na efetividade do atendimento psicológico imediato, pois o dano emocional pode não aparecer no momento inicial do atendimento. Dessa forma, cada vítima pode reagir de um modo diferente, principalmente quando consideramos o imaginário social retratado pela literatura. E, como não somente os centros especializados para esse fim irão receber essas mulheres, discussões em torno da temática podem favorecer a ampliação da discussão e além de despertar a curiosidade, podem sensibilizar outros profissionais para se debruçarem sobre a temática.

Diversos estudos vêm enfocando as questões éticas e legais que cercam o aborto. Uma pesquisa de opinião pública realizada no México observou que a maioria da população defendia a legalização do aborto em casos de riscos à saúde materna e/ou fetal e em casos de estupro (García et al, 2004). A maioria da população defendia também a necessidade de separação entre religião e jurisprudência, a despeito da grande influência da Igreja Católica naquele país. O caso relatado neste trabalho enquadra-se perfeitamente nessa discussão. A influência da religiosidade foi decisiva na condução familiar, diante do estupro sofrido por Rosa.

Embora vivamos teoricamente numa sociedade laica, muitos preceitos da Igreja Católica ainda influenciam as decisões éticas, morais e até mesmo jurídicas, e este fato talvez não possa jamais ser totalmente eliminado. Do ponto de vista ético e jurídico, Rosa estava acobertada para a realização do aborto. Entretanto, o conflito que se estabeleceu diante da religiosidade exacerbada familiar extrapolou os limites legais, conduzindo a decisão para um caminho complexo, que trouxe importantes sequelas de ordem psicológica.

No Timor-Leste, por exemplo, persistem conflitos importantes, especialmente envolvendo os enfoques jurídicos e religiosos (Belton et al., 2009). A Igreja Católica Romana ainda influencia fortemente as decisões e atitudes acerca do aborto, embora haja um clamor por mudanças nas leis, baseado em opiniões profissionais e da população. Os habitantes acreditam que a saúde da mulher deve ser preservada. A revisão do código penal revelou-se insuficiente para reduzir as taxas de aborto de alto risco e de mortalidade infantil. Embora as mudanças sejam lentas, acredita-se que, no Timor-Leste, a discussão acerca de aborto seguro e de contracepção são importantes para a ampla cidadania das mulheres. Mais uma vez pode-se comparar a situação descrita com aquela observada no Brasil. Assim como no Timor-Leste, a religiosidade influencia fortemente a tomada de decisões acerca do aborto, inclusive subvertendo, muitas vezes, claras implicações de ordem médica, psicológica e ética.

No Canadá, existe uma discussão acerca da cobertura oferecida pela saúde pública para as mulheres submetidas a aborto (Kaposy, 2009). Os opositores defendem a ideia de que o aborto é praticado geralmente por razões sociais, e não necessariamente por questões médicas, o que dificulta uma ampla cobertura por parte do sistema de saúde pública. Entretanto, a despeito de frequentemente resultar de questões sociais, as consequências de um aborto extrapolam esses aspectos. Em outras palavras, o autor defende que a assistência ao aborto deve ser abrangente, extrapolando a discussão meramente técnica ou científica. No caso relatado neste trabalho, observa-se que houve uma série de fatores complexos após a gestação indesejada. Deve-se questionar se tudo teria sido diferente, caso a assistência tivesse sido mais ampla, por parte da saúde pública, envolvendo uma discussão abrangente, com uma equipe multidisciplinar.

Na Etiópia, um recente estudo analisou a tendência de complicações relacionadas ao aborto após a legalização, efetuada em maio de 2005 (Gebrehiwot e Liabsuetrakul, 2009). Analisando o período entre 2003 e 2007, os autores observaram uma discreta tendência à redução de abortos e das taxas de mortalidade materna relacionada a complicações do aborto, embora a severidade de tais complicações tenha aumentado. Este aspecto ilustra a complexidade do assunto. Ao contrário do que seria esperado, a legalização do aborto não trouxe uma imediata resposta quanto à morbidade e mortalidade. Tais resultados serão, provavelmente, observados a longo prazo, uma vez que implicam em mudanças mais profundas, incluindo posturas e atitudes, profissionais, de ética e de comportamento. No relato apresentado neste trabalho, aplicar-se-ia a legalidade do aborto, de acordo com as leis brasileiras, embora as conseqüências de tal ato sejam de difícil análise retrospectiva.

Nesse contexto, torna-se vital que profissionais caminhem em uma mesma direção. Principalmente considerando os aspectos éticos e legais das suas respectivas profissões. Diniz et al. (2009) destacam que estudar uma prática ilegal é um desafio para qualquer equipe de pesquisa. Nesse sentido, eles observam uma enorme dificuldade relacionada a garantias legais de segredo ou sigilo para os dados coletados nas pesquisas acadêmicas no Brasil. Este é o cenário que marcou os vinte últimos anos de pesquisa sobre o aborto. Em uma pesquisa sobre crimes, por exemplo, a promessa de confidencialidade dos dados é um voto de confiança dado ao pesquisador pelos participantes em nome do conhecimento científico.

Considerando, também, as demandas rotineiras dos serviços de saúde pública, será que os profissionais estão preparados para lidar com toda essa demanda? Ainda em relação ao aborto, o Código Penal Brasileiro, promulgado em 1940, prevê a prática legal do aborto apenas quando não há outro meio de salvar a vida da gestante ou quando a gravidez resultar de estupro ou incesto. Há, também, muito raramente, casos de má formação congênita em que a interrupção da gravidez é autorizada pela justiça. No entanto, a ilegalidade do aborto no Brasil em situações não previstas pela lei não tem impedido sua prática.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) destaca que, no Brasil, 31% dos casos de gravidez terminam em abortamento. De acordo com as estimativas, anualmente ocorrem 1,4 milhão de abortamento espontâneo e inseguro, com uma taxa de 3,7 abortos para cada 100 mulheres em idades de 15 a 49 anos. Como reflexo dessa situação, apenas em 2004, 243.998 internações na rede SUS foram por curetagens pós-abortamento, correspondentes aos casos de complicações. As curetagens são o segundo procedimento obstétrico mais realizado nas unidades de internação, sendo superados apenas pelos partos normais. Além do mais, o abortamento é uma importante causa de mortalidade materna no país, principalmente quando consideramos que, em 2001, aconteceram 9,4 mortes de mulheres por abortamento por 100 nascidos vivos (Diniz et al., 2009).

Ainda em relação ao Brasil, a subinformação e o sub-registro das declarações das causas de óbitos dificultam o real monitoramento da mortalidade materna ocorrida durante a gestação ou dentro de um período de 42 dias após o término desta, independentemente da duração ou localização da gravidez. Tal mortalidade é, de acordo como o Ministério da Saúde, uma das mais graves violações aos direitos das mulheres, por se tratar de algo evitável em aproximadamente 92% dos casos (Domingos e Merighi, 2010)

Estes estudos ilustram a complexidade que existe, quando se discute o aborto à luz da ética e da religião. Rosa sofreu um estupro, o que claramente a qualificava para receber ampla assistência para a prática de um abortamento legal. Entretanto, a influência religiosa exacerbada, por parte de seu pai, preponderou sobre o conceito jurídico, impossibilitando-a de receber a devida conduta.

Quando se discute a questão de saúde da mulher, há que se colocar em evidência um conceito de saúde, num plano mais global. Além do estupro, Rosa sofreu com um quase cárcere privado, um processo de humilhação e degradação psíquica, em paralelo à criança indesejada que crescia em seu ventre. Observa-se uma distorção no foco: ao invés de vítima, Rosa foi abordada como culpada pelo estupro recebido, sendo seu julgamento e seu veredito estabelecidos dentro do ambiente familiar.

Não obstante, um segundo estupro, dessa vez de ordem moral, somou-se ao primeiro. Ao retirar a criança dos braços da mãe, ainda no ambiente hospitalar, dando-lhe um destino ignorado, o pai condenou-a a uma busca abstrata por um fantasma familiar, que provavelmente há de persegui-la até o final de seus dias. A tentativa de minimizar este segundo sofrimento foi feita pela adoção da segunda criança, a qual, por ironia do destino, apresentava necessidades especiais. Ainda assim, ao se ver enferma, Rosa preocupava-se especificamente com a possibilidade de não poder prestar assistência ao seu filho ou vê-lo ser retirado de suas mãos, exatamente como ocorreu com o filho biológico.

 

Considerações finais

Considerando os aspectos discutidos no texto, evidencia-se a idéia de que não bastam normas jurídicas claras definindo as questões que envolvem o estupro, o aborto e mais amplamente qualquer aspecto ligado a violência sexual. Há que se trabalhar e discutir outras questões, especialmente aquelas que envolvem religião, relações familiares e todo o entorno psicossocial.

Com o relato deste caso, observam-se, ainda, possíveis graves consequências que podem advir de decisões tomadas de forma equivocada, especialmente quando elas não são discutidas num fórum maior, que envolva profissionais, numa equipe multidisciplinar.

Rosa foi mais uma vítima de uma sociedade que vive de aparências, usando conceitos arcaicos e preconceituosos como lastro de tomada de decisões, ao invés de fomentar a modernidade das discussões que provêm de fóruns variados e democráticos. Muito embora esse artigo seja apenas uma pequena parte de um macro social, espera-se que ele possa trazer reflexões para profissionais envolvidos no cuidado e atenção a saúde das pessoas, em um contexto biopsicossocial.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Leopoldo Nelson Fernandes Barbosa
E-mail: Lnfbpsi@uol.com.br
Fábio Galvão Dantas
E-mail: fabiogalvãodantas@gmail.com
Marcos Antônio Barbosa da Silva
E-mail: mbarbosabrasil@terra.com.br
Josimário João da Silva
E-mail: josimariosilva@terra.com.br

 

 

* Psicólogo Clínico e Hospitalar; Doutorando em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento – UFPE; Professor da Faculdade Pernambucana de Saúde e dos cursos seqüenciais da Faculdade Boa Viagem. E-mail: Lnfbpsi@uol.com.br
** Médico Neurologista; Professor da Universidade Estadual da Paraíba; Doutorando em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento – UFPE; E-mail: fabiogalvãodantas@gmail.com
*** Médico Neuroradiologista; Doutorando em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento – UFPE. E-mail: mbarbosabrasil@terra.com.br
**** Médico; Coordenador do Módulo de Bioética do Curso Médico da UFPE, Membro da Câmara Técnica do Conselho Regional de Medicina; E-mail: josimariosilva@terra.com.br
1 O principalismo ou principismo, de acordo com Lolas (2001), é composto por um conjunto de princípios redutíveis a regras práticas e estas a casos e situações, deste modo a sua aplicação e interpretação dependem de fatores que não se acham neles mesmos, mas dependem do meio, do contexto vigente. Os princípios não podem indicar quando nem como se aplicam, mas compreendem um nível intermediário e estão presentes entre as grandes generalizações filosóficas e as regras de conduta.
2 Por não conseguirmos o acesso à obra original e com o objetivo de melhor ilustrar o nosso texto, tomamos como base a descrição dos quatro princípios encontrada nos textos de Silva (1998); Lolas (2001); Miranda e Filho (2007).

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