SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.15 número1Estresse hospitalar em equipe multidisciplinar de hospital público do interior de RondôniaVariáveis individuais e familiares na adesão ao tratamento, controle metabólico e qualidade de vida em adolescentes com diabetes tipo 1 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.15 no.1 Rio de Janeiro jun. 2012

 

ARTIGOS

 

Psicologia Hospitalar: reflexões a partir de uma experiência de estagio supervisionado junto ao setor Obstétrico-Pediátrico de um Hospital Público do interior de Rondônia

 

Health Psychology: reflections from a supervised experience along sector Obstetric-Pediatric in the Public Hospital of the interior of Rondônia

 

 

Ana Nóbrega da Silva*,I; Cleber Lizardo de Assis**,II; Leila Gracieli da Silva***,III; Marivone Fátima de Assis Rodrigues***,III; Josélia Lúcia Grinivold de Souza***,III; Roseni Romualdo Masieiro***,III; Marcilene Rodrigues Silva***,III

I Hospital Municipal Materno Infantil de Cacoal, RO
II Faculdades Integradas de Cacoal, UNESC, RO
III Curso de Psicologia das Faculdades Integradas de Cacoal, UNESC, RO

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Introdução: Desde a década de 1970, a Psicologia questiona sua atuação clínica, em nome de uma atuação mais social, que marca o contexto de nascimento da Psicologia Hospitalar no Brasil; Objetiva-se, embasado nos aportes teóricos da Psicologia Hospitalar e da Psicologia Pediátrica e Obstétrica, discutir o real papel da Psicologia no hospital a partir de uma experiência de estágio supervisionado no Norte do Brasil. Método: utiliza-se neste trabalho o "Relato de Experiência" a partir de oficinas e intervenções grupais; Resultado: a partir das intervenções que ocorreram nos setores obstétrico realizaram-se oficinas terapêuticas com mães, cuidadores e pacientes internos, sobre o processo de adoecimento e seu manejo; no setor obstétrico abordou-se os aspectos psicológicos ligados ao aleitamento materno, a díade mãe-bebê, orientações técnicas sobre aleitamento, além de escutas grupais e individuais; na pediatria observou-se que os cuidadores foram capazes de compreender a importância do cuidar de si para cuidar do outro, reconhecendo na auto-estima um passo significativo para a melhora; na obstetrícia as gestantes e puérperas puderam desmistificar crenças errôneas acerca do aleitamento, diminuindo a angústia e a ansiedade oriundas do momento; Discussão: o hospital como local de prática hospitalar necessita priorizar uma prática multidisciplinar, ampliando o enfoque biomédico instalado classicamente; a equipe psi deve se munir teórica e tecnicamente, para contribuir para a superação de resistências, e favorecer o enfrentamento ao processo de adoecimento; buscou-se uma postura menos clinicalista-individual, mas abertura à práticas psico-educativas e terapêuticas breves; Conclusão: a atuação do psicólogo no contexto hospitalar é de extrema relevância, junto de quaisquer setores, em especial, no obstétrico e pediátrico, seja junto a pacientes, cuidadores e equipe de trabalho; tal prática deve ocorrer de forma multidisciplinar, demarcando de forma teórica, técnica e ética esse locus que vem se consolidando em espaço profissional do Psicólogo no Brasil; destaca-se ainda, a relevância dos estágios acadêmicos supervisionados como mecanismos na formação de estudantes de Psicologia e na consolidação da Psicologia Hospitalar nessa região.

Palavras-chave: Psicologia Hospitalar, Psicologia Pediátrica, Psicologia Obstétrica, Cuidador, Oficinas Terapêuticas.


ABSTRACT

Introduction: Since the year 1970, the Psychology have a clinical questions about his clinical actions on behalf of a more social context that marks the birth of the Health Psychology in Brazil; Objective in this study, based on the theoretical contributions of Health Psychology and Pediatric Psychology and Obstetrics, discuss the actual role of Psychology in hospital from a supervised in tern ship experience in Northern Brazil; Method: used in this work the "Experience Report" from workshops and group interventions; Result: from interventions that have occurred in sectors obstetric therapeutic workshops were held with mothers, caregivers and in patients on the disease process and its management; In sector obstetric addressed to the psychological aspects related to breastfeeding, the mother-infant dyad, technical guidance on breast feeding, as well as group and individual listeners; In Pediatrics found that caregivers were able to understand the importance of caring for them selves to care for others, recognizing the self-esteem a significant step towards the improvement; In obstetrics pregnant and post partum women could dispel erroneous beliefs about breastfeeding, reducing distress and anxiety arising from the time; Discussion: the hospital as a place to practice prioritizing hospital needs a multidisciplinary practice, expanding the biomedical approach classically installed, the team should equip "psy" theoretically and technically, to help overcome resistance and encourage the confrontation with the disease; sought it is a posture less clinical-individual, but the opening brief therapeutic and practices psycho-educative; Conclusion: the psychologist in the hospital setting is extremely important, along with all sectors, especially in pediatric and obstetric, whether with patients, caregivers, and staff, this practice should occur in a multidisciplinary, marking up the theoretical, technical and ethical that this locus has been consolidating space professional psychologist in Brazil; is also noted the relevance of academic internships as mechanisms supervised the training of students of Psychology and Health Psychology of consolidation in this region.

Keywords: Hospital Psychology, Pediatric Psychology, Psychology Obstetric, Caregiver, Workshops.


 

 

Introdução

Com a crise da Psicologia Clínica na década de 70 surgiram demandas que indicaram um repensar na atuação do psicólogo, que por sua vez deparou-se com a necessidade de buscar espaços onde não estava inserido anteriormente (Sebastiani & Maia, 2005). É nesse contexto de crise que a Psicologia encontra subsídio para uma reavaliação de suas práticas (Sebastiani & Maia, 2005), em especial, se constituindo nesse período um campo de atuação e reflexão teórica da Psicologia da Saúde (Almeida & Malagris, 20111).

No Brasil, ainda na década de 70, as Políticas Públicas de Saúde focaram-se nos aspectos preventivos com o intuito de atingir uma maior parcela da população, desta forma a Psicologia e outras profissões conquistam espaço na saúde, interdisciplinalizando o modelo biomédico dicotomizador (Sebastiani & Maia, 2005; Almeida & Malagris, 2011).

Ainda segundo Sebastiani e Maia (2005), as Ações Integradas de Saúde (AIS) possibilitaram a entrada do psicólogo nas equipes de saúde de forma legítima e autônoma. Somente em dezembro de 2000 o Conselho Federal de Psicologia (CFP) promulgou a Resolução de Nº 014 que regularizou, entre outros títulos de especializações, a Psicologia Hospitalar.

Nesse sentido, Chiattone (2006) pontua que o psicólogo inserido no contexto hospitalar necessita desenvolver múltiplas competências, dentre as quais destaca-se a prática profissional, a integração com a equipe multidisciplinar e a pesquisa.

A partir desta breve contextualização, esse trabalho tem como objetivo, embasado nos aportes teóricos da Psicologia Hospitalar, da Psicologia Pediátrica e Obstétrica, discutir o real papel da Psicologia no hospital a partir de uma experiência de estágio supervisionado junto aos setores pediátrico e obstétrico de um hospital no Norte do Brasil. Para a consecução desse objetivo, apresentaremos uma revisão conceitual sobre a Psicologia Hospitalar, Psicologia Obstétrica e Psicologia Pediátrica para, enfim, descrevermos nosso método de trabalho, resultados e discussão da experiência.

 

A Psicologia Hospitalar

De acordo com as definições do CFP (2001), cabe ao psicólogo hospitalar: 1) Atuar em instituições de saúde de nível secundário ou terciário; 2) Atuar em instituições de ensino superior ou centros de estudo e de pesquisa voltado para o aperfeiçoamento de profissionais ligados à sua área de atuação; 3) Atender a pacientes, familiares, comunidade, equipe, e instituição visando o bem estar físico e mental do paciente; 4) Atender a pacientes clínicos ou cirúrgicos, nas diferentes especialidades médicas; 5) realizar avaliação e acompanhamento em diferentes níveis do tratamento para promover e ou recuperar saúde física e mental do paciente; e 6) Intervir quando necessário na relação do paciente com a equipe, a família, os demais pacientes, a doença e a hospitalização.

Chiatone (2006) destaca que o termo "psicologia hospitalar" tem sido utilizado no Brasil para referir-se a atuação do profissional psicólogo inserido no contexto hospitalar. Simonetti (2004) conceitua "a Psicologia Hospitalar como campo de entendimento e tratamento de aspectos psicológicos atrelados ao adoecimento". Os aspectos psicológicos são descritos pelo referido autor como manifestações subjetivas da doença.

De acordo com Sá et al. (2005), o trabalho do psicólogo hospitalar desenvolve-se tanto na condição de prevenção primária, através de medidas de educação e reorganização social, trabalhando com os problemas ou situações presentes que podem desencadear ou favorecer o aparecimento de doenças, como também na área de prevenção secundária, ou seja, em situações de crise, com o objetivo de evitar que os problemas atinjam um estado crônico.

Para Simonetti (2004), ao tratar da psicologia hospitalar como campo de tratamento dos aspectos psicológicos do adoecimento, define esse adoecimento se dá quando o sujeito humano, carregado de subjetividade, esbarra em um "real", de natureza patológica, denominado doença, presente em seu próprio corpo, produzindo uma infinidade de aspectos psicológicos que podem se evidenciar no paciente, na família, ou na equipe de profissionais.

Ainda segundo Simoneti (2004), a psicologia hospitalar não trata da doença apenas com causas psíquicas, classicamente denominadas "psicossomáticas", mas sim dos aspectos psicológicos de toda e qualquer enfermidade, dando ênfase de que toda doença possui aspectos subjetivos e psicológicos, e por isso pode se beneficiar do trabalho do psicólogo hospitalar.

A atuação do psicólogo hospitalar viabiliza oportunidades para que o paciente expresse suas emoções, descubra a melhor maneira de lidar com as limitações impostas pela doença/hospitalização, dê significado à sua doença dentro do seu contexto de vida e trabalhe suas questões emergenciais, onde o objetivo principal é o reconhecimento do paciente como um todo (Alamy, 2003).

Perestrelo (1982), citado por Fongaro e Sebastiani (2003) relata que faz parte da vivência do psicólogo hospitalar lembrar-se de que nada vale ter diagnósticos e dados concretos sobre a patologia, seu prognóstico e técnicas de intervenção se não atentar-se ao fato de estar lidando com pessoas doentes e não com a doença propriamente dita. Desconhecer a história do paciente equivale a negligenciar o próprio sentido deste trabalho.

Numa rica discussão sobre o "paradoxo" experimentado pela psicologia hospitalar no contexto da medicina tradicional e do hospital geral é tratado por Mosimann e Lustosa (2011), para além da psicologia médica e da confrontação entre saberes e práticas legitimamente constituídas, mas buscando um diálogo e aperfeiçoamento permanente, a partir de uma "predisposição para a compreensão do homem em sua totalidade, seu diálogo entre mente e corpo, sua condição biopsicossocial, política, e espiritual" (Mosimann & Lustosa, 2011, p. 228).

Simonetti (2004) ressalta que para desempenhar bem sua função, além do bom senso, o psicólogo precisa ter o domínio dos recursos psicológicos, técnicos e científicos e das técnicas de intervenção. Para Sá (2005) a terapia breve é a mais apropriada justamente por se tratar de um ambiente hospitalar.

O psicólogo hospitalar pode atuar em vários setores no hospital, trabalhando interdisciplinarmente com os demais profissionais da saúde, nesse sentido, o presente Relato de Experiência trata de um trabalho desenvolvido nos setores obstétrico e pediátrico de uma Instituição Pública do interior de Rondônia, a partir de uma experiência de estágio supervisionado.

 

Psicologia Pediátrica

Para Viana e Almeida (1998), a Psicologia Pediátrica é uma área da psicologia geral da saúde, focada em uma faixa etária específica que realiza intervenções de acordo com a personalidade da criança, o meio social envolvente, aspectos familiares, idade, sexo, patologia e a maneira que estas reagem à doença.

Ainda segundo os autores supracitados, é necessário considerar a cronicidade da doença e quais os tratamentos a serem realizados, uma vez que estes determinarão o tempo de internação ou a freqüência de idas ao hospital, o que implica diretamente na qualidade de vida possível para a criança e seu desenvolvimento.

Mesibov e Johnson (1982) citado por Viana e Almeida (1998), apontam três alvos principais de prevenção a serem alcançados pelos psicólogos que atuam na Pediatria, a saber: a educação dos pais, que engloba desde a informação e apoio até a comunicação entre pais e filhos. A avaliação e intervenção precoce, a serem desenvolvidas em populações de alto-risco e famílias sócio-economicamente desfavorecidas e por fim, o desenvolvimento de competências sociais em crianças, que visa implementar estratégias de resolução de problemas, compreensão das perspectivas dos outros e aptidões sociais.

 

Psicologia Obstétrica

Na Psicologia Obstétrica, compete ao profissional psicólogo atuar frente ao universo feminino, abarcando a identidade da mulher, seu ser, seu corpo e sua sexualidade, bem como períodos significativos de sua maturação, a saber: a gestação, o parto e o puerpério. Essa vertente da psicologia, segundo Camon (1996), objetiva preparar a mulher e/ou o casal para os aspectos evolutivos próprios da gestação, visando um maior entendimento das possíveis alterações psíquicas, das fantasias e dos papéis a serem desempenhados por mãe e pai.

De acordo com Winnicott (2006), à mãe são atribuídas as seguintes funções: segurar, manipular e apresentar o objeto. Ainda segundo o referido autor, ao consideramos um bebê, devemos considerar também as condições ambientais em que ele está inserido e, por trás delas, devemos considerar a mãe, uma vez que esta desempenhará o papel de facilitar a organização do ego do bebê, por meio do processo de identificação.

A amamentação pode ser entendida como um investimento parental, pois oferece a oportunidade de aprofundar a ligação entre mãe e filhos, entretanto, as gestantes podem vir a ter dificuldades pessoais muito grandes neste sentido, em função de conflitos internos ou experiências da infância (Winnicott, 2006).

Segundo Gomes (2003), a amamentação proporciona uma ligação mais íntima entre a díade mãe-bebê, satisfazendo de modo mais amplo as necessidades de ambos, conferindo segurança emocional, num momento que é insubstituível, tornando esse vínculo qualitativo.

 

Método

Para a realização do Estágio Supervisionado geral e a intervenção proposta foram utilizados diversos recursos metodológicos tais como a pesquisa bibliográfica, observação-participante, dinâmicas de grupo, entrevistas semi-estruturadas, intervenções psicossociais com cuidadores e crianças usuárias do setor de pediatria através de oficinas terapêuticas, sendo que todo o processo de estudo, planejamento e intervenção foi supervisionado por um docente universitário.

Para uma melhor compreensão dos procedimentos utilizados, dividimos as atividades em duas etapas, sendo que a primeira consistiu-se das atividades realizadas na ala da obstetrícia, onde ocorreram orientações individuais sobre os aspectos psicológicos da amamentação. A segunda etapa incidiu-se sobre as vivências de pacientes e acompanhantes na ala pediátrica do hospital, através da realização de oficinas terapêuticas.

Primeira etapa: Na obstetrícia foi realizado acolhimento, seguido de orientação às puérperas e gestantes. Este procedimento teve como base entrevistas semi-estruturadas de caráter diagnóstico. As orientações ocorreram no período de fevereiro a dezembro de 2010 e participaram aproximadamente 344 puérperas e gestantes. As intervenções tiveram como objetivo orientar as participantes acerca dos aspectos psicológicos da amamentação, enfocando o vínculo mãe-bebê.

Segunda etapa: Na pediatria, as oficinas eram realizadas com todos os pacientes e acompanhantes das enfermarias, sendo que para cada enfermaria realizava-se uma oficina terapêutica. As oficinas terapêuticas ocorreram no período de fevereiro a dezembro de 2010, totalizando 172 oficinas terapêuticas com aproximadamente 516 internos com seus respectivos acompanhantes.

As oficinas terapêuticas aconteciam de acordo com o seguinte roteiro: apresentação das estagiárias, apresentação dos pacientes e seus acompanhantes (nome e motivos da internação), contextualização por parte das estagiárias do momento que estavam vivenciando (questionamentos acerca de como é estar no hospital, medo de que os procedimentos ocasionassem dor e outros sentimentos), apresentação da cesta de higiene pessoal, realização da oficina e feedback.

 

Roteiro detalhado da oficina terapêutica

Objetivo: Trabalhar a auto-estima e a interação entre acompanhantes e pacientes.

Materiais: Uma cesta com produtos de higiene pessoal e estética (sabonete, creme dental, escova de dentes, papel higiênico, absorventes, cotonetes, cortador de unha, lixa de unha, removedor de esmalte, lenço umedecido, lenço de papel, hidratante corporal, escova de cabelo, gel fixador, prendedores de cabelo, creme de pentear, baton, brilho labial entre outros); material lúdico e didático para os pacientes (folha sulfite em branco, lápis-de-cor, bexigas e origames). Contamos ainda com um espelho grande (apelidado de "camarada").

As etapas da Oficina

O grupo se apresenta e solicita a apresentação individual do paciente e seu acompanhante.

Aborda-se brevemente a respeito das dificuldades encontradas no contexto hospitalar pelos internos e acompanhantes. Explica-se o que irá acontecer e em seguida uma integrante do grupo apresenta individualmente o "Camarada" e faz perguntas como: "você esta gostando do que esta vendo?", "tem algo que você poderia modificar na sua aparência nesse momento?"

Em seguida, a cesta é colocada a disposição dos participantes e os mesmos são incentivados a usar os produtos. Após o uso dos produtos o "Camarada" é passado novamente e pergunta-se o que foi modificado em cada participante e como ele está se sentindo com essa mudança.

Finalmente, realiza-se o feedback, onde são enfatizados os aspectos relacionados à auto-estima, ansiedade, estados de humor e suas respectivas influências no quadro clínico do paciente. Durante toda a realização da oficina utiliza-se uma linguagem simples e acessível, utilizando exemplos de situações cotidianas, dando aos participantes a oportunidade de relatarem como foi participar da oficina terapêutica.

 

Resultados

Organizaremos os resultados, conforme os setores de intervenção, quais sejam, a obstetrícia e a pediatria, como segue:

Na obstetrícia, as dúvidas mais freqüentes foram acerca da forma correta de amamentar, sobre o fato de "não ter leite", fissuras nos mamilos, se apenas o leite materno é suficiente para nutrição do lactante, sobre o apoio familiar e mitos como: "leite ser fraco", "não poder amamentar porque a mãe não amamentou", "o bebê não querer mamar". As dúvidas foram esclarecidas, tomando por base as orientações do Ministério da Saúde (2004).

Paralelo a essa experiência de estágio realizou-se coleta de dados sobre a experiência do amamentar, observou-se que apenas 2% das gestantes e puérperas atribuem importância aos aspectos psicológicos ao aleitamento materno (Silva, Rodrigues, Silva, Souza, Masierio, Silva e Fonseca, 2010), de maneira que o restante ressalta que o ato de amamentar limita-se à nutrição e desenvolvimento do bebê.

Este dado fomenta a necessidade da atuação do psicólogo como fator relevante, visto que a díade mãe-bebê é de suma importância para o futuro bem-estar do indivíduo como ser biopsicossocial. A mãe que amamenta proporciona um ambiente facilitador para seu filho e constrói com este ato a base para o desenvolvimento mental saudável do bebê (Winnicott, 2006), o que está de acordo com Papalia, Olds e Feldman (2006) que apresentam a amamentação como um ato tanto emocional quanto físico, onde o contato do bebê com o corpo da mãe fortalece o vínculo emocional entre a díade.

Bortolleti et al. (2008), na perspectiva Winnicotiana, conceituam que a mãe é capaz de captar a angústia do recém-nascido, diluindo esse sentimento e devolvendo a ele o bem-estar. É graças a esse processo que uma mãe consegue fazer cessar o choro do seu bebê quando ninguém mais é capaz de fazê-lo.

No tocante à nutrição, Winnicott (2006) argumenta que a mãe que amamenta seu bebê não tem que se preocupar com gorduras e proteínas, sua atenção deve estar concentrada em vivenciar a maternidade. No entanto, existem mães que não conseguirão desempenhar bem esta função "mãe dedicada comum", e se assim ocorrer, compete ao profissional Psicólogo averiguar os conteúdos manifestos e latentes trazidos pela mãe e seu contexto social para posteriormente exercer sua intervenção.

De acordo com Winnicott (2006), a mãe também já foi um bebê e traz com ela as lembranças de tê-lo sido, ela possui recordações de que foi cuidada por alguém e estas lembranças tanto podem ajudar quanto atrapalhar em sua experiência como mãe, a resposta a questão da não adesão ao aleitamento materno pode estar ligada a essa questão.

Na Pediatria observa-se que a preocupação com o bem-estar da criança baliza todo o atendimento pediátrico no hospital, do acolhimento à internação, a equipe inteira necessita de treinamento para transmitir tranqüilidade e segurança aos pequenos pacientes e aos seus cuidadores, de modo a reduzir a ansiedade e a incerteza diante de um quadro hospitalar (Ministério da Saúde, 2004). Essa é uma realidade a ser conquistada no contexto hospitalar do interior de Rondônia.

São comuns nas vivências de estágio, verbalizações do tipo: "não vai doer nada", "é só uma picadinha", "homem não chora", entre outras, tanto por parte dos cuidadores como da equipe de profissionais da saúde, tais fatores subsidiam a atuação do Psicólogo Hospitalar, que intervêm viabilizando estratégias de enfrentamento da dor pelos pacientes e de orientações junto aos cuidadores e equipe de trabalho.

Em relação aos cuidadores, notamos que sofrem um grande desgaste emocional, e para Damas, Munari e Siqueira (2004), o ato de zelar por alguém só existe quando é sentido, vivido e experienciado, isto envolve respeitar ao outro e a si mesmo como ser humano, na certeza de que "ninguém pode dar ao outro o que não tem."

Através das oficinas terapêuticas os cuidadores puderam perceber o quanto é importante estar bem para cuidar do outro e que a auto-estima também cumpre papel positivo para que haja uma mudança significativa tanto para os cuidadores quanto para os pacientes.

 

Discussão

Os resultados desenvolvidos e encontrados nessa intervenção e à luz da revisão da literatura científica pertinente, permitiu vislumbrar a crítica que se fazia ao atuar meramente clínico da psicologia, feita desde a década de 70 e que levou ao psicólogo a repensar sua atuação de forma a buscar novos espaços e públicos que demandam esse profissional (Sebastiani & Maia, 2005).

Nesse aspecto, a intervenção exigiu da equipe de estagiários, uma postura menos "clinicalista" e menos "individualizante", desde a prática de iniciação do estágio, levando o grupo a ampliar seu olhar clínico, a consideração de demandas grupais e a própria dinâmica grupal importante no processo de atuação, além de algo que se exige nesse contexto, a atuação interdisciplinar diante de um modelo biomédico consolidado na instituição hospitalar.

Em relação às habilidades e competências das estagiárias junto ao contexto hospitalar, em especial, junto a esses setores obstétrico e pediátrico, exigiu estudo do histórico e enfoques da Psicologia Hospitalar no Brasil, considerando os aportes teóricos e metodológicos desenvolvidos por profissionais históricos dessa área, como o diálogo junto à equipe multidisciplinar (Chiattone, 2006), mesmo que de forma limitada pelo contexto extremamente intenso do hospital.

Em relação às intervenções junto ao setor obstétrico, mediante as dúvidas das mulheres em torno do aleitamento, da relação mãe-bebê e diversos mitos acerca da nutrição, exigiu da equipe, além de uma escuta das angústias e fantasias maternas, uma postura mais "psicopedagógica", ao buscar elementos teórico-práticos formalizados, por exemplo, pelo Ministério da Saúde (2004), da clínica pediátrica importante de Winnicott (2006), onde a díade mãe-bebê ganhara ênfase, em especial, nos significados psicológico do aleitamento.

Ou seja, nesse contexto, fez-se necessário, a realização de um trabalho de educação e orientação, com aspecto profilático, junto às lactantes e equipe profissional, o que exige um plano de leitura e de estudos guiados por um profissional.

Os mesmos elementos discutidos acima, serviram para a atuação junto ao setor pediátrico, com o enfoque especial junto à equipe multiprofissional deste setor, no específico dos cuidados ministrados à criança internada, de forma a constituir um ambiente de tranqüilidade e segurança, bem como de redução de níveis altos de ansiedades nesse estado de hospitalização, conforme preoconizado pelo próprio Ministério da Saúde (2004).

Percebemos o fenômeno destacado por Damas, Munari e Siqueira (2004), em relação ao grande desgaste emocional dos profissionais deste setor, o que apontou à equipe breves intervenções na perspectiva de cuidar de quem cuida, com efeitos positivos.

Em relação à discussão desenvolvida por teóricos e profissionais da Psicologia Hospitalar, a atuação da equipe nesses setores hospitalares permitiu vislumbrar a importância do psicólogo junto aos aspectos psicológicos do processo de adoecimento, seja por parte de crianças, mãe e acompanhantes e equipe de trabalho (Simonetti, 2004), com especial atenção às recomendações do CFP (2001), ao atender esses pacientes, familiares e equipes, visando promover bem-estar e enfrentamento ao processo de adoecimento.

Foi necessário, ainda, deslocar de uma postura clássica de clínica, mais individual e de escuta, para o que desafia Sá et al. (2005), sobre uma atuação também educativa a partir de problemas ou situações presentes dos setores obstétricos e pediátricos que poderiam desencadear ou favorecer o aparecimento de doenças.

Acolheu-se ainda, uma postura defendida tanto por Alamy (2003), Perestrelo (1982), apud Fongaro e Sebastiani (2003), ao extrapolar o diagnóstico e a doença, reconhecer o paciente como sujeito em sua constituição integral, tais como sua história, conhecimentos e potencialidades de enfrentamento, através do que Sá (2005) denomina como "terapia breve", mais apropriada nesse contexto.

 

Conclusão

De maneira geral as vivências do estágio curricular proporcionaram oportunidade de atuação teórico-prática, unindo os saberes da Psicologia da Saúde e da Psicologia Hospitalar em dois contextos que envolvem grande complexidade, Pediatria e Obstetrícia.

Percebeu-se uma dificuldade de aceitação da Psicologia no ambiente hospitalar, mesmo que este exija um caráter multidisciplinar, mas por outro lado, profissionais com certa resistência à novidade, logo foram assimilando e sendo beneficiados junto às suas próprias intervenções junto aos pacientes.

Nesse sentido, para além da predominância de um modelo biomédico estabelecido, confirmou-se a certeza de que compete ao psicólogo inserir nesse contexto, fazendo da sua atuação um meio de divulgar a relevância do seu trabalho, resgatar a subjetividade do paciente, tão comumente desconsiderada por esse modelo tradicional hospitalar.

A atuação do psicólogo hospitalar ainda é um desafio, o que se evidenciou nessa região do país que se constitui em novidade, cabendo a esse profissional contribuir para a humanização da equipe multidisciplinar, auxiliando-a no trato e manejo do sofrimento dos sujeitos hospitalizados, visto que a situação não os exclui da condição de seres humanos.

Em suma, a atuação do psicólogo no contexto hospitalar é de extrema relevância, junto de quaisquer setores, em especial, no obstétrico e pediátrico, seja junto a pacientes, cuidadores e equipe de trabalho; tal prática deve ocorrer de forma multidisciplinar, demarcando de forma teórica, técnica e ética esse locus que vem se consolidando em espaço profissional do Psicólogo no Brasil;

Nesse sentido, a experiência dos estágios acadêmicos supervisionados podem se configurar como dispositivos de uma nova práxis de uma Psicologia que se quer humanizante, promotora da saúde e da cidadania de sujeitos, mais que pacientes.

 

Referências

Alamy, S. (2003). A prática hospitalar como atuação do psicólogo. Recuperado em 22 de junho de 2010, da Scielo (Scientific Eletrocnic Library Online): http://susanaalamy.sites.uol.com.br/psicopio_n1_17.pdf.         [ Links ]

Almeida, R.A., & Malagris, L.E.N. (2011). A prática da psicologia da saúde. Rev. rsbph [online], 14(2), 183-202.

Bortoletti, F.F., Silva, M.S.C., & Tirado, M.C.B.A. (2008). Dificuldades psicológicas durante a gravidez. In H. Issler. (Org.). O aleitamento materno no contexto atual: políticas, práticas e bases científicas. (pp.364-368). São Paulo: Sarvier.         [ Links ]

Camon, V.A.A. (Org). (2003). E a psicologia entrou no Hospital. São Paulo: Thomson Learning.         [ Links ]

Carvalho, M.R. (2005). Amamentação: bases científicas. (2ª ed.). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.         [ Links ]

Chiattonne, H.B.C. (2006). A Significação da Psicologia no Contexto Hospitalar. In V.A. Angeroni-Camon (Org.). Psicologia da saúde: Um novo significado para a prática clinica. São Paulo: Thomson Learning.         [ Links ]

Conselho Federal de Psicologia. Resolução nº 014, 2001. Recuperado em 23 de março de 2010, da Scielo (Scientific Eletrocnic Library Online): http://pol.org.br/legislacao/pdf/resolucao2001_2.pdf.         [ Links ]

Damas, K.C.A., Munari, D.B., & Siqueira, K.M. (2004). Cuidando do cuidador: reflexões sobre o aprendizado dessa habilidade. Rev. Eletrôn Enfermagem, 6(2), Recuperado em 22 de junho de 2010, da Scielo (Scientific Eletrocnic Library Online): www.fen.ufg.br.         [ Links ]

Ferreira, T. (2004). Prêmio nacional professor Fernando Figueira: atenção humanizada e para todos, especialmente à criança. Brasília: Coronário Editora e Gráfica Ltda.         [ Links ]

Fongaro, M.L.H., & Sebastiani, R.W. (2003). Roteiro de Avaliação Psicológica Aplicada ao Hospital Geral. In V.A. Angeroni-Camon (Org.). E a Psicologia Entrou no Hospital. Valdemar Augusto (Org). São Paulo: Thomson Learning.         [ Links ]

Gomes, N.F.P. (2003). Vínculo afetivo e amamentação. Recuperado em 24 de março de 2010, da Scielo (Scientific Eletrocnic Library Online): www.aleitamento.com.         [ Links ]

Gorayeb, R. (2001). A prática da psicologia hospitalar. In M. L. Marinho, M.L., & Caballo, V.E. (Org.). Psicologia clínica e da saúde (pp. 263-278). Londrina/Granada: UEL/APICSA.

Brasil. Ministério da Saúde. (2004). Promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno Recuperado em 10 de abril de 2010, da Scielo (Scientific Eletrocnic Library Online): http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area.cfm?id_area= 1460.         [ Links ]

Mosimann, L.T.N.Q., & Lustosa, M.A. (2011). A psicologia hospitalar e o hospital. Rev. rsbph [online], 14(1), 200-232.

Nicácio, F.S. Psicologia Hospitalar: o que é psicologia hospitalar? Recuperado em 8 de maio de 2010, da Scielo (Scientific Eletrocnic Library Online): http://www.portaldeginecologia.com.br/modules.php?name=News&file=article&sid=62.

Papalia, A.E.D., Olds, W.S., & Feldman, D.R. (2006). Desenvolvimento Humano (D. Bueno, Trad.), (8a ed.). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Pinto, F.E.M. (2005). Manual de psicologia hospitalar. Psicologia: teoria e prática, (pp.239-242). Recuperado em 4 de fevereiro de 2010, da Scielo (Scientific Eletrocnic Library Online): http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/ptp/v7n2/v7n2a09.pdf.         [ Links ]

Sá, A.K.J.M.; Lima, A.E.N.; Santos, I.M.S.M., Clemente, L. (2005). Psicol. Cienc. Prof., Brasília, 25(3). Recuperado em 29 de março de 2010, da Scielo (Scientific Eletrocnic Library Online): http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932005000300005&lng=pt&nrm=iso.         [ Links ]

Sebastiani, W.R., & Maia, C.M.E. (2005). Contribuições da psicologia da saúde–hospitalar na atenção ao paciente cirúrgico. Recuperado em 4 de junho de 2010, da Scielo (Scientific Eletrocnic Library Online): http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-86502005000700010.         [ Links ]

Silva, L.G.; Rodrigues, M.F.A.; Silva, M.C.; Souza, J.L.G., Masieiro, R.; Silva, A.N. et al. (2010). Verbalizações de mães e gestantes quanto ao aleitamento materno para posterior treino de cuidados parentais. In III Congresso de Especialidades Pediátricas-Criança, Curitiba-PR, 2010.         [ Links ]

Simoneti, A. (2004). Manual de psicologia hospitalar: o mapa da doença. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Viana, V., & Almeida, J.P. (1998). Psicologia pediátrica: do comportamento à saúde infantil. análise psicológica (pp.29-40). Recuperado em 4 de novembro de 2010, da Scielo (Scientific Eletrocnic Library Online): http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aps/v16n1/v16n1a04.pdf.         [ Links ]

Winnicott, D.W. (2006). Os bebês e suas mães. (J.L. Camargo, Trad., M.H.S. Pato, Revisão técnica, (3ª ed.). São Paulo: Martins fontes.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Cleber Lizardo de Assis
E-mail: kebelassis@yahoo.com.br

 

 

* Psicóloga do Hospital Municipal Materno Infantil de Cacoal, RO.
** Psicólogo, Mestre em Psicologia/PUCMG, Doutorando em Psicologia/USAL-AR. Professor das Faculdades Integradas de Cacoal, UNESC, RO. Email :kebelassis@yahoo.com.br
*** Acadêmicas do curso de Psicologia das Faculdades Integradas de Cacoal, UNESC, RO.
1 Para um maior aprofundamento sobre o desenvolvimento da Psicologia da Saúde, recomendamos o artigo das autoras supracitadas que fazem um levantamento bibliográfico a respeito do tema, considerando seu surgimento nos EUA e seu desenvolvimento no Brasil.