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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.14 no.1 Rio de Janeiro jun. 2011

 

ARTIGOS

 

Relato de experiência do primeiro ano da residência multiprofissional hospitalar em saúde, pela ótica da Psicologia

 

Experience report of the first year of residency in multiprofessional hospital health care from the Psychology view

 

 

Larissa Correia Mendes*; Luciana da Paz Matos**; Maria Fernanda Schindler***; Mayra Tomaz****; Sheyna Cruz Vasconcellos*****

Saúde Hospitalar do Complexo HUPES- BA

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As residências multiprofissionais em saúde foram criadas através de um novo formato da atenção à saúde e da atuação em equipe. O incentivo do Sistema Único de Saúde (SUS) visa promover uma formação qualificada para esta nova realidade. O presente artigo é um relato de experiência do primeiro ano da Residência Multiprofissional em Saúde de um Hospital Universitário de Salvador- BA, na ótica das quatro residentes de Psicologia inseridas no programa. A proposta pedagógica se baseia em uma formação que acontece em dedicação de sessenta horas semanais, englobando atividades teóricas e práticas, com o intuito de promover a experiência da integralidade da atenção à saúde. Para tanto, houve um período na Atenção Básica e posteriormente no hospital, com rodízios em diversas enfermarias do mesmo, visando à prática da multiprofissionalidade. No segundo ano, os residentes podem especializar-se em uma das três ênfases propostas: Saúde Mental, Saúde da Criança e Saúde do Adulto com foco na atenção cardiovascular. Como reflexão, trazemos alguns questionamentos acerca do papel da Psicologia nesse contexto, devido à específica natureza do seu objeto de estudo e ressaltamos os desafios, contribuições e ganhos desta atuação no ambiente hospitalar em uma residência multiprofissional.

Palavras-chave: Equipe multiprofissional, Psicologia, Atenção básica, Hospital, Residência.


ABSTRACT

The multiprofessional residencies in health were been created based on a new vision about the health attention and workteam. The incentive of the national health system through the ministries of education and health aims to promote skills training for these professionals. This article reports an experience of the first year of residency in Multidisciplinary Health in a university hospital in Salvador – BA, in the perspective of four residents included in the program. The pedagogical proposal is based on training that occurs at a dedication of 60 hours per week with theoretical and practical activities. Initially, there was a period in primary care and after, in hospital, with the passage of several wards, practicing multiprofessionality. In the second year, residents can choose one of three specialties: Mental Health, Children Health ou Adult Health with specializing in cardiovascular diseases. Some questions about the role of Psychology in this context were done as reflection. The contributions, challenges and gains were highlighted about the experience of multiprofessional residency in the hospital context.

Keywords: Multiprofessional team, Psychology, Primary care, Hospital, Residency.


 

 

Introdução

A nova constituição do conceito de saúde e de assistência à saúde baseadas nos princípios da universalidade, integralidade, equidade, intersetorialidade, humanização do atendimento e participação social propostas pelo Sistema Único de Saúde têm requerido a reformulação da atuação dos diversos atores que compõem o quadro da atenção à saúde. Dentre estas reformulações encontra-se a proposta da atuação em equipe multiprofissional na assistência ao usuário (Ministério da saúde, 2006). Entende-se por atuação em equipe multiprofissional uma modalidade de trabalho coletivo que se baseia na comunicação e no diálogo como instrumentos fundamentais para a interação entre os agentes e a troca de saberes técnicos, visando a interação entre os diversos profissionais em prol de um objeto comum, no caso, o paciente. (Peduzzi, 1998). Mas como será a realização desse cuidado coletivo?

Existem diferentes formas de realização desse cuidado multiprofissional, já que o trabalho se configura de acordo com o estabelecimento das diferentes interações disciplinares, não sendo necessariamente sinônimo de interdisciplinaridade. (Peduzzi, 1998; Japiassu, 1976; Filho, 1997). Essas formas definirão a interação interpessoal da equipe e a articulação das singularidades dos diversos saberes e práticas. Portanto, o conceito de disciplina referido por Filho (1997) equivale a princípios, regras e métodos característicos de uma ciência particular, e o conceito de disciplinaridade trabalhado por Japiassu (1976) mostra um conjunto sistemático e organizado de conhecimentos que apresentam características próprias nos planos do ensino, da formação, dos métodos e das matérias de um determinado estudo. A relação de trabalho se organizaria com base na disposição e interação das diversas disciplinas e disciplinaridades em torno da complexidade do objeto, no caso, usuário da saúde, e da necessidade de interlocução entre os múltiplos discursos, estabelecendo assim distintos níveis de interação (Filho, 1997).

A relação multidisciplinar seria o primeiro e único nível de interação por ser caracterizada pela atuação de um conjunto de disciplinas de forma isolada, sem implicar num trabalho articulado e coordenado entre os profissionais da equipe em prol de um objetivo comum e um acréscimo de conhecimento (Ferreira, Varga e Silva, 2009 e Japiassu, 1976; Filho, 1997). O segundo nível de interação é o da pluridisciplinaridade que consiste na justaposição de diferentes disciplinas, mas com objetivos comuns. Elas normalmente estão situadas no mesmo nível hierárquico e agrupadas de modo que apareçam as relações existentes entre elas. Nesse caso, há cooperação sem haver coordenação através do estabelecimento de contato entre os profissionais e seus conhecimentos por meio de encaminhamentos para outras especialidades (Ferreira, Varga e Silva, 2009; Japiassu, 1976; Filho, 1997).

A interdisciplinaridade é descrita por Japiassu como o terceiro nível de interação no qual há intensidade na troca de conhecimento entre os profissionais da equipe. Segundo Filho (1997), essas relações de troca são definidas a partir de um nível hierárquico superior ocupado por uma das disciplinas, que é determinada de acordo com a proximidade com a temática do objetivo em comum. Essa disciplina atua como coordenadora, integrando e mediando a circulação dos discursos disciplinares, e define uma finalidade. Dessa forma, há uma real integração das disciplinas ao superar limites disciplinares, incorporando aspectos teóricos e práticos na atuação do grupo, havendo reciprocidade, enriquecimento mútuo, com uma tendência a horizontalização das relações de poder entre os profissionais envolvidos (Ferreira, Varga e Silva, 2009; Japiassu, 1976; Filho, 1997).

A transdisciplinaridade seria o quarto nível e se caracterizaria pelo diálogo constante das disciplinaridades, necessitando do profissional um conhecimento da disciplinaridade de sua área e da do colega por haver uma coesão grupal na produção do cuidado ao paciente (Ferreira, Varga e Silva, 2009 e Japiassu, 1976). Filho (1997) expõe que a transdiciplinaridade é baseada em um sistema de vários níveis e objetivos diversificados. Há uma finalidade comum que assegura a sua coordenação, com tendência a horizontalização das relações de poder. Possibilita a criação de um campo distinto que, de forma ideal, desenvolve uma autonomia teórica e metodológica diante das disciplinas que o compõem. Ferreira, Varga e Silva (2009) ressaltam que a transdisciplinaridade deve ser encarada como meta a ser alcançada e nunca como algo pronto.

A partir dos níveis de interação propostos por Japiassu podemos identificar que a práxis da residência que será descrita no presente trabalho estaria localizada entre o nível pluridisciplinar e o interdisciplinar, uma vez que as informações transitam entre os profissionais e de forma geral estes estão cientes da limitação do saber e da consequente necessidade de completude pelo outro profissional.

Frente a essa nova configuração da atenção à saúde e da atuação em equipe, o SUS, responsável pela qualificação dos recursos humanos, através do ministério da saúde, juntamente com o ministério da educação, desenvolveu o programa de residência multiprofissional em saúde. As residências visam à formação de recursos humanos qualificados para a reorganização assistencial da saúde proposta pelo SUS (Ministério da saúde, 2006). Entendemos a necessidade de produção de conhecimento nessa área, visto que esse novo modelo de fazer em saúde vem se consolidando gradativamente. Nesse sentido, o presente artigo propõe construir um relato de experiência do primeiro ano da residência multiprofissional hospitalar em saúde do Complexo Hospitalar Professor Edgar Santos, enfatizando as virtudes e os desafios de um fazer coletivo em grupo multiprofissional na instituição hospitalar.

 

A nossa residência multiprofissional

O programa de Residência Multiprofissional em Saúde Hospitalar constitui-se numa pós-graduação lato sensu oferecida às profissões que se relacionam com a saúde - dentre elas a Psicologia - caracterizada essencialmente por ensino em serviço. (Port. Interministerial nº. 506, de 24/04/2008).

Trata-se de uma formação que acontece em dedicação de sessenta horas semanais, das quais 80% se concentram na prática assistencial e os 20% restantes englobam atividades teórico-práticas. Dessa forma, a carga horária total de 5.760 horas, subdivide-se em 520 horas de atividades teórico-práticas, 765 horas teóricas e 4.475 horas práticas. No que tange a formação teórica, as atividades dividem-se em encontro de saberes, aulas multiprofissionais e seminários específicos de cada profissão. Essa carga horária é dividida ao longo da semana e complementada com dois plantões mensais de 12 horas dados no final de semana.

A multiprofissionalidade é articulada pelas profissões de Farmácia, Enfermagem, Nutrição, Psicologia, Fisioterapia e Serviço Social, contando com um total de 30 vagas, distribuídas nas seis profissões, sendo que, para a prática assistencial, os residentes foram agrupados em quatro equipes, com pelo menos um representante de cada área. Aos ingressos em 2010, foram oferecidas quatro vagas para a área de Psicologia e, no ano seguinte, as profissões de Fonoaudiologia e Odontologia foram acrescidas ao programa, reduzindo assim para a metade o número de vagas disponíveis a cada profissão.

O projeto parte dos princípios e diretrizes do SUS, visando promover aos residentes uma visão ampliada do processo saúde-doença que seja convergente a uma atuação ética e integral, sem negligenciar a premissa da multiprofissionalidade e interdisciplinaridade, com foco na atenção hospitalar.

Assim, o campo de prática ocorre, basicamente, no Complexo Hospitalar Professor Edgard Santos (Complexo HUPES), que é composto por uma unidade hospitalar, um centro pediátrico e um concentrado de ambulatórios médicos e não-médicos. Até o momento a psicologia encontra-se inserida em ambulatórios multiprofissionais específicos, não possuindo o seu próprio.

No intuito de promover a experiência da integralidade da atenção à saúde, o projeto promove um período de estágio no nível primário da atenção, onde os residentes possam visualizar, por exemplo, as nuances da referência e contra-referência. Ocorre, dessa forma, a participação dos mesmos num estágio de três meses, em dias alternados à presença no Complexo HUPES, dentro de Unidades de Saúde Básica da Família do Subúrbio da capital baiana.

Paralelo ao foco multiprofissional, os residentes submetem-se à coordenação do serviço de Psicologia da Instituição, composto por estagiários, psicólogos e preceptores, profissionais supervisores das práticas desenvolvidas. Também, o projeto se articula ao Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (UFBa), contando com os tutores, docentes que participam dos aspectos acadêmicos da formação.

O tempo total de duração da residência é de dois anos. Em termos didáticos, o programa pode ser dividido num primeiro momento, onde há vivências mais curtas e gerais dos diversos ambientes hospitalares (enfermarias e UTIs, por exemplo) e o segundo ano, no qual o residente pode optar pela ênfase na sua formação, que se dará em três áreas: Saúde do Adulto, com foco na Atenção Cardiovascular, Saúde da Criança e Saúde Mental.

 

O desafio de atuar na Atenção Básica

A Atenção Básica caracteriza-se, de acordo com o Ministério da Saúde, por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da mesma, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. Nesse contexto, o sujeito é considerado em sua singularidade, na complexidade, na integralidade e na inserção sócio-cultural, sendo buscada a promoção de sua saúde, a prevenção e tratamento de doenças e a redução de danos ou de sofrimentos que possam comprometer suas possibilidades de viver de modo saudável.

O primeiro período da Residência Multiprofissional Hospitalar em Saúde visou à inserção dos residentes na Atenção Básica no período de três meses, em Unidades Básicas de Saúde do Subúrbio Ferroviário da cidade de Salvador- BA, sendo cinco unidades selecionadas. Assim, ocorreu a divisão em cinco grupos compostos por seis residentes.

A Primeira questão vivenciada pelos residentes, de forma geral, foi a apreensão inicial em atuar em Unidades Básicas de Saúde localizadas em bairros até então desconhecidos pelos residentes, e que possuem índices de violência consideráveis na cidade. Devido à distância e à violência presentes em alguns destes locais, o acesso do grupo aos mesmos foi uma questão discutida em reuniões. No entanto, após a inserção, foram utilizadas formas de lidar com a violência como, por exemplo, sair das Unidades sempre com os agentes comunitários de saúde. Ao final do período na Atenção Básica, foi percebido que algumas Unidades não apresentavam a violência que era imaginada.

Uma situação desafiante para todos os cinco grupos que atuaram nas Unidades Básicas de Saúde foi o fato de a maioria destas terem somente profissionais médicos, enfermeiros e técnicos em enfermagem e agentes comunitários de saúde, sendo que outras categorias profissionais, como psicólogo, fisioterapeuta, assistente social, educador físico e terapeuta ocupacional, estavam inseridos apenas na equipe do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). Vale ressaltar que a profissão de farmacêutico não estava contemplada em nenhum desses grupos.

Uma das questões visadas e refletidas foi o trabalho em equipe, seus desafios e o compromisso ético e respeito com o outro, com os profissionais das Unidades e acima de tudo com a clientela atendida. Nesse sentido, cada grupo procurou construir a sua atuação em cada unidade, buscando utilizar os pressupostos da multiprofissionalidade através de dinâmicas em grupo, atividades educativas, salas de espera, peças teatrais, sensibilização da equipe e usuários, abarcando a comunidade e profissionais de saúde. Os problemas específicos de cada Unidade eram considerados e foram construídos projetos de mapeamento dos problemas e possíveis intervenções baseadas nas necessidades da população atendida.

A experiência na Atenção Básica nos levou, enquanto residentes de psicologia, a repensar a nossa prática, até então baseada na formação acadêmica, indo além do atendimento individual e propostas exclusivas do psicólogo, para um projeto multiprofissional. Esse aspecto confirma o que Dimenstein (1998) refere, de que é possível apontar uma inadequação da formação profissional para a realização da psicologia nas Unidades Básicas de Saúde, já que o enfoque dos cursos de graduação é o clínico tradicional. Essa reflexão foi de fundamental importância para a busca de novas alternativas de atuação.

Nesta experiência, questionamentos foram formulados visando possíveis caminhos a serem trilhados. Como é a atuação do psicólogo nesse contexto? Como atuar em uma Unidade que não tem esse profissional? Como realizar uma intervenção com um tempo limitado? Como ofertar algo que não será mantido posteriormente? Diante desses questionamentos, o atendimento individual não foi contemplado, devido justamente ao período limitado de tempo de atuação dos residentes psicólogos. A atuação visou ressaltar a importância do olhar do profissional, que neste sentido, deve ser totalizante, com apreensão do sujeito biopsicossocial (ALVES, 2005).

No âmbito das intervenções, atividades em grupo foram estratégias utilizadas, o que levou a uma aproximação com os profissionais das Unidades e usuários. Atuações de educação em saúde foram desenvolvidas, contemplando as áreas de Saúde da Criança, Saúde do Adolescente, Saúde do Adulto e Saúde do Idoso. Para Costa e López (1996), a educação em saúde constitui um conjunto de saberes e práticas orientados para a prevenção de doenças e promoção da saúde. Esta se configura como um recurso através do qual o conhecimento cientificamente produzido no campo da saúde, intermediado pelos profissionais de saúde, atinge a vida cotidiana das pessoas (ALVES, 2005).

A atuação esteve sustentada pelo conceito de clínica ampliada, na qual há um compromisso radical com o sujeito doente visto de modo singular, visando assumir a responsabilidade sobre os usuários dos serviços de saúde, buscando ajuda em outros setores, ou seja, atuando de forma intersetorial, reconhecendo os limites do conhecimento dos profissionais de saúde e das tecnologias por eles empregadas, assumindo assim um profundo compromisso ético (Ministério da Saúde, 2004).

Uma questão fundamental neste processo foi o contato com a realidade social das famílias, observado nas visitas a algumas residências de usuários das Unidades. Assim, pudemos entrar em contato direto com as reais condições sociais destes, que englobam inadequação das residências, higiene precária, e aspectos como falta de informação referente a atendimentos ambulatoriais, medicamentos, diagnósticos, dentre outros. Pode-se fazer um paralelo com o que é visto no hospital porque neste o indivíduo é visto pela equipe de forma pontual, ao passo que, nesta experiência, pôde-se verificar o contexto social, níveis de informação e acesso aos serviços de saúde, além da percepção dos usuários sobre a sua patologia. Isto nos levou a buscar encaminhamentos para estes usuários, quando as suas necessidades não eram abarcadas nas Unidades Básicas, necessitando, muitas vezes, de outros profissionais e serviços específicos.

 

Experiência nas enfermarias

A residência multiprofissional do Complexo Hupes, como uma especialização no contexto hospitalar, preconiza a passagem por todos os níveis de assistência á saúde como forma de compreensão da organização do SUS numa rede interligada de referência e contra-referência. Portanto, como residentes, pudemos experienciar o trabalho multiprofissional na atenção básica (unidade de PSF), ambulatórios e enfermarias do hospital universitário, com um período maior nas enfermarias, pelo fato de ter um foco na atenção hospitalar.

Desta forma, os rodízios nas mesmas, durante o primeiro ano de residência, foram realizados na enfermaria de psiquiatria, enfermaria geral de pediatria, enfermarias de clínica médica, dentre elas uma enfermaria específica de infectologia, cujo hospital é referência na área, e uma em cardiologia, bem como UTI e Unidade Coronariana. A partir da experiência vivenciada no primeiro ano, dentro das três ênfases oferecidas, os residentes podem escolher uma delas para se especializarem no segundo ano.

 

Saúde Mental

A enfermaria de psiquiatria do Complexo Hupes possui 12 leitos femininos e 2 de hospital dia, que podem ser direcionados a homens. Do ponto de vista do trabalho interdisciplinar e multiprofissional, apresenta características muito próprias relacionadas ao perfil da mesma. Observamos uma já efetiva atuação multiprofissional neste cenário, tanto pelo nível de interação dos profissionais, quanto pelas atividades terapêuticas realizadas. Além de médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, a enfermaria conta com uma psicóloga, uma terapeuta ocupacional e uma assistente social em sua equipe, que foi acrescida das profissões de farmácia, fisioterapia e nutrição com a passagem dos residentes multiprofissionais.

Nesta enfermaria, são realizados muitos trabalhos em grupo com os pacientes, conduzidos principalmente pela psicologia, terapia ocupacional e serviço social, bem como grupo de família e discussões interdisciplinares entre os profissionais da equipe. Assim, tivemos a oportunidade de vivenciar toda a dinâmica da unidade, participando das discussões de casos clínicos, dos grupos com família e dos grupos com paciente, bem como do fazer específico de cada profissão. Nós, residentes de psicologia, além dessas atividades, realizamos atendimentos individuais com pacientes, sob supervisão da psicóloga da unidade, preceptora da residência.

É importante destacar que pelo fato de, nesta unidade, o âmbito psíquico sobrepor-se ao orgânico, inserir-se nela por si só já é uma experiência altamente enriquecedora, principalmente para nós, residentes de psicologia. Porém, deparamo-nos com uma dificuldade de inserção mais efetiva no que tange as intervenções psicológicas na enfermaria, visto que os profissionais da mesma eram orientados pela coordenação a partir de princípios da teoria cognitivo comportamental. Isto inviabilizava uma maior interação junto à equipe devido às ressalvas feitas às abordagens psicodinâmicas, base de nossa atuação profissional. Essa dificuldade se apresentava de forma mais evidente nas discussões da equipe médica, onde eram estabelecidas as condutas para cada paciente e transmitidas para a equipe, no que diz respeito ao estabelecimento de um diálogo. Cabe à ressalva que havia uma maior interação com a psicóloga da unidade, na realização da nossa preceptoria.

 

Saúde da criança

O contato com a saúde da criança ocorreu na enfermaria de pediatria do hospital, onde se internam crianças oriundas de outros hospitais, via central de regulação, bem como do Pronto Atendimento do próprio Centro pediátrico. É válido ressaltar que esta unidade dispõe de leitos reservados ao tratamento de osteogênese e mucopolissacaridose, sendo que esta última possui um projeto multidisciplinar independente.

Do ponto de vista da psicologia, proporcionamos atendimentos á mães e crianças da unidade e implementamos atividades na brinquedoteca, como o brincar livre e atendimento individual e grupal. Também, realizamos grupos semanais com os pacientes baseados no trabalho com Contos de Fada, que consistia na utilização da leitura de um conto como recurso lúdico para trazer à tona possíveis sentimentos, medos, crenças, fantasias pertencentes ao imaginário infantil, assim como aspectos positivos, associando-os ao processo de hospitalização.

Também, foi utilizado o desenho livre como técnica projetiva para visualizar a percepção da criança a respeito do conto de fada ou história exposta. Concluimos que conteúdos da história de vida de cada criança emergiam tanto na verbalização quanto na simbolização da história, ao passo que proporcionava uma maior interação entre os pacientes da enfermaria.

Desta forma, foi possibilitado um breve contato com a clínica infantil no contexto hospitalar, que envolve dinâmicas próprias do período do desenvolvimento de cada criança, bem como do contexto familiar em que as mesmas estão inseridas.

 

Saúde do adulto

O rodízio nas enfermarias de saúde do adulto deu-se em uma enfermaria de clínica médica, uma de infectologia e uma de cardiologia. Pudemos vivenciar as dinâmicas de funcionamento de cada uma delas, buscando nos inserir nas discussões da residência médica, de forma a contribuir com a prática multiprofissional. Identificamos alguns impasses na inserção em determinadas unidades devido à dificuldade de alguns profissionais no traquejo com a atuação do psicólogo e do trabalho coletivo de uma equipe multiprofissional.

Um aspecto inferido sobre esta dificuldade identificada está relacionado à característica de hospital universitário da Instituição, onde a alta rotatividade dos alunos e residentes interfere na dinâmica da unidade. Além disso, ressalta-se que os ingressos de 2010 constituem a primeira turma de residentes não médicos do Complexo1, cuja realidade os funcionários do hospital não estavam familiarizados.

No âmbito da psicologia, a atuação ocorreu através de atendimentos psicológicos individuais aos pacientes e familiares dos mesmos, quando necessário. Estes atendimentos visavam oferecer um espaço de escuta, suporte e acolhimento aos mesmos diante do adoecimento e hospitalização. A psicologia também atuou diante da equipe no manejo com alguns pacientes, bem como estando atenta às suas demandas e distinguindo-as das demandas trazidas por profissionais e familiares.

O rodízio nas unidades de tratamento intensivo, Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Geral e Unidade Coronariana (UCO), teve o objetivo de possibilitar aos residentes a vivência do cuidado ao paciente grave, bem como as especificidades da dinâmica de trabalho dessas unidades. Enquanto unidades fechadas, as mesmas possibilitavam, inclusive pela configuração do espaço físico, uma interação maior entre os profissionais, viabilizando a multiprofissionalidade. Ambas contavam com profissionais da medicina, enfermagem, fisioterapia e nutrição, tendo suporte da farmácia e serviço social, não havendo atuação da psicologia nestas unidades.

Enquanto residentes, participamos das visitas médicas ocorridas diariamente, onde a multiprofissionalidade começou a ser exercida nas discussões de casos clínicos. Como fazer psicológico, realizamos atendimentos individuais aos pacientes que estavam contactantes, bem como suporte aos familiares, mantendo um vínculo estreito com o serviço social na atuação nos horários de visitas, bem como no suporte aos familiares diante do óbito e do boletim médico.

 

Atuação em equipe

Uma atividade da residência desenvolvida em todos os rodízios das unidades foram as discussões multiprofissionais de casos clínicos, feitas pelos residentes, com a participação de preceptores e tutores das diversas áreas. Tal atividade não estava, inicialmente, prevista no projeto pedagógico da residência. Porém, percebeu-se pelos residentes, ao longo do primeiro ano, a necessidade desta interlocução, a fim de revisitar os planos terapêuticos para cada paciente, bem como implementar a contribuição de seu saber com a outra profissão, facilitando o diálogo com outros profissionais. Assim, a apresentação do paciente para a discussão é didaticamente dividida em dois momentos: a colocação de dados psicossociais e o parecer do estado clínico do paciente, ressaltando o plano de cuidados para o mesmo proposto por cada profissional.

No que tange à experiência da Psicologia, tais reuniões demonstraram comumente a construção conjunta de planos de atuação com outras categorias até então não visualizadas. Ficou evidente a atuação com o Serviço Social em diversos momentos. Contudo, nos impressionamos com as possibilidades de interlocução com as demais profissões, como as contribuições com a farmácia, por exemplo, no manejo de conteúdos psíquicos do paciente que interferem na adesão ao tratamento.

A questão da multiprofissionalidade era um objetivo exposto pelo projeto de residência. Ao iniciar a prática, preconizou-se a idéia que fossemos multiplicadores dessa práxis junto às equipes das diversas unidades que seriam campos de ação. Porém, como disseminar uma ação sem um conhecimento contundente prévio? Parece que há um consenso de que a formação do profissional de saúde não oferece o conhecimento basal para isso, sendo que na psicologia tal aspecto é gritante, já que, no geral, os conteúdos acadêmicos não privilegiam o manejo da interdisciplinaridade na saúde.

O contato intenso e diário favoreceu a apropriação do espaço psicológico dentro da equipe multiprofissional composta pelos residentes e a criação de um fazer multiprofissional. Contudo, a curta permanência em cada unidade devido à dinâmica dos rodízios, prejudicou a interação com os profissionais fixos da unidade e, por vezes, com os residentes de cada grupo. Isso se deve à especificidade da clínica psicológica em priorizar o vínculo terapêutico, acarretando no acompanhamento do paciente até a sua alta, independente das transferências e permutas entre diversas unidades. Por esse motivo, quando havia a mudança de unidade pelo grupo, nós, residentes de psicologia, normalmente permanecíamos atendendo pacientes na unidade anterior, atuando, assim, simultaneamente em duas ou mais unidades no decorrer do ano.

Ao mesmo tempo em que o contato intenso entre membros da equipe multiprofissional proporcionou um grande aprendizado a respeito do fazer coletivo, o fazer individual de cada profissional às vezes não esteve claramente manifesto. Diferenciar a prática profissional individual do fazer coletivo foi um desafio, principalmente no que tange ao destaque de profissões que não comungam do discurso predominantemente biologicista para demonstrar a sua forma de atuação.

A proposta multiprofissional na formação do psicólogo acaba por esbarrar na temática da generalização do conhecimento biológico. Isto porque se recorre ao que é comum àqueles profissionais, a fim de somar as demandas convergentes, quando o psicólogo da saúde está a serviço da singularidade do paciente. Do que sofre? O que do internamento lhe mobiliza? É a hospitalização que lhe angustia, a doença ou outras questões que não estão relacionadas com a hospitalização? Ou trata-se, na verdade, de eventos estressores que emergiram neste contexto por uma cena, um som, uma notícia, uma dor, ou tudo isto?

Estas são algumas das perguntas que ocorrem ao psicólogo no curso de acompanhamento de um paciente. E só a este profissional cabe se questionar acerca destes aspectos pela própria natureza do seu objeto de estudo. Afinal, humanização, o reconhecimento do paciente como um outro e tratá-lo como tal, é papel geral da equipe, porém militar pela subjetividade do outro, escutando o seu sofrimento e manejando-o frente ao imperativo da terapêutica clínica é o lugar reservado ao psicólogo.

Neste momento, vale salientar que esta é uma tarefa difícil. O paciente, geralmente, chega aos serviços de saúde à procura do médico, entendendo-o como aquele que sabe sobre sua doença e pode curá-lo. Então, como pode o residente de psicologia situar o diferente no discurso biológico? Uma vez entendida esta demanda inicial, nossa prática mostra que este movimento deve ser firme, porém paciente e cuidadoso. Firme porque não se pode titubear na oferta e sustentação do lugar do atendimento. Paciente e cuidadoso porque a inserção vem se dando de forma gradativa, em um ambiente predominantemente biologicista, onde o discurso subjetivo causa estranheza e pode ser mal compreendido.

Resgatando esse primeiro ano, suas experiências e vicissitudes, podemos destacar como ganho central um grande avanço no manejo institucional. Isto porque conseguimos traduzir e fazer-se compreender no que tange os termos específicos da psicologia para os demais profissionais, capacitando-nos a elencar quais dos aspectos subjetivos do paciente devem ser transmitidos à equipe, salvaguardadas pelo nosso código de ética profissional, além de conhecer as rotinas institucionais de um hospital, transitando de maneira segura por diferentes espaços.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Larissa Correia Mendes
E-mail: laricmendes@yahoo.com.br
Luciana da Paz Matos
E-mail: lupazmatos@yahoo.com.br
Maria Fernanda Schindler
E-mail: lupazmatos@yahoo.com.br
Mayra Tomaz
E-mail: mayratfreire@gmail.com
Sheyna Cruz Vasconcellos
E-mail: sheynavasconcellos@yahoo.com.br

 

 

* Psicóloga, Residente Multiprofissional em Saúde Hospitalar do Complexo HUPES- BA- E-mail: laricmendes@yahoo.com.br
** Psicóloga, Pós-graduanda em Psicologia Analítica, Residente Multiprofissional em Saúde Hospitalar do Complexo HUPES - E-mail: lupazmatos@yahoo.com.br
*** Psicóloga, Pós-graduanda em Psicologia Analítica, Residente Multiprofissional em Saúde Hospitalar do Complexo HUPES.
**** Psicóloga, Pós-graduanda em Psicomotricidade, Residente Multiprofissional em Saúde Hospitalar do Complexo HUPES- E-mail: mayratfreire@gmail.com
***** Coord. do Serviço de Psicologia do Complexo HUPES; Preceptora e Vice-coordenadora da Residência Multiprofissional em Saúde - Hupes Coord. do Serviço de Psicologia do Núcleo de Obesidade (NTCO), Mestre em Família na Sociedade Contemporânea (Ucsal), Especialista em Psicologia Hospitalar (Ruy Barbosa); Especialista em Teoria da Clínica Psicanalítica (UFBA), Docente da Universidade Jorge Amado – UNIJORGE; Membro da Diretoria da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar - E-mail: sheynavasconcellos@yahoo.com.br
1 Vale destacar que no hospital já havia a residência de nutrição clinica coordenada pela Faculdade de Nutrição da Universidade Federal da Bahia, onde o Hospital Universitário Edgard Santos era um dos campos de prática.

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